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ENTREVISTA: ‘O Bolsonaro pegou um eleitor pobre do PT’, avalia cientista político

Luís Eduardo Gomes

Sul 21

O primeiro turno das eleições gerais brasileiras apresentaram o surgimento de uma grande onda pró-Jair Bolsonaro, que levaram o seu partido, o PSL, à segundo maior bancada na Câmara dos Deputados, sair de zero para quatro senadores e quase levar a disputa presidencial em primeiro turno. No final das contas, ele ficou em 46% e enfrentará no segundo turno o petista Fernando Haddad, que fez pouco mais de 29%. Para avaliar o cenário que emerge do pleito e se a disputa presidencial já está decidida ou pode ser revertida, o Sul21 conversou com o cientista político Alberto Almeida.

Almeida é o autor dos livros “A Cabeça do Brasileiro” e o “Voto do Brasileiro”, lançado em maio deste ano e que busca explicar, a partir de dados numéricos, porque o brasileiro vota como vota. Ele também é diretor da Brasilis, empresa especializada em análises e dados sobre a sociedade brasileira, informações sociais, políticas, econômicas e culturais.

Para o cientista político, o resultado das urnas é um reflexo da “rejeição a medalhões”, o que levou, por exemplo, à perda de mandato de 24 dos 32 atuais senadores que buscavam a reeleição. A respeito do segundo turno, ele destaca que a tendência é sim de favoritismo de Bolsonaro, mas ressalta que esta nova etapa elimina “ruídos”, como a presença de candidatos sem chances na disputa, a imporá um debate mais direto de ideias. Para ele, a questão chave para uma possível reversão do quadro por Haddad seria recuperar votos perdidos pelo PT no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, estados onde Dilma Rousseff (PT) venceu Aécio Neves (PSDB) no segundo turno de 2014 e agora deram ampla vantagem para Bolsonaro. Em 2014, Dilma fez 51% dos votos válidos nestes estados. Agora, no primeiro turno Bolsonaro alcançou 48% em Minas e 59% no Rio.

A seguir, confira a entrevista com Alberto Almeida.

Sul21 – Como o senhor recebeu o resultado do primeiro turno da eleição presidencial?

Alberto Almeida: É um resultado de rejeição a todos os medalhões da política, digamos assim. Dos 32 senadores que disputaram a reeleição, apenas oito foram reeleitos. Pega os nomes que não conseguiram, são nomes muito medalhões. Jorge Viana (PT-AC), Eunício Oliveira (MDB-CE), o presidente do Senado, Cristovam Buarque (PPS-DF), Ricardo Ferraço (PSDB-ES), considerado um bom senador, Magno Malta (PR-ES), Lúcia Vânia (PSB-GO), Edison Lobão (MDB-MA), Flexa Ribeiro (PSDB-PA), Roberto Requião (MDB-PR), Lindbergh Farias (PT-RJ), Romero Jucá (MDB-RR). E medalhões que não eram senadores tentaram ao Sanado e também não conseguiram. No Mato Grosso do Sul, Zeca do PT, Sarney Filho (PV-PA), Marconi Perillo (PSDB-GO), Dilma (PT-MG), César Maia (DEM-RJ), Garibaldi Alves Filho (MDB-RN), Eduardo Suplicy (PT-SP). Todos eles são medalhões, eram nomes conhecidos, e não conseguiram a vaga no Senado. É claro que alguém que vai conseguir ser reeleito, justamente para confirmar a regra, mas a grande maioria não conseguiu. E essa grande maioria são de políticos medalhões. Isso mostra o desejo de dar uma lição grande no ‘establishment’ da política brasileira.

Sul21 – E o senhor avalia que essa é uma lição pelo lado conservador ou considera que o Congresso já era conservador e não mudou tanto o perfil?

AA: A gente vai ter que ver. Conservador em quê? Tem muitos policiais eleitos, esse pessoal acaba sendo, do ponto de vista econômico, gastador. E conservador nos hábitos, na coisa da repressão. Então, tem aí uma salada, uma determinada coisa que ainda precisa clarear. Mas, a princípio, por conta de recursos próprios para a campanha, a gente pode dizer que tem um conservadorismo maior sim.

Sul21 – Qual a projeção que o senhor faz para o segundo turno?

AA: É um segundo turno que vai dar mais clareza para o eleitor sobre as candidaturas. O primeiro turno tinha muito ruído. Só para pegar um exemplo importante, o do Meirelles (MDB). Um candidato que teve menos votos do que o Cabo Daciolo (Patriota) e que tinha o terceiro maior tempo de televisão. Então, para o eleitor, isso é uma confusão tremenda. ‘Como é que esse cara tem tanto tempo de televisão e ele é tão desimportante e defende um governo que eu rejeito e odeio?’ Então, confusões como essa vão deixar de existir no segundo turno. E aí, pro eleitor, a campanha é mais compreensível. Você vai confrontar duas pessoas, duas figuras, dois símbolos, muito claramente. Cada um se auto-elogiando, o que é normal, política é venda, e criticando o outro. Isso é uma coisa. A outra coisa que é importante olhar no resultado eleitoral é que, de fato, o Bolsonaro ficou próximo de ganhar no primeiro turno. Porém, a gente pode fazer uma conta e colocar a maior parte dos votos do Ciro Gomes (PDT), com o Haddad. Pensando em ontem, eu não estou pensando na primeira pesquisa pós-primeiro turno, que tem efeito de mídia e várias coisas, mas pensando em ontem. Se você pegar 12% do Ciro, diminui um pouco, 10%, o Haddad sai de 29% para 39%. Então, vamos dizer que, sem o Ciro, talvez o Haddad tivesse chegado a 40%. Seria 46% a 40%. Nesse aspecto, uma eleição não muito distante, apesar da proximidade do Bolsonaro em relação ao sarrafo dos 50%.

Sul21 – O senhor considera que esse primeiro turno já foi quase o segundo turno, no sentido de que tinha um lado do Bolsonaro e outro que era Haddad/Ciro, visto que os demais candidatos fizeram poucos votos?

AA: Sim. A votação do PSDB é impressionante do ponto de vista negativo. Menos de 5% para presidente. O PSDB, é algo impressionante. Aí depois você tem o Amoêdo e depois todo mundo com 1%. Então, grande parte do voto decidido, com exceção do voto em Ciro Gomes, evidentemente muito maior que os demais. Nesse aspecto, você tem uma quantidade de votos que tende a caminhar para o Haddad, mas creio que, de fato, você tem o favoritismo do Bolsonaro.

Sul21 – O que o Bolsonaro precisa fazer ou evitar para confirmar essa vantagem no segundo turno?

AA: As duas campanhas não têm muita alternativa. O marketing está mais ou menos encaminhado, definido. O Bolsonaro batendo no PT, mais ainda do que ele sempre bateu, colocando a culpa de todos os males do sistema no PT. O PT haveria uma novidade, porque não atacou ainda o Bolsonaro, colocando ele como o candidato da elite, que apoiou o governo Temer, caminhando por aí.

 

Sul21 – A estratégia que o Haddad tem para reverter o quadro passa por tentar vincular o Bolsonaro ao governo Temer?

AA: É difícil dizer, pode ser que sim. A gente vai ver em função dos pronunciamentos do Haddad antes de começar o programa de TV e depois que começar. Vamos ter que aguardar.

Sul21 – O que restou ao auto-intitulado “centro democrático” depois das votações de ontem? Seria bom para partidos como PSDB e MDB aderir ao Bolsonaro ou isso pode significar um encolhimento maior nas próximas eleições?

AA: Olha, o eleitor já vai definido, esses apoios não importam, essa coisa de fazer campanha para outro. Eu acho que isso aí já está definido. O eleitor desses partidos, se fizer uma pesquisa, já sabe em quem votar. Esse pessoal, no fundo, na prática, vão ser observadores do segundo turno, na minha visão. Porque um deputado não vai fazer campanha para um candidato a presidente, não vejo dessa forma. Você pode ter as máquinas estaduais, os governadores mobilizando as suas máquinas locais, aí sim.

Sul21 – Mas o senhor avalia que o Alckmin declarar apoio para alguém não interferiria?

AA: Eu acho que não muda nada, isso daí é um mito. Ah, o ‘Ciro declara apoio’, acho que não muda nem pouco. O eleitor do Ciro tem menos identidade com o Bolsonaro, obviamente.

Sul21 – Haveria um eleitor que votou em um lado e poderia fazer a migração para o outro no segundo turno? Há espaço nos votos do Bolsonaro para migrar para o PT, e vice-versa?

AA: Sim. O Bolsonaro pegou um eleitor pobre do PT, em particular no Rio de Janeiro e Minas Gerais, que foram estados bem desfavoráveis para o PT. O que aconteceu nessa eleição? MG e RJ não entregaram ao PT os votos que costumavam entregar. Aí o PT tem que ir lá tentar recuperar. Talvez não dê para recuperar, mas uma parte desses votos é possível.

Sul21 – Estes serão os principais palcos eleitorais que o PT tem para prestar atenção?

AA: Sim, não tenho a menor dúvida.

Sul21 – Falamos de apoio de candidatos nos estados a Bolsonaro ou Haddad. Por outro lado, o apoio deles a algum candidato a governador pode influenciar? A gente viu candidatos surgirem do nada no RJ e em MG.

AA: Isso aí é um mito. Ninguém vai apoiar um candidato porque ele apoiou o Bolsonaro. Se você pegar em Minas, tinha aquele Márcio Lacerda, que saiu no acordo do PT com o PSB. Todo mundo previa que o Lacerda ia ganhar, porque em Minas não iriam querer nem PT, nem PSDB. O Lacerda saiu e vai ganhar o outro, que não é nem PT, nem PSDB, mas não tem nada a ver com ele ter declarado voto no Bolsonaro, isso aí é um mito.

Sul21 – O senhor já consegue projetar como devem vir as primeiras pesquisas?

AA: Elas devem vir mais favoráveis ao Bolsonaro em função da mídia positiva que ele teve. Da surpresa relativa ao desempenho dele.

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Brasil importa ideias dos EUA e cria o ‘familismo-liberal’

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Por Alberto Carlos Almeida 

Poder 360

A candidatura de João Amoêdo pelo partido Novo está tendo, e provavelmente terá, um desempenho eleitoral pífio. Ela não ameaça ninguém. Portanto, escrever sobre o candidato nada tem a ver com o fato de ele ser uma ameaça eleitoral.

A grande virtude de sua candidatura é a possibilidade de vermos em funcionamento alguém autointitulado de liberal defendendo ideias supostamente liberais. Vale refletir sobre isso, pois diz muito sobre o Brasil, sobre como parte de nossa elite importa ideias e as adapta ao sul da linha do Equador.

Sim, o Brasil está ao sul da linha do Equador. Os europeus de 300 anos atrás acreditavam que esta linha separava ao Norte as regiões do mundo nas quais havia virtudes do Sul onde imperava a perdição e nada era proibido. A versão latina para “não existe pecado ao sul do equador” é: Ultra aequinoxialem non peccari. Pelo visto até hoje é assim, não é proibido misturar familismo com liberalismo.

Circula nas redes sociais um vídeo na qual a mãe de João Amoêdo o apresenta para a política. Confesso que é a primeira vez que vejo um candidato a presidente sendo apresentado por sua mãe, iria mais longe, por um parente de primeiro grau. A sociedade que por excelência é o exemplo de liberalismo, os Estados Unidos, limita-se hoje a valorizar os laços de parentesco da família nuclear.

Ainda assim, os filhos vão embora de casa aos 18 anos. A partir daí, os encontros com os país são esporádicos, em datas comemorativas como o Dia de Ação de Graças e o Natal. Não me consta que um candidato a presidente dos Estados Unidos tenha algum dia sido apresentado ao público pela sua mãe. Se isso tivesse ocorrido ele seria considerado um looser. Isso mostra como é difícil importar ideias, tirá-las de seu lugar.

O liberalismo político e econômico consagra as relações impessoais em detrimento das relações pessoais e de parentesco. Quem defende o liberalismo, na prática, deixa a família de lado, bem longe. Talvez por isso políticos que tiveram sucesso eleitoral nacional ou mesmo estadual jamais tenham sido introduzidos na política por suas respectivas mães ou parentes de primeiro grau. Isso diz respeito a todos os lados do espectro, a políticos tão diferentes como Lula e Fernando Henrique, Geraldo Alckmin e Fernando Haddad, José Serra e Jaques Wagner. A prática dessas figuras, ao menos no que tange ao fato específico de trazer parentes para a comunicação política, foi genuinamente liberal.

O liberalismo nada tem contra a família, a não ser o fato de as sociedades estruturadas sobre os pilares do liberalismo político e econômico terem consagrado a figura do indivíduo e o retirado do seio de sua comunidade rural e família estendida. O liberalismo surgiu para enfrentar a nobreza hereditária, por laços de sangue, e colocar no centro do debate político as relações de mercado.

Sublinhe-se aqui que “relações de mercado” não são apenas econômicas, há também um mercado de interesses e valores, e partidos políticos são formados em torno deles. Em função do mercado temos colegas de trabalho que são transitórios, professores e, eventualmente, até amizades. É comum que a mudança de uma área profissional implique em uma mudança significativa do conjunto de amizades.

Um indivíduo liberal, ao entrar na vida política, deveria ser apresentado por seus pares de partido, é daí que deriva a autoridade de um político em sociedades estruturadas de acordo com o liberalismo. Deve ser buscada a autoridade de pessoas que estabeleceram com o futuro candidato relações em função de situações de mercado, como colegas de profissão ou ex-professores.

Assim, o vídeo no qual a mãe de João Amoêdo o apresenta para os eleitores retrata muito do que é o Brasil. É uma peça antropológica, pois mostra as dificuldades e adaptações pelas quais tem de passar o liberalismo quando sai de seu berço anglo-saxão e vai parar abaixo da linha do Equador.

Aqui não há pecado, nem mesmo em misturar a família com o credo liberal. Temos aqui um sincretismo não apenas religioso, mas de ideias, temos o familismo-liberal, tão evidente nos escândalos de nepotismo e agora na comunicação política de nosso autoproclamado mais genuíno liberal.

Acompanhar João Amoêdo na campanha resultará em inúmeras teses de antropologia e de história das ideias, todas elas tendo como eixo condutor a importação de ideias saxãs para um país pobre, tropical e de matriz católica e ibérica. Vai ser bem divertido.

A propósito, foi minha mãe que me disse isso.