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Reportagem especial

O Golpe Militar no RN: quem aderiu, quem resistiu e as consequências políticas

Por Bruno Barreto

A madrugada que separou os dias 31 de março e 1º de abril de 1964 foi marcada pela ruptura do Estado Democrático de Direito no Brasil levando o país a 21 anos de ditadura militar.

Tudo isso há exatamente 55 anos.

Entre historiadores renomados é unanime que foi um Golpe de Estado com direito a tanques nas ruas, inclusive.

No Rio Grande do Norte os efeitos da ruptura com a democracia foram sentidos de forma imediata. O Estado vinha de uma eleição acirrada e marcada pelo radicalismo em 1960 quando Aluízio Alves, após romper com Dinarte Mariz, derrotou Djalma Marinho e se tornou governador do Estado.

Aluízio deu apoio ao golpe e foi um aliado de primeira hora dos militares.

O prefeito de Natal era Djalma Maranhão, político abertamente de esquerda que atuava como terceira via entre as oligarquias comandadas por Aluízio e Dinarte. Djalma possui fortes divergências públicas com Aluízio.

Maranhão entraria para história também por ter feito a campanha de alfabetização “Pé no Chão Também se Aprende a Ler”, baseada nos métodos do pedagogo Paulo Freire.

Com deflagração do golpe, ele faria da Prefeitura de Natal o principal foco de resistência no Rio Grande do Norte. O Palácio Felipe Camarão se tornaria o “QG da Legalidade e da Resistência”. No entanto, o entorno de Maranhã era frágil por se limitar a lideranças sindicais, estudantes e assessores.

Enquanto isso, Aluízio publicava na Tribuna do Norte uma nota em que pedia ao povo potiguar para se conservar calmo evitando manifestações que aprofundem divisões.

Apesar do discurso apaziguador caberia ao governador encaminhar as primeiras ações de repressão política no Rio Grande do Norte perseguindo lideranças sindicais e políticos adversários.

Djalma foi deposto do cargo em 2 de abril de 1964 quando tropa militares invadiram o Palácio Felipe Camarão e o prenderam enviando para o 16º Regimento de Infantaria, o conhecido 16 RI.  Os militares ainda propuseram que ele renunciasse ao mandato conquistado nas urnas em 1962, mas o prefeito preferiu resistir.

Mas não seria Maranhão o primeiro preso político do novo regime. Durante as negociações para tirar o prefeito do poder o líder sindical Evlim Medeiros (Sindicato da Construção Civil de Natal) seria preso após ser reconhecido por um oficial do exército sendo levado para o 16 RI antes do desfecho que culminou com a prisão do líder da resistência ao golpe no RN.

Após ser posto em liberdade, Djalma Maranhão se exilou em Montevidéu onde morreu em 30 de julho de 1971, segundo seu companheiro de exílio Darcy Ribeiro, a causa teria sido saudade.

Aluízio que comandava as perseguições logo seria convertido de vilão a vítima.

Os dias seguintes ao Golpe seriam marcados no Rio Grande do Norte pelo fechamento de sindicatos e prisões de lideranças políticas.

Enquanto isso, o golpe reunia formalmente ferrenhos adversários. Aluízio e Dinarte estaria alinhados dentro do sistema governista e fundariam juntos a Arena no Rio Grande do Norte em 1965 embora a convivência não fosse boa.

Mossoró no contexto do Golpe

Cesário Clementino: resistência em Mossoró

 

Na época do Golpe Militar Mossoró era administrada por Raimundo Soares, aliado da família Rosado, que comandava a política local.

Os principais líderes políticos da cidade, Vingt e Dix-huit Rosado, logo aderiram ao regime e fariam parte das articulações alinhados à liderança de Dinarte Mariz.

Em Mossoró não há muitos estudos sobre o que aconteceu na cidade na madrugada entre 31 de março e 1° de abril.

O único político mossoroense a organizar alguma forma de resistência foi o deputado estadual eleito em 1958 Cesário Clementino que fora líder sindical dos ferroviários. Em 1964 ele era suplente, mas teve esta condição política cassada pelo regime.

O período militar foi de hegemonia rosadista e de disputas pelo comando do Palácio da Resistência. A única quebra dessa sequência aconteceu em 1968 quando o ex-aliado dos Rosados Antônio Rodrigues de Carvalho derrotou Vingt-un por 98 votos.

O relatório Veras

 

Nos primeiros dias pós-Golpe, Aluízio Alves mandou buscar em Recife os delegados da Polícia Federal José Domingos da Silva e Carlos Moura de Moraes Veras que produziriam o “Relatório Veras” identificando os “subversivos” do Estado.

Eles produziram um trabalho de 67 páginas em que apontaram cujos alvos preferidos eram servidores da rede ferroviária, da Prefeitura de Natal, estudantes, artistas e sindicalistas.

Na lista constam o professor Moacyr de Góes, o médico Vulpiano Cavalcanti, o jornalista Ubirajara de Macedo e o pastor José Fernandes Machado. Além de, claro, Dajalma Maranhão.

No mesmo período, Aluízio Alves efetuou a demissão de 82 servidores públicos estaduais acusados de “subversão”.

A política no RN durante a Ditadura Militar

 

Aluízio Alves acabou punido pela ditadura que ajudou a instalar (Foto: reprodução/Youtube)

Nos primeiros dias pós-Golpe o processo de união das oligarquias Alves e Mariz se deu no campo formal com os dois grupos organizando a Aliança Renovadora Nacional (ARENA).

No campo político o confronto entre os dois continuava ainda que estivessem alinhados com o regime. Apoiado por Aluízio, Walfredo Gurgel foi eleito governador derrotando Dinarte. O troco foi dado no ano seguinte quando Dinarte conseguiu vetar a candidatura de Aluízio ao Senado. Foi feito um acordo entre a Arena Verde e a Arena Vermelha que fez do mossoroense Duarte Filho senador. Isso não garantiu a pacificação do partido.

Estava claro que a força eleitoral de Alves não seria forte o suficiente diante de Mariz no plano nacional. Isso se materializou em 1969 quando uma articulação de Dinarte Mariz junto ao presidente Costa e Silva resultou na cassação do mandato dos direitos políticos de Aluízio Alves que ficaria dez anos impedido de candidatar-se.

Isso definiria os rumos da política potiguar nos anos seguintes com Aluízio se alinhando ao MDB e lançado o filho Henrique Alves e o sobrinho Garibaldi Alves Filho na política.

A partir de 1970, os governadores de todo o Brasil passariam a ser escolhidos de forma indireta e com influência dos ditadores de plantão. Nas escolhas de 1970, 74 e 78, mesmo no ostracismo Aluízio mantinha a popularidade e consultado em todas as definições dos governadores.

Assim, foram escolhidos governadores pela ordem: Cortez Pereira, Tarcísio Maia e Lavoisier Maia. Nas três disputas o mossoroense Dix-huit Rosado tentou sem sucesso se tornar governador do Estado, mas sempre fora preterido.

A escolha mais dramática aconteceu em 1974 quando estava tudo acertado para que o empresário Osmundo Faria (pai do ex-governador Robinson Faria) seria anunciado e na madrugada do dia que seria feito o anúncio, o padrinho político da escolha, o general Dale Coutinho sofreu um infarto e morreu. A fatalidade zerou as articulações levando Tarcísio Maia a ser escolhido.

PAZ PÚBLICA

Na eleição de 1978 foi forjada a primeira aliança entre as oligarquias Alves e Maia por meio da paz pública quando Aluízio Alves e Tarcísio Maia se juntaram em torno da candidatura ao Senado de Jessé Freire, da Arena. Aluízio chegou a indicar nomes no Governo de Lavoisier Maia.

A tal paz se desfez com o processo eleitoral de 1982 quando os estados voltaram a eleger seus governadores. Aluízio seria derrotado por 106 mil votos de diferença para o jovem ex-prefeito de Natal José Agripino.

Os perseguidos políticos e desaparecidos no RN

Anatália de Melo Alves morreu torturada (Foto: reprodução)

Após os primeiros dias do regime como já citado nesta reportagem a repressão voltou a se intensificar no Estado a partir do Ato Institucional número 5.

Em 1968, foram presos os estudantes Ivaldo Cartano, José Bezerra Marinho e Jaime de Araújo Sobrinho. O padre marista Emanuel Bezerra.

Gileno Guanabara também foi preso.

Um dos primeiros potiguares assassinados pela repressão foi Emmanuel Bezerra dos Santos, líder estudantil e liderança do Partido Comunista Revolucionário (PCR).

No Governo Médice, a repressão ainda foi mais intensa.

Um dos casos mais marcantes envolveu o casal mossoronse Luiz Alves e Anatália de Melo Alves. Ele foi preso e torturado, inclusive ouvindo gemidos de dor enquanto sua esposa também era seviciada.

Ela não resistiu e morreu em 22 de janeiro de 1972 após sessão de tortura em Recife se tornando uma mártir da resistência ao regime no Rio Grande do Norte. Os militares tentaram abafar o caso por meio de censura, mas os testemunhos de outros presos ajudaram a provar que ela foi executada por torturadores.

Em 17 de janeiro de 1973, outro potiguar  atingindo pelo regime foi José Silton Pinheiro dos Santos foi outro potiguar assassinado pelo regime. Ele era estudante de pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e membro do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR).

SEQUESTRO

Um dos momentos mais tensos da ditadura militar foi quando os grupos de esquerda que aderiram a lutar MR8 e ALN sequestraram o embaixador americano Burker Ellbrick em 4 de setembro de 1969.

A ação contou com a participação do potiguar Virgílio Gomes da ALN que seria morto após espancamento por parte de membros da Operação Bandeirantes em 29 de setembro daquele mesmo ano.

Vítima do “Cabo Anselmo”

Uma das figuras mais controversas da ditadura militar foi José Anselmo dos Santos, conhecido como “Cabo Anselmo” que se infiltrou dentro das organizações paramilitares de esquerda como a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).

Neste agrupamento ele encontrou o potiguar Edson Neves Quaresma que foi assassinado após delação do “Cabo Anselmo”.

Bibliografia consultada

O golpe militar no Rio Grande do Norte e os norte-riograndenses mortos e desaparecidos: 1969-1973.

Autor: Luciano Fábio Dantas Capistrano

1964: Aconteceu em abril.

Autora: Mailde Pinto Galvão

Como se Fazia Governador Durante o Regime Militar: o ciclo biônico no Rio Grande do Norte.

Autor: João Batista Machado.

História do Rio Grande do Norte

Autor: Sérgio Luiz Bezerra Trindade

 

Subversão no Rio Grande do Norte: relatórios dos inquéritos realizados por José Domingos da Silva e Carlos Moura de Moraes Veras a mando do governo Aluízio Alves.

 

Autor: Comitê Estadual pela Verdade/RN.

 

Bastidores do Poder: memórias de um repórter.

Autor: João Batista Machado.

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Artigo

Um contraponto ao artigo de Henrique sobre a relação entre Aluízio Alves e a ditadura militar

Aluízio era ao mesmo tempo vítima e parceiro do regime militar (Foto: reprodução/Tribuna do Norte)

Aluízio Alves foi o político mais importante do Rio Grande do Norte na segunda metade do Século XX. Talvez tivesse sido mais vezes governador e chegado ao Senado se não tivesse acontecido o Golpe de 1964.

No último domingo, o ex-presidente da Câmara dos Deputados Henrique Alves escreveu um artigo no Jornal Tribuna do Norte que ganhou ampla repercussão nos veículos de comunicação da capital. Tudo por causa da última frase em que ele afirma que “a luta continua” dando a entender que em breve volta a política.

O fato histórico foi completamente ignorado pelos colegas.

A mim, o texto chama atenção justamente pelo resgate do passado de nossa política muito embora, neste caso, seja mais pelo viés emotivo que pelo científico.

Henrique, de forma compreensível, floreia a relação de Aluízio com os militares. Um desavisado ao ler o texto do ex-deputado acha que o “Cigano Feiticeiro” está no patamar de Miguel Arraes e Tancredo Neves, que resistiram ao golpe desde a primeira hora.

Aluízio, na verdade, apoiou o Golpe e, inclusive, colaborou com a repressão realizada no Rio Grande Norte na condição de governador não expurgado do cargo como aconteceu com outros colegas que ficaram contra a ruptura democrática. Há um livro chamado “Subversão no Rio Grande do Norte: relatórios dos inquéritos realizados por José Domingos da Silva e Carlos Moura de Morais Veras a mando do governo Aluízio Alves” que explica muito bem como isso aconteceu, inclusive mostrando a importação de Pernambuco de policiais para atuarem na repressão.

Aluízio seguiu sendo a maior liderança do RN mesmo impedido de disputar eleições (Foto: acervo/Tribuna do Norte)

Em 1965, Aluízio fez de Walfredo Gurgel, seu vice em 1960, seu sucessor no Governo do Rio Grande do Norte. A vitória foi questionada na Justiça Eleitoral pelo candidato derrotado Dinarte Mariz (UDN) que tentara subverter o resultado das urnas no “tapetão”. O candidato do “Cigano Feiticeiro” levou a melhor também nos tribunais.

Os potiguares só voltariam a votar para governador em 1982.

Em 1966, já com o bipartidarismo, o “Cigano Feiticeiro” se filiou a Arena (que sustentava o regime) e elegeu-se deputado federal. Aluízio e Walfredo formavam a “Arena Verde”, em alusão as cores do aluizismo. A “Arena Vermelha” estava sob a batuta de Dinarte.

Nos anos de 1967 e 1968, Aluízio estava no grupo de arenistas insatisfeitos com o excesso de poder dos ex-membros da UDN dentro do partido. Queria a implantação das sublegendas.

Alinhado a Carlos Lacerda, que se tornara uma figura rejeitada pelos militares, Aluízo seguia mostrando força política no Rio Grande do Norte. Numa campanha memorável ajudou a eleger Antônio Rodrigues de Carvalho prefeito de Mossoró abatendo nas urnas Vingt-un Rosado por 98 votos. Tão cedo o líder da “Cruzada da Esperança” voltaria a fazer campanha em palanques.

Esse conjunto de acontecimentos custou caro ao “Cigano Feiticeiro”.

Aluízio é de fato uma vítima do Ato Institucional número 5. Em 7 de fevereiro de 1969, o mandato de deputado federal e os seus direitos políticos foram cassados por imposição do governo.

Foram 9 anos de ostracismo. Deveriam ser dez, incialmente. Mais adiante eu explico.

Segundo relatos da época, tudo foi articulado pelo desafeto político Dinarte Mariz. A alegação oficial foi de corrupção.

Os irmãos de Aluízio, Garibaldi e Agnelo Alves, também foram cassados. Restou lançar Henrique e Garibaldi Alves Filho na política nas eleições de 1970.

A perseguição a Aluízio aconteceu, mas foi branda numa época em que adversários do regime eram presos, torturados ou até mesmo mortos. Quando davam sorte exilados.

Adversário involuntário da ditadura, Aluízio manteve relações amistosas com os militares e seguia fazendo política nos bastidores e ocupando mandatos através de filho e sobrinho.

Livros relatam relações de Aluízio Alves com o regime (Foto: acervo/Bruno Barreto)

Mesmo impedido de disputar eleições, durante o ciclo dos governadores biônicos (1970/78), Aluízio influenciou nas decisões da elite política do Estado sendo consultado nas escolhas de Cortez Pereira (1970), Tarcísio Maia (1974) e Lavoisier Maia (1978). Neste último período sucessório, o “Cigano Feiticeiro” ajudou a construir a “Paz Pública” unindo-se em palanque com seus “algozes” para eleger Jessé Freire contra o correligionário Radir Pereira na disputa pelo Senado.

Em troca, ele ganhou uma espécie de “liberdade condicional” em que, se ainda não podia ser candidato, ao menos estava autorizado a subir num palanque.

Isso está relatado no livro “Como se Fazia Governador Durante o Regime Militar: o ciclo biônico no Rio Grande do Norte” do jornalista João Batista Machado.

Aluízio se juntou ao MDB após perder os direitos políticos e de lá saiu em 1979 para um curto período no Partido Popular (PP) onde se juntou a Tancredo Neves. Ficou por lá pouco tempo e voltou ao PMDB, já com o “P” de partido, em 1980.

Mesmo sem diretos políticos, Aluízio buscava manter boas relações com a ditadura e era amigo do general Golbery do Couto e Silva, famoso articulador político do regime. Os militares reconheciam a popularidade do “Cigano Feiticeiro”, mas o queriam de fora da política eleitoral por causa de seu perfil populista.

Aluízio acabou conhecendo sua primeira derrota eleitoral no retorno em 1982 (Foto: reprodução)

O último capítulo da relação entre Aluízio com a ditadura militar transcorreu nas eleições de 1982 quando o voto vinculado o impediu de se eleger governador pela segunda vez sendo derrotado por um garoto de 36 anos chamado José Agripino Maia por uma maioria de 106 mil votos.

Henrique, como filho, tem licença poética para florear a relação de Aluízio Alves com o a ditadura militar, mas a história é implacável para mostrar que o “Cigano Feiticeiro” vagueou ao sabor das conveniências para sobreviver em tempos autoritários tanto que manteve boas relações com um entusiasta da ditadura militar, o político mineiro Magalhães Pinto e isso fica bem claro no artigo de Henrique.

Aluízio Alves fez jus ao apelido “Cigano Feiticeiro” ao conseguir a mágica de deixar para posteridade a impressão de que fora apenas mais um dos perseguidos pelo regime. Henrique reforça essa meia verdade no artigo, mas não foi bem assim.

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Reportagem

Primeiro “acordão” entre as famílias Alves e Maia completa 40 anos em 2018

Aluízio, Tarcísio Maia, Dinarte Mariz e Lavoisier Maia são os personagens da "Paz Pública"
Aluízio, Tarcísio Maia, Dinarte Mariz e Lavoisier Maia são os personagens da “Paz Pública”

Por Tiago Rebolo

Agora RN

As duas famílias políticas mais tradicionais do Rio Grande do Norte deverão repetir nas eleições deste ano uma aliança nada original. Juntos mais uma vez, os Alves e os Maia – desta vez, representados pelos senadores Garibaldi Filho e José Agripino, além do prefeito Carlos Eduardo, que pretendem ser candidatos – planejam reeditar no pleito de outubro  uma prática que tem origem em quatro décadas atrás.

Há exatos 40 anos, as duas famílias decidiam convergir pela primeira vez os interesses, mudando a configuração política do estado dali em diante.

Conhecido como “Paz Pública”, o fenômeno chama a atenção de cientistas políticos e historiadores. É o caso do professor Sérgio Trindade, que se debruça sobre o tema há vinte anos. O pesquisador conta que a união entre as famílias Alves e Maia em 1978 provocou alterações significativas no quadro político.

“Com o resultado das eleições, houve uma reformulação na política estadual, tendo em vista que ‘novas’ lideranças políticas surgiram, outras decaíram e outras, ainda, ‘ressurgiram’ após anos de ostracismo”, conta o historiador, lembrando ainda que a “Paz Pública” coincidiu com a abertura democrática do país.

ENTENDA A HISTÓRIA

Em 1978, conta Trindade, com o sistema bipartidário, as principais lideranças políticas do estado estavam na Arena (Aliança Renovadora Nacional) e no MDB (Movimento Democrático Brasileiro). O MDB, que fazia oposição ao governo militar, era o reduto da família Alves; enquanto que a Arena tinha o senador Dinarte Mariz, que dominava a política potiguar até então, e a emergente família Maia.

Naquele ano, percebendo o avanço do MDB principalmente em Natal, o governador arenista Tarcísio Maia decidiu arquitetar uma manobra para evitar surpresas na eleição para o Senado, já que quatro anos antes o feirante Agenor Maria havia derrotado o candidato da Arena, Djalma Marinho, refletindo uma tendência nacional, que era de perda de capital político dos adeptos ao regime militar.

Apenas uma vaga para o Senado estava em disputa em 1978, já que Dinarte Mariz, mais alinhado com o governo central, seria nomeado “senador biônico” (eleito indiretamente) e Agenor Maria tinha mandato até 1983.

A Arena, que vinha de uma cisão interna gerada nas eleições indiretas de 1974 (que resultou na nomeação de Tarcísio Maia para o Governo do Estado, para a insatisfação de Dinarte Mariz), não tinha consenso em torno de um nome. O empresário Jessé Freire era a preferência do governador Tarcísio, mas Dinarte não o apoiava. Foi então que o governador foi buscar o apoio da família Alves, rival de Mariz, para vencer a disputa.

“Tarcísio se aproximou de Aluízio e conseguiu fazer com que a família Alves apoiasse Jessé. Isso é a Paz Pública”, registra o professor.

O historiador lembra que Aluízio Alves (que foi governador até 1969, quando foi cassado pelo regime militar) decidiu aderir à candidatura de Jessé Freire em detrimento do candidato do seu próprio partido (MDB), o também empresário Radir Pereira. Em troca, os Alves puderam indicar o vice do futuro governador Lavoisier Maia: o empresário Geraldo Melo.

O curioso na história é que Radir Pereira também recebeu apoio dos “adversários”. Setores da Arena ligados a Dinarte Mariz descontentes com a candidatura de Jessé Freire decidiram apoiar o nome do MDB. Além de Jessé, esses arenistas não engoliam a vitória de Tarcísio Maia na indicação do sucessor para o Governo, que acabou sendo Lavoisier Maia, em detrimento de Dix-Huit Rosado, apoiado por Mariz.

A estratégia de Tarcísio, no final das contas, após uma campanha agressiva, foi vitoriosa. No dia 15 de novembro de 1978, aproximadamente 710 mil eleitores foram às urnas no Rio Grande do Norte, e Jessé Freire venceu Radir Pereira com 76 mil votos de maioria. O professor Sérgio Trindade frisa que, após isso, Tarcísio ganhou mais protagonismo, e Dinarte Mariz (que viria a morrer em 1984, durante mandato de senador) começou a declinar.

“Quem emerge como força política após a eleição de Jessé Freire é Tarcísio Maia, já que a estratégia eleitoral foi dele. E, além disso, temos a volta de Aluízio Alves à vida pública, dez anos após sua cassação pelo regime militar. Foi a maior aliança política feita no RN desde 1954, quando a UDN e o PSD se uniram para eleger Dinarte Mariz e Georgino Avelino. Combinou as forças da Arena no interior e a liderança de Aluízio na capital”, completa o professor.

União política entre Aluízio e Tarcísio foi desfeita em 1982, na eleição de Agripino

Pesquisador do assunto, o professor Sérgio Trindade registra que a “Paz Pública” articulada por Tarcísio Maia tinha, além da eleição de Jessé Freire em 1978, outro objetivo que acabou prejudicando a aliança com os Alves nos anos seguintes. Tarcísio queria, na verdade, diminuir a influência da família “aliada” em Natal e se tornar a grande força política do estado, ocupando o espaço deixado por Dinarte Mariz.

O historiador relata que Tarcísio havia indicado Lavoisier para sua sucessão desde que o novo governante nomeasse o engenheiro José Agripino Maia para o cargo de prefeito de Natal. “Por que Natal? Porque, para os Maia, era necessário obter um determinado número de votos na capital para cobrir a diferença que existia em relação à liderança dos Alves. Daí, José Agripino acaba sendo nomeado, faz uma gestão na Prefeitura com apoio do Governo do Estado e se fortalece para ser candidato a governador em 1982”.

É neste momento em que a aliança entre os Alves e Maia feita quatro anos antes se enfraquece. “Agripino disputa contra Aluízio em 1982 e é eleito. Os Alves, então, foram traídos ao firmarem a aliança lá atrás. Agnelo Alves (ex-prefeito de Natal e Parnamirim) dizia que, não fosse Tancredo Neves, a família Alves tinha se acabado politicamente. Isso porque Tancredo, quando eleito governador de Minas Gerais, chamou Aluízio para trabalhar como secretário. Depois, quando Tancredo se elegeu presidente, Aluízio se tornou ministro”, diz o professor, acrescentando que, a partir disso, outros membros da família Alves conseguiram ter êxito na política.