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O presidente improvável venceu

Há quatro anos ao ser o deputado federal mais votado do Rio de Janeiro Jair Bolsonaro deixava a condição de obscuro parlamentar do baixo clero da Câmara dos Deputado e celebridade de programas apelativos da TV aberta para a de um presidenciável de uma bolha conservadora das redes sociais.

Desprezado pela classe política, subestimado pelos analistas políticos e visto com desconfiança por parcela dos eleitores, ele foi ganhando popularidade nas redes sociais com memes, vídeos e frases feitas que cativaram primeiro um eleitorado conservador e depois a parcela insatisfeita com a política que desejava uma mudança radical.

Acusado de ser racista, homofóbico, misógino, apologista da tortura e outras posturas abomináveis, ele recebia a avaliação dos analistas de que ele seria desconstruído ao longo da campanha. Este operário da informação via o quadro em relação a ele um pouco diferente ao perceber que ele construía aos poucos uma base social de perfil conservador capaz de fazer frente ao lulopetismo. Esperava Bolsonaro competitivo para ir ao segundo turno, mas que não teria votos suficientes para vencer.

Errei também.

Bolsonaro superou todos os clichês sobre o perfil do brasileiro. O clichê do povo pacífico e tolerante (que a análise aprofundada da história nacional desmente) foi desmentida com a vitória de um candidato de discurso violento. O caminho ao centro pode ser importante para um candidato de esquerda vencer como fez Lula em 2002, mas não é necessário para o outro lado do espectro político. Ainda mais em um cenário em que o Brasil afunda com altos índices de violência e corrupção na política.

Foi nessa onda que Bolsonaro surfou sem precisar fazer a versão à direita da “Carta aos Brasileiros” como Lula fez para vencer há 16 anos. Não mudou o discurso polêmico. No máximo amenizou algumas palavras.

A essência foi mantida. Continuou falando em armas, inclusive ensinando crianças a fazer o seu gesto característico, e em pôr fim ao “vitimismo” de negros, nordestinos, mulheres e comunidade LGBT. Nenhum outro candidato a cargo majoritário teria coragem de abordar estes temas da forma como Bolsonaro fez.

Bolsonaro venceu sem precisar se comprometer com o eleitor em temas importantes como a economia. Suas expectativas residem na questão da segurança e combate à corrupção.

Avaliar a vitória de Bolsonaro sob o prisma do antipetismo, que tem um peso importante, é de grande pobreza analítica. Um resultado eleitoral não se explica por um único fator.

Os 57.797.466 votos recebidos ontem não são somente de eleitores fascistas ou apenas de antipetistas, mas de um grupo muito maior do eleitorado: o perfil antissistema.

O eleitor não queria tirar apenas o PT do poder, mas também espantar velhos políticos tradicionais. A limpeza política no primeiro turno foi de uma ponta a outra no espectro político. O povo brasileiro queria mudança e ela aconteceu.

A revolta com os escândalos de corrupção que vão da esquerda à direita fez o eleitor querer um candidato que representasse o oposto de tudo isso que está aí. Isso aconteceu em outros cargos eletivos em outros Estados. A lista de velhos caciques derrotados é longa e não se restringe a um único partido.

O presidente improvável derrubou todos os clichês da política nacional. Foi o mais votado com poucos segundos no guia eleitoral do rádio e TV. Fez campanha basicamente pela Internet e viajando muito pouco e sem palanques robustos nos Estados por estar em partido até então pequeno. Nunca foi tão barato o caminho rumo a cadeira mais confortável do Palácio do Planalto.

E a facada? A facada teve um fator que ajudou sim na eleição por tornar Bolsonaro mais humano para aquele eleitor que o via com desconfiança, mas dizer que ele venceu apenas por este fator, repito, é uma análise preguiçosa.

Bolsonaro é o presidente improvável que derrubou as velhas fórmulas dos marqueteiros para vencer uma eleição.