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Lula contraiu na prisão o distúrbio da amnésia

Por Josias de Souza

UOL

 

Folha e El Pais entrevistaram Lula. Um aperitivo dessa primeira entrevista do ex-presidente petista na prisão foi servido pela repórter Mônica Bergamo. Revela que o encarceramento de mais de um ano não propiciou nenhum ensinamento à divindade do PT. Pior: o isolamento provocou em Lula um surto de amnésia.

O presidiário declarou que o Brasil é governado por “um bando de maluco”. E sugeriu que, depois da eleição de Jair Bolsonaro, a elite brasileira deveria fazer uma autocrítica. As declarações soaram incompletas e cínicas. No pedaço da entrevista em que soou pela metade, Lula declarou que o país está submetido a um “bando de maluco” e esqueceu de lembrar —ou lembrou de esquecer que a maluquice resultou de uma reação da sociedade brasileira contra o bando de ladrões que a Lava Jato identificou nas administrações petistas. Ainda não inventaram remédio melhor do que o voto contra doidos e larápios no poder.

No trecho em que se deixou levar pelo cinismo, Lula receitou autocrítica aos outros, mas se absteve de fazer a sua própria autoanálise. Suspeita-se que o banheiro da cela especial de Curitiba não tenha um espelho. Do contrário, o preso já teria enxergado no seu reflexo o semblante de um culpado.

oi com o beneplácito de Lula que o PT tornou-se uma máquina coletora de propinas. Foi com o apoio de Lula que Dilma mergulhou o país na pior recessão de sua história. Foi surfando a onda do antipetismo que Bolsonaro chegou ao Planalto. O eleitor de Bolsonaro sempre poderá fazer uma autocrítica. Muitos até já fizeram. Lula não pode mais desfrutar desse privilégio. Seu caso já não é de autocrítica, mas de autópsia.

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Ausente, Lula virou escada multiuso em debate

Por Josias de Souza

Lula desprezou várias oportunidades para colocar Fernando Haddad no pedestal de candidato oficial do PT ao Planalto. Acabou virando uma oportunidade que os outros candidatos aproveitam nos debates presidenciais. Na Rede TV!, a ausência de Lula tornou-se uma espécie de escada multiuso.

Bolsonaro chegou a produzir uma “cola”, para não esquecer de escalar seu cabo eleitoral invisível. Escreveu na mão: “pesquisas”, “armas” e “Lula”. Sobre Lula, disse que havia um púlpito reservado para ele no estúdio. Que teria sido retirado a seu pedido, pois lugar de bandido é na cadeia. Em verdade, a peça saiu de cena por vontade da maioria dos candidatos.

Alvaro Dias (Podemos), cuja plataforma é a refundação da República, com a  “institucionalização da Lava Jato”, tachou a candidatura de Lula de “encenação” e “vergonha nacional”. Apenas Guilherme Boulos, do PSOL, votou contra a retirada do púlpito de Lula do estúdio.

Sem a concorrência do PT, Boulos monopolizou o discurso de contestação. A exemplo do que ocorrera no primeiro debate, entoou uma pregação que fez lembrar o velho Lula da fase sindical, na década de 80. Seus ataques à “esculhambação” e aos “privilégios” do sistema político não levarão o PSOL ao Planalto. Mas o partido, nascido de uma costela do PT mensaleiro, abocanhará um pedaço do eleitorado que se sente órfão de Lula.

Um telespectador que se deixasse trair pelo sono imaginaria que o candidato de Lula na sucessão de 2018 é Henrique Meirelles, do MDB. O ex-ministro da Fazenda de Michel Temer repetiu à exaustão que não é político. Trocou a iniciativa privada pela presidência do Banco Central porque “o Lula chamou”.

Apropriando-se de uma obra coletiva, Meirelles jactou-se: “Criei 10 milhões de empregos” sob Lula. Sem mencionar o nome radioativo de Temer, o ex-ministro disse ter assumido a pasta da Fazenda para “consertar a bagunça da Dilma”. E produziu “mais dois milhões de empregos”.

Um brasileiro que integre a estatística em que o IBGE aponta a existência de 27 milhões de desempregados, desalentados e sub-remunerados no país, deve ter imaginado que Meirelles é candidato a presidente do Mundo da Lua. Com o hipotético apoio de Lula.

Boulos voltou a realçar os “50 tons de Temer” que coloriam a bancada de candidatos. Lembrou a entrevista em que Temer insinuou que o apoio dos partidos governistas do centrão fez de Alckmin o candidato do seu governo.

Meirelles sorriu amarelo. E Alckmin devolveu a provocação. Declarou que “os tons de Temer” são, na verdade, “avermelhados”. Lembrou que foram os companheiros petistas de Boulos que acomodaram Michel Temer na vice-presidência da República –“Duas vezes”, realçou.

Lula também compôs o pano de fundo de uma troca de amabilidades entre seus ex-ministros Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede). Ex-ministra do Meio Ambiente, Marina perguntou a Ciro o que faria para resolver os conflitos em terras indígenas. Ex-titular da pasta da Integração Nacional, Ciro recordou que atuara junto com Marina para atenuar o problema no governo de Lula.

Para o bem ou para o mal, Lula foi utilizado como escada por quem quis. Só não foi aproveitado pelo petismo, que arrasta a candidatura-fantasma do seu líder como uma bola de ferro, longe das sabatinas e dos debates.

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Indústria da raiva ainda vai produzir um cadáver

https://www.youtube.com/watch?v=VjCGhiuqlIY

Por Josias de Souza

Há um cheiro de enxofre no ar. É a emanação da morte. O odor cresce na proporção direta da diminuição da sensatez. Até outro dia, o ódio vadiava pelas redes sociais. Agora, circula pelas ruas à procura de encrenca. A raiva tornou-se um banal instrumento político. Há no seu caminho um defunto. Ele flutua sobre a conjuntura como um fantasma prestes a existir. A morte do primeiro morto ainda pode ser evitada. Mas é preciso que alguém ajude a sorte.

Concebida como alternativa civilizatória às guerras, a política subverteu-se no Brasil. Em vez de oferecer esperança, dedica-se a industrializar a raiva. Produz choques e enfrentamentos —uma brigalhada entre partidos enlameados, políticos desmoralizados, grupos e grupelhos ensandecidos. É nesse contexto que a notícia sobre a primeira morte bate à porta das redações como um fato que deseja ardorosamente acontecer.

O primeiro morto vagueia como uma suposição irrefreável. Por ora, ele vai escapando por pouco. Livrou-se da fatalidade quando sindicalistas enfurecidos reagirem mal às suas palavras, empurrando-o da calçada defronte do Instituto Lula em direção à rua, até cair e bater a cabeça no parachoque de um caminhão. Desviou dos tiros disparados contra os ônibus da caravana de Lula nos fundões do Paraná. Foi parar no hospital após ser baleado por atiradores filmados nas imediações do acampamento petista de Curitiba (assista no vídeo lá do alto).

Construir uma democracia supõe saber distinguir diferenças. Mas os políticos não ajudam. Estão cada vez mais a cara esculpida e escarrada uns dos outros. Todos os gatunos ficaram ainda mais pardos depois que a Lava Jato transformou a política em mais um ramo do crime organizado. Exacerbaram-se os extremos. Assanhou-se sobretudo a extrema insensatez.

Depois de sentar-se à mesa com Renans, Valdemares, Sarneys e outros azares, o PT tenta virar a mesa para fugir da cadeia pela esquerda. Por enquanto, conseguiu apenas transformar Gilmar Mendes em herói da resistência. De resto, o petismo virou cabo eleitoral da direita paleolítica personificada em Bolsonaro.

Esquerdistas, direitistas e seus devotos ainda não notaram. Mas para a maioria dos brasileiros o problema não é de esquerda ou de direita. O problema é que, em qualquer governo, tem sempre meia dúzia roubando em cima os recursos que fazem falta para milhões condenados a sofrer por baixo com serviços públicos de quinta categoria.

Bons tempos aqueles em que o Faroeste era apenas no cinema. A longo prazo, estaremos todos mortos. Mas o ideal é esquecer que a morte existe. E torcer para que ela também esqueça da nossa existência. Essa mania de provocar a morte, de desejar a morte, de planejar a morte em reuniões de executivas partidárias… Isso é coisa que só existe em países doentes como o Brasil.

A indústria da raiva se equipa para produzir um cadáver. Ainda dá tempo de salvar o primeiro morto. Mas as lideranças políticas brasileiras precisariam abandonar sua vocação para o velório. Dissemina-se como nunca a tese de que os políticos são farinha do mesmo pacote. Porém…

A igualdade absoluta, como se sabe, é uma impossibilidade genética. Deve existir na política alguém capaz de esboçar uma reação. Mas são sobreviventes tão pouco militantes que a plateia tem vontade de enviar-lhes coroas de flores e atirar-lhes na cara a última pá de cal.

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Chave de 2018 está na cadeia, indica Datafolha

Por Josias de Souza

A nova pesquisa do Datafolha sinaliza que a definição do primeiro turno da sucessão de 2018 passará pela cadeia. Os dados indicam que, se abandonar suas crendices e começar a falar sério, o PT ainda pode influir no jogo. Quase metade do eleitorado (46%) revela alguma propensão para votar num nome indicado por Lula —30% afirmam que farão isso com certeza. Outros 16% declaram que talvez sigam o caminho apontado pelo pajé petista.

Para ter o que comemorar em meio à desgraça, o PT precisaria virar o seu discurso do avesso. De saída, teria de aposentar a mistificação segundo a qual a Justiça brasileira é feita de tribunais de exceção, pois a maioria dos eleitores (54%) acha que o encarceramento de Lula foi justo. De resto, o petismo teria de desembarcar o quanto antes do trem-fantasma em que se converteu a candidatura Lula, pois 62% do eleitorado já se deu conta de que a fantasia descarrilou.

Enquanto o petismo nega a realidade, o eleitorado de Lula começa a migrar por conta própria. Num cenário em que aparece como Plano B do PT, Fernando Haddad herda apenas 3% das intenções de voto atribuídas a Lula. É coisa mixuruca se comparada com as fatias herdadas por Marina Silva (20%) e Ciro Gomes (15%). Até Jair Bolsonaro, Geraldo Alckmin e Joaquim Barbosa beliscam mais votos do legado de Lula (5% cada um) do que o petista Haddad.

Outro dado notável é que um pedaço expressivo do eleitorado do preso mais ilustre da Lava Jato (32%) decidiu fazer um pit-stop. Sem rumo, esse um terço informa que, se tivesse de comparecer às urnas hoje, anularia o voto ou votaria em branco. É gente que parece aguardar por uma sinalização qualquer de Lula.

O Datafolha apresenta o universo total do eleitorado como um bololô dividido em três grandes fatias. A fatia anti-Lula (31% dos brasileiros com direito a voto) continua detestando o PT e ruminando sua aversão a Lula. Nesse nicho, 32% votam na direita paleolítica representada por Jair Bolsonaro.

O pedaço do eleitorado pró-Lula, 100% feito de devotos, não se aborreceria se a divindidade presa em Curitiba pedisse votos para um poste. Como Lula ainda não pediu, pedaços da procissão começam a seguir outros andores, especialmente os de Marina e Ciro. Mas a maioria continua fazendo suas preces diante de um altar vazio.

De resto, existe a fatia da geleia geral (37% do eleitorado), que balança na direção de várias candidaturas. Destacam-se nesse grupo, por ora, os partidários de Bolsonaro e Marina. Mas ambos têm menos votos do que o bloco dos brancos e nulos. Ninguém se anima a votar numa hipotética candidatura de Lula no primeiro turno. Mas muitos não descartariam a hipótese de votar nele num eventual segundo round.

Para efeito de sondagem, o Datafolha incluiu o ficha-suja Lula em alguns cenários pesquisados. No principal, o candidato inelegível do PT amealhou 31% dos votos, seis pontos percentuais a menos do ele colecionava em janeiro. Sem Lula, Marina (entre 15% e 16%) encostou em Bolsonaro (17%). A dupla está tecnicamente empatada. Segue-se um amontado de concorrentes.

Desde 1994, quando Copa e eleições passaram a ocorrer no mesmo ano, os candidatos sabem que, enquanto não for decidido o torneio de futebol, a campanha política é um pesadelo que atrapalha o sonho de erguer a taça. Mas a prisão de Lula obriga o PT a adiantar o relógio.

Numa disputa com muitos candidatos, em que um cesto com menos de 20% dos votos pode levar para o segundo turno um pretendente ao trono, parece claro como água de bica que a herança eleitoral de Lula pode influir nos rumos da disputa. Resta saber se o petismo deseja jogar o jogo ou se vai continuar tentando cavar faltas.