Bolsonaro e seus ventríloquos

Por Luís Francisco Carvalho Filho*

Jair Bolsonaro cobra de seus auxiliares o preenchimento do vazio deixado pela moderação verbal que tem experimentado. As peças do tabuleiro governamental se movimentaram nas últimas semanas como uma fileira de ventríloquos composta de “bolsonarinhos” que se multiplicam:

A homofobia gratuitamente revelada pelo ministro da Educação, Milton Ribeiro, que, entre tantos desatinos, vinculou o “caminho do homossexualismo” a “famílias desajustadas”.

A ideia patética de que “boi é o bombeiro do Pantanal”, compartilhada entre Tereza Cristina, a ministra amena da Agricultura, e Ricardo Salles, o ministro piromaníaco do Meio Ambiente: quanto mais bois pastando, menos incêndio.

Bolsonaro aponta o dedo; na direção do dedo está a palavra Brasil
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) (Foto: Evaristo Sá/AFP)

Na circunspecta Fundação Alexandre de Gusmão, órgão vinculado ao Ministério das Relações Exteriores e instituído para formar opinião pública “sensível” aos problemas da convivência internacional, a “nocividade do uso de máscaras” é tema de palestra —material que o YouTube removeu da plataforma.

O narrador da TV Brasil, pertencente a empresa pública federal, não hesita em emitir sinais atrevidos de publicidade política e improbidade administrativa mandando abraços para o presidente Bolsonaro durante transmissão de jogo da seleção brasileira de futebol: um pequeno ensaio para o renascimento do slogan “ame-o ou deixe-o”.

Finalmente, emergindo do nada, o vice-presidente da República Hamilton Mourão, general que assumiria o poder se algo de ruim acontecesse ao chefe capitão, para dizer que o torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra “era homem de honra, que respeitava os direitos humanos de seus subordinados”.

Os ventos são favoráveis.

Além de surfar (injustamente) na onda da popularidade decorrente do socorro financeiro na pandemia, de celebrar a aprovação de normas de trânsito vantajosas para os motoristas (validade maior da habilitação, maior número de pontos necessários para a cassação da licença para dirigir), o que terá forte apelo eleitoral, e de, por enquanto, revelar-se imune a escândalos patrocinados pela sua base política, Bolsonaro tem oportunidade de reacender a chama da lei e da ordem.

O crime organizado já é um ator político relevante no Brasil: as facções se internacionalizaram, as milícias frequentam gabinetes parlamentares e governamentais, crescem as bancadas da bala e os ganhos da bilionária indústria da segurança pública —propulsora de armas, tiroteios, vigilância e medo.

O sinistro André do Rap e sua organização criminosa sabem manejar a esfera das leis e dos processos (o que fortalece vínculos internos de lealdade e disciplina), zombam silenciosamente da mais alta corte do país, mobilizam a atenção dos meios de comunicação e fornecem inestimável munição para um projeto de governo despótico e implacável.

O presidente do STF, Luiz Fux, em manobra napoleônica, invadiu a esfera monocrática e jurisdicional do ministro Marco Aurélio, o novo decano, e cassou a desastrosa liminar que redundou na fuga do prisioneiro condenado por tráfico internacional.

Bolsonaro passeia pelos escombros e observa o desfecho da crise no tribunal (agora sem Celso de Mello) que parecia ser capaz de refrear a sua ânsia autoritária.

O jornalista Fernando de Barros e Silva, em artigo na revista piauí, lembra que as oposições não se comportam à altura do momento histórico: “feitas as contas, quem melhor enfrentou Bolsonaro foi a ema do Palácio do Planalto”. É verdade.

*É advogado criminal, presidiu a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (2001-2004).

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