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Por que têm tanto medo de Lula livre?

Lula completa um ano preso (Foto: Ricardo Stuckert)

Por Luís Inácio Lula da Silva*

Faz um ano que estou preso (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/04/lula-completa-um-ano-deprisao-com-financas-deterioradas.shtml) injustamente, acusado e condenado por um crime que nunca existiu. Cada dia que passei aqui fez aumentar minha indignação, mas mantenho a fé num julgamento justo em que a verdade vai prevalecer.

Posso dormir com a consciência tranquila de minha inocência. Duvido que tenham sono leve os que me condenaram numa farsa judicial.

O que mais me angustia, no entanto, é o que se passa com o Brasil e o sofrimento do nosso povo. Para me impor um juízo de exceção, romperam os limites da lei e da Constituição, fragilizando a democracia. Os direitos do povo e da cidadania vêm sendo revogados, enquanto impõem o arrocho dos salários, a precarização do emprego e a alta do custo de vida. Entregam a soberania nacional, nossas riquezas, nossas empresas e até o nosso território para satisfazer interesses estrangeiros.

Hoje está claro que a minha condenação (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/01/1953026-

tribunal-aumenta-pena-e-condena-lula-a-12-anos-e-um-mes-de-prisao.shtml) foi parte de um movimento político a partir da reeleição da presidenta Dilma Rousseff, em 2014.

Derrotada nas urnas pela quarta vez consecutiva, a oposição escolheu o caminho do golpe para voltar ao poder, retomando o vício autoritário das classes dominantes brasileiras.

O golpe do impeachment sem crime de responsabilidade foi contra o modelo de desenvolvimento com inclusão social que o país vinha construindo desde 2003. Em 12 anos, criamos 20 milhões de empregos, tiramos 32 milhões de pessoas da miséria, multiplicamos o PIB por cinco. Abrimos a universidade para milhões de excluídos. Vencemos a fome.

Aquele modelo era e é intolerável para uma camada privilegiada e preconceituosa da sociedade. Feriu poderosos interesses econômicos fora do país. Enquanto o pré-sal despertou a cobiça das petrolíferas estrangeiras, empresas brasileiras passaram a disputar mercados com exportadores tradicionais de outros países.

O impeachment veio para trazer de volta o neoliberalismo, em versão ainda mais radical. Para tanto, sabotaram os esforços do governo Dilma para enfrentar a crise econômica e corrigir seus próprios erros. Afundaram o país num colapso fiscal e numa recessão que ainda perdura. Prometeram que bastava tirar o PT do governo que os problemas do país acabariam.

O povo logo percebeu que havia sido enganado. O desemprego aumentou, os programas sociais foram esvaziados, escolas e hospitais perderam verbas.

Uma política suicida implantada pela Petrobras tornou o preço do gás de cozinha proibitivo para os pobres e levou à paralisação dos caminhoneiros.

Querem acabar com a aposentadoria dos idosos e dos trabalhadores rurais. Nas caravanas pelo país, vi nos olhos de nossa gente a esperança e o desejo de retomar aquele modelo que começou a corrigir as desigualdades e deu oportunidades a quem nunca as teve. Já no início de 2018 as pesquisas apontavam que eu venceria as eleições em primeiro turno.

Era preciso impedir minha candidatura a qualquer custo. A Lava Jato (https://www1.folha.uol.com.br/especial/2014/petrolao/), que foi pano de fundo no golpe do impeachment (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/08/jornalista-retrata-em-livro-tormenta-que-derruboudilma-e-quase-levou-temer.shtml), atropelou prazos e prerrogativas da defesa para me condenar antes das eleições. Haviam grampeado ilegalmente minhas conversas, os telefones de meus advogados e até a presidenta da República.

Fui alvo de uma condução coercitiva ilegal, verdadeiro sequestro. Vasculharam minha casa, reviraram meu colchão, tomaram celulares e até tablets de meus netos.

Nada encontraram para me incriminar: nem conversas de bandidos, nem malas de dinheiro, nem contas no exterior. Mesmo assim fui condenado em prazo recorde, por Sergio Moro e pelo TRF-4, por “atos indeterminados” sem que achassem qualquer conexão entre o apartamento que nunca foi meu e supostos desvios da Petrobras. O Supremo negou-me um justo pedido de habeas corpus, sob pressão da mídia, do mercado e até das Forças Armadas, como confirmou recentemente Jair Bolsonaro (https://www1.folha.uol.com.br/especial/2018/governo-bolsonaro/), o maior beneficiário daquela perseguição.

Minha candidatura foi proibida contrariando a lei eleitoral, a jurisprudência e uma determinação do Comitê de Direitos Humanos da ONU (https://painel.blogfolha.uol.com.br/2019/02/24/em-ultima-manifestacao-a-onu-lula-diz-que-estado-brasileiro-o-tratoucom-cruel-mesquinhez/0 para garantir os meus direitos políticos. E, mesmo assim, nosso candidato Fernando Haddad teve expressivas votações e só foi derrotado pela indústria de mentiras de Bolsonaro nas redes sociais, financiada por caixa 2 até com dinheiro estrangeiro, segundo a imprensa.

Os mais renomados juristas do Brasil e de outros países consideram absurda minha condenação e apontam a parcialidade de Sergio Moro, confirmada na prática quando aceitou ser ministro da Justiça do presidente que ele ajudou a eleger com minha condenação. Tudo o que quero é que apontem uma prova sequer contra mim.

Por que têm tanto medo de Lula livre, se já alcançaram o objetivo que era impedir minha eleição (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/10/1926681-em-propaganda-pt-diz-quetentam-impedir-candidatura-de-lula-em-2018.shtml), se não há nada que sustente essa prisão?

Na verdade, o que eles temem é a organização do povo que se identifica com nosso projeto de país. Temem ter de reconhecer as arbitrariedades que cometeram para eleger um presidente incapaz e que nos enche de vergonha.

Eles sabem que minha libertação é parte importante da retomada da democracia no Brasil. Mas são incapazes de conviver com o processo democrático.

*É ex-presidente da república e atualmente cumpre pena por corrupção em Curitiba

 

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Reportagem

Lula faz um ano na cadeia à espera do STJ e empenhado em controlar o PT

Homem segura cartaz pedindo liberdade para o ex-presidente Lula, no dia 31 de março (Foto: LEO CORREA/AP)

Por Felipe Betim e Afonso Benites

El País

A prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva completa um ano neste domingo, 7 de abril, com o PT tentando reanimar a militância com atos pelo “Lula Livre” e adiando apenas para o segundo semestre a troca de poder na legenda, que ainda disputa espaço para se firmar como protagonista na oposição ao presidente Jair Bolsonaro (PSL). O consenso no partido é o de que as condenações por corrupção passiva e lavagem de dinheiro nos casos envolvendo o triplex do Guarujá e o sítio de Atibaia — 12 anos e 11 meses em ambos os casos — foram injustas e de que a prisão do ex-presidente é política. Na sigla, os atos pelo ex-presidente são uma forma não só de manter a pressão sobre o Judiciário como também de manter petistas e os movimentos sociais mais próximos unidos sob uma rara bandeira comum.

Da cadeia em Curitiba, Lula acompanha as discussões no partido, cuja eleição interna adiada tem potencial para, pela primeira vez, não corresponder com a vontade do ex-presidente, que já demonstrou seu desejo em manter a deputada federal Gleisi Hoffman na liderança. Com Gleisi na presidência, a influência de Lula nas decisões do partido estariam garantidas. Ao EL PAÍS, a deputada diz que o ex-presidente recebe informes das reuniões do partido. “Ele é o nosso presidente de honra. É natural e importante que ele receba as informações.Quando eu posso, escrevo cartas, porque essas ele pode receber. Trato das reuniões dos diretórios, das reuniões que fazemos, das decisões que tomamos”, contou Gleisi.

No plano legal, as esperanças de uma absolvição e soltura do petista são escassas. O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Antonio Dias Toffoli, decidiu adiar o julgamento sobre a constitucionalidade da prisão após a condenação em segunda instância, que estava marcada para a quarta-feira dia 10 e teria repercussão no caso. Agora, residem no recurso levado pela defesa ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), o primeiro tribunal superior que analisará a sentença em segunda instância do caso Triplex — o caso do sítio Atibaia só foi julgado em primeira instância. Tanto o STJ como o STF só analisaram até o momento pedidos de soltura do ex-presidente, mas não a condenação em si. Ainda não há uma data marcada para que a 5ª turma do STJ se reúna, mas a defesa espera que isso ocorra em breve. Segundo o advogado Cristiano Zanin, a defesa pede e enfatiza no recurso a anulação do processo nas instâncias inferiores ou uma absolvição. Também apresenta argumentos auxiliares que poderiam levar a uma revisão do tamanho da pena — o que pode resultar, por exemplo, em prisão domiciliar — ou a prescrição do caso.

A defesa contesta as acusações e considera que não há provas suficientes de que a OAS presenteou o ex-presidente com um triplex no Guarujá como pagamento de propina por contratos na Petrobras. Apresenta ainda um leque de argumentos, como uma suposta falta de imparcialidade do juiz Sergio Moro — hoje ministro da Justiça de Bolsonaro— ou a negativa de que uma prova pericial no processo fosse produzida. Segundo Zanin, a defesa também contesta a competência da Justiça Federal para tratar do caso com base em suas decisões do Supremo. A primeira, de 2015, resultou no fatiamento da Lava Jato e deixou nas mãos da força tarefa de Curitiba apenas os casos relativos a corrupção na Petrobras. A defesa acredita que o caso não tem relação com o escândalo envolvendo a petroleira, embora a sentença condenatória estabeleça uma relação entre os contratos entre empreitas e a Petrobras com o triplex reformado que a OAS teria repassado para Lula. A segunda e mais recente decisão do STF, por seis votos a cinco, determinou que cabe a Justiça Eleitoral julgar crimes comuns, como os de corrupção e lavagem de dinheiro, conexos com delitos eleitorais de caixa 2.

“A jurisprudência do STJ é incompatível com a condenação do ex-presidente. Então, estamos pedindo que a Corte reafirme sua própria jurisprudência”, explica Zanin ao EL PAÍS. O problema é que, de acordo com uma pesquisa realizada pela Corte com base nos julgamentos de 69.000 recursos entre 2015 e 2017, apenas 0,62% dos casos julgados no STJ reverteram totalmente as decisões das instâncias inferiores e resultaram na absolvição do réu. A mesma pesquisa indicou que em 1,02% dos casos os ministros da 5ª e 6ª turma reverteram a pena de prisão por uma pena “restritiva de direitos”, como a prestação de serviços comunitários. Em 0,76% dos casos foi reconhecida a prescrição. Para Zanin, contudo, o caso do ex-presidente é peculiar. “Estamos vendo ao longo do tempo a ocorrência de diversas ilegalidades e abusos que precisam ser coibidos”, diz ele, no momento que a o entorno de Lula se queixa da falta de recursos para tocar a própria defesa. Há bens e contas bancárias do ex-presidente bloqueados por ordem de Moro e, por isso, há ações que buscam arrecadar dinheiro para a causa. Nesta semana, um grupo de fotógrafos anunciou ter arrecadado mais de 600.000 reais leiloando fotos históricas do petista.

Um PT em busca de protagonismo

No campo político os obstáculos não são menores. O PT tem a maior bancada na Câmara, com 55 deputados — um a mais que o PSL de Bolsonaro —, e é a maior força de oposição ao Governo. Mas, por ora, continua apostando suas energias na campanha pelo “Lula Livre” enquanto que as pesquisas indicam uma cristalização do apoio popular à prisão do ex-presidente — segundo o Atlas Político, cerca de 57,9% do eleitorado. “O partido ficou muito preso a isso. Não sei se dentro do partido existe consenso sobre o que fazer. Enquanto isso, o ‘Lula Livre’ dá certa unidade de ação para a máquina partidária. É algo que mantém todos unidos”, explica o sociólogo Celso Rocha de Barros.

Para ele, a “atualização” do PT ainda depende de como o Governo Bolsonaro, que completa cem dias nesta semana com a popularidade em queda, vai se sair. Ainda assim, ele chama atenção para o fato de que, embora numericamente maior, é mais comum ver lideranças de outros partidos progressistas, como os deputados Alessandro Molon (PSB), Tabata Amaral (PDT) ou Marcelo Freixo (PSOL), na linha de frente da oposição. “O partido ainda não assumiu uma liderança lá dentro, porque está preso a essas questões”, explica. Em jogo está também uma disputa também no campo progressista pela hegemonia, ocupada pelo PT há 30 anos.  “Se eles querem substituir o PT, precisam atrair as pessoas que gostam o PT. O Ciro Gomes, por exemplo, pela suas declarações e posturas, acaba sendo antipático para os eleitores PT. Além disso, essas pessoas foram coadjuvantes durante muito tempo e não precisaram se posicionar sobre questões econômicas e políticas de governo. Isso ficava na conta do PT”, pondera Rocha de Barros. “No mínimo”, explica ele, “a competição vai fazer bem e vai obrigar os petistas a se mexerem”.

Essa renovação depende também da liderança do partido, hoje nas mãos de Gleisi Hoffmann, apesar das ressalvas de alguns petistas. A política paranaense é considerada uma das responsáveis por manter como prioridade do partido a pauta do “Lula Livre”, enquanto há pouco debate sobre renovação partidária e outras questões programáticas a um ano e meio das eleições municipais. “Nós consideramos o Lula um preso político. Lula é a grande liderança política e popular desse Brasil. Depois dele não surgiu mais ninguém com essa envergadura, com essa grandeza, com esse poder de mobilização”, reafirma Gleisi.

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Chave de 2018 está na cadeia, indica Datafolha

Por Josias de Souza

A nova pesquisa do Datafolha sinaliza que a definição do primeiro turno da sucessão de 2018 passará pela cadeia. Os dados indicam que, se abandonar suas crendices e começar a falar sério, o PT ainda pode influir no jogo. Quase metade do eleitorado (46%) revela alguma propensão para votar num nome indicado por Lula —30% afirmam que farão isso com certeza. Outros 16% declaram que talvez sigam o caminho apontado pelo pajé petista.

Para ter o que comemorar em meio à desgraça, o PT precisaria virar o seu discurso do avesso. De saída, teria de aposentar a mistificação segundo a qual a Justiça brasileira é feita de tribunais de exceção, pois a maioria dos eleitores (54%) acha que o encarceramento de Lula foi justo. De resto, o petismo teria de desembarcar o quanto antes do trem-fantasma em que se converteu a candidatura Lula, pois 62% do eleitorado já se deu conta de que a fantasia descarrilou.

Enquanto o petismo nega a realidade, o eleitorado de Lula começa a migrar por conta própria. Num cenário em que aparece como Plano B do PT, Fernando Haddad herda apenas 3% das intenções de voto atribuídas a Lula. É coisa mixuruca se comparada com as fatias herdadas por Marina Silva (20%) e Ciro Gomes (15%). Até Jair Bolsonaro, Geraldo Alckmin e Joaquim Barbosa beliscam mais votos do legado de Lula (5% cada um) do que o petista Haddad.

Outro dado notável é que um pedaço expressivo do eleitorado do preso mais ilustre da Lava Jato (32%) decidiu fazer um pit-stop. Sem rumo, esse um terço informa que, se tivesse de comparecer às urnas hoje, anularia o voto ou votaria em branco. É gente que parece aguardar por uma sinalização qualquer de Lula.

O Datafolha apresenta o universo total do eleitorado como um bololô dividido em três grandes fatias. A fatia anti-Lula (31% dos brasileiros com direito a voto) continua detestando o PT e ruminando sua aversão a Lula. Nesse nicho, 32% votam na direita paleolítica representada por Jair Bolsonaro.

O pedaço do eleitorado pró-Lula, 100% feito de devotos, não se aborreceria se a divindidade presa em Curitiba pedisse votos para um poste. Como Lula ainda não pediu, pedaços da procissão começam a seguir outros andores, especialmente os de Marina e Ciro. Mas a maioria continua fazendo suas preces diante de um altar vazio.

De resto, existe a fatia da geleia geral (37% do eleitorado), que balança na direção de várias candidaturas. Destacam-se nesse grupo, por ora, os partidários de Bolsonaro e Marina. Mas ambos têm menos votos do que o bloco dos brancos e nulos. Ninguém se anima a votar numa hipotética candidatura de Lula no primeiro turno. Mas muitos não descartariam a hipótese de votar nele num eventual segundo round.

Para efeito de sondagem, o Datafolha incluiu o ficha-suja Lula em alguns cenários pesquisados. No principal, o candidato inelegível do PT amealhou 31% dos votos, seis pontos percentuais a menos do ele colecionava em janeiro. Sem Lula, Marina (entre 15% e 16%) encostou em Bolsonaro (17%). A dupla está tecnicamente empatada. Segue-se um amontado de concorrentes.

Desde 1994, quando Copa e eleições passaram a ocorrer no mesmo ano, os candidatos sabem que, enquanto não for decidido o torneio de futebol, a campanha política é um pesadelo que atrapalha o sonho de erguer a taça. Mas a prisão de Lula obriga o PT a adiantar o relógio.

Numa disputa com muitos candidatos, em que um cesto com menos de 20% dos votos pode levar para o segundo turno um pretendente ao trono, parece claro como água de bica que a herança eleitoral de Lula pode influir nos rumos da disputa. Resta saber se o petismo deseja jogar o jogo ou se vai continuar tentando cavar faltas.

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Enquetes do Blog Matéria

Maioria dos leitores do Blog consideram prisão de Lula injusta

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Na enquete da semana 66.73% dos leitores do Blog do Barreto que votaram na enquete do grupo do Facebook consideraram injusta a prisão do ex-presidente Lula.

Outros 33,27% entenderam como justa a prisão determinada pelo juiz Sérgio Moro para o ex-presidente Lula.

O petista teve a condenação confirmada em segunda instância para mais de 12 anos de cadeia. Ele cumpre pena há uma semana.

A sentença é alvo de polêmica dividindo apoiadores e críticos.

As enquetes do Blog do Barreto são lançadas sempre às terças-feiras. Para participar basta entrar no grupo do Facebook e participar.

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Como Lula transformou a própria prisão em vitória política

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Desde que a Lava Jato começou qualquer pessoa medianamente com noções sobre política saberia que o desfecho dela seria a prisão do ex-presidente Lula. A pressão dos antipetistas era focada nisso e a sensação de que isso aconteceria era inevitável.

Na última quinta-feira, Sérgio Moro expediu a ordem de prisão com a benevolência de o ex-presidente se entregar voluntariamente. Mas se esse roteiro proposto pelo magistrado fosse cumprido não estaríamos falando de Luís Inácio Lula da Silva.

Política é espetáculo e os fatos se movem como numa peça de teatro em que personagens e autores se misturam. Lula escolheu ser o autor e protagonista da história de sua própria prisão. Não acatou a recomendação do juiz de Curitiba muito bem orientado por seus advogados.

O ex-presidente se entrincheirou no mítico Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo onde saiu do anonimato para a glória política mesclando aplausos, vaias e encenações políticas ao longo de quase 50 anos de vida pública.

O palco não poderia ser mais simbólico.

O discurso de Lula ontem foi de manual do marketing político. Ele assumiu a posição de vítima com maestria inflamando apoiadores e deixando viva as ideias que defende.

Era visível para quem acompanhou para Globo News o incômodo dos comentaristas políticos com a narrativa. As análises eram sempre no sentido de reduzir o discurso de Lula à militância. Discordo dessa visão reducionista. Lula falou para a camada da população beneficiada pelos avanços sociais nos seus oito anos de governo. Foi para preservar esse eleitorado que ele discursou.

O espetáculo político foi voltado ao povão, essa parcela majoritária da sociedade que nós classe média nem sempre conseguimos compreender suas decisões e tentamos manipulá-los em nosso benefício.

Os adversários do lulismo terão muito trabalho para transformar a interpretação de perseguido político feita por Lula em algo digno de canastrão. Por enquanto está mais para um Oscar do que para a Framboesa de Ouro.

A narrativa do petista o faz de vítima e convence boa parte do eleitorado (lembre-se: ele lidera todas as pesquisas, inclusive vencendo com folga as simulações de segundo turno) porque seus maiores adversários estão livres, alguns graças ao famigerado foro privilegiado.

O último ato antes da prisão foi tentativa da militância de impedir que ele se entregasse, mas Lula saiu caminhando entre apoiadores até o carro da Polícia Federal.

Qual político seria preso assim? Só Lula.

Ele conseguiu transformar a própria prisão em uma vitória política cujo escolhido pelo PT para disputa presidencial terá que saber explorar na próxima encenação política que também é chamada de eleições.

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A prisão de Lula emoldura o lulismo para a posteridade

LULA PRESO

Por Demétrio Magnoli

As duas afirmações seguintes não são idênticas: 1) Pobre do país que envia à prisão o candidato presidencial favorito; 2) Pobre do país cujo candidato presidencial favorito é enviado à prisão. A primeira concentra uma narrativa filopetista na qual a vontade popular é fraudada pelo Estado. A segunda, uma narrativa antipetista, na qual a ordem legal protege a nação do populismo.

Ambas, porém, concordam no qualificativo empregado como lamento: numa versão ou na outra, a prisão de Lula revela a dimensão da crise nacional brasileira.

Já se falou demais sobre a “história de vida” de Lula. Conta-se que, para preservar um simbolismo político valioso, FHC dissuadiu os tucanos de apresentarem um pedido de impeachment após as confissões de Duda Mendonça, em 2005, auge do escândalo do mensalão, quando um Lula alquebrado segurava-se nas cordas. O romance épico do retirante nordestino famélico que conquistou o Planalto seria, segundo o sociólogo tucano, um mito político insubstituível: a coroa de louros de nossa jovem democracia. O que fazer com isso, no dia da prisão de Lula?

O Lula descrito por Lula nunca foi menos que a metáfora de forças sociais irresistíveis. Nas assembleias da Vila Euclides, em 1980, ele disse que corporificava a classe trabalhadora. Nos dias de glória do Palácio, desde 2003, e depois, sob o assédio dos tribunais, passou a dizer que corporifica o próprio povo brasileiro. A derrota de Lula equivaleria, então, à derrota da nação.

Você tem o direito de divergir dessa narrativa arrogante, de evidentes raízes autoritárias. Mas, tirando os cínicos incuráveis, ninguém discordará de que a democracia brasileira perde algo muito relevante: a oportunidade de julgar, nas urnas, o legado dos governos de Lula e Dilma. O lulismo condenado pelos juízes escapa ao tribunal da cidadania. Isso tem consequências.

Na “era Lula”, a Petrobras foi colonizada por um cartel de partidos políticos —PT, PMDB, PP— e extorquida pelo cartel de empreiteiras associadas ao lulismo. Sob o comando de Lula, o BNDES transferiu fortunas ao empresariado que orbitava em torno da lâmpada do Estado.

O “pai dos pobres” gabava-se de ser, ao mesmo tempo, o “pai dos ricos”. Mas o Lula que ruma para uma cela da PF não é o camarada dos Odebrecht, o brother de Eike Batista, o patrono do metrô de Caracas ou o mecenas do ditador angolano José Eduardo dos Santos, mas apenas o presumido proprietário de um tríplex vagabundo numa praia urbana decadente.

No fim, a obra da Justiça é um tapume que oculta a obra do lulismo —e, nesse passo, evita o escrutínio público dos capítulos decisivos de nossa história recente.

dia da prisão de Lula deve ser anotado no calendário como o zênite de um fracasso nacional: nossa persistente incapacidade de extrair as lições da falência do lulismo. A nação polarizada entre fanáticos lulistas e fanáticos antilulistas desistiu de examinar os fundamentos da política econômica que provocou a mais profunda depressão de nossa história recente.

O país hipnotizado pela novela vulgar do processo de Lula abdicou de refletir sobre a natureza das políticas sociais voltadas para estimular o consumo privado. A crítica política do lulismo deu lugar à histeria regressiva do bolsonarismo. É como se, a caminho da cadeia, Lula tivesse lançado um feitiço idiotizante, condenando-nos a uma guerra fratricida sobre seu destino pessoal.

O suicídio de Vargas eternizou o varguismo. A prisão de Lula não abole o lulismo, mas o emoldura para a posteridade. Numa ponta, oferece alento à narrativa exterminista de uma direita em rebelião contra o princípio do pluralismo. Na outra, remete às calendas a hora do acerto de contas da esquerda brasileira com o populismo lulista.

Não chore. Não comemore. No dia de sua prisão, Lula ganhou a liberdade de iludir um pouco mais.

*Demétrio Magnoli

É doutor em geografia humana e especialista em política internacional.