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A mutação do homem cordial

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*Por Alexsandro Coutinho

No livro “Raízes do Brasil” o historiador Sérgio Buarque de Holanda chamou o Brasileiro típico de Homem Cordial por seu hábito de ocultar suas verdades grosseiras sob uma túnica de hospitalidade e bom convívio.

No Brasil contemporâneo, pensamentos que antes rastejavam pelas sombras passaram a ganhar o palco com o advento das redes sociais. Aqueles que antes não ousavam proclamar seu ódio cara a cara, sentiram-se fortalecidos ao descobrirem-se legião.

O Homem Cordial saiu do casulo. E observando sua metamorfose o neo-observador resolve chamá-lo de Néscio Empafioso.

O Néscio Empafioso continua Homem Cordial, mantém o preconceito de classe e continua patrimonialista em relação à coisa pública, entretanto agregou ou revelou novas características:

Refratário à história – desconhece a origem dos direitos fundamentais, é alheio às lutas históricas, acha que eles sempre existiram, que talvez foram concedidos por algum ser supremo.

Negação do aprendizado – É reducionista, se algum dia estudou Sociologia, História ou a formação do Estado, foi só pra passar nos exames. Prefere repetir erros a aprender com os dos outros. Vive resumido ao seu pequeno cosmos, não sabe e não se interessa por nenhum conhecimento que não lhe traga ganhos imediatos.

Etnocêntrico – Desconhece o significado da palavra alteridade. Nivela todos os povos e estratos sociais de acordo com os preceitos e costumes de seus horizontes.

Especialista em generalidades – Repete chavões e truísmos, desconhece a história e os princípios fundamentais das ideias que defende, ignora que sua opinião é moldada pelas técnicas de neurolinguística, rechaça o contraditório e opina sem propriedade sobre temas como orçamento e administração pública. Acredita que “o Brasil é rico em impostos”, que “temos a maior carga tributária do mundo” e que “o setor privado é púdico e socialmente orientado”.

Empáfia – Cultua o pernosticismo, herança oculta do Homem Cordial agora exposta. Defende a meritocracia, mas só para os outros. Acredita no jeitinho para resolver seus problemas diários e se julga superior ao resto da população. É o interlocutor da célebre frase: “Sabe com quem você está falando?”

Foco na exceção – não entende e não quer entender as estatísticas. Suas conclusões são baseadas nas exceções. Está sempre pronto para discorrer sobre o indivíduo que superou todas as adversidades e se destacou em uma sociedade em que a regra majoritária é a exclusão.

Escravo Escravocrata – Descendente direto dos Capitães do Mato, ignora sua condição subalterna e pensa que frequentar a cozinha da Casa Grande é equivalente a ser conviva. Se contenta em contemplar seus senhores. Anui à defesa cega de seus interesses e bovinamente vive como querem, como deixam, como lhes convém.

Complexo de vira-lata – O Néscio Empafioso carece de autoestima, confirma o diagnóstico do Dramaturgo Nelson Rodrigues. Ele se coloca voluntariamente em posição de inferioridade em face do resto do mundo. “… é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem…”.

Religiosidade de conveniência – Sepulcro caiado, se declara cristão, mas não abre mão de seus privilégios em favor da miséria de seu povo. Assim como os Fariseus, usa os textos sagrados para justificar suas convicções enquanto nega os valores supremos da fé que diz professar. Acha normal discordar dos ensinamentos do Sumo Pontífice. Esquece-se que Hitler também se declarava cristão.

Maniqueista e dicotômico – Insiste em dividir o mundo em duas faces opostas, em bem e mal, preto e branco, nós e eles.
É incapaz de perceber que toda solução simples para questões complexas é um engodo, e que a postura de se contentar com respostas prontas e reducionismos revela crônica falta de senso crítico.

Existe saída para Néscio Empafioso? Assim como aconteceu em vários países com povos descendentes de bandidos e traficantes (como na maioria da Europa), a discussão sobre a sociedade que queremos e a exposição de nossas vísceras pode, no médio e longo prazo, significar uma paulatina evolução de valores e princípios morais, nos livrando de nossas próprias amarras e abrindo a possibilidade de nos reposicionarmos no cenário mundial.

FRASES PARA REFLEXÃO

“O estado de natureza é uma permanente ameaça que pesa sobre a sociedade e que pode irromper sempre que a paixão silenciar a razão ou a autoridade fracassar.”
Thomas Hobbes , em “O Leviatã”

“Pode-se avaliar a inteligência de uma pessoa pela quantidade de incertezas que ela pode suportar.”
Immanuel Kant

“Quem não se movimenta não percebe as correntes que o aprisionam.”
Rosa de Luxemburgo

“As pessoas são tão felizes quanto elas decidem mentalmente ser.”
Abraham Lincoln

“A Democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas.”
Winston Churchill

“O amor é sábio, o ódio é tolo.”
Bertrand Rousseau

*Alexsandro Coutinho é estudante de direito da UnP