O estado brasileiro não foi mãe do Paulo Gustavo, da Dona Hermínia

Dona Hermínia, personagem eternizada por Paulo Gustavo (Foto: Globo/LP Simonetti)

Por Tales Augusto*

Assim como uma mãe, ele nos fazia sorrir, gargalhar, dava carão e as vezes descia uma lágrima no canto do olho com suas angústias, fazia com que o cotidiano ganhasse nas telas de cinema vida e cara, todas as mães se sentiam representadas. E sabemos que não há um filho que não sinta a dor da mãe, mais ainda quando elas partem precocemente ou por motivos que poderiam ser evitados.

Paulo Gustavo acabou sendo um pouco mãe de todos nós, Dona Hermínia incorporou todas as mães do Brasil, quiçá do mundo. Mãe que ama os filhos independente de tudo e todos, que acabava os aceitando e os acolhendo, defendendo suas escolhas, quebrando preconceitos. Seja o filho ou filha gay, lésbica, trans… não há mãe que não fique feliz com a felicidade do filho. Ser mãe é transferir sua felicidade para o filho.

A dor para (quase) todos no Brasil, deve ser por Paulo Gustavo ser Iluminado, que nos fez lotar cinemas, abraçar uma família que não era nossa originalmente e acabamos como irmãos, parentes, filhos de Dona Hermínia. Acabamos sendo parte de uma família que predominava o Amor, era só Amor.

E Amor transborda, de tal forma que queremos que ele multiplique e assim foi ao casar com meu xará o médico Thales Bretas. Mas não satisfeitos, o Amor sendo dia a dia maior, a família aumentou e vieram os Gael e Romeu. Filhos gerados em barrigas de aluguel, mas dois homens criarem filhos? O amor não tem identificação, o amor é o Amor.
E assim como muitos Paulos, Hermínias, o Paulo Gustavo foi embora fisicamente, mais uma vítima da Covid-19. Doença que já matou mais de 400.000 brasileiros. Doença que já tem vacina, que foi oferecida ao governo brasileiro 11 vezes e foi ignorada, o Estado brasileiro que negligenciou seu papel, não conseguiu ser uma mãe, mas por Lei deveria. O Estado brasileiro, mais diretamente o presidente da República, não chegou a tempo (ou não quis, visto que havia vacina a ser comprada) para Paulo Gustavo e tantos outros brasileiros.

Mãe quando o filho está estranho ou pode passar por problemas toma atitudes. Se sabe que está com febre, cuida. Se há uma epidemia ou até Pandemia, a mãe o protege, por vezes nem o deixar ir à escola, sair de casa, o isolamento social é uma escolha quase que instantânea. Inclusive não o deixa ir para a escola se tiver a opção do ensino remoto.

E já imaginaram esta mãe protetora sabendo que há uma vacina para proteger seu filho? Que ele pode ter maior proteção, até adoecer, mas não ir embora tão cedo?

Nosso Estado não foi mãe, não serei injusto o chamando de madrasta, conheço madrastas mães amorosas. O Estado brasileiro, abandonou seus filhos, suas filhas, o Estado brasileiro podia ter evitado as mais de 400.000 mortes, ele não comprou vacina quando deveria, negligenciou suas obrigações enquanto mãe, viu seus filhos morrendo, sofrendo. Nenhuma mãe de verdade quer e aceita um filho sofrendo. Minhas duas mães perderam filhos e nunca mais foram as mesmas (a biológica e a adotiva).

O filho pode ter mais de 100 anos, queremos que ele viva mais, 120, 130 anos ou mais. Mãe não quer que filhos com comorbidades sofram, venham se expor a perigos. Mãe ajuda o filho independente de tudo e todos, o filho não podendo trabalhar, ela o ajuda financeiramente com o máximo que puder, ela não quer o expor a dor, ao perigo, ela se sacrifica para que ele não sobreviva apenas, mas viva.

E que ironia, também tenho 42 anos, a mesma idade deste gênio que foi precocemente. Costumo dizer que a morte só existe diante do esquecimento, ele jamais será esquecido. Somos a ti Paulo Gustavo, gratos eternamente e a toda sua família, mãe, esposo, filhos e parentes, espero que Deus. Deus esse que os que acreditam também o veem como mãe, que Ele console a todos.
E que este mesmo Deus, não deixe impune mais uma vítima entre as mais de 400.000 que se foram. Há quem diga, “mas muitos iriam morrer de qualquer forma…” Só esquecem de dizer que poderíamos ter menos mortos, de quem é a culpa? De uma mãe que não cumpriu e não cumpre com suas obrigações, o Estado brasileiro e mais precisamente, o presidente da República, Jair Messias Bolsonaro.

*É professor e mestrando em Ciências Sociais e Humanas/UERN.

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Canal Bruno Barreto