A finalidade do direito penal é limitar o poder de punir

Por Daniel Pessoa* – Texto resposta**

A pena é nada mais que o exercício do poder, isto é, um ato político, como dizia Tobias Barreto (em “Menores e loucos e fundamentos do direito de punir”, de 1884). O direito penal – como qualquer especialização do direito – tem (ou deveria ter) a principal finalidade de coibir os arbítrios e abusos do poder político (ou de outra esfera). No caso em questão, refrear o poder de punir em face das pessoas que são acusadas ou condenadas por cometerem crimes, com o objetivo de reduzir os danos do poder sobre as pessoas.

Toda justificativa jurídica para a prisão não passa de enganação que as (pessoas) operadoras do direito usam perante a Sociedade para tentarem se diferenciar das ideologias punitivistas e policialescas que as dirigem, a partir dos poderes políticos e econômicos. Ainda mais se a justificativa é por teorias produzidas na Europa, em séculos passados. Porque a ideia de “retribuição” do mal causado (crime) com outro mal (pena de prisão) para “prevenir” que o próprio criminoso ou outras pessoas em geral cometam crimes, mostrou-se desconectada da realidade desde a época em que foi formulada.

A prisão nunca cumpriu a “promessa”, seja aqui ou acolá, ontem ou hoje. Nunca funcionou para reduzir a quantidade de crimes, tampouco para conter a criminalidade – notadamente, a macro e a organizada – ou alguém duvida que os índices só tenham crescido, desde os tempos passados para hoje!? A prisão muito menos se prestou para “ressocializar”, salvo as raras exceções individuais (que, por isso mesmo, não são parâmetros para “justificar”).

Os dados e informações acerca do encarceramento em massa no mundo e no Brasil evidenciam toda a seletividade da política criminal e do direito penal, a fim de aprisionar as pessoas pretas, pobres ou politicamente divergentes, como forma de controle social e de manutenção do estado de coisas. Recomendo, para quem tiver acesso e tempo para isso, os documentários “13ª Emenda” (EUA), “Justiça” e “Juízo” (Brasil). E verificar o que consta nos números do Departamento Penitenciário Nacional (www.depen.gov.br).

As teorias de justificação da pena de prisão também ocultam as origens da proposta de privação de liberdade como punição. A prisão como pena no lugar das punições corporais (suplício, torturas, mutilações e morte) emergiu lá na Europa durante o processo histórico de mudança do feudalismo para o capitalismo. Sua origem é associada à necessidade de mão de obra mais barata e subalterna ou subjugada – coisa que não era possível com a destruição dos corpos, anteriormente –, como nos mostram Eugenio Raul Zaffaroni e José Henrique Pierangeli (“Manual de Direito Penal brasileiro”, 2020), Alessandro de Giorgi (“A miséria governada pelo sistema penal”, 2006), Mariel Muraro (“Sistema penitenciário e execução penal”, 2017), dentre outras.

Defender e justificar a prisão desconhecendo a realidade daqueles dados e informações não é só uma mera visão idealizada da pena e do direito penal, mas efetivamente comprometida com todas as ideologias que permeiam aquelas teorias alienantes e coloniais, que buscam negar o que é injustificável pelos números e pela realidade.

Tendo em vista que a prisão é um mecanismo que está (im)posto e que superá-la é algo ainda distante, em razão da hegemonia de poderes em favor dela, é nosso dever lutar para que, por enquanto, a Constituição Federal de 1988 – que é a Lei maior e posterior ao Código Penal e à Lei de Execução Penal – seja concretizada quanto ao seu papel dirigente e normativo acerca das punições criminais, no sentido de que a privação de liberdade seja o único direito afetado das pessoas condenadas por infrações que geram prisão. Que possamos trabalhar para implementação cada vez mais das penas alternativas – que produzem efeitos de redução da reincidência, de fato (a prisão não faz isso). Para substituir as prisões pelas Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC), onde não ocorrem violações de direitos e há redução da reincidência, também. Enfim, que as operadoras de direito no sistema de justiça criminal cumpram com as suas funções de fiscalizar e coibir os arbítrios e abusos de poder nas prisões.

Obviamente, a opinião aqui manifestada, com base nas teorias críticas do Direito e da Criminologia, é uma frente de disputa em face das outras opiniões punitivistas e policialescas que, lamentavelmente, predominam na Sociedade e junto às operadoras de direito. Mas a questão mesmo que se coloca é “quem vigia os vigias?” Arrisco dizer que somos nós, a Sociedade. Como fazer? Aí é outra questão que não dá para tratar agora.

*É professor de Execução Penal na UFERSA.

**Texto em contraponto ao artigo Qual a finalidade?

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