Projeto de lei: abuso de autoridade

 

Por João Paulo Costa*

O polêmico e discutido Projeto de Lei de Abuso de Autoridade, apresentado ainda no ano de 2016, onde tramitou pelas diversas Comissões do Senado (PLS 85/2017) e na Câmara dos Deputados (PL 7.596/2017), posteriormente aprovado em ambas as casas, e agora aguarda a sanção Presidencial, ficando conhecido popularmente como a referência acima citada, pretende atualizar a Lei original de abuso de autoridade, que data o ano de 1965.

O Presidente da República declara avaliar possíveis vetos ao projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional que endurece a punição a agente públicos por abuso de autoridade. E para fechar a informação: a Lei só entra em vigor caso sancionada pelo chefe do executivo, seja em sua integralidade ou com vetos parciais, pontuais.

As medidas previstas na Lei de Abuso de Autoridade se aplicam aos servidores civis e militares e integrantes do Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público e tribunais de contas. A depender do caso, estão previstas as seguintes punições: prestação de serviço, multas, prisão (entre 3 meses a 4 anos de cadeia), afastamento temporário ou perda do cargo.

Entre os pontos polêmicos e que causam discussão entra diversas classes representativas, está o item que pune autoridades que iniciem investigação sem justa causa fundamentada ou que usem algemas de forma inadequada, ou seja, em pessoas que não representem alguma ameaça. Outro trecho polêmico é o que prevê detenção de 6 meses a 2 anos para quem fotografar ou filmar preso, investigado ou vítima sem seu consentimento com o intuito de constranger a pessoa. Para os críticos dessa medida, o texto abre brecha para criminalizar o agente público que permitir que um preso seja fotografado antes mesmo da culpa formada, ainda como apenas suspeito.

A pergunta sempre surge: quem é que não conhece um caso de abuso de autoridade, de carteirada, de exorbitância de poder e funções, de excesso autoritário? A verdade é que somos, por excelência, o país dos abusos de autoridade. Neste país de bacharéis, em que qualquer engravatado preza ser chamado de doutor, o abuso vem de berço, herança colonial, senhorial, escravocrata e se cristaliza com as disparidades sociais e de renda, já que somos um dos países mais desiguais e injustos do planeta. E isso reflete sim no cotidiano da vida do brasileiro, na ação da Justiça, na atividade policial e etc.

E a análise que podemos fazer de uma dura realidade , e que vê nesse projeto de lei a esperança de mudanças, pois a população comum, pobre, será a principal beneficiária de uma eventual aprovação, lembrando casos recentes como o da menina presa em cela com homens no Pará e que sofreu estupro coletivo e de uma policial processada por prender um magistrado embriagado durante blitz no Rio de Janeiro, dentre outros casos espalhados pelo País.

Para Elias Mattar Assad, presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim): “É barbárie o que se pratica hoje no Brasil. Investigar, acusar, defender e julgar pessoas são atos de ciência, construção e respeito ao próximo, jamais de ódio, destruição e linchamento. Essa lei confere tutela no manejo da norma processual”.

Entidades representativas de juízes, procuradores e delegados criticaram enfaticamente e alertaram para um possível ‘enfraquecimento’ do combate ao crime organizado e à corrupção com a aprovação. Procuradores argumentam, ainda, que a medida representará “um ato de vingança” dos políticos contra a Lava Jato, que, desde 2014, já atingiu políticos de 28 dos 32 partidos do Brasil.

É fato que o Presidente da República está sofrendo pressão de diversos núcleos da política para vetar alguns trechos do texto que é visto como uma possível forma de dá margem para criminalizar condutas que têm sido praticadas em investigações no País.

Por outro lado, os defensores da medida argumentam que a discussão é necessária, já que, hoje, a definição do que se enquadra em abuso de autoridade é genérica e não há penas delimitadas para as condutas.

Os principais e mais polêmicos pontos apresentados no projeto de Lei são:

PRISÃO INDEVIDA: Se um juiz decretar prisão “em manifesta desconformidade” com as regras previstas em lei, poderá ser preso por até quatro anos.

PROVA ILÍCITA: A medida prevê pena de até quatro anos de cadeia para a autoridade que durante investigação ou fiscalização obtiver uma prova “por meio manifestamente ilícito”.

USO DE ALGEMAS: O texto veda algemar ou amarrar de alguma forma uma pessoa quando não há clara resistência à prisão, risco de fuga ou ameaça à integridade física. A pena para esse abuso vai até dois anos de prisão. Um caso recente que repercutiu nacionalmente foi o de Sergio Cabral, ex-governador do Rio de Janeiro condenado e preso na Lava Jato do Rio. Em janeiro de 2018 Cabral foi transferido de presídio e apareceu algemado nas mãos e nos pés, por decisão da Polícia Federal, o que gerou uma controvérsia jurídica se havia necessidade em algemá-lo.

DEPOIMENTO FORÇADO: O projeto aprovado determina que uma autoridade pode ser presa por até quatro anos se forçar o depoimento de quem deve resguardar sigilo profissional (como médicos sobre seus pacientes ou jornalistas sobre suas fontes), quem tenha optado por não falar ou quem esteja sem a presença do advogado, tendo solicitado um defensor.

ENCONTRO COM ADVOGADO: A autoridade que impedir, “sem justa causa”, uma pessoa, presa ou não, de se encontrar reservadamente com seu advogado pode receber pena de até dois anos de cadeia.

ENTRADA EM DOMICÍLIO: A autoridade que adentrar a casa de alguém, contra a vontade do morador, sem determinação judicial ou sem atender exceções determinadas na lei, pode, segundo o texto, ser presa por até quatro anos. O mesmo abuso vale para quem cumpre mandado legal em residência entre 21h e 5h da manhã.

CELA COM MULHERES E HOMENS: Manter homens e mulheres detidos na mesma cela passa a ser considerado um abuso passível de até quatro anos de cadeia. Um caso famoso ocorreu em 2007, quando uma adolescente ficou detida por decisão judicial durante quase um mês numa cela com 30 homens em Abaetetuba, no Pará. Ela relatou ter sofrido uma série de abusos e estupros.

* Advogado Criminalista e membro da Comissão de Direito Criminal da OAB/RN. Membro da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – ABRACRIM.

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