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Rogério baixa a bola em relação aos ministros do STF

Depois de dizer logo após as eleições de 2 outubro quando saiu eleito senador Rogério Marinho (PL) declarou à 96 FM que com a nova composição do Senado, que aumentou a bancada bolsonarista, seria melhor os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) mudarem a postura pelo risco de sofrerem impeachment.

“Quem canta de galo vai baixar o tom”, cravou na época.

Em nova entrevista, desta vez a 98 FM, Marinho mudou a postura e chegou a se retratar. “Essa fala foi proferida logo após o processo eleitoral e eu reconheço que talvez eu tenha exagerado no tom. Eu defendo que o Judiciário faça o seu papel. Hoje ele não faz. Extrapola o seu papel. Acho que é importante que a Constituição Federal seja cumprida. Na hora que você tem esse tipo de posicionamento e frase, você perde a razão. Por isso eu estou repondo a situação. Não estou abrindo mão do que eu quis dizer, só o tom que foi exagerado. Eu debito por estarmos no calor do processo. O Judiciário desequilibra o pleito eleitoral”, argumentou.

Rogério disse ser necessário analisar caso a caso a luz da constituição. “Se qualquer um dos poderes extrapolar o que diz a Constituição Federal, essa é a hora em que o Senado atua. Eu não posso jogar sobre fatos pretéritos. Só serei senador em 1º de fevereiro. Eu só posso me debruçar sobre casos que ocorrerem de fevereiro em diante. Se apresentarem fatos ocorridos anteriormente, a primeira coisa que eu preciso verificar é se nós temos competência para debruçarmos sobre o retrovisor”, disse.

Rogério muda o tom da fala em um momento em que o presidente Jair Bolsonaro (PL) vem sofrendo derrotas jurídicas na reta final do processo eleitoral e em que aumentam as evidências de que o ex-ministro do desenvolvimento regional abusou da máquina pública para se eleger senador.

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Juízes que fazem política fracassam duas vezes, como políticos e como magistrados

Por Demétrio Magnoli*

Amy Coney Barrett, a juíza indicada à Suprema Corte dos EUA, é uma originalista. Os fundamentalistas religiosos querem que as sociedades se curvem aos textos sagrados “tal como foram escritos”.

Os juízes originalistas são fundamentalistas constitucionais: ignoram a dinâmica histórica em nome de um literalismo absoluto. Mas, paradoxalmente, a confirmação de Barrett descortina a possibilidade de um necessário reordenamento da democracia americana. Além disso, ajuda o Brasil a diagnosticar a moléstia que debilita o STF.

Na ponta oposta dos originalistas encontram-se os neoconstitucionalistas, representados no STF por Luís Roberto Barroso. A corrente jurídica acredita que a norma formal (o que está escrito) deve se subordinar à norma axiológica (os princípios morais genéricos inspiradores da Constituição).

O juiz converte-se, a partir daí, em intérprete livre do texto legal, com a prerrogativa de infundir-lhe significados que contrariam seus significados explícitos. Abre-se a autopista do ativismo judicial: o sopro purificador do juiz-ativista produz legislação, ocupando a cadeira dos parlamentares.

A maioria dos juízes situam-se em algum ponto intermediário entre os polos extremos. Ruth Bader Ginsburg, a juíza icônica que logo será substituída por Barrett, tentava equilibrar a letra da lei com os imperativos da mudança social. Ela defendeu o direito ao aborto, proclamado no célebre julgamento do caso Roe vs. Wade (1973). Contudo, anos atrás, explicou como aquela decisão da Suprema Corte provocou resultados perversos.

Na hora de Roe vs. Wade, a opinião pública americana inclinava-se para o direito ao aborto. Mas, como o impasse foi solucionado pelos juízes, não pelo Congresso, descortinou-se o terreno para uma eficaz propaganda conservadora. Os grupos antiaborto acusaram a corte de impor ao povo cristão a vontade de uma elite mundana, apóstata, sem Deus.

A campanha teve sucesso, cindindo a sociedade quase ao meio e transformando o tema em fonte de radical polarização partidária. Ginsburg teria preferido uma decisão política, pela via parlamentar, como na Itália, em 1978, e na Irlanda, em 2018.

A originalista Barrett alinha-se à proteção incondicional do direito à posse e porte de armas pois lê a Segunda Emenda “tal como foi escrita”. A emenda é de 1791, na esteira da Guerra de Independência, num país de proprietários de escravos e de colonos que se espraiavam por terras indígenas. Na época, inexistiam as armas automáticas capazes de ceifar dezenas de vidas em minutos. De fato, a juíza literalista subverte o espírito da lei ao interpretar a emenda como um direito ilimitado.

Já o ativismo do jurista iluminado submete a nação à sua vontade, circundando as dificuldades inerentes à democracia representativa. Roe vs. Wade forneceu os pretextos para uma reação populista de longo curso que intoxicou a política partidária dos EUA.

Hoje, pelas mãos de Donald Trump, emerge uma Suprema Corte fundamentalista, impermeável às demandas de reforma social. Há um lado positivo: os defensores das mudanças devem enfrentar a batalha na arena política e eleitoral, convencendo a maioria da justeza de suas teses.

A lição americana vale, de outro modo, para o Brasil. “In Fux we trust”: o ativismo judicial manifestou-se pelo alinhamento automático de ministros do mais alto tribunal à agenda política do Partido da Lava Jato.

Isso cobrou um preço institucional devastador. De um lado, semeou o chão onde nasceu o governo Bolsonaro. De outro, conduziu o STF a uma espiral entrópica que o fragmentou em 11 ilhas fortificadas engajadas em tortuosas guerras de guerrilha.

Juízes que fazem política fracassam duas vezes, como políticos e como magistrados. Ginsburg não foi grande por defender o aborto, mas por saber a diferença entre a cadeira do juiz e a tribuna do parlamentar.​​

*É sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.