A comuna do RN: como um sapateiro, um estivador, um sargento e um servidor público transformaram Natal na primeira capital comunista das Américas

Quartel da PM em Natal fica crivado de balar após insurreição (Foto: Domínio Público)

Por Bruno Barreto

O governador do Rio Grande do Norte Rafael Fernandes Gurjão caminhava para mais uma solenidade maçante (no caso a formatura dos contabilistas do Colégio Santo Antônio) daquelas cheias de bajuladores, que os políticos só vão por obrigação, no Teatro Carlos Gomes (atual Alberto Maranhão).

Era por volta das 19h30 do dia 23 de novembro de 1935 e o governador nem fazia ideia do que estava por vir até que surge no vácuo o som dos estampidos. Começava naquele momento o que para a direita se convencionou chamar de Intentona Comunista de 1935 e para a esquerda se tenta dar o nome de Levante ou Insurreição no lugar da palavra que significa “cometimento temerário” ou “plano insensato”.

No quartel do 21º Batalhão de Caçadores do Exército um grupo de sargentos tomou o controle, quebrou a hierarquia e prendeu oficiais em nome de Luís Carlos Prestes, conhecido como “Cavaleiro da Esperança”, líder da Aliança Nacional Libertadora (ANL).

No Rio de Janeiro e em Recife também teríamos sublevações, mas as duas cidades não foram tão longe quanto Natal. A capital dos potiguares tornava-se naquele 23 de novembro a primeira cidade comunista das Américas.

A revolução, intentona, levante ou insurreição espalhou pelo Rio Grande do Norte e quase metade do Estado foi tomado de assalto.

À frente do movimento estavam tipos populares como sapateiro José Praxedes que proclamou a instauração de uma Junta Governativa Popular Revolucionária. Mossoró estava representada pelo funcionário do Colégio Atheneu João Galvão. Além de João Francisco Gregório, presidente do Sindicato dos Estivadores que assumiu o controle do cais do porto.

O líder militar do movimento era o Sargento Quintino Clementino Barros, um músico. Ele tomou o quartel do 21º BC do Exército em poucos minutos com a ajuda do soldado Raimundo Francisco de Lima (“Raimundo Tarol) e o cabo Giocondo Dias (“Cabo Dias”).

Os oficiais rendidos não aceitaram aderir à revolução e ficaram presos no cassino do quartel. Coube ao “Cabo Dias” pronunciar a voz de prisão: “os senhores estão presos em nome do capitão Luiz Carlos Prestes!”.

Enquanto isso o governador e seu séquito fugiam. Primeiro Rafael Fernandes se escondeu no consulado improvisado do Chile. Depois no da Itália e por fim foi parar em um navio mexicano ancorado no porto de Natal onde ficou até ter o poder restabelecido com ajuda de forças policiais da Paraíba. Foram três asilos políticos em três dias.

Durante pouco mais do que três dias, ou 82 horas como apontam alguns historiadores, ocorreram saques, ou expropriações, todo o dinheiro do Banco do Brasil foi raspado e parte dele distribuído entre os pobres. O bonde passou a funcionar com preços das passagens reduzidos e a revolução se espalhou por quase metade das 41 cidades potiguares naquela época.

Com a chegada de forças militares da Paraíba e com o fracasso do levante no Rio de Janeiro e em Recife os sublevados decidiram por evitar um banho de sangue e fugiram no dia 27 de novembro.

A seguir mostramos uma série de fatos que você não conheceu na escola quando estudou a respeito da “Intentona Comunista de 1935”.

 

Disputas entre oligarcas deram condições políticas para o movimento

Há menos de um mês Rafael Fernandes tinha tomado posse no cargo em tumultuado processo eleição indireta. Era primeiro (e seria o único) governador sob a égide da liberal constituição de 1934.

A confusão se dava pela eleição de 1934 que manteve os padrões da República Velha (1889/1930) com fraudes, violência e voto de cabresto, três elementos que findam sendo uma coisa só: o desrespeito à vontade do eleitor.

Foi neste pleito que escolheu os deputados que elegeriam o Governador do Rio Grande do Norte de forma indireta. As forças políticas que davam as cartas no Estado estavam divididas entre o Partido Popular (PP) que reunia os oligarcas derrotados no Golpe de 1930 e o a união dos grupos de Café Filho e do ex-interventor Mário Câmara que formavam a Aliança Social.

Na primeira contagem a dupla Café Filho e Mário Câmara levou a melhor, mas o PP denunciou fraudes e o recém criado Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou novas eleições.

Novamente o tripé voto de cabresto, violência e fraudes estava posto lado a lado. No fim o PP venceu elegendo três deputados federais e 14 estaduais contra dois federais e 11 estaduais de seus adversários.

Rafael Fernandes virou governador, mas teria que lidar com o ranço dos adversários que passaram a conspirar diariamente. Não era uma conspiraçãozinha de gabinete. Era algo aberto e provocador.

Assim relata Natanael Sarmento em “Às Armas Camaradas!” (pág.30)

“As tramas conspiratórias à deposição de Rafael Fernandes eram públicas, os conspiradores não davam importância à confidencialidade. A movimentação dos chefes políticos interioranos, prefeitos, ligados ao interventor Mário Câmara, e as confabulações dos partidários de João Café Filho, ocorriam à luz do dia”.

A disputa entre duas pontas da elite política acabou aproximando membros do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e da ANL aos derrotados da eleição de 1935.

Era uma situação que enfraquecia politicamente o governador e contribuiu para o levante comunista.

Para piorar a situação, Fernandes tinha demitido 300 guardas-civis que estavam indignados e prontos para aderir à revolução.

Tudo isso em um contexto do mundo entre guerras (1918/39) em que a polarização entre nazifascimo e comunismo esmagava a democracia liberal. Isso, claro, se refletia num Brasil que dali a dois anos sofreria com o Golpe do Estado Novo.

As tensões no Rio Grande do Norte eram reflexo da disputas entre a ANL e a Ação Integralista Brasileira (AIB) – de orientação fascista- em que o próprio Getúlio Vargas tentara se equilibrar entre os polos para, ao golpear a frágil democracia brasileira em 1937, colocar os dois grupos na ilegalidade,

A revolução se espalha pelo interior

Revolução é notícia pelo pais e chega ao interior do RN

Com o controle em Natal a fase seguinte seria espalhar a revolução para o interior. Assim foram formadas três colunas: a primeira rumou ao litoral sul até a divisa com a Paraíba. A segunda saiu pelo litoral norte com o objetivo de alcançar por esse trajeto Macau e Mossoró até a divisa com o Ceará. A terceira rumou para as regiões Central e Seridó.

O objetivo era depor prefeitos, assumir o controle administrativo e soltar os presos políticos. Além de confiscar dinheiro e armas.

Aliciar novos revolucionários era outro plano.

Essa estratégia se repetiu em quase metade dos 41 municípios existentes no Rio Grande do Norte naquela época. Os governos populares com lideranças ligadas ao PCB, Aliança Social e ANL.

Foi tomado o controle nas cidades de Santa Cruz, Nova Cruz, Currais Novos, Acari, Ceará-Mirim, São Gonçalo, Taipu, Baixa Verde (atual Campo Redondo), Macau, São Miguel, São José de Mipibu, Arês, Canguaretama, Goianinha, Lajes e Angicos.

A Guerrilha do Vale do Açu

 

Imagem de Manuel Torquato:  Guerrilha surge antes do levante e termina em 1936

No Vale do Açu, antes mesmo da revolução, já estava em uma guerrilha rural sob o comando de Manuel Torquato. Natanael Sarmento em “Às Armas Camaradas!” (Pág. 83) o descreve como um homem de leituras, convicções políticas e, sobretudo, de ação.

Ele chegou a ser preso em Mossoró, mas conseguiu fugir. A sua atuação foi um ensaio do que estava por vir.

A guerrilha surgiu antes do levante de 35 e seguiu após o fracasso. Eram ataques surpresas em que o líder conclamava os camponeses à luta contra a exploração e o monopólio da terra.

Por conta da estratégia que se assemelhava ao cangaço, os jornais de forma proposital faziam os leitores crerem que o militantes da Guerrilha do Vale do Açu eram cangaceiros.

A guerrilha só caiu em 1936.

Mossoró teve papel discreto

Praça Rafael Fernandes nos anos 1930. Mossoró ficou em compasso de espera (Foto extraída do site Memória Fotográfica)

Nos anos 1930 Mossoró já era a segunda cidade em importância do Rio Grande do Norte, mas curiosamente a terra da resistência ao bando de lampião oito anos antes ficou em compasso de espera.

E olhe que a cidade tinha um PCB organizado e em permanente contato com a guerrilha de Assú.

Brasília Carlos Ferreira em “O Sindicato do Garrancho” (Pág. 137) é quem melhor narrou o quadro na capital do Oeste.

“Em Mossoró, estranhamente, não aconteceu nada. Além de toda preparação anterior e da combinação prévia de não resistência por parte das corporações ali sediadas, havia a ‘guerrilha’, homens armados, experientes e dispostos, esperando apenas o sinal para saírem das matas e começarem a luta”.

A expectativa seria de Mossoró ser dominada sem um único tiro, mas faltava um sinal para deflagrar o movimento. Equipes se revezavam nos Correios à espera do telegrama até que chegou a mensagem: “Zeca baixou o hospital”. Era a senha para abortar a missão.

A revolução tinha fracassado.

O único feito prático do levante comunista em Mossoró foi a libertação de presos políticos da Cadeia Pública para se juntar à “Guerrilha”.

Dinarte, o “general” fanfarrão e o monsenhor integralista  

Dinarte e Walfredo: futuros governadores do RN que tentaram aparecer na resistência (Fotomontagem: Blog do Barreto_

Um dos fatos mais emblemáticos do Levante Comunista de 1935 no interior do Rio Grande do Norte foi a batalha da Serra do Doutor. A ela dois futuros governadores do Estado estão atrelados de forma, digamos, pitoresca.

A começar por Dinarte Mariz que foi governador e senador (pelo voto e biônico) e se forjou politicamente com base numa narrativa que se não foi inventada foi bem aumentada.

Dinarte, oligarca do Seridó, empolgado adesista de 1964, gabava-se de ser um anticomunista que pegou em armas. “Não sou anticomunista de gabinete. Sou anticomunista de fuzil na mão”, disse em discurso no Congresso Nacional (Às Armas Camaradas, Pág. 92).

Ele se colocava como um “general da batalha da Serra do Doutor”. Os jornais alinhados aos oligarcas reproduziam esse suposto heroísmo dando-lhe a patente de “General da Serra”.

No entanto, a badalada Batalha da Serra do Doutor, ocorrida na atual cidade de Campo Redondo, região do Trairi, não passou de uma troca de tiros sem vítimas cujo prejuízo se limitou a explosão com uso de dinamite em um caminhão abandonado no local. Os combates de ambos os lados fugiram.

Dinarte estava distante e só chegou quando o confronto tinha encerrado.

O ex-comandante da Polícia Militar e ex-prefeito de São Gonçalo do Amarante José Paulino de Souza conta que esse tal heroísmo de Dinarte não passou de uma busca por apoio logístico (informação extraída de “O Comunismo: as lutas políticas do RN na década de 30”, pág. 125).

“Dinarte foi para Santa Luzia, na Paraíba, a procura de meios de defesa. Depois que tudo terminou ele voltou com uma tropa da Paraíba, segundo soube, para cooperar na reorganização da resistência. Mas general ele não foi”.

O delegado Enoch Garcia, responsável por relatórios sobre o movimento, também descarta o heroísmo em campo de batalha atribuído à Dinarte (informação extraída de “O Comunismo: as lutas políticas do RN na década de 30”, pág. 132):

“Todo mundo queria que Dinarte tivesse tomado parte da Serra do Doutor. Ele não tomou parte da Serra do Doutor, como eu não tomei, como Humberto Gama não tomou. Lá tomaram parte Pedro Graciliano, José Epaminondas, Genésio Cabral, Antonio de Castro… e, inclusive, muitos civis (…)”.

Se a fanfarronice de Dinarte foi pitoresca neste episódio a do Monsenhor Walfredo Gurgel, outro futuro governador, não deixa por menos.

Seguidor na época do integralismo, ele largou a batina, pegou um revolver e colocou na cintura para combater na Serra do Doutor para onde também levou bombas no carro. Ele foi ao local, não entrou em combate e voltou.

Consta que nas imediações faltou remédio para dor de barriga para atender os que fugiam da batalha. Não ficou claro se Monsenhor Walfredo Gurgel foi um dos que recorreu aos serviços da medicação.

Mas tanto em tanto em “Ás Armas Camaradas” (Pág. 96) como em informação extraída de “O Comunismo: as lutas políticas do RN na década de 30” (Pág. 128) a citação sobre o surto de dor de barriga vêm logo após a história da participação relâmpago do religioso/político na resistência.

O “dinheiro achado” e “os observadores de engorda de tatu”

Cofre do Banco do Brasil em Natal foi esvaziado pelos insurretos (Imagem: Wikimedia Commons )

Após tomar o poder, os revolucionários ocuparam a casa oficial do governador, controlaram os rádios dos quarteis e os correios e telégrafos assim como o cais do porto.

Agora o que fazer? O objetivo era implementar uma reforma agrária e distribuir dinheiro para a população. Outra ação importante foi o pagamento dos salários atrasados da extinta Guarda Civil.

O dinheiro foi recolhido no Banco do Brasil e na Recebedoria de Rendas. No primeiro foram expropriados dois mil, novecentos e quarenta contos, centro e quatro mil réis e no segundo oitocentos e oitenta e seis contos, cento e vinte e quatro mil réis. Os revolucionários tinham uma fortuna em mãos.

Para tirar o dinheiro do Banco do Brasil foi necessária uma escolta levando o mecânico Manoel Severino que arrombou o cofre com o uso de um maçarico.

Após o fim do levante, em telegrama enviado à Vargas, Rafael Fernandes relatou um “confisco” de mais de cinco mil contos de réis.

De fato, a história registra a recuperação de apenas 800 mil réis, ficando pelo menos mais de dois terços da fortuna sem dono.

Várias lendas surgiram na capital. Uma delas é a dos “achadores de dinheiro”. Quatro décadas antes do nascimento do bordão “Follow the money” (“Siga o dinheiro”) ficar conhecida durante a investigação feita pelos jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein do caso “Watergate” que derrubou o presidente estadunidense Richard Nixon, a sabedoria natalense já tinha percebido essa como a melhor estratégia para identificar quem se deu bem com o “dinheiro achado”. A frase comum era: “se o tatu está gordo, alguma coisa ele come”.

De fato, do nada surgiram novos ricos. Casas foram reformadas. Empreendedores improváveis estavam posando de cidadão de bem, gerador de empregos e pagador de impostos.

“A Liberdade” que não circulou

“A Liberdade” não teve tempo de circular (Foto: reprodução)

Um dos problemas para a revolução dizia respeito à comunicação. Logo que tomaram o poder os revolucionários requisitaram duas belonaves da Companhia Aérea Condor para distribuir informativos à população.

Mas era necessário por um jornal nas ruas.

Com a imprensa oficial sob controle revolucionário, foi instituído o jornal “A Liberdade”, que nas palavras de Natanael Sarmento em Às Armas Camaradas (Pág. 65) mais parecia uma obra de ficção:

A Liberdade, o jornal oficial revolucionário, mais parece uma obra de ficção. Um artigo sobre A Marcha da Revolução Libertadora traz afirmações apologéticas e inverídicas da revolução no país. Um amontoado de notícias sobre levantes, greves e vitórias do movimento Nacional Libertador, inverídicas”.

A edição de “A Liberdade” ficou sob responsabilidade de Raymundo Reginaldo da Rocha. Na primeira e única edição foi apresentado o programa da revolução que previa reforma agrária, democracia, proteção aos trabalhadores e moratória da dívida externa.

Houve publicação de artigos sobre arte e uma pitoresca publicidade do Sal de Frutas Eno, um produto estrangeiro em uma publicação de um Governo Popular Revolucionário Nacional Libertador.

Mas “A Liberdade” sequer chegou a circular com seus mil exemplares. A tiragem foi apreendida pelas tropas da reação que retomaram o poder na capital em nome do governador Rafael Fernandes e do presidente Getúlio Vargas.

Mulheres também estiveram no Levante Comunista

A VERDADEIRA HISTÌRIA DO BRASIL
Infelizmente atuação das mulheres foi minimizada, mas elas estiveram presentes (Imagem: reprodução)

 

É lógico que na terra de Nísia Floresta, Celina Guimarães, Alzira Soriano e Maria do Céu Fernandes haveria uma intensa participação feminina em seu maior levante popular.

Houve uma tentativa de apagar da memória a participação feminina no movimento, mas não há como negar nos relatórios os trechos sobre as “mulheres vestidas de homem” que vestiram as fardas militares e pegaram em armas.

Eram integrantes da União Feminina. Algumas delas donas de casa. Outras lavadeiras. Gente da periferia de Natal que se colocou na luta por uma sociedade mais justa.

Leonina Félix teve intensa atuação no processo enfrentando ataques da mídia reacionária que lhe atribuía insultos como os apelidos de “amante”, “amásia” ou “mulher vestida de homem”.

Junto à ela estiveram Chica Pinote, Chica da Gaveta, Maria da Cruz Nunes e Raymunda Pires.

Foram ao todo 33 mulheres indiciadas e denunciadas pela participação no levante de 1935 ao Tribunal de Segurança Nacional. Contando a movimentação em todo o Brasil naquele mês de novembro 42% das mulheres denunciadas estavam no Rio Grande do Norte.

O herói fake da PM

PM rende homenagens a um herói forjado em fraudes em documentos (Foto: Mateus Ângelo)

Um dos episódios mais lamentáveis do pós-35 foi a manipulação de documentos públicos para a criação do mito do Soldado Luiz Gonzaga, herói da resistência à intentona comunista.

Por décadas ele foi peça de propaganda anticomunista no Rio Grande do Norte, inclusive sendo objeto de uma mausoléu no Cemitério do Alecrim erguido nos anos 1970 pelo então governador Tarcísio Maia.

Tudo não passou de uma falsificação desmascarada pelo desembargador João Maria Furtado no livro “Vertentes”, publicado em 1976.

Gonzaga era um morador de rua, considerado uma pessoa com problemas de sanidade mental que filava comida no quartel da Polícia Militar e fazia alguns serviços para os soldados. Durante a fuga de alguns policiais no cerco ao quartel da PM lhe deram um fuzil.

Furtado conseguiu comprovar que o major Luiz Júlio forjou o alistamento de Gonzaga e adulterou os relatórios que originalmente ignoravam a história da figura conhecida como “Doidinho” com o apoio do Dr. João Maria Medeiros.

A desconfiança sobre a farsa persistiu por vários anos pela ausência de citações sobre a morte dele em depoimentos e reportagens nos jornais. Também permaneceu sob mistério a autoria do assassinato.

Somente nos anos 1990 o autor do homicídio apareceu. Trata-se de Sizenando Filgueira da Silva que aos 75 anos decidiu confessar numa entrevista à Tribuna do Norte, publicada em 12 de dezembro de 1995. Extraímos o depoimento do livro “O Comunismo e as Lutas Políticas no RN na Década de 1930” de autoria de Luiz Gonzaga Cortez.

Confira a fala de Sinzenado (Pág. 91):

“Ele não era herói nem militar na época. Ele apenas era um débil mental, menor de idade, e deram-lhe um fuzil para acompanhar os que fugiam do quartel em procura da base naval. Depois que fiz a prisão do major Luiz Júlio (comandante do Batalhão da PM), e de um coronel do Exército, eu olhava para a direita e vi quando ele estava procurando pontaria para atirar. Antes que atirasse eu atirei, só dei um tiro e ele caiu. Ele estava por trás de uma moita no mangue (…)”.

O livro Às Armas Camaradas (Pág. 82) traz a informação de que João Medeiros Filho escreveu uma carta a O Poti em 13 de outubro de 1985 admitindo a adulteração de documentos feita pelo pai para forjar o mito classificando-a como “alteração de boa-fé”. “No entanto, esse episódio da fraude do Soldado Luiz Gonzaga está longe da boa-fé. Fraude é fraude”, avaliou o autor Natanael Sarmento.

Até hoje muitos setores da PM potiguar celebram a figura de um herói forjado para uma propaganda anticomunista.

Bibliografia consultada:

BRASÍLIA, Carlos Ferreira: O Sindicato do Garrancho. Mossoró: Coleção Mossoroense, 2000.

CORTEZ, Luiz Gonzaga: O Comunismo e as Lutas Políticas na Década de 30. Natal: Sebo Vermelho, 2015.

SARMENTO, Natanael: Às Armas Camaradas! A insurreição comunista e o Governo Popular de 1935 em Natal. Mossoró: Sarau das Letras, 2016.

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Reportagem especial

Canal Bruno Barreto