Transparência pública: quando a lei avança, a prática retrocede

Por Alexsandro Ribeiro

A luta pelo direito do cidadão aos dados governamentais encontra no dia 28 de setembro uma das datas mais emblemáticas, a de comemorar o Dia Internacional do Acesso Universal à Informação. Neste ano, contudo, pouco nos resta a celebrar no país os parcos avanços e as muitas fragilidades que o direito à informação enfrenta em todas as esferas do poder público.

Não se trata apenas da possibilidade de acompanhar gastos e questionar o que se produz ou não nos bastidores da administração pública, mas sim de promover uma cultura que escancara as portas da máquina estatal para a transparência e para uma fiscalização efetiva da sociedade. O direito aos dados é uma das principais ferramentas, por exemplo, no combate aos crimes e má utilização do erário.

Um dos berços da corrupção e da precariedade da máquina estatal é a falta de transparência pública. Todos os dias, o direito à informação no Brasil é vitimado em alguma câmara ou prefeitura municipal no Norte ou Sul do país, nos departamentos de ouvidoria e controladoria de governo no Centro-Oeste ou ainda nos judiciários nas populosas capitais ou nas pequenas cidades país adentro. Apesar de clara e completa, a lei do acesso aos dados não alcança todas as esferas do poder público, e peca em lançar luz às trevas da cultura da negação ao direito aos dados.

Esse desrespeito ao direito ao acesso encontra eco em ao menos quatro pontos. O primeiro deles é a fragilidade da própria lei e o pouco reconhecimento da conquista que representou em 2012 quando a Lei de Acesso à Informação (LAI) entrou em vigor no país, bravamente defendida pela Controladoria Geral da União (CGU), um dos órgãos entusiastas da ferramenta legal. Não à toa, no início da atual gestão do Governo Federal, uma canetada de final de semana do vice-presidente, Hamilton Mourão, quando interino no cargo presidencial em fevereiro, quase pôs fim à efetividade da lei com a intenção de conceder poder à comissionados em decretar sigilo em dados públicos.

Um segundo ponto é a resistência que a lei e os cidadãos encontram nos gabinetes e departamentos públicos no entendimento de servidores e comissionados de que pedidos de informação são formas de “xeretar” o que se faz no poder público. Quer seja pelo espírito patrimonialista com que políticos e administradores públicos de plantão enfrentam a máquina estatal, ou pelo medo de servidores em enfrentar um pedido de informação não como um processo de corregedoria, fato é que nem um nem outro consegue entender que o paradigma de negar pedidos foi substituído, em tese, pelo paradigma do acesso à informação. Pela lei, não é quem pede que precisa explicar o porque pede, mas é quem nega que deve explicitar o motivo de negar a informação.

Em terceiro ponto, podemos destacar a falta de efetividade dos dispositivos de cobrança da lei. Isso vale tanto para as negativas à informação, quanto pelos desrespeitos à lei nos portais da transparência em sites de câmaras de vereadores e de prefeituras em centenas dos mais de cinco mil municípios brasileiros. As cobranças são poucas, as penas são brandas e, na prática, a lista de gestores que foram responsabilizados é quase inexistente. O que mais se encontra são recomendações de ministérios públicos para que os entes municipais e estaduais adequem seus canais de transparência. E fica como está.

Como quarto ponto, e aqui há de reconhecer o papel de cada um no jogo da transparência, há uma omissão muito grande dos cidadãos, que não usam a ferramenta e não colaboram para a ampliação da cultura da transparência. Só observando os dados da transparência passiva, que diz respeito aos pedidos de informação, ao longo dos quase oito anos da LAI, foram feitas apenas 796 mil solicitações de dados ao governo. Sequer chega a representar um por cento da população.

A letra da lei é fundamental, mas sem o engajamento da sociedade fazendo uso do direito e reconhecendo o potencial que a conquista aos dados representa para a participação democrática e para a luta contra a corrupção no país, passaremos mais anos sem nada a comemorar no Dia Internacional do Acesso Universal à Informação, amargando quedas de posição no ranking global de direito de acesso à informação, o Global Right to Information Rating, atrás de países como Bangladesh, Etiópia e África do Sul.

 *É professor nos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda do Centro Universitário Internacional Uninter. 

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