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Rotular candidatos só serve para tertúlias ideológicas

Por José Paulo Kupfer*

Poder 360

A internet potencializou muitas coisas, inclusive a banalização das palavras. No terreno fertilizado por uma absurda proliferação de informações e sobretudo de ruídos informativos, os exageros vicejam e as palavras perdem o sentido.

O fenômeno não se dá apenas entre os que à esquerda rotulam de “fascistas” todos os que pensam diferente, assim como à direita os discordantes são carimbados de “comunistas”. Lamentavelmente, o chumbo grosso da intolerância espalhou-se para todos os campos e esferas da vida em sociedade.

São muitos, é fácil perceber, os problemas derivados dessa polarização. Um deles é dar passagem a autoenganos e a avaliações desprovidas de valor analítico. Vale para inúmeras questões, mas vamos ficar no exemplo do grande nó da economia — os desarranjos fiscais e as formas de resolvê-los — para tentar entender o ponto.

Na banalização das palavras, “reformista” ganhou uma conotação positiva estranha ao seu significado estrito. Passou a referir os que pensam como nós. Ao mesmo tempo, o termo “populista”, agora vestido de designação negativa, engloba resto formado por irresponsáveis.

Nessa nova concepção vernacular, “reformista” se transformou em todo aquele que se propõe a resolver os desequilíbrios fiscais com corte de gastos públicos, sem medo de impor “sacrifícios” aos cidadãos. Já “populista” passou a ser quem acha que há espaço para aumentar despesas públicas e resolver tudo com aumento do crescimento econômico, sem as dores dos conflitos distributivos.

É fato que, se fosse possível eliminar o grande enrosco fiscal apenas com crescimento econômico, os “populistas”, num passe de mágica, se tornariam belos “reformistas”. Mas, não só isso não é possível, como também não será possível equacionar o problema sem mexer nas receitas públicas, o que faria do maior “reformista” um rematado “populista”.

Logo, “populistas” e “reformistas”, nessas mais recentes acepções, podem fazer a festa da especulação nos mercados, nas asas das pesquisas de intenção de voto. Mas são definições que não servem para muita coisa verdadeiramente útil, principalmente quando se quer saber como alcançar o equilíbrio fiscal e ao menos a estabilização da dívida pública.

Entre os candidatos com chances de chegar ao segundo turno das eleições presidenciais, por exemplo, o ex-governador paulista Geraldo Alckmin, candidato do PSDB, é certamente o tido como mais “reformista”.

Como típico “reformista”, ele está prometendo eliminar o déficit público no curtíssimo espaço de dois anos e isso, conforme o próprio Alckmin tem declarado, exigirá cortar “para valer” as despesas públicas, embora não seja difícil verificar o irrealismo da promessa.

Alckmin, contudo, também promete, se eleito, reajustar o salário mínimo sempre acima da inflação ao longo de seu governo. Cálculos do Ibre/FGV mostram que cada 1% de aumento real no salário mínimo produz um adicional de R$ 3,8 bilhões nos gastos públicos. Em outras palavras, a promessa aumenta gastos. Se aumentar gastos é coisa de “populista”, onde enquadrar então a esperança branca “reformista”?

A resposta não parece, mas é óbvia. A divisão entre “populistas” e “reformistas” só existe para dar vida a tertúlias ideológicas e desvios do real foco do problema. Na dura realidade, o próximo governante começa tendo que arrumar R$ 18 bilhões para manter a máquina pública funcionando, mas isso não é nada perto da necessidade de negociar com o Congresso créditos extraordinários de R$ 260 bilhões, sem os quais não cumprirá a Regra de Ouro e incorrerá em crime de responsabilidade.

Teto de gastos, Regra de Ouro, Previdência, remuneração dos servidores públicos, regra de reajuste do salário mínimo, reforma tributária — para simplificar, reduzir ineficiências produtivas e reverter tanta regressividade —, são imensos os desafios à espera do novo governo. Eles envolvem revisões constitucionais, rearranjos federativos, correções de tributos, envolvendo direta ou indiretamente todos os Poderes da República.

Nem “reformistas”, nem “populistas” serão capazes de liderar tão crucial empreitada. O que precisamos mesmo é de políticos, na primeira acepção clássica da palavra, que designa os detentores da arte ou da ciência de governar.

* é jornalista profissional há 51 anos