A candidatura coletiva

É preciso recomendar candidaturas coletivas

Por Rogério Tadeu Romano*

Segundo as normas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não é possível se candidatar em grupo oficialmente. Apenas quem formalizar sua candidatura será eleito também e poderá exercer sua função política na câmara.

Pela constituição brasileira a legislação eleitoral trata a candidatura como um ato individual.

No entanto, nas eleições municipais do corrente ano, assistimos, no Brasil, várias chamadas “candidaturas coletivas”, pleiteando votos e algumas foram eleitas.

Já houve algumas eleitas em 2018.

Segundo um estudo da Raps, o Brasil tem experiências de mandatos coletivos desde 1995, mas eles conquistaram mais espaço nas últimas eleições. Atualmente, há pelo menos 20 em atuação nas casas legislativas do país. No total, todas as candidaturas coletivas que já disputaram uma eleição no Brasil conquistaram juntas mais de 1,2 milhão de votos.

Fala-se nas chamadas candidaturas coletivas.

Em um mandato coletivo, estão reunidas diversas pessoas com conhecimento e experiência em áreas específicas, pertencentes a diferentes setores sociais e partidos políticos. Sua missão é assumir o compromisso de ser um canal direto de intervenção da sociedade no poder público, de forma a somarem suas capacidades em áreas particulares e contribuírem na cocriação de projetos e na gestão da governança, agregando ao mandato múltiplas perspectivas e diferentes saberes.

Trata-se de algo novo no direito eleitoral e que não é objeto de prescrição no direito positivo.

Tudo começa pela identificação do candidato.

Acerca da Identificação do Candidato, José Jairo Gomes(Direito Eleitoral, 2020, pág. 406) afirma: “A identificação é feita nominal e numericamente. A primeira é disciplinada no artigo 12 da LE. Ao requerer sua candidatura, deve o pré-candidato indicar, além de seu próprio nome, as “variações nominais com que deseja ser registrado, até o máximo de três opções, que poderão ser o prenome, sobrenome, cognome, nome abreviado, apelido ou nome pelo qual é mais conhecido, desde que não se estabeleça dúvida quanto à sua identidade, não atente contra o pudor e não seja ridículo ou irreverente, mencionando em que ordem de preferência deseja registrar-se. Se o nome indicado puder confundir o eleitor, é facultado à Justiça Eleitoral exigir do candidato prova de que é conhecido por ele. A opção de nome será utilizada na urna eletrônica. Não sendo apontado o nome que deseja que conste na urna, mesmo depois de notificado para fazê-lo, o candidato concorrerá com seu nome próprio, o qual poderá ser adaptado ex officio no caso de homonímia ou de ultrapassar o limite de caracteres que podem figurar na urna. O §3º do dispositivo em apreço autoriza a Justiça Eleitoral a indeferir “todo pedido de variação de nome coincidente com nome de candidato a eleição majoritária, salvo para candidato que esteja exercendo mandato eletivo ou o tenha exercido nos últimos quatro anos, ou que, nesse mesmo prazo, tenha concorrido em eleição com o nome coincidente”.

Sem dúvida a candidatura coletiva afronta os termos literais da legislação eleitoral sem ainda lembrar que traz dúvidas ao eleitor.

Se o nome indicado puder confundir o eleitor, é facultado à Justiça Eleitoral exigir do candidato prova de que é conhecido por ele. A opção de nome será utilizada na urna eletrônica. Não sendo apontado o nome que deseja que conste na urna, mesmo depois de notificado para fazê-lo, o candidato concorrerá com seu nome próprio, o qual poderá ser adaptado ex officio no caso de homonímia ou de ultrapassar o limite de caracteres que podem figurar na urna. O §3º do dispositivo em apreço autoriza a Justiça Eleitoral a indeferir “todo pedido de variação de nome coincidente com nome de candidato a eleição majoritária, salvo para candidato que esteja exercendo mandato eletivo ou o tenha exercido nos últimos quatro anos, ou que, nesse mesmo prazo, tenha concorrido em eleição com o nome coincidente, como ainda lembrou José Jairo Gomes.

O artigo 25, da Resolução do TSE, de n°23.609/2019 é taxativo quanto à identificação do Candidato:

Art. 25. O nome para constar da urna eletrônica terá no máximo 30 (trinta) caracteres, incluindo-se o espaço entre os nomes, podendo ser o prenome, sobrenome, cognome, nome abreviado, apelido ou nome pelo qual o candidato é mais conhecidodesde que não se estabeleça dúvida quanto a sua identidade, não atente contra o pudor e não seja ridículo ou irreverente.

Da mesma forma, o parágrafo 2º, do art.12, da Lei N° 9.504/1997 determina que a Justiça Eleitoral pode exigir do Candidato a prova de que é conhecido por determinado apelido por ele indicado:

Art.12… § 2º A Justiça Eleitoral poderá exigir do candidato prova de que é conhecido por determinada opção de nome por ele indicado, quando seu uso puder confundir o eleitor.

Se não bastasse, Renato Brill, vice-procurador-geral eleitoral, já se posicionou: o nome não pode deixar qualquer dúvida sobre quem será o eleito. Para ele, os que têm sido escolhidos por essas candidaturas podem produzir essa incerteza.

Ao tratar de caso específico, Brill argumentou que tanto o nome “Coletiva Elas” como “Adevania da Coletiva Elas”, referentes a candidatura à vereança em Ouricuri (PE), gerariam confusão no eleitor, induzindo-o a acreditar que há mandatos coletivos quando essa figura não existe no ordenamento jurídico. Só existem candidaturas e mandatos individuais.

Assim candidaturas foram lançadas, aceitas sem que o Tribunal Superior Eleitoral tivesse feito regulamentação devida sobre elas.

Diversos são os inconvenientes trazidos pela chamada candidatura coletiva:

A candidatura coletiva transmite a falsa ideia de que o mandato será exercido por todos os integrantes do grupo, o que não é verdade. Atuar como assessor parlamentar de um candidato eleito é diferente de compartilhar mandato, principalmente, porque em caso de afastamento do titular da vaga, assumirá o seu suplente e não um componente da candidatura coletiva, situação que também é sonegada ao eleitor.

As candidaturas coletivas podem abrir caminho para uma fraude na aplicação de recursos do Fundo Eleitoral de Financiamento de Campanhas, a partir da decisão do STF que determinou o repasse obrigatório de recursos às candidaturas femininas, na mesma proporção de mulheres que integram a lista do partido. Imagine que um partido (não está se referindo ao caso dos autos, que fique claro) que pode lançar até 65 candidatos a vereador e resolva compor sua lista com 14 homens e 6 mulheres, neste caso, o mínimo de 30% para cada gênero foi atendido e o partido terá que destinar obrigatoriamente 30% dos recursos do FEFC às candidatas. Imagine ainda que essas 6 mulheres integrem candidaturas coletivas, ou seja, na verdade, o total de 18 mulheres se apresentaram como candidatas na propaganda eleitoral. Ora, se o partido, em vez de camuflar as mulheres nas candidaturas coletivas, tivesse lançado 14 homens e as mesmas 18 mulheres, nesse caso teria que destinar 56,25% (18/32) dos recursos do FEFC para as mulheres. Observa-se, portanto, uma forma muito fácil de burlar a destinação compulsória dos recursos públicos do FEFC às candidaturas femininas, como bem evidenciou uma das promotorias eleitorais do Ceará, em sede de uma das ações de impugnação de registro de candidatura.

Seria votar em um e levar vários, sem se saber quais as reais intenções do candidato e de que iria realmente exercer o mandato.

Seria uma forma anômala de se exercer um mandato diretorial, algo que existe na Suíça.

Na lição de Sahid Maluf(Teoria Geral do Estado, 8ª edição, pág. 251) o sistema diretorial é aquele em que todo o Poder  de Estado se concentra no Parlamento, sendo a função executiva exercida por uma junta governativa por delegação do mesmo Parlamento.

Esse sistema vigora na Suíça, como já se via da Constituição de 1848, com as modificações introduzidas pelas reformas de 1874 e 1931. Tanto no plano federal como nos Cantões, o poder executivo é exercido por vários membros nomeados pela assembleia legislativa, exercido por vários membros nomeados pela assembleia legislativa, denominada Grande Conselho.

O número de membros é variável, entre cinco, sete e novo, e o mandato é por tempo indeterminado, geralmente pelo prazo de uma legislatura. Os membros da junta governativa participam das sessões do Grande Conselho, recebem e cumprem instruções. Neste sistema não ocorre a demissão dos ministros componentes da junta governativa pelo voto de desconfiança do Parlamento, como se dá no sistema parlamentarista(Portugal, Espanha, Itália, por exemplo), precisamente porque o executivo não é um poder autônomo, mas simples delegação do legislativo.

O Grande Conselho, como representação nacional, tem todo o poder de administração, de modo que os atos do poder executivo são deliberados por ele e praticados pela junta governativa, ficando ao arbítrio dos ministros componentes desta junta apenas as funções burocráticas.

O sistema ditatorial é de subordinação do executivo ao legislativo. Estudiosos, como Pinto Ferreira, observam que este sistema de governo tem um imenso valor teórico, “sobretudo porque constitui a estilização final daquela clássica tendência político-social de uma progressiva limitação ao executivo, parecendo unir os elementos contrários do equilíbrio político, quais sejam, a estabilidade do poder executivo e a sua subordinação ao legislativo.

O Uruguai o ensaiou em 1918.

No Brasil, houve a experiência da Regência Trina, no período de 1831 a 1834, o governo provisório logo após a proclamação da República, o governo que assumiu o poder imediatamente após o movimento de 1930 e ainda após o golpe de 1964, na primeira fase. Houve ainda essa experiência no período transitório de setembro a outubro de 1969.

Especificamente na Suíça, os órgãos político federais são a Assembleia Federal e o Conselho Federal.

A Assembleia Federal é um parlamento bicameral típico do federalismo e compõe-se do Conselho Nacional e do Conselho dos Estados.

Os poderes de ambas as Câmaras, na Suíça, são iguais e elas devem ainda reunir-se em sessão conjunto para a prática de certos atos.

Quanto ao Conselho Federal é o órgão executivo da Federação e é integrado por 7 membros, eleitos por 4 anos para a Assembleia, mas que não dependem de confiança desta para se conservarem em funções.

Todos os anos a Assembleia Federal elege um dos membros do Conselho como Presidente da Confederação, se bem que não se trate de Chefe de Estado, pois não tem competência própria.

O artigo 148 da Constituição da República Federativa da Suíça considera a Assembleia Federal o órgão supremo da Confederação(sob reserva dos direitos do povo e dos cantões), pelo que seria tentador, à primeira vista, como ensinou Jorge Miranda(obra citada, pág. 123), à primeira vista, procurar uma aproximação com o regime convencional. A realidade é, entretanto, diferente. O poder na Suíça está distribuído entre a Assembleia e o Conselho Federal e este, embora eleito por aquela, exerce, com autonomia e estabilidade, a direção politica do Estado. Diz-se que o Conselho Federal está na Suíça como o Presidente nos Estados Unidos.

O sistema político na Suíça, diretorial, se caracteriza: a) a colegialidade do Conselho Federal; b) a inexistência de responsabilidade política do Conselho perante a Assembleia, sem embargo de esta lhe poder dirigir interpelações e moções; c) a impossibilidade de dissolução da Assembleia pelo Conselho Federal, e, ao contrário dos Estados Unidos, a inexistência do poder de veto.

O Tribunal Superior Eleitoral precisa se debruçar sobre a matéria de forma a trazer segurança jurídica à sociedade quanto a esse tema que cresce a cada eleição.

*É procurador da República com atuação no RN aposentado.

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.

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