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Análise

De onde vem o conceito natalense de essencialidade

Força do Lobby impõe o que é essencial em Natal (Foto: divulgação)

A Câmara Municipal de Natal já decidiu que igrejas, educação, bares e restaurantes são serviços essenciais. Mas o que obviedades (educação) e absurdos (bares) tem em comum para terem esses projetos aprovados? A palavra é lobby.

O setor empresarial em Natal é poderoso e influencia o debate público. Assim escolas, bares e restaurantes viram serviços essenciais por força de leis.

Já as igrejas evangélicas se impõem por força eleitoral via influência de pastores.

A estratégia é sempre tentar enfraquecer o debate o fechamento de locais públicos para conter o avanço da covid-19. Pouco importa se os eleitos de UTI estão lotados.

O conceito de essencialidade natalense é uma questão de lobby. Quem tiver mais força ganha no grito, mas perde na justiça no fim das contas.

 

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Reportagem

O que querem os lobistas

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Anna Beatriz Anjos

Agência Pública 

A sala de convenções de um luxuoso hotel na zona Sul de São Paulo estava cheia na manhã de quinta-feira, 13 de junho. Homens e mulheres de traje executivo se distribuíam ao longo de grandes mesas dispostas em formato linear. À sua frente, um palco onde se revezavam palestrantes que faziam apresentações num telão. Ao fundo, a mesa do café servia de ponto de encontro. Dos microfones aos murmúrios, o assunto discutido era um só: lobby — o ato de defender interesses junto a um tomador de decisão.

Em volta do pescoço um crachá com o nome da empresa identificava os presentes. Danone, Porto Seguro, Cielo, Ambev, Roche, Syngenta e Dow Chemical eram algumas das corporações representadas no Congresso de Relações Governamentais (ConRelGov), um dos nomes alternativos dados à atividade com o intuito de afastar a carga pejorativa atrelada ao título original. Para assistir ao evento, realizado pela primeira vez, os 197 participantes pagaram inscrições que podiam chegar a mais de R$ 4.500. Entre eles, a Pública não encontrou integrantes de movimentos sociais ou representantes do terceiro setor.

Em dois dias de palestras — foram 12 no total —, ficou evidente que os lobistas brasileiros querem tirar seu ofício das sombras. Convencidos de que é legítimo — o artigo 5 da Constituição garante o direito à petição aos Poderes Públicos —, os lobistas não escondem o que fazem e falaram abertamente sobre seu trabalho, que consideram “essencial à democracia”. Nada parecido com o estereótipo do negociante que age por baixo dos panos e mantém seus interesses ocultos.

Esses profissionais se reúnem em duas entidades: a Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig), criada em 2007, e o Instituto de Relações Governamentais (Irelgov), fundado em 2015. Este último, que se descreve como um think tank para o campo, foi o organizador do congresso acompanhado pela Pública.

Segundo o site do instituto, um de seus pilares de atuação é valorizar a profissão de relações governamentais, objetivo encerrado no eixo “reputação”, motivo de preocupação para a categoria: em pesquisa feita pelo Irelgov em 2017 com 157 lobistas, 66% dos entrevistados responderam acreditar que sua atividade não é bem vista pela opinião pública. “O lobby foi sempre muito vinculado à corrupção”, disse Cátilo Cândido, presidente da Abralatas, associação que reúne fabricantes de latas de alumínio e defende os interesses do setor. “Para mim, só existe um lobby, o lobby do bem. O que chama de lobby do mal não é lobby, é corrupção, tráfico de influência, é crime”, disse durante um dos painéis.

Ao lado de Cândido estava Fabio Rua, diretor de Relações Governamentais e Assuntos Regulatórios da multinacional IBM na América Latina. Ele entrou na discussão dizendo que os lobistas brasileiros têm um “problema sério de autoestima”, já que ele mesmo “nunca foi hostilizado, maltratado ou sofreu bullying”. “Temos que fazer o lobby pelo lobby, mas temos uma séria dificuldade de nos comunicarmos”, afirmou. “O governo sacou o poder das redes sociais muito antes da gente. Os caras foram eleitos pelas redes sociais, se comunicam com a população o dia inteiro por elas, exercem o mandato pelas redes sociais, não estão nem preocupados com o que estão discutindo no plenário, querem dizer o que estão fazendo e defendendo. E a gente não pode falar nada, escrever nada, tem que continuar falando baixinho e se reunindo secretamente com a, b ou c. Não, gente!”

Utilizar as plataformas digitais para se comunicar com seu público é algo que Rua tem feito: começou protagonizando vídeos sobre tecnologia em um dos canais da IBM no YouTube e hoje tem o seu próprio. Engajado no tema, cofundou o movimento Brasil, País Digital, liderado pela Associação Brasileira das Empresas de Software (Abes), que agrega entidades na luta “por uma agenda de transformação digital para o Brasil” – área de interesse da empresa em que trabalha.

A lei tarda

Se é consenso que o lobismo sofre uma prolongada crise de imagem, as explicações para ela são diversas. A professora da Fundação Getulio Vargas Andrea Cristina Oliveira Gozetto, especializada em relações governamentais, lobby e advocacy — o lobby feito por movimentos sociais e terceiro setor –, argumenta que, pela teoria da comparação social (segundo a qual indivíduos constroem suas avaliações em comparação com outros), “nos comparam com os membros do poder público, com o governo, que é entendido como o [setor] mais corrompido no Brasil”. Há quem coloque a culpa na falta de informação na atividade. Outros dizem que malfeitos cometidos no passado são responsáveis por essa percepção.

Lobista da filial brasileira da Biotronik, multinacional alemã que produz dispositivos médicos, Viviane Gonçalves conta que investigações de esquemas de corrupção influenciaram a prática do lobby no Brasil .”No meu mercado especificamente, houve um grande impacto com a investigação da Máfia das Próteses, de grande divulgação em 2015. As empresas sérias olharam para dentro e disseram: a gente precisa estabelecer um programa de compliance corporativo sério e real. Eu entrei lá nessa mudança, para fazer diferente”, narra.

Pesquisador diz que regulamentar setor é preciso e “tornar públicos os encontros entre lobistas e integrantes do Estado” também

Como a bancada ruralista se articula para aprovar o projeto de lei que pretende liberar o uso de agrotóxicos no Brasil e é contestado por mais de 280 entidades da área da saúde e ambiente.

Edgard Usuy, lobista há 13 anos, tem a mesma percepção sobre a Lava Jato. Dono de uma consultoria em Florianópolis com atuação na região Sul – entre seus clientes, estão, por exemplo, a Associação de Oficiais Militares de Santa Catarina e a seccional da Sociedade Brasileira de Dermatologia no estado –, afirma que, com a operação, “criou-se um abismo, porque o político tinha medo de conversar com empresário e empresário tinha horror de conversar com político. Ninguém sabia como fazer, e nós, ‘RelGovs’, é que ocupamos esse espaço: tem que conversar, mas agora de maneira correta”, afirmou. “A regra do jogo era: todo mundo faz, é relativamente normal, não é legal, mas só funciona se for assim. Agora não, o bicho pegou, tem gente presa.”

Seja qual for a origem do problema, o aumento da transparência é apontado como uma das soluções. “É como se fosse uma barata dentro de casa. Você não vai matar todas as baratas do mundo, mas pode abrir um facho de luz sobre ela”, compara Cândido. “Quando chega um fiscal, deputado ou parlamentar pedindo dinheiro, a primeira coisa que tem que dizer é: ‘Tenho um sistema de integridade e preciso dar transparência em tudo. Se eu tiver que te pagar, vou ter que colocar no Twitter’.”

Definir regras para a realização do lobby no Brasil é um caminho para torná-lo mais transparente. No Legislativo, o assunto é discutido desde 1990, quando o à época senador Marco Maciel, posteriormente vice-presidente de Fernando Henrique Cardoso, apresentou o primeiro projeto de lei acerca do tema, que dispunha sobre “o registro de pessoas físicas ou jurídicas junto às casas do Congresso Nacional”. Barrado na Comissão de Constituição e Justiça, o PL não vingou, mas Maciel, apoiador da regulamentação, ganhou em 2018 um prêmio com seu nome, dado pela Abrig a instituições que “colaboram com o fortalecimento da atividade”. Assim como Maciel, 70% dos lobistas entrevistados pelo Irelgov em 2017 são favoráveis à criação de um marco legal para seu ofício.

Hoje, o projeto com mais chances de ser votado encontra-se pronto para apreciação no plenário da Câmara. Proposto em 2007 pelo deputado Carlos Zarattini, do PT de São Paulo, o PL disciplina o lobby e define obrigações aos profissionais que o exercem, como o credenciamento em órgãos que controlam sua atuação e a prestação anual de gastos ao Tribunal de Contas da União (TCU). “Ele era baseado nas leis de lobby dos Estados Unidos e Europa. Partimos dessas duas legislações que já eram consolidadas e tinham bom funcionamento”, explica Zarattini.

Na CCJ, foi aprovado um substitutivo à versão inicial em 2016, elaborado pela ex-deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), relatora da matéria, após intensa negociação com as organizações de lobistas. O texto atual, menos rigoroso, retira, por exemplo, as obrigações de cadastramento e prestação de contas. Questionado pela Pública, o Irelgov manifestou apoio à regulamentação, mas não especificamente ao projeto, e ressaltou que o foco do marco legal deve “estar nos processos e procedimentos de participação das partes impactadas durante a criação e revisão de políticas públicas, com definição de boas práticas e de sanções para aplicação às más práticas”.

Ainda assim, a votação do projeto está emperrada. Zarattini diz que existe um “lobby pela não votação”. “De 2007 até agora, são 12 anos, foi preponderante o lobby dos que não querem votar, a turma que fala ‘é melhor não ter essa lei, deixa para lá’”, revela, referindo-se a setores de lobistas que, de acordo com ele, não estão interessados em aumentar a transparência da atividade.

O pesquisador Manoel Santos, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), um dos principais estudiosos do lobby no Brasil, defende que a transparência vá além do que o lobista pode ou não pode fazer, mas se traduza também na publicação de informações sobre encontros com agentes públicos. “É responsabilidade desse agente registrar com quem se encontrou, que assuntos foram tratados, e isso vai para um portal público. Assim, é possível ter informações sobre quem está atuando politicamente, o que já dá uma transparência muito grande ao processo”, disse em entrevista à Pública.

Esse é o modelo de legislação adotado em 2014 pelo Chile, que criou uma plataforma na qual se concentram registros de reuniões de autoridades – com especificação de quem esteve presente e o que foi discutido –, viagens e doações recebidas. Depois de uma visita do presidente Jair Bolsonaro ao país vizinho em março, o governo brasileiro anunciou que trabalharia para propor decreto com sugestões de mudanças ao projeto em trâmite na Câmara. A ideia, de acordo com o ministro da Controladoria-Geral da União (CGU) Wagner Rosário, é criar um sistema unificado “à chilena” no Brasil.

Bancada ruralista, o case de sucesso

A regulamentação é só uma das áreas sensíveis aos lobistas. Ao longo dos dois dias de reunião em São Paulo, entre palestras, coffee breaks e almoços no restaurante do hotel, ouviam-se discussões sobre como desenvolver planos de ação para clientes, dicas de ferramentas para monitorar os trabalhos das casas legislativas em nível municipal, estadual e nacional – essa é outra prerrogativa do “profissional de RelGov”, como alguns preferem ser chamados – e sugestões sobre como medir resultados. Um dos 12 painéis do congresso foi inteiramente dedicado à utilização do Key Performance Indicator, ou KPI, indicador que avalia a efetividade dos processos de uma empresa.

A profissionalização de quem desempenha o lobby esteve entre os assuntos debatidos: coordenadores do MBA em Relações Governamentais da FGV falaram sobre as competências que um profissional do campo precisa ter. A estruturação de uma área de relações governamentais também foi tema de palestra e, nesse quesito, as multinacionais se mostraram à frente. Laila Pinheiro, chefe de assuntos externos da suíça Syngenta, gigante do ramo de insumos agrícolas, disse à Pública que coordena uma equipe de oito pessoas, divididas no acompanhamento dos cenários nacional e estaduais. “Na maioria das vezes, a gente realmente acaba ampliando [a atuação] para algo setorial”, explica. “Então, [por exemplo] é importante para o setor que a inovação tenha um ambiente de negócios bom. Isso não favoreceria só a empresa, mas todas aquelas que têm investimentos em inovação. Na maioria das vezes, a gente acaba conjuntamente entendendo temas importantes e definindo ações para aquilo acontecer.”

Exemplos de lobby bem-feito também foram abordados. O destaque foi o Instituto Pensar Agro (IPA), que teve representantes em duas mesas. Um deles, o coordenador Gustavo Carneiro, disse que o sucesso do IPA se deve ao fato de “ninguém saber que ela existe”. Logo em seguida, fez a apresentação: o instituto é a “área de relações governamentais” da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), ou bancada ruralista, que reúne atualmente 257 deputados e senadores. “É o que a gente chama de lobby institucionalizado: o instituto foi criado para que associações [de produtores rurais] tivessem voz única perante o governo. O instrumento para ter essa voz única seria a Frente Parlamentar”, explicou.

Carneiro contou que o IPA foi fundado em 2011, representando apenas quatro associações de produtores rurais, e hoje, de acordo com ele, reúne 45. É o instituto quem mantém a mansão do Lago Sul em Brasília, conhecida também como “bunker ruralista”, onde parlamentares da bancada se encontram normalmente às terças-feiras para “preparar o discurso”, como descreveu o diretor executivo da organização, João Henrique Hummel, em palestra que fechou o congresso. “A gente aprendeu uma coisa que tentamos fazer hoje: tenho que politizar meu problema e botar na cabeça que ele é uma solução para a sociedade. Quem tem que contar [para a sociedade] que esse meu problema econômico pode virar social é o interlocutor designado pela Constituição, que é o parlamentar. Essa tem sido a essência do nosso trabalho”, disse.

Engajado na função de lobista, Hummel já se infiltrou entre os deputados para votar, mesmo sem mandato, uma proposta favorável à FPA na Câmara. O episódio aconteceu no ano passado, quando uma comissão especial discutia a flexibilização da lei de agrotóxicos, pauta de interesse dos ruralistas. Na época, a Pública entrevistou o engenheiro agrônomo que se transformou no maior estrategista do agronegócio no Parlamento. Entre os colegas, ele não escondeu que reza a cartilha da clientela: defende, por exemplo, o uso de defensivos agrícolas – não usa o termo “agrotóxico”, porque “as pessoas olham [de forma] muito ruim para o controle de doenças na agricultura, mas ninguém acha ruim o controle de doenças para o ser humano ou para seus animais de estimação”.

À plateia de lobistas, Hummel falou sobre a escolha do Legislativo como arena política para o lobby rural. “Um dia chegamos no governo do PT e tivemos que conversar um problema. Teve porta aberta? Não. Conseguimos buscar interlocutores? Não. Foi quando fizemos esse diagnóstico: temos uma Constituição parlamentarista, o poder está nas mãos do Congresso”, narrou. Se antes 90% do trabalho era “reativo, só correr atrás do prejuízo e tentar resolver”, hoje, garante, “mais de 60% do que a gente faz é propositivo, somos nós que escrevemos”.

Tão bem-sucedida foi a tática que agora, ele diz, “nosso parlamentar não tem medo de falar que é da bancada ruralista”. E, para Hummel, o presidente Jair Bolsonaro, de cujo governo o agronegócio é grande fiador, encampou a estratégia. “A sociedade não entendeu o recado do presidente. Ele está falando o seguinte: se eu for depender dos funcionários públicos para fazer a mudança do Brasil, não vai mudar”, declarou. “Se a sociedade organizada não sentar, fizer o seu trabalho e levar para dentro do Congresso, a ruptura solicitada pela sociedade não vai ocorrer”.  Ajude a Pública a produzir mais reportagens como essa.

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Acusado de fazer lobby para as universidades privadas, Styvenson agiu em defesa da UERN

Senador é acusado de lobby, mas agiu em favor da UERN (Foto: cedida)

Por ter apresentado um projeto que permite que os trabalhadores possam utilizar o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para custear os estudos em universidades privadas, o senador Styvenson Valentim (PODE) foi acusado de fazer lobby para este ramo.

Tudo por ele ser genro de um dono de faculdade privada. Legislou em causa própria? Entendo que a discussão pode ser vista por um outro parâmetro se refletirmos.

Sou defensor da universidade pública e gratuita, mas não existem vagas para todos. Então, boa parcela da população recorre as instituições privadas.

Se Styvenson legislou em causa própria ou não deveria ser um debate secundário tendo em vista que o projeto é bom e beneficia quem quer fazer uma faculdade para melhorar de vida ou realização pessoal e não pode pagar.

O FGTS já é usado para compra de imóveis porque não pode também usado para custear o ensino superior?

Na prática, Styvenson mostrou que também defende as universidades públicas. Na última quarta-feira ele defendeu que a emenda de R$ 20 milhões para a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) fosse poupada dos cortes orçamentários.

O recurso fará toda diferença para a nossa UERN. Defender uma proposta não significa ser contra outra. Se há lobby a favor das universidades privadas podemos dizer que a reação é do lobby da construção civil que certamente se sente ameaçado com a ideia.

O projeto é bom porque abre uma frente para quem precisa do ensino superior e não pode pagar.