Dez anos depois o sal ainda não foi totalmente refinado

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Foi numa véspera de feriado da proclamação da república, como hoje, que Mossoró parou para ver a maior operação para investigar políticos já realizada na cidade. Há dez anos a Operação Sal Grosso fazia o Rio Grande do Norte acordar mais cedo para ver a Câmara Municipal ser devassada durante cinco horas e meia.

O nome veio bem a calhar. Era um momento dos piores da história da Câmara Municipal que vivia uma caótica gestão tendo a frente da mesa diretora o então vereador Junior Escóssia. Eram tempos de extrema submissão ao executivo a ponto de a casa ficar dois anos consecutivos sem aprovar qualquer emenda ao orçamento anual e pagamentos efetuados de forma improvisada.

Não era preciso apenas jogar sal grosso para afastar os maus espíritos como apregoa a sabedoria popular, era preciso refiná-lo. A operação de 14 de novembro foi como uma proveitosa colheita do sal marinho no mar. O refino que foi dos mais lentos. Foram mais de 60 mil documentos analisados em 10 anos a partir de um trabalho realizado em 14 de novembro de 2007 por 10 promotores, 10 delegados e 50 policiais. A frente das investigações estava o promotor Eduardo Medeiros que já não está mais a frente do caso.

Foram recolhidos documentos da contabilidade, Departamento pessoal, licitação, comissões e gabinetes.

Além da Câmara Municipal, receberam visitas da operação sal grosso escritórios de contabilidade, assessorias jurídicas e a casa de Junior Escóssia que terminou preso em flagrante acusado de porte irregular de munições para armas de fogo exclusivas das forças armadas.

Esse é apenas um de mais de 80 processos que Junior Escossia passou a responder a partir de então seja da Operação Sal Grosso ou desdobramentos dela.

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Foram dezenas de ações civis públicas e criminais após investigações sobre diárias, empréstimos consignados, verba de gabinete e licitações com mais de 60 mil documentos analisados. “Por isso demorou muito para ser catalogado e desmembrar para estabelecer cada procedimento. O promotor tem que ter cuidado porque vai fazer acusações graves”, explicou Micaele Fortes Caddah.

Segundo a promotora a lentidão nos julgamentos é resultado da complexidade das investigações. “A operação sal grosso é um marco para Mossoró no sentido de tornar a administração mais proba. A terceira vara criminal tem dado a celeridade devida em todos esses processos. A demora não depende só do MP e Judiciário”, explicou.

Ainda existe um procedimento em tramitação e processos pendentes de audiência de instrução (depoimentos) na Vara Criminal. “Em regra, toda semana são realizadas audiências relacionadas a operação sal grosso”, explica a promotora.

As denúncias

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As primeiras denúncias coletivas contra os parlamentares da legislatura 2005/08 só vieram quase dois anos após a deflagração da Operação Sal Grosso, mais precisamente em abril de 2009 quando as 7ª e 11ª Promotorias do Patrimônio Público entraram com ações criminais contra 12 vereadores e ex-vereadores por causa da mais célebre das acusações da Sal Grosso: as fraudes em empréstimos consignados na Caixa Econômica que seriam pagos sem os devidos descontos nos salários dos parlamentares. Eles ainda seriam denunciados na esfera cível na Vara da Fazenda Pública.

Antes dessa denúncia, Junior Escóssia fora denunciado individualmente em 2008 por acumular os salários de vereador e fiscal da Secretaria Municipal de Tributação e utilizar para fins pessoais os serviços advocatícios do então procurador da Câmara Municipal Igor Linhares. Na primeira ação ele terminaria absolvido em 25 de novembro de 2013.

Mas nenhuma das investigações chegou tão próxima de um resultado factível para a sociedade como a que tratou dos empréstimos consignados desviados que segundo cálculos do Ministério Público teriam causado R$ 272.806,72 em danos ao erário. Foi ela quem rendeu condenações a 12 vereadores e ex-vereadores em processos na Vara da Fazenda Pública (em 19 de dezembro de 2013) e criminal (em 16 de fevereiro de 2012) em decisões proferidas respectivamente pelos juízes Airton Pinheiro e Cláudio Mendes Junior.

Na esfera criminal os condenados pegaram prisão em regime semiaberto e na cível a punição foi de multas que totalizam R$ 582.652,55.

Atendendo a pedido do Ministério Público Cláudio Mendes Junior chegou, em março de 2012, a determinar, em sentença reformulada, a perda dos mandatos de Claudionor dos Santos, Daniel Gomes e Manoel Bezerra. Ele ainda orientou a então prefeita Fafá Rosado que afastasse Izabel Montenegro da gerência da antiga FUNGER (Fundação para Geração de Emprego e Renda) e Osnildo do comando da Secretaria Municipal de Defesa Social.

Na esfera criminal o Tribunal de Justiça anulou, em agosto de 2013, a sentença de Cláudio Mendes Junior determinando um novo julgamento que aconteceu em 7 de novembro do ano passado. Em nova sentença, ele manteve as mesmas penas (ver tabela abaixo) desta vez incluindo as perdas dos mandatos de Izabel Montenegro e Manoel Bezerra.

O juiz Airton Pinheiro também precisou julgar mais uma vez o mesmo processo mantendo a decisão em 7 de janeiro de 2014

O Blog do Barreto fez contatos com o juiz Cláudio Mendes Junior que informou por meio de auxiliares que não iria comentar as decisões, mas disponibilizaria todos os arquivos públicos para consulta. Airton Pinheiro não foi localizado.

Veja as condenações

Vereadores Condenação criminal Condenação na Fazenda Pública
Junior Escóssia 6,5 anos de prisão semiaberta mais multa Multa de R$ 46.647,99 e ressarcimento de R$ 15.549,35
Osnildo Morais 5,4 anos de prisão semiaberta mais multa Multa de 58.352,16 e ressarcimento de R$ 29.176,08
Gilvanda Peixoto 5,4 anos de prisão semiaberta mais multa Multa de R$

56.196,48 mais ressarcimento de R$ 28.098.24

Izabel Montenegro 5,4 anos de prisão semiaberta mais multa Multa de R$ 70.540,42 e ressarcimento de R$ 35.270,21
Aluízio Feitosa 5,4 anos de prisão semiaberta mais multa Multa de 58.352,16 mais ressarcimento de R$ 29.176,08
Benjamim Machado 5,4 anos de prisão semiaberta mais multa Multa de 58.352,16 mais ressarcimento de R$ 29.176,08
Claudionor dos Santos 5,4 anos de prisão semiaberta mais multa Multa de R$ 59.730,58 mais ressarcimento de R$ 29.865.29
Daniel Gomes 5,4 anos de prisão semiaberta mais multa Multa de 58.780,32 mais ressarcimento de R$ 29.390,16
Manoel Bezerra 5,4 anos de prisão semiaberta mais multa Multa de 55.969,70  e ressarcimento de R$ 27.984,85
Chico da Prefeitura Absolvido Ressarcimento de R$ 8.569,19
Francisco José Junior Absolvido Ressarcimento de R$ 10.551,59

Além das penalidades da tabela acima, o juiz Airton Pinheiro ainda condenou Junior Escóssia ao ressarcimento ao Erário Mossoroense, em caráter solidário com os demais demandados condenados, do montante de R$ 238.136,99.

Versões

Junior EscossiaO ex-presidente da Câmara Municipal Junior Escóssia e Izabel Montenegro são considerados os personagens mais emblemáticos da Operação Sal Grosso. O primeiro por estar envolvido em praticamente todos os processos. A segunda por ter sido autora de denúncias que resultaram nas investigações.

Junior explica que ao descobrir que os empréstimos não estavam sendo descontados na folha de pagamento passou a fazer o abatimento da dívida. “Começamos a fazer isso antes da Operação Sal Grosso”, frisou. De fato, as penas de ressarcimento impostas pelo juiz Airton Pinheiro incluem o abatimento do que já fora pago anteriormente.

Atual presidente da Câmara Municipal, Izabel Montenegro, afirma que a operação aconteceu muito mais por causa da bagunça que era a casa há dez anos. “Era tudo muito desorganizado e isso colaborou para que a gente tenha que responder a esses processos até hoje”, frisou.

O próprio Junior em depoimento ao Jornal O Mossoroense (edição de 17 de fevereiro de 2012) chegou a reconhecer que os processos resultam de desorganização: “Estaria muito menos triste se apenas eu tivesse sido condenado. Foram cometidos erros? Foram, mas eu era o gestor. Foi uma falha minha”, admitiu.

Efeito eleitoral

Quem apostou que em 2008 a Operação Sal Grosso devastaria a Câmara Municipal acertou. Dos 12 vereadores que tentaram a reeleição naquele ano apenas quatro se reelegeram: Francisco José Junior, Chico da Prefeitura (ambos absolvidos), Daniel Gomes e Claudionor dos Santos. O último ainda seria presidente da casa como Izabel que retomou o mantado atualmente é. Manoel Bezerra retomou o mandato com a morte de Niná Rebouças em 2010. “A maioria dos vereadores não voltaram por causa das coligações e não porque baixaram as votações”, discorda Junior Escóssia.

No entanto, a memória do ex-presidente se equivocou. Dos 12 parlamentares que tentaram a reeleição (Renato Fernandes foi candidato a prefeito) sete viram as votações despencarem como mostra a tabela abaixo:

Vereadores envolvidos na Sal Grosso Votação em 2004 Votação em 2008 Saldo
Chico da Prefeitura 3.872 3.349 – 523
Claudionor dos Santos 2.398 3.227 + 829
Francisco José Junior 2.779 2.615 – 164
Daniel Gomes 1.922 3.161 + 1.239
Junior Escóssia 2.742 2.438 – 304
Gilvanda Peixoto 2.226 2.092 – 134
Sargento Osnildo 1.545 1.845 + 300
Arlene Sousa 3.163 2.711 – 452
Aluízio Feitosa 2.001 2.167 + 166
Izabel Montenegro 3.541 2.710 – 831
Benjamim Machado 3.001 1.889 – 1.112
Manoel Bezerra 2.471 3.217 + 746

Claro que esses números podem ser relativizados. Daniel Gomes, por exemplo, obteve 1.239 votos a mais naquele pleito assim como Benjamim Machado teve 1.112 votos a menos. Os números são importantes, mas não são determinantes para analisar aquele pleito. O próprio Benjamim não contava mais com uma estrutura que tinha em nível de Governo do Estado que lhe foi decisiva e 2008. Daniel conseguiu ter praticamente o apoio de todos os pastores evangélicos naquela eleição.

A Sal Grosso teve peso muito mais na intimidação em colocar mais estrutura nas ruas, mas não foi o fator determinante no resultado do pleito.

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Reportagem especial

Canal Bruno Barreto