A chuva na janela

Chuva

Por Mário Gerson 

Começou o período de chuvas. Algumas pessoas plantam, as que possuem um pedaço de terra. Outras querem relembrar a infância e tomam banho de chuva. Algumas reclamam dos alagamentos. Em frente a um supermercado local, a chuva chegou, por esses dias, a arrastar motos estacionadas. A água desceu pela Avenida Presidente Dutra. E não tinha festa política, era tudo natural.

Nos bairros da periferia, visitou algumas casas. Alagou quintais, fez os sapos saírem das suas tocas, a noite ficou mais fria – há dias a cidade enfrenta noites amenas e, recentemente, amanheceu com um nevoeiro – digamos, uma cerração cobrindo os prédios e as ruas, em um cinza belo de se ver, um mergulho na infância campestre.

A chuva chegou em boa hora. Quem anda pelo sertão agora vê, ao largo do horizonte, o verde no lugar do cinza, o canto dos pássaros no lugar da solidão das aves, a água enchendo barreiros, riachos, açudes transbordam, pequenos agricultores plantam – daqui a pouco, o feijão e o milho verde estarão com os preços competitivos –, a vida oculta antes das águas, que agora ganha mais força, que brota do chão na babugem coberta pelo orvalho da noite.

As madrugadas são também de companhias barulhentas. Há muriçocas, há pernilongos, há insetos que insistem em retornar ao espaço que tomamos, à força das construtoras via Banco do Brasil. Sim! Nós ocupamos aquilo que não era nosso! E os escorpiões e aranhas caranguejeiras querem-no de volta. Pego a aranha com uma pá, entro no mato em frente à habitação e a devolvo àquele habitat. Por que matá-la, tão solitária em seu caminhar? Por que não deixá-la ir?

Da biblioteca, sentado na cadeira que pertenceu ao mestre Dorian Jorge Freire, e escrevendo, vejo a neblina salpicando, com gotas aleatórias, o vidro fosco e sem vida, enquanto, lá dentro, a vontade é de abrir a janela e sentir a água pela casa, é deixar que entre um pouco, que refresque minha alma… mas a vontade passa e continuo a escrever. A água escorre e uma nuvem de lembranças não apagadas – porque a memória é companhia certa nas horas de ócio e reflexão – ressurge, uma a uma, pescadas na solidão das águas turvas da vida, mas ainda brilhantes, cada uma a sua maneira.

Levanto-me para fazer um café. A chuva continua. Acendo a boca do fogão, um trovão forte anuncia alguém que fala mais alto do que eu e um sorriso não deixa de aparecer nos meus lábios. De infância mesmo, na vera, nunca tive medo dos trovões. Corria, e essa é uma lembrança que não foi apagada, para a chuva, olhava o céu fechado, os raios cruzando as nuvens, meus primos com medo da voz forte de Deus, e sorria, esperando o raio cair e contando os segundos, como ensinara meu tio, ex-militar. “São poucos segundos e depois vem o trovão!”

A água, na pequena chaleira de metal, começa a ferver. Coloco o pó de café no pano – sim, ainda o faço coado, tão delicioso quanto qualquer outro café do mundo! – e vejo a água escorrer entre a escuridão do pó e o vapor que sobe como perfume às minhas narinas!

Então, vem outro trovão e a chuva começa a cessar… Levo a xícara para a biblioteca e me arrependo, devo dizer, de não ter tomado o banho de chuva, talvez tantas outras lembranças viessem dele… ou um raio de luz na escuridão!

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Reportagem especial

Canal Bruno Barreto