Acordei em 31 de dezembro de 2022 no país idealizado por Bolsonaro

(Alerta aos portadores de deficiência cognitiva programada: é um texto de ficção)

 

Por Bruno Barreto

Acordo na minha cela. Já são 18 meses cumprindo pena por apologia ao comunismo. A lei anticomunismo do deputado federal Eduardo Bolsonaro foi aprovada e saiu do papel no final de 2020. A porta foi escancarada para prisões políticas no país.

Tudo que o presidente Jair Bolsonaro sonhou se tornou realidade. A CPI da Lava Toga foi um sucesso. Graças a ela sete ministros do STF sofreram impeachments e o presidente pôde indicar ultraconservadores para os postos.

O presidente ganha todas no Supremo.

A tentativa fracassada do centrão de fazer com Bolsonaro o que foi feito com Dilma Rousseff também não deu certo. Com um soldado e um cabo o congresso foi fechado.

O Brasil voltou a ser uma república das bananas.

Governadores e prefeitos acusados de apologia ao comunismo foram substituídos por interventores militares nomeados pelo presidente.

Adversários políticos do presidente como Guilherme Boulos, Ciro Gomes, Manuela D’ávila e Fernando Haddad estão presos por apologia ao comunismo.

Os partidos de esquerda foram extintos por decisão do TSE sob o argumento de, adivinhe, apologia ao comunismo.

A reforma eleitoral realizada por Bolsonaro proibiu que candidatos apresentem propostas cunho social e em defesa diversidade. Eleitores suspeitos de comunismo eram impedidos de votar. Títulos eleitorais foram cassados e manifestantes que foram as ruas lutar contra essas medidas foram presos acusados de terrorismo comunista.

Os movimentos sociais foram criminalizados. O Brasil se entregou a uma histeria conservadora deixando boa parte da população cega.

Nem mesmo padres escaparam. Muitos foram acusados de comunismo. Estão em uma prisão exclusiva para eles onde são obrigados a assistir cursos ministrados por pastores da Igreja Universal do Reino de Deus.

As religiões afro-brasileiras estão proibidas.

Nas eleições de outubro, Bolsonaro derrotou João Dória no primeiro turno com 88% dos votos válidos.

A vitória foi celebrada por Olavo de Carvalho no Twitter.  Ele classificou o resultado a última pá de cal jogada no comunismo.

Isso mesmo. Dória foi considerado “comunista”. Digamos que um “comunismo” consentido.

A CLT foi extinta. Não existem mais qualquer sistema que traga segurança ao trabalhador. Era isso ou desemprego nas palavras do presidente. Os empregos prometidos não apareceram e quem reclama é preso.

O desemprego diminuiu porque foi criada uma verdadeira indústria com base no trabalho forçado de presos que passou a ser perimido pela constituição. Entenda: o sujeito não consegue emprego, reclama e vai preso. Lá trabalha forçadamente para custear sua permanência e isso maquia a as estatísticas da Casa Civil, já que o IBGE foi extinto por apologia ao comunismo.

A reforma da previdência, derrotada no Congresso em 2019, acabou passando via decreto presidencial após o legislativo ficar de portas fechadas.

Todo mundo pode ter uma arma em casa. São comuns brigas de bares terminarem com mortes. Outro dia um vizinho morreu e o assassino alegou que matara um comunista sendo absolvido por legítima defesa da pátria.

As milícias foram legalizadas criando um Estado Paralelo. A desculpa, claro, é que são organizações cujo objetivo é defender o país do comunismo.

Os índices de criminalidade diminuíram porque muito do que era crime foi legalizado em favor das milícias. Restou pouca coisa a ser considerado crime.

As feministas foram exiladas. Nos aeroportos enquanto elas migravam para o exterior eram hostilizadas pela patrulha bolsonarista. As poucas que ficaram estão presas.

Olavo de Carvalho se tornou o patrono da educação brasileira.

O ano foi marcante para Olavo. Nas celebrações do bicentenário da independência ele foi consagrado por impor a tese de que D. Pedro I teria livrado o Brasil do comunismo. Isso mesmo, a Revolução Liberal do Porto, que tomara o poder da monarquia portuguesa em 1820, era formada por um bando de comunista, segundo a tese olavista.

Quem ousou contestar essa ideia absurda foi preso por, adivinhe de novo, apologia ao comunismo.

Saio para o banho de sol no presídio federal de Mossoró. Ouço o agente penitenciário dizer que Fernandinho Beira-Mar será libertado sob o compromisso de ser tornar um miliciano no combate ao comunismo.

Sérgio Moro se tornará amanhã vice-presidente. Hamilton Mourão se exilou na Inglaterra após ser acusado de apologia ao comunismo. O ex-juiz se tornou um ícone do combate ao crime organizado com ajuda das milícias e ao custo de morte de negros nas favelas. É preciso lembrar que nas leis bolsonaristas milicianos não são criminosos.

Volto para minha cela e sou avisado que minha família veio me visitar.

Minha esposa conta que meus livros foram confiscados e a promessa é de que o que não for considerado apologia ao comunismo seria devolvido.

Meu filho conta que na escola só tem aula de português e matemática na escola. Todas as aulas são gravadas para saber se os professores farão algum tipo de crítica ao governo ou apologia ao comunismo.

Meu enteado conta que na faculdade de direito, estão proibidas aulas de filosofia e sociologia. Ele conta que o argumento é que curso de direito é só para decorar as leis.

O Brasil virou uma filial do seriado The Hadmaid’s Tale e nem se deu conta disso. Amanhã, Bolsonaro assume um mandato por mais quatro anos. A nova política está só começando.

Cuidado!

 

Comments

comments

Reportagem especial

Canal Bruno Barreto