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Possível adesão de vereadores da oposição é um dos fatores para “rebelião” da bancada governista

Rosalba está enfrentando problemas com bancada (Foto: cedida)

A pauta da Câmara Municipal de Mossoró está trancada há três semanas. São dez vetos a serem analisados que por seguidas falta de quórum ficam para a sessão seguinte.

Não se trata apenas do temor de assumir o desgaste por manter o veto a projetos como “Ronda Mulher”, por exemplo, mas também outros interesses que não são necessariamente os mesmos do público.

O líder da bancada governista Alex Moacir (MDB) pôs panos quentes em entrevista aos jornalistas Vonúvio Paraxedes da TCM/Blog Diário Político e Saulo Vale Rádio Rural/Blog Saulo Vale. Negou que exista crise, mas apenas uma falta de consenso em torno dos vetos que devem ser mantidos.

Nos bastidores o Blog do Barreto recebeu uma outra informação. A base da prefeita Rosalba Ciarlini (PP) quer mais cargos na administração municipal ou a garantia de apoio financeiro para a reeleição no próximo ano.

A gota d’água para a “rebelião” foi a possibilidade de vereadores da oposição migrarem para a base governista aumentando a disputa por espaços na gestão e outros interesses.

Tanto a prefeita como o marido dela, o líder do rosalbismo Carlos Augusto Rosado, estão tentando ganhar tempo para se entender com os vereadores após o Mossoró Cidade Junina na perspectiva de o evento ajudar a recuperar a popularidade de Rosalba.

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Sociedade contra o estado: não tem essa de “mais” ou “menos” evoluído

ANDRÉ NOGUEIRA

Aventuras na História

Por muito tempo (ou mesmo ainda hoje), se acreditou que os indígenas na América eram seres primitivos que viviam nas fases iniciais do desenvolvimento político humano, que seria universal. Os índios viveriam em tribos, pois eles estariam numa fase inicial do desenvolvimento político, que iria evoluir para formas mais complexas até atingirem a forma do Estado burocrático, modelo europeu.

Porém, há muito tempo existem criticas à essa visão, que é extremamente evolucionista e cria a ideia de que os índios são menos evoluídos e capazes que o branco europeu. Uma das mais importantes obras que desmentem essa tese vem de um importante antropólogo francês do século XX, o pesquisador Pierre Clastres (1934-1977). Ele foi um dos pioneiros nos estudos atualizados de antropologia política entre ameríndios e desenvolveu sua principal tese sobre os guayakis do Paraguai em seu livro de 1974 A Sociedade contra o Estado.

Clastres (Wikimedia Commons)

Clastres era filósofo de formação, mas entrou no campo da antropologia da América do Sul por influência de Métraux e Levi-Strauss, grandes acadêmicos franceses que tiveram contato com os países sul-americanos (principalmente Brasil, Argentina, Paraguai e Bolívia).

Os estudos do antropólogo vão partir da análise destes pressupostos científicos de sua época, que colocavam os índios numa posição de inferioridade cultural e racial, dizendo que não há elementos reais para entendermos que a forma horizontalizada e mais próxima ao igualitarismo visíveis nas relações políticas no mundo tribal guarani tem origem em algum tipo de caráter primitivo dessa estrutura de poder. Ao contrário, o pesquisador vai analisar o mundo tribal a partir de uma perspectiva de ação política.

Clastres coloca que no mundo sul-americano, as atividades relativas ao poder não eram simplesmente negadas pela “incapacidade” dos índios de atuar numa sociedade complexa, que era vista no mundo mexicano e maia por terem criado Estados e sociedades hierárquicas. É um erro, para Clastres, entendermos a política tribal como desacompanhada de uma lógica política que é ativamente mantenedora da estrutura social.

Isso significa dizer que a sociedade sem Estado e que dissolve suas hierarquias internas é resultado de um esforço ativo de impedir o desenvolvimento de relações hierárquicas de política e mandatarismo. Então, para o autor, o mundo político dos índios guayaki é, antes de uma sociedade sem o Estado, uma sociedade contra o Estado, pois os povos que formam o tecido social dessas tribos agiriam conscientemente pela manutenção de um mundo político sem membros que mandam e membros que obedecem, não estando presos a uma realidade de incapacidade de atuar de forma complexa e hierárquica. Sendo assim, não estando sujeitos a uma força evolutiva acima deles, que o levariam a uma sociedade estatizada.

Clastres no Brasil (Reprodução)

Em Clastres, não se ignora a figura de um pajé, por exemplo. Ou mesmo a noção de chefia. Mas a partir da noção antropológica que faz do autor partir das formas internas de compreensão de mundo, é possível ver entre os guarani na América do Sul uma tendência a uma lógica de sociabilidade que é repleta de marcos e mecanismos culturais que impedem o nascimento de figuras de comando e controle. Ao contrário, os chefes tribais não possuem poder de mando, somente reconhecimento social de sua fala como conselho. Há, portanto, o isolamento e a destituição de posições que possibilitem o desenvolvimento de uma camada dominante dentro dos grupos sociais.

Portanto, o mundo político dos índios é um mundo sem dirigentes, não sem articulação política. O estudo de Clastres é útil até hoje para uma análise não etnocêntrica da antropologia política indígena, nos lembrando de que análises simplistas e evolucionistas não são aplicáveis nos estudos sérios sobre a vida ameríndia.

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Confira a posição de cada deputado do RN sobre a reforma da previdência

Maioria da bancada é contra proposta de Bolsonaro (Foto: montagem/Blog do Barreto)

O conteúdo da reforma da previdência apresentada pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) segue dividindo opiniões.

Mas como se posiciona os oito deputados federais do Rio Grande do Norte?

A partir de agora o Blog do Barreto traz a posição de cada deputado potiguar sobre o tema.

Único membro do Rio Grande do Norte na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, onde a proposta  começa a ser analisada, Beto Rosado (PP), afirma que não há inconstitucionalidades, mas deixa bem claro o que ele não aceita. “A proposta que foi enviada eu não estou de acordo. Como membro do Progressistas nós enviamos um documento assinado pelas lideranças ressaltando a necessidade da retirada da aposentadoria rural, BPC (Benefício de Prestação Continuada) e este último o próprio ministro Guedes admitiu alterar. Além da desconstitucionalização referentes aos artigos da reforma e isso de cara nós nos posicionamos contra. Os policiais mandaram um texto diferente para os militares e isso gera dificuldades. O texto está cheio de falhas. Não estou de acordo com a reforma do jeito que está”, frisou.

O coordenador da bancada federal Rafael Mota (PSB) deixa claro que não vai votar a favor de injustiças contra o trabalhador. “Nosso mandato tem tido uma posição firme com relação às reformas. Não somos contra mudanças, mas somos contra novidades que imponham ao trabalhador e ao contribuinte uma conta que não é deles. Não há como falarmos em reforma sem que os maiores devedores da Previdência respondam pelos seus débitos. A CPI que se aprofundou sobre as contas deixou claro onde está o problema. Não pretendemos ignorar isso e não vamos compactuar com injustiças, principalmente se elas recaírem sobre as mulheres, os trabalhadores rurais e as pessoas com deficiência”.

O deputado General Girão (PSL) se coloca favorável a proposta, mas entende que ela pode ser aperfeiçoada. “Sou a favor. Claro que iremos aperfeiçoar nos diálogos, que já estão sendo feitos”, explica.

Já Fábio Faria (PSD) diz ser contra mexer na aposentadoria rural e alterar o Benefício de Prestação Continuada. O restante da posição ele está tratando como em análise.

A mesma tendência é a de João Maia (PR). “Sou a favor com modificações na aposentadoria rural, BPC e discutindo magistério e regras de transição”, explica.

Os deputados Benes Leocádio (PRB) e Walter Alves (MDB) afirmam ser contra o texto na forma como ele está.

A deputada Natália Bonavides (PT) entende que a proposta não está de acordo com o discurso do Governo. “Somos contra a proposta de reforma da previdência de Bolsonaro. O projeto é o contrário do que o governo diz: em vez de combater privilégios, joga a conta da crise para a população mais pobre, de salários mais baixos, e para idosos e pessoas com deficiência que dependem de benefício assistencial. Tudo isso ao mesmo tempo em que propõe a capitalização, medida que somente enriquece os bancos e que tira dos empregadores a obrigação de contribuir. Protocolamos quatro projetos de lei para combater os grandes devedores em situação de lucro (quem deve mais de 10 milhões e opta por não pagar, mesmo tendo condições), enquanto o governo não apresenta medidas duras no sentido de coibir a lucrativa estratégia de empresas acumularem dívidas com a previdência”, analisa.

Balanço

Cinco deputados são contra a proposta do jeito que ela está: Beto, Rafael, Walter, Benes e Natália. Dois são a favor com ressalvas: João Maia e Fábio Faria. General Girão é a favor, mas se coloca aberto ao diálogo.

 

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Lula faz um ano na cadeia à espera do STJ e empenhado em controlar o PT

Homem segura cartaz pedindo liberdade para o ex-presidente Lula, no dia 31 de março (Foto: LEO CORREA/AP)

Por Felipe Betim e Afonso Benites

El País

A prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva completa um ano neste domingo, 7 de abril, com o PT tentando reanimar a militância com atos pelo “Lula Livre” e adiando apenas para o segundo semestre a troca de poder na legenda, que ainda disputa espaço para se firmar como protagonista na oposição ao presidente Jair Bolsonaro (PSL). O consenso no partido é o de que as condenações por corrupção passiva e lavagem de dinheiro nos casos envolvendo o triplex do Guarujá e o sítio de Atibaia — 12 anos e 11 meses em ambos os casos — foram injustas e de que a prisão do ex-presidente é política. Na sigla, os atos pelo ex-presidente são uma forma não só de manter a pressão sobre o Judiciário como também de manter petistas e os movimentos sociais mais próximos unidos sob uma rara bandeira comum.

Da cadeia em Curitiba, Lula acompanha as discussões no partido, cuja eleição interna adiada tem potencial para, pela primeira vez, não corresponder com a vontade do ex-presidente, que já demonstrou seu desejo em manter a deputada federal Gleisi Hoffman na liderança. Com Gleisi na presidência, a influência de Lula nas decisões do partido estariam garantidas. Ao EL PAÍS, a deputada diz que o ex-presidente recebe informes das reuniões do partido. “Ele é o nosso presidente de honra. É natural e importante que ele receba as informações.Quando eu posso, escrevo cartas, porque essas ele pode receber. Trato das reuniões dos diretórios, das reuniões que fazemos, das decisões que tomamos”, contou Gleisi.

No plano legal, as esperanças de uma absolvição e soltura do petista são escassas. O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Antonio Dias Toffoli, decidiu adiar o julgamento sobre a constitucionalidade da prisão após a condenação em segunda instância, que estava marcada para a quarta-feira dia 10 e teria repercussão no caso. Agora, residem no recurso levado pela defesa ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), o primeiro tribunal superior que analisará a sentença em segunda instância do caso Triplex — o caso do sítio Atibaia só foi julgado em primeira instância. Tanto o STJ como o STF só analisaram até o momento pedidos de soltura do ex-presidente, mas não a condenação em si. Ainda não há uma data marcada para que a 5ª turma do STJ se reúna, mas a defesa espera que isso ocorra em breve. Segundo o advogado Cristiano Zanin, a defesa pede e enfatiza no recurso a anulação do processo nas instâncias inferiores ou uma absolvição. Também apresenta argumentos auxiliares que poderiam levar a uma revisão do tamanho da pena — o que pode resultar, por exemplo, em prisão domiciliar — ou a prescrição do caso.

A defesa contesta as acusações e considera que não há provas suficientes de que a OAS presenteou o ex-presidente com um triplex no Guarujá como pagamento de propina por contratos na Petrobras. Apresenta ainda um leque de argumentos, como uma suposta falta de imparcialidade do juiz Sergio Moro — hoje ministro da Justiça de Bolsonaro— ou a negativa de que uma prova pericial no processo fosse produzida. Segundo Zanin, a defesa também contesta a competência da Justiça Federal para tratar do caso com base em suas decisões do Supremo. A primeira, de 2015, resultou no fatiamento da Lava Jato e deixou nas mãos da força tarefa de Curitiba apenas os casos relativos a corrupção na Petrobras. A defesa acredita que o caso não tem relação com o escândalo envolvendo a petroleira, embora a sentença condenatória estabeleça uma relação entre os contratos entre empreitas e a Petrobras com o triplex reformado que a OAS teria repassado para Lula. A segunda e mais recente decisão do STF, por seis votos a cinco, determinou que cabe a Justiça Eleitoral julgar crimes comuns, como os de corrupção e lavagem de dinheiro, conexos com delitos eleitorais de caixa 2.

“A jurisprudência do STJ é incompatível com a condenação do ex-presidente. Então, estamos pedindo que a Corte reafirme sua própria jurisprudência”, explica Zanin ao EL PAÍS. O problema é que, de acordo com uma pesquisa realizada pela Corte com base nos julgamentos de 69.000 recursos entre 2015 e 2017, apenas 0,62% dos casos julgados no STJ reverteram totalmente as decisões das instâncias inferiores e resultaram na absolvição do réu. A mesma pesquisa indicou que em 1,02% dos casos os ministros da 5ª e 6ª turma reverteram a pena de prisão por uma pena “restritiva de direitos”, como a prestação de serviços comunitários. Em 0,76% dos casos foi reconhecida a prescrição. Para Zanin, contudo, o caso do ex-presidente é peculiar. “Estamos vendo ao longo do tempo a ocorrência de diversas ilegalidades e abusos que precisam ser coibidos”, diz ele, no momento que a o entorno de Lula se queixa da falta de recursos para tocar a própria defesa. Há bens e contas bancárias do ex-presidente bloqueados por ordem de Moro e, por isso, há ações que buscam arrecadar dinheiro para a causa. Nesta semana, um grupo de fotógrafos anunciou ter arrecadado mais de 600.000 reais leiloando fotos históricas do petista.

Um PT em busca de protagonismo

No campo político os obstáculos não são menores. O PT tem a maior bancada na Câmara, com 55 deputados — um a mais que o PSL de Bolsonaro —, e é a maior força de oposição ao Governo. Mas, por ora, continua apostando suas energias na campanha pelo “Lula Livre” enquanto que as pesquisas indicam uma cristalização do apoio popular à prisão do ex-presidente — segundo o Atlas Político, cerca de 57,9% do eleitorado. “O partido ficou muito preso a isso. Não sei se dentro do partido existe consenso sobre o que fazer. Enquanto isso, o ‘Lula Livre’ dá certa unidade de ação para a máquina partidária. É algo que mantém todos unidos”, explica o sociólogo Celso Rocha de Barros.

Para ele, a “atualização” do PT ainda depende de como o Governo Bolsonaro, que completa cem dias nesta semana com a popularidade em queda, vai se sair. Ainda assim, ele chama atenção para o fato de que, embora numericamente maior, é mais comum ver lideranças de outros partidos progressistas, como os deputados Alessandro Molon (PSB), Tabata Amaral (PDT) ou Marcelo Freixo (PSOL), na linha de frente da oposição. “O partido ainda não assumiu uma liderança lá dentro, porque está preso a essas questões”, explica. Em jogo está também uma disputa também no campo progressista pela hegemonia, ocupada pelo PT há 30 anos.  “Se eles querem substituir o PT, precisam atrair as pessoas que gostam o PT. O Ciro Gomes, por exemplo, pela suas declarações e posturas, acaba sendo antipático para os eleitores PT. Além disso, essas pessoas foram coadjuvantes durante muito tempo e não precisaram se posicionar sobre questões econômicas e políticas de governo. Isso ficava na conta do PT”, pondera Rocha de Barros. “No mínimo”, explica ele, “a competição vai fazer bem e vai obrigar os petistas a se mexerem”.

Essa renovação depende também da liderança do partido, hoje nas mãos de Gleisi Hoffmann, apesar das ressalvas de alguns petistas. A política paranaense é considerada uma das responsáveis por manter como prioridade do partido a pauta do “Lula Livre”, enquanto há pouco debate sobre renovação partidária e outras questões programáticas a um ano e meio das eleições municipais. “Nós consideramos o Lula um preso político. Lula é a grande liderança política e popular desse Brasil. Depois dele não surgiu mais ninguém com essa envergadura, com essa grandeza, com esse poder de mobilização”, reafirma Gleisi.

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31 de março: entenda os bastidores do mais famoso golpe de estado do Brasil

Por André Nogueira

Aventuras na História

O termo “golpe de Estado”, antes de tudo, é um conceito das ciências humanas. Principalmente os historiadores e sociólogos buscam entender esse conceito para, na utilização em meio à análise, haver precisão metodológica.

Esse conceito já possui muita bibliografia. Há produção sobre essa noção desde o século XVII, quando as mudanças no funcionamento do mundo das cortes fez necessária a criação de um novo arcabouço de ideias para entender o mundo autofágico da política. Partindo da realidade política palaciana, o conceito se emoldura em sua forma moderna entre o XVIII e o XIX. Um golpe de Estado é uma anormalidade institucional, assim como uma revolução, uma revolta, uma invasão ou um impedimento, mas se diferencia destas outras em sua forma. Os historiadores hoje entendem golpe como a interrupção de um mandato ilegalmente por parte de membros internos à própria instituição.

Este é o caso do ocorrido no Brasil em 1964: há uma interrupção – vacância do cargo de Jango – ilegal – constitucionalmente, o mandato seria inviolável – por membros internos – Exército, que é parte do organograma do Estado – à instituição – Estado brasileiro.

Entenda como se compôs o cenário em que uma atitude drástica como um golpe militar foi viabilizada e com amparo de parte da sociedade.

Equipe de governo de Vargas, em que vemos Jango / Wikimedia Commons

Para tanto, voltamos a 1961, ano fulcral deste processo. Neste período, o presidente Jânio Quadros, numa tentativa de reatar relações com a população e aumentar seu poder, declara sua renúncia. Com isso, fica legalmente indicado que assuma o vice-presidente eleito, João Goulart, do PTB. Jango, na visão dos militares, era tido como um comunista – mesmo que sua proposta política desenvolvimentista beire a social-democracia – e não poderia assumir. O gaúcho, para piorar sua situação aos olhos dos militares, voltava de uma viagem diplomática à China. Com a oportunidade, os militares da alta patente se aproximam do Congresso e aprovam um fechamento institucional que é solucionado com um acordo com Jango: ele assumiria como prevê a Constituição, mas seria sob regime parlamentarista.

Essa anormalidade foi estranha não somente pela ilegalidade, mas também pela intangibilidade do regime na tradição política brasileira. Em 1963, por iniciativa da situação, é convocado um plebiscito nacional com o tema do regime político. Ganhando com 82% dos votos, o Brasil volta a ser presidencialista, tendo João Goulart como líder legal.

Jango tinha um histórico relevante, principalmente ao lado de Vargas. Inclusive, foi seu ministro do Trabalho na década de 1950. Com isso, a direita mais conservadora, que ocupava espaços de poder no Clube Militar e na UDN, que detesta o legado varguista, volta a ameaçar o governo do presidente. Ao mesmo tempo, João Goulart tinha como eixo principal do governo a “Bandeira Unificadora” das Reformas de Base, um dossiê de propostas reformistas de reajuste estrutural de diversas esferas que competem ao governo, com o objetivo de humanizar e dinamizar a economia brasileira e o funcionamento da máquina democrática. Com isso, Jango defendia bandeiras como o direito irrestrito ao voto, incluindo analfabetos e soldados (que não votavam na época), a distribuição de lotes de terra na forma de propriedade privada rural (reforma agrária), uma reforma fiscal visando à distribuição da renda etc.

Comício da Central do Brasil / Wikimedia Commons

O governo de Jango foi marcado principalmente pela polarização política e ideológica. No cerne da Guerra Fria (e poucos anos após a vitória dos revolucionários cubanos em Havana, fazendo pairar ameaças exageradas da paranoia anticomunista), a sociedade, extremamente politizada à época, experimentou uma radicalização desta polaridade, que se traduz na série de manifestações e expressões públicas da sociedade civil em relação ao governo e suas opiniões, contra e a favor de Jango. Foi o momento, por exemplo, do Comício da Central do Brasil (que, junto da anistia presidencial aos marinheiros amotinados, alimentou o discurso direitista de que Jango era radical e imprudente demais para governar) dos janguistas e da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, exigindo intervenção militar contra o “comunismo infiltrado e antibrasileiro”.

Por outro lado, os militares estão inseridos num contexto de hipérbole da lógica da Guerra Fria. Versado na Doutrina de Segurança Nacional, o alto escalão das Forças Armadas estava estritamente associado à Escola Superior de Guerra do Panamá, órgão chefiado por órgãos da segurança dos EUA, em que os militares latino-americanos eram ensinados sobre a ideologia liberal americana, a doutrina de alinhamento com o país e a luta anticomunista. Com isso, há a formação de toda uma geração de mandatários militares que têm menos interesse na integridade institucional de seus países e mais no direcionamento ideológico e moral puxado a um nacionalismo conservador e autoritário.

Diante de todo esse contexto, migremos para o fatídico ano de 1964. Os conspiracionistas militares, mesmo que não de forma monolítica, tinham já entendido a suposta necessidade de derrubar João Goulart. Nessa lógica, no dia 31 de março de 1964 – hoje fazendo 55 anos –, o general Olímpio Mourão, do batalhão de Minas Gerais do Exército, pega uma série de tanques e ruma pela estrada em direção ao Rio de Janeiro. Lá havia um grande contingente populacional antijanguista, incluindo o governador da Guanabara, Carlos Lacerda, ícone do antivarguismo. Mourão acumula contingente e apoio no Rio de Janeiro de Lacerda e na São Paulo de Adhemar de Barros.

Tanques chegam a Brasília / Wikimedia Commons

Do Rio de Janeiro, os tanques conspiracionistas se voltam a Brasília. Na virada da noite, os golpistas já tinham ocupado o Planalto e exigiam a saída de Jango, que, incapaz de reagir, foge da capital e vai para o Rio Grande do Sul, onde tem grande base de apoio. O Rio Grande do Sul, historicamente, se associou à defesa dos projetos ligados a Vargas e Jango, tendo Leonel Brizola como governador e defensor da “Legalidade”, ou seja, a manutenção dos mandatos democraticamente eleitos.

Porém, para além do uso de contingente militar contra um representante do povo eleito, está no momento de ocupação do Congresso Nacional o principal indício de ilegalidade desse processo. Com o recuo de Jango, o líder do Parlamento, Ranieri Mazzilli, associado à conspiração militar, declara vaga a Presidência da República, argumentando que o presidente abriu mão do cargo ao ter fugido e estaria fora do território nacional (supostamente Uruguai). Porém, Jango estava no sul do país e isso era fato conhecido. Ao assumir o cargo de presidente com esse argumento, Mazzilli rasga a Constituição de 1946 junto aos militares, dando fim a um ciclo político democrático iniciado com a queda do Estado Novo.

Mazzilli passa faixa para Castelo Branco / Wikimedia Commons

Com a vacância da Presidência, o Congresso convoca uma nova eleição indireta para declarar um indicado da junta militar como chefe de Estado. Elegem assim Humberto de Alencar Castelo Branco, primeiro presidente militar e membro da ala moderada entre os golpistas. Todo o processo vai envolver não somente o exílio de Jango, mas uma série de cassações em massa de deputados, governadores e membros de partidos políticos ligados tanto à esquerda quanto à direita. Até Carlos Lacerda, udenista de extrema-direita, foi perseguido pelos militares depois de um tempo. Logo no primeiro ano, a liberação de longas listas de cassação política remodelou a configuração das forças políticas no Estado. O PTB e o PSD passam a sofrer sanções governamentais claramente autoritárias. O calor do golpe atingiu até as Forças Armadas: além dos membros do Exército que eram de esquerda (Henrique Teixeira Lott se destaca, mas não era o único), hoje se calcula que mais de 6 mil militares, incluindo oficiais, foram afetados diretamente com as cassações e mortes do golpe.

Padres católicos tentam conter agentes da repressão / Wikimedia Commons

Ao mesmo tempo, o golpe envolveu uma confusão interna dentro da própria aliança golpista, em que pairava a dúvida sobre o retorno ou não da normalidade institucional dos anos anteriores. Castello Branco defendia o retorno do poder democrático às mãos civis, mas foi a ala ligada à “Linha Dura”, de Costa e Silva, que tomou as rédeas do processo e conduziu o golpe à instalação de um governo ditatorial que vai durar até 1985, com a morte de opositores, o fechamento do Congresso, a tortura sistemática e o uso de eleições indiretas para a manutenção do governo pelo Alto Escalão do Exército. Muitos morreram e desapareceram durante a ditadura (e não somente esquerdistas ligados à guerrilha) e a democracia brasileira até hoje é abalada pela desestruturação da democracia possibilitada pelo movimento vertical dos militares em 1964. Quando recomendaram a Jango que fechasse o Congresso para passar as Reformas, Jango recusou. A junta militar devia ter feito o mesmo.

Encerra-se com uma citação do presidente, general e ditador Ernesto Geisel sobre a alcunha de “golpe” ao movimento de 1964: “O que houve em 1964 não foi uma revolução. As revoluções fazem-se por uma ideia, em favor de uma doutrina. Nós simplesmente fizemos um movimento para derrubar João Goulart. Foi um movimento ‘contra’, e não ‘por’ alguma coisa. Era contra a subversão, contra a corrupção. Em primeiro lugar, nem a subversão nem a corrupção acabam. Você pode reprimi-las, mas não as destruirá. Era algo destinado a corrigir, não a construir algo novo, e isso não é revolução”.

Parada militar acontecendo dentro de batalhão, em que se expõe no desfile um preso no pau de arara / Documentário ‘Arara’

PARA CONHECER MAIS, RECOMENDAM-SE ALGUMAS OBRAS BÁSICAS:

Marcos Napolitano, 1964: História do Regime Militar Brasileiro

Octavio Ianni, O Colapso do Populismo do Brasil

Carlos Alberto Brilhante Ustra, A Verdade Sufocada: a história que a esquerda não quer que o Brasil conheça

Glaucio D. Soares, A democracia interrompida (Partidos Políticos 1945-1964).

Paulo Evaristo Arns (org). Projeto Brasil Nunca Mais

Adriano Codato. O golpe de 64 e o regime de 68. História, Questões e Debates

Camilo Tavares: O Dia que durou 21 anos (Documentário)

Leon Hirszman. Maioria Absoluta (Documentário)

Felipe Cânido. Arara: Um Filme Sobre um Filme Sobrevivente (Documentário)

Em instantes o Blog do Barreto traz reportagem especial resgatando o contexto do Golpe no Rio Grande do Norte.

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A queda de outro ex-presidente do Brasil, a nova fatura da Lava Jato à velha política brasileira

Lula e Temer estão presos (Foto: UESLEI MARCELINO -REUTERS)

Por Naiara Galarraga Gortázar

El País

Dois dos sete presidentes que o Brasil teve desde o fim da ditadura dormem atrás das grades, derrotados pelas suspeitas de corrupção. Michel Temer, 78 anos, está há duas noites em uma sala de 20 metros quadrados sem janelas, mas com vaso sanitário, chuveiro e ar condicionado, em uma sede da Polícia Federal no Rio de Janeiro. Luiz Inácio Lula da Silva, 73 anos, cumpre quase um ano de reclusão em uma cela preparada especialmente para abrigá-lo em instalações da PF em Curitiba (Paraná), epicentro da investigação da Operação Lava Jato. Nessa novela de centenas de capítulos com heróis, vilões, tramas e subtramas na qual o caso se transformou, a prisão de Temer na última quinta-feira representa uma guinada no roteiro que causou impacto, apesar de ser uma possibilidade há vários capítulos. Mais precisamente desde 1 de janeiro, quando o veterano político perdeu a imunidade ao entregar a faixa presidencial a Jair Bolsonaro.

O juiz Marcelo Bretas afirma que Temer era “o líder de uma organização criminosa” que durante 40 anos cobrou propinas em troca de contratos públicos, inflou orçamentos de obras, lavou dinheiro e até mantinha um departamento de contrainteligência para prejudicar as investigações.

Esta trama que ganhou fama em torno da Petrobras e da construtora Odebrecht foi crescendo e cobrou uma fatura alta à velha política brasileira. Outros três governantes foram investigados em casos derivados da Lava Jato, incluídos os que foram destituídos por impeachment, Dilma Rousseff, a quem Temer sucedeu em 2016, e Fernando Collor de Mello. Outro é José Sarney, denunciado por suspeitas de envolvimento com desvios da Transpetro. O único ex-presidente vivo a salvo é Fernando Henrique Cardoso, que foi mencionado na investigação, mas por fatos considerados prescritos. Em cinco anos outros 150 poderosos políticos e empresários entraram na prisão, enquanto o descontentamento da população com a classe política aumentava.

Como pano de fundo da prisão, um novo capítulo na batalha entre juízes e promotores da Lava Jato e a classe política tradicional. Um episódio no qual se destacam o juiz que prendeu Lula e agora é ministro da Justiça, Sergio Moro, e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, cujo sogro é Moreira Franco, ex-ministro preso no mesmo dia que Temer. Como nas novelas, às vezes é difícil acompanhar a trama e as relações cruzadas do elenco. Enquanto isso, impera o temor de que a prisão do ex-presidente, que ainda tem aliados no Congresso, complique a aprovação de projetos impopulares como a reforma da Previdência, vista como crucial para reativar a economia.

Um dos motivos do sucesso eleitoral de Bolsonaro é que o tsunami da Lava Jato não passa perto dele. Apesar de um de seus filhos, Flávio, senador, ser investigado por lavagem de dinheiro à margem da trama. O presidente atribuiu a prisão aos “acordos políticos (de Temer) para garantir a governabilidade”, mas um dos dirigentes de seu partido, Major Olímpio, empregou o tom que tanto agrada os bolsonaristas: “Prisão para todos que dilapidaram o patrimônio do povo brasileiro e envergonharam a política. Precisam pagar, sim, perante a Justiça”.

Temer é o último político envolvido (até agora) nessa enorme teia. A edição do EL PAÍS no Brasil publicou em primeira mão a partir de 2017 alguns dos documentos que supostamente comprovam a cobrança de subornos e que os promotores citam em seu pedido de prisão de Temer. Ninguém podia imaginar em 17 de março de 2014 que o que nascia como uma investigação sobre uma suposta lavagem de dinheiro em um lava jato pudesse se tornar o maior escândalo de corrupção da história do Brasil e estendesse suas ramificações por toda a América Latina.

Mas esse mega escândalo que pôs à luz uma corrupção sistêmica da qual se beneficiavam empresas e políticos de todos os partidos foi o estopim de mudanças profundas que no Brasil se materializaram em um presidente de ultradireita e uma oposição irrelevante. O abalo também é forte no Peru, com a líder de oposição, Keiko Fujimori, na prisão, e vários ex-presidentes envolvidos: Alejandro Toledo, fugido para os Estados Unidos, Ollanta Humala, que passou pela prisão, e outros dois cuja saída do país está proibida. A trama salpicou por meio de campanhas eleitorais os colombianos Juan Manuel Santos e Álvaro Uribe. No México, não se abriu uma só investigação apesar das acusações contra um ministro de Enrique Peña Nieto, nem na chavista Venezuela.

Ao menos quatro outras noites sob custódia é o que aguarda Michel Temer, porque seu pedido de habeas corpus só será analisado na quarta-feira. Em seu primeiro interrogatório manteve silêncio depois de ter afirmado que, diante de seus conhecimentos de advogado constitucionalista, a prisão preventiva era “absolutamente improcedente”.

Na mesma operação foram detidos sete supostos cúmplices do ex-presidente do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), um partido fisiológico, sem ideologia e especializado em dar a maioria aos partidos governantes em troca de postos-chave com acesso a contratos públicos.

Com a chegada de 2019, Temer passou a ser um cidadão como outro qualquer. Seus casos voltaram para a Justiça comum e a investigação prosseguiu. Nunca foi querido. Chegou ao topo depois do impeachment de Rousseff, do Partido dos Trabalhadores de Lula, e saiu do Palácio do Planalto com uma popularidade de 7% depois de presenciar como o deputado veterano com uma carreira política irrelevante conseguia capitalizar a ira dos brasileiros contra a corrupção. O capitão do Exército Bolsonaro soube catalisar como ninguém o profundo fastio de seus compatriotas com a velha classe política —a qual ele, no entanto, pertence há três décadas—, sua ânsia de derrotar o sistema e de apostar em uma novidade extremista como ele.

Temer também teve de passar pela humilhação de que o país inteiro visse na televisão cada minuto de sua queda graças à descomunal cobertura da imprensa inclusive com câmeras em helicópteros. O público viu seu primeiro olhar de surpresa e desgosto, os dois policiais armados com fuzis automáticos, seu transporte ao aeroporto para voar até o Rio de Janeiro e sua entrada na sede policial que se converteu em seu novo dormitório, por enquanto.

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Carolina Maria de Jesus: 100 anos da autora do clássico “Quarto de Despejo”

Por Cynara Menezes 

http://www.socialistamorena.com.br

Não digam que fui rebotalho,
que vivi à margem da vida.
Digam que eu procurava trabalho,
mas fui sempre preterida.
Digam ao povo brasileiro
que meu sonho era ser escritora,
mas eu não tinha dinheiro
para pagar uma editora.

Em 1958, o repórter Audálio Dantas estava na favela do Canindé, em São Paulo, preparando uma reportagem sobre um parque infantil para o extinto jornal Folha da Noite, quando se deparou com uma mulher negra de 43 anos que gritava: “Onde já se viu uma coisa dessas, uns homens grandes tomando brinquedo de criança! Deixe estar que eu vou botar vocês todos no meu livro!”  Curioso, como todo bom jornalista, Audálio foi atrás dela e descobriu uma escritora: Carolina Maria de Jesus, que ficaria conhecida mundialmente por Quarto de Despejoum clássico de nossa literatura, traduzido em 13 idiomas.

Lançado em 1960, o livro venderia mais de 80 mil exemplares no Brasil, um best seller até para os padrões de leitura de hoje em dia. Nele, Carolina fazia um diário de sua vida desde que deixara Sacramento, em Minas, aos 17 anos, para ir morar em São Paulo, onde trabalhou como empregada doméstica e, quando Audálio a encontrou, como catadora de papel. O título veio de uma frase de Carolina: “A favela é o quarto de despejo da cidade”. A escritora favelada é, de certa forma, precursora de nomes recentes de nossa literatura que vieram da periferia das grandes cidades, como Paulo Lins (Cidade de Deus) e Ferréz (Capão Pecado).

“Carolina é uma escritora fundamental para entender a literatura brasileira, que é feita, em sua grande maioria, de autores brancos de classe média que dominavam a língua formal. Ela mostra a outra face dessa história, que passa a ser vista do ponto de vista dela, de baixo”, diz a professora da Universidade de Brasília Germana Henriques Pereira, autora de O Estranho Diário de Uma Escritora Vira-Lata, um dos poucos trabalhos que analisam a obra de Carolina do ponto de vista da crítica literária. Depois do estrondoso sucesso, Carolina morreria pobre e praticamente esquecida, isolada num sítio, em fevereiro de 1977.

A literatura de Carolina Maria de Jesus só foi redescoberta na década de 1990, graças ao empenho do pesquisador brasileiro José Carlos Sebe Bom Meihy e do norte-americano Robert Levine, que juntos publicariam o livro Cinderela negra: a saga de Carolina Maria de Jesus (editora UFRJ, atualmente esgotado), e editariam duas coletâneas de inéditos da escritora (leia aqui um artigo de Melhy sobre Carolina). No exterior, porém, ela nunca deixou de ser lida e estudada, sobretudo nos EUA, onde Quarto de Despejo, traduzido como Child of the Dark, é utilizado nas escolas –ao contrário do que ocorre em sua terra natal.

Audálio Dantas, descobridor de Carolina Maria de Jesus, deu uma pequena entrevista ao blog sobre a escritora.

Socialista Morena – Por que Carolina, mesmo sendo reconhecida no exterior, ficou tanto tempo esquecida no Brasil?

Audálio Dantas – É que, como sempre, a moda passou rapidinho. A maioria “consumiu” Carolina como uma novidade, uma fruta estranha. Carolina, como objeto de consumo, passou, mas a importância de seu livro, um documento sobre os marginalizados, permanece.

SM – Neste meio tempo, não apareceram tantas mulheres faveladas ou empregadas domésticas escritoras. Por quê?

Audálio – Xi, foram dezenas ou centenas. Só eu recebi mais de vinte originais. Nenhum tinha a força do texto de Carolina.

SM – Ainda hoje existem catadores de papel… A vida nas favelas mudou pouco em relação à época da Carolina?

Audálio – Existem até mais, com a necessidade de reciclagem. A maioria, hoje, faz esse trabalho com carroças (aquelas sempre acompanhadas por um cachorro…). As favelas também mudaram. Não que seja bom e bonito viver nelas, mas em muitas já se observam os sinais da movimentação social dos últimos anos, quando milhões de brasileiros ascenderam à chamada nova classe C. Muitos desses brasileiros vivem nelas, com TV, internet, celular e outros objetos das novas tecnologias.

SM – Você acompanhou Carolina até o fim?

Audálio – Não. Carolina era uma pessoa de personalidade muito forte. Isso pode ser constatado no livro. Desentendeu-se comigo, me distanciei. Ela sempre buscou a glória, e quando esta se foi, se ressentiu. Morreu amarga.

Desiludida com o insucesso de suas obras posteriores, Carolina rompeu com o jornalista e chegou a criticá-lo no livro Casa de Alvenaria. “Eu queria ir para o rádio, cantar. Fiquei furiosa com a autoridade do Audálio, reprovando tudo. Dá impressão de que sou sua escrava”. Em 1961, chegou a gravar um disco, com canções compostas por ela mesma.

Mais tarde, perto do final da vida, a escritora mudou de opinião sobre seu descobridor. “O Audálio foi muito bom, muito correto comigo, eu sempre acreditei nele”, disse Carolina à Folha de S.Paulo em sua última entrevista, em 1976.

Na mesma reportagem, Audálio Dantas conta sua versão do rompimento. “Ela recebia convites de um Matarazzo, recebia convites para falar em faculdades, para visitar o Chile, para frequentar a sociedade e dezenas de propostas de casamento. Mas eu achava que ela não devia entrar neste esquema, porque não era uma coisa natural. Porque as pessoas a procuravam como uma pessoa de sucesso e a viam como um animal curioso”, disse o jornalista.

No enterro de Carolina, Audálio era uma das duas “autoridades” presentes além dos familiares – o outro era o prefeito de Embu-Guaçu. Um orador que não conhecera a escritora em vida improvisou o discurso de despedida. “Somente compareceram para lhe dar o último adeus as pessoas humildes, as pessoas que sempre a acompanharam em toda a sua vida”. E fez, ali, o epitáfio de Carolina: “Morreu como viveu: pobre”.

Frases de Carolina Maria de Jesus:

“O assassinato de Kennedy é descendente de Herodes e neto de Caim. Kennedy era o sol dos Estados Unidos. O sol que se apagou. Um homem que era digno de viver séculos e séculos.”

“Antigamente o que oprimia o homem era a palavra calvário; hoje é salário.”

“O maior espetáculo do pobre da atualidade é comer.”

“As crianças ricas brincam nos jardins com seus brinquedos prediletos. E as crianças pobres acompanham as mães a pedirem esmolas pelas ruas. Que desigualdades tragicas e que brincadeira do destino.”

“A amizade do analfabeto é sincera. E o ódio também.”

“Eu sou negra, a fome é amarela e dói muito.”

“A favela é o deposito dos incultos que não sabem contar nem o dinheiro da esmola.”

“Quem inventou a fome são os que comem.”

“Quem não tem amigo mas tem um livro tem uma estrada.”

***

Breve biografia de Carolina interpretada pela grande atriz negra Ruth de Souza:

Um poema de Carolina Maria de Jesus:

 

 

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Todos os caminhos levam a Henrique Alves

Antunes Sobrinho celebra resultado de leilão (Foto: Ayrton Vignola/AE)

No dia 22 de agosto de 2011, o então poderoso deputado federal Henrique Alves era fotografado com o vice-presidente da Engevix José Antunes Sobrinho comemorando o resultado do leilão na Bovespa cujo resultado definiu quem administraria o Aeroporto Internacional Aluízio Alves.

Por R$ 170 milhões, o Consórcio Inframérica levou a melhor tendo como parceira a Engevix de Antunes Sobrinho.

Henrique Alves foi o principal articulador para a construção do novo aeroporto na Grande Natal a despeito de todos os questionamentos quanto a necessidade do novo equipamento.

A Engevix não faz mais parte do Consórcio Inframérica, mas os problemas persistem.

Ontem, Antunes Sobrinho apareceu em notícia do Jornal O Globo com a delação premiada homologada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em que ele afirma ter pago propinas e bancado contratos fictícios em obras dos aeroportos de Brasília e Natal (leia-se São Gonçalo do Amarante).

Segunto, Antunes os pagamentos ilegais envolvem o MDB de Henrique Alves e a Caixa Econômica Federal, banco estatal que já rendeu uma condenação de oito anos e oito meses ao ex-ministro do turismo por desvios de recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).

O pivô do esquema, segundo o Ministério Público Federal, é o ex-vice-presidente da Caixa, Fábio Cleto, um apadrinhado político de Henrique e Eduardo Cunha.

Todos os caminhos desta delação levam a Henrique Alves, um dos maiores defensores da construção do novo aeroporto.

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A história de Lauro da Escóssia, lendário jornalista mossoroense

Vasculhando o Google para buscar informações sobre Lauro da Escóssia para contribuir numa pesquisa do colega jornalista Eliabe Alves encontrei um trabalho marcante do início de minha carreira jornalística: o caderno especial em homenagem ao centenário de Lauro da Escóssia publicado em 16 de março de 2005 em O Mossoroense.

Um dos primeiros desafios que recebi e com muita honra cumpri. Lauro da Escóssia é uma figura marcante na história do jornalismo local.

Confira o conteúdo do caderno especial produzido há 14 anos:

Lauro da Escóssia

 

Decano do jornalismo chega aos 100 anos de história

Bruno Barreto

Da Redação

“Tudo quanto escrevi, procurando enfeixar em um livro, revela o desejo de deixar para a posteridade, ao simples contato de meus conterrâneos, um pouco da imagem do passado guardado na lembrança deste conterrâneo e amigo”, a frase atribuída a Lauro da Escóssia revela bem o amor deste mossoroense, nascido no dia 14 de março de 1905, pelo povo de sua cidade de origem.

Lauro que completaria 100 amanhã teve uma vida intensa, professor formado pela escola normal foi responsável pela reabertura de O Mossoroense, a grande paixão de sua vida, em 1946 com a ajuda de Jorge Freire de Andrade, Ving-ut Rosado e José Augusto Rodrigues.

Antes já havia trabalhado no jornal como repórter no mesmo periódico tendo como ponto alto em 1927 quando foi o responsável pela cobertura da invasão do bando de Lampião a capital do Oeste, ocasião em que ele conseguiu entrevistar o cangaceiro Jararaca antes mesmo que o mesmo fosse interrogado pela polícia. Este é considerado um dos maiores furos de reportagem da história da imprensa potiguar, graças a isso o jornal, com 5.400 exemplares vendidos, atingiu a maior vendagem de sua história.

Lauro da Escóssia casou-se duas vezes a primeira delas com Dolora Azevedo do Couto Escóssia com quem teve 8 filhos, após a morte dela casou com Lourdes Alves da Escóssia adotandos seus filhos, com ela se manteve casado até a sua morte em 19 de julho de 1988. “Lauro foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida, foi meu amigo, companheiro e marido. Tanto é que após a sua morte nunca mais casei. Em nossa vida nunca houve cansaço nem de minha parte nem da dele. Em minha mente está sempre a impressão de que ele está viajando, quando isso acontece sinto muita paz”, conta sua esposa Lourdes Escóssia.

Segundo seus familiares Lauro da Escóssia era dono de um temperamento muito explosivo. “Lauro trazia no sangue o arrebatamento e a impetuosidade de seu avô, Jeremias. Panfletário e sem medo herdou tantos traços de identificação, revelados nas suas ações e reações, por vezes bruscas, senão violentas, que sempre reclamam conduta irredutível, coragem e espírito de deliberação”, assim foi descrito pelo ex-prefeito de Mossoró Raimundo Nonato em depoimento para o livro ‘Escóssia’ de autoria do jornalista Cid Augusto.

Apesar do temperamento forte Lauro da Escóssia era um homem que não guardava rancores. “Papai estourava, mas dali a dois minutos já estava bonzinho”, revelou sua filha Margarida Escóssia.

A sua relação com os filhos era muita aberta e pautada pelo carinho. “Papai era um homem à frente de seu tempo absorvia muito bem as mudanças e era muito atencioso com todos nós, a única ressalva que ele tinha com a gente era quando a gente ia para a churrascaria O Sujeito (onde hoje se localiza o clube Carcará), como ele nunca podia ir e mamãe sempre ia conosco ele dizia brincando que a gente seria levado pelo rio e parar em Porto Franco (atual Grossos)”, conta Margarida. 

Essa boa relação com os filhos se repetiu com os seus netos também, a recíproca por parte dos netos era verdadeira tanto que todos eles lhe chamavam de Vôzinho. “Me recordo como se fosse hoje das conversas do meu avô, ele era um homem muito centrado em si, pensava um pouco pra falar, mas suas palavras eram sempre sábias, tinha o poder de nos dar segurança quando era abordado sobre qualquer assunto. Lauro da Escóssia não foi só um grande jornalista, ele foi também um grande avô e sempre encontrava hora para nós, por isso todos nós netos chamavam ele de Vôzinho”, afirma Daniele da Escóssia.

Apesar de fazer história em Mossoró Lauro da Escóssia era um homem de hábitos simples. “A falta de vaidade de Papai era tão grande que ele fazia questão de ter apenas um par de sapatos. O prato preferido dele era bolo de leite, diabético, ele pagava para a empregada comprar o bolo escondido da gente”, conta Margarida da Escóssia.

Lauro não fazia distinção entre seus amigos tanto podia ser amigo dos mais ilustres como dos mais simples. A prova disso é que duas de suas grandes amizades foram o ex-governador Dix-sept Rosado (falecido em 1951) e o pedreiro Francisco Constantino o ‘Chico Boseira’. “A amizade de papai com Dix-sept era desde os tempos de prefeitura, quando ele foi secretário, a fidelidade era tamanha que um dia o ex-governador pouco antes de falecer pediu para papai guardar um bilhete em segredo o que ele fez até o final da vida. Já com Chico era uma amizade muito divertida, eles conversavam e se davam muito bem, ele brincava muito com Chico chamando ele de poliglota porque ele fazia de um tudo era pedreiro, encanador e eletricista”, revela Margarida.

‘Chico Boseira’, ainda está vivo e relembra a sua relação com o amigo. “Quando lembro do meu amigo, vem duas coisas a minha memória: a primeira era que ele dizia que eu era seu filho mais velho e a segunda eram as nossas conversas sempre descontraídas ele sempre pedia para eu contar anedotas e fazer cantigas populares. Até o meu apelido quem colocou foi Lauro, antes me chamavam de ‘Chico Roseira’ porque todos jardins que plantava davam certo, uma vez ele pediu para eu fazer um para um na sua casa e as plantas morreram e ficou tudo sujo aí ele mudou o meu apelido”, diz.

O seu grande prazer nas horas de descanso era ir ao Sítio Senegal, localizado em Alagoinha, que levava esse nome por ser muito seco. Lá ele ia tomar conta das cabras e galinhas que criava.

Nos últimos dias de sua vida, Lauro da Escóssia esteve muito doente, mas não perdia o bom humor. “Ele sempre estava de bom humor independente das doenças das doenças que lhe atingiam”, conta a viúva Lourdes Escóssia.

 

Lauro se tornou nome de rua e museu

 

A intensa vida de Lauro da Escóssia não poderia deixar de lhe render inúmeras homenagens. As mais visíveis são: a cessão de seu nome à rua localizada no Abolição  IV e ao Museu ao qual dedicou os últimos anos de sua vida.

Seu nome foi dado a uma das ruas do Abolição IV na década de 80 através de um decreto do então prefeito Dix-huit Rosado em reconhecimento a sua contribuição sociocultural dada a cidade. Era justamente nesse trecho que ele passou os últimos fins de semana de sua vida.

Outra homenagem importante o decano só recebeu após a sua morte: trata-se da medalha de reconhecimento outorgada pela Câmara Municipal, em setembro de 1988.

No entanto, a mais importante de todas as homenagens que Lauro poderia receber era doar o seu nome ao Museu Municipal, a antiga Cadeia Pública onde ele entrevistou o cangaceiro Jararaca, em 1927.

O museu passou a ter o seu nome em 18 de julho de 1991, após a então prefeita de Mossoró, Rosalba Ciarlini, sancionar projeto de lei do vereador Júnior Escóssia, após acatar sugestão do então diretor da casa de cultura, João Bosco de Queiroz Fernandes. “Tio Lauro era muito ligado ao museu, mesmo doente ele não deixava de vir até aqui”, conta Maria Lúcia da Escóssia, atual diretora do museu.

Para se ter uma idéia do amor e dedicação de Lauro da Escóssia ao museu, próximo à sua morte ele fez a seguinte confidência a um grupo de pessoas que estavam ali com ele, entre elas o pesquisador Raimundo Brito. “Com os olhos cheios de lágrimas, Lauro proferiu a seguinte frase: ‘Sei que vocês vão me enterrar, mas a minha alma vai ficar aqui dentro'”, relatou Raimundo Brito.

 

Intelectuais falam sobre trabalho de Lauro da Escóssia

 

Grandes amigos de Lauro da Escóssia homenagearam entre eles, intelectuais do calibre de Ving-un Rosado, Raimundo Brito e Dorian Jorge Freire.

O historiador Vingt-un Rosado destacou a dedicação de Lauro da Escóssia ao Jornalismo. “Era um homem humilde que foi um servidor do Rio Grande do Norte, como um jornalista que virava noites na redação em uma vigília incansável”.

O jornalista Dorian Jorge Freire o considera o maior jornalista da história da imprensa mossoroense. “Lauro foi o maior jornalista que Mossoró já teve, quando o jornal saía era sempre um grande momento, com ele nunca houve censura”, afirmou.

Já Raimundo Brito preferiu falar sobre a relação de Lauro com o Museu Municipal que hoje leva o seu nome. “Sobre Lauro prefiro repetir aquilo que foi colocado no livro que ele escreveu sobre a história de Mossoró: …a vida de Lauro, a história de Mossoró e a de O Mossoroense, como se vê tudo ali é uno e indivisível. Uma coisa assim parecida com a santíssima trindade…”

 

Livros de Lauro foram publicados nos últimos dez anos de vida

 

A produção literária de Lauro da Escóssia ficou restrita aos últimos dez anos de sua vida. O seu primeiro livro, publicado em 1978, ‘As dez Gerações da Família Gamboa’, em que ele fez um estudo genealógico sobre os descendentes do alferes Manuel Nogueira de Lucena, fundador da família Gamboa.

Três anos depois, o decano do jornalismo potiguar escreveu ‘Memórias de um Jornalista de Província’, no qual fala sobre momento importantes que viveu ao longo da história de Mossoró como a fundação das primeiras entidades recreativas e esportivas, relatando a chegada do primeiro automóvel e do primeiro avião, invasão do bando de Lampião, as secas de 1915 e 1917, fundação do Tiro de Guerra e do Grupo de Escoteiros, criação da Escola Normal e de sua atuação político-partidária nas revoluções de 1924 e 1930.

O ‘Futebol da Gente’, de 1982 aborda a história do esporte em Mossoró, com destaque para o momento em que cita o fato de Celina Guimarães ter sido a primeira mulher de que se tem notícia a ter arbitrado um jogo de futebol no Rio Grande do Norte.

Em 1983, ele publicou mais dois livros, ‘Cronologias Mossoroenses e ‘Desfolhando a Saudade’, o primeiro faz uma síntese histórica da cidade, através de fatos e acontecimentos numa seqüência cronológica desde aos primórdios da capital do Oeste. Já no segundo, o autor reúne textos de sua irmã mais nova Maria Escossilda, em O Mossoroense e outros pequenos jornais nos quais ela colaborou até a sua morte, em 1935.

Em 1986 foi a vez de Lauro lançar a sua penúltima obra literária, ‘Anedotas do Padre Mota – Vultos Populares e Outras Coisas de Mossoró…’. Este livro é dividido em três partes: a primeira reúne o anedotário produzido pelo ex-prefeito e vigário da Diocese de Mossoró, Padre Mota; na segunda, faz alusão às histórias dos tipos populares que conviveu; já a terceira e última etapa deste livro reúne crônicas sobre a cidade.

No ano de sua morte, Lauro da Escóssia publicou seu último livro ‘A Maçonaria em Mossoró’, no qual relata a história da maçonaria em Mossoró desde os seus primórdios.

 

Ex-funcionários lembram do jornalista

 

Divertido e exigente, este era ‘Seu Lauro’, como os funcionários de O Mossoroense se referiam a Lauro da Escóssia, um homem que conseguia o respeito e admiração dos que o acompanhavam na lida.

Francisco Guerra, um dos mais antigos funcionários deste jornal, lembra que a convivência com o jornalista era uma festa. “Quando o jornal ficava pronto ela gostava de levar a gente para jantar, mas antes, durante o serviço, ele era muito rígido”, lembra.

Cosme Freire, o ‘Vovô, outro antigo funcionário de O Mossoroense, disse que sempre que lembra de Lauro é pela dedicação dele ao jornal. “Era impressionante, ele dormia no jornal às vezes”, conta.

José Ferreira Filho, que trabalhou com ‘Seu Lauro’, falou sobre o temperamento de seu antigo patrão: “Ele era um misto que ninguém entendia, era explosivo e ao mesmo tempo não era, quando ele estourava o que era dito não afetava a ninguém”, conta.

 Todos os funcionários eram tratados como se fossem seus filhos. “Seu Lauro tinha mais filhos do que os de sangue, é uma imensa lista: Juarez, Paulinho, Dedé Pretinho, Zé Almeida, Miúdo, Lauro de Pedrinho, Surica, Vicentinho, Gabriel, Peruca, Emery Costa, Guerra, os dois Vovôs (Cosme e Damião), Anastácio, Julimar, Chico Boseira, Cizinho, Wilson Bezerra, Maia Pinto, Zé Maria Alves, Zé Maia, Chico Bento, Shao-lin, Amâncio, Arnaldo, Toinho Silveira, Ivonete de Paula, Marcelino, Jânio, Socorro, João da Cruz, Flor de Maria, Bezerra, Sônia Lima, Emiliana, Nilo Santos e tantos outros que não me vêm à memória”, relata.

 

Lauro atuou também em várias áreas

 

Além do museu e do jornalismo, Lauro da Escóssia atuou em áreas variadas que iam desde a política até o desporto, passando pela educação, maçonaria.

Mesmo nunca tendo assumido cargo eletivo a atuação política de Lauro da Escóssia foi muito intensa, integrante de dois partidos: o Partido Popular e do Partido Republicano.

Foi opositor da Revolução 1930 comandada por Getúlio Vargas. Foi partidário da Revolução Constitucionalista de 1932, que ocorreu em São Paulo com objetivo de implantar uma constituição no país que vinha há dois anos sendo comandado por um governo provisório.

Convidado duas vezes a se candidatar a deputado estadual recusou-se a disputar a vaga à Assembléia Legislativa, preferindo se envolver com a política através de seu jornal, que chegou a ser fechado duas vezes em virtude de suas posições a favor do regime democrático.

Lauro atuou como secretário em Mossoró nas administrações  municipais de Padre Mota, Dix-sept Rosado e Jorge Pinto. Sem contar que também foi presidente do Tiro de Guerra de Mossoró e o Centro Regional de Escoteiros de Mossoró.

A sua atuação política se estendeu ao desporto quando dirigiu entidades como a Associação Mossoroense de Desportos Atléticos (atual Liga Desportiva Mossoroense), dirigiu o Humaitá Futebol Clube, o Clube Atlético Mossoroense e a Liga Operária de Mossoró.

Outra área que Lauro atuou foi na Maçonaria, ele fundou a Loja Maçônica João da Escóssia. Ele foi o primeiro venerável, cargo máximo de uma loja.

Além disso, Lauro foi professor primário formado pela Escola Normal de Mossoró, em 1925, em 1928 começou a dar aula no serviço público, em 1930 foi contratado em definitivo, ele trabalhou durante 33 anos nessa área. Lauro ainda foi um dos responsáveis pela vinda do Tiro de Guerra para Mossoró e um de seus primeiros presidentes.

 

Lauro da Escóssia aos 100 anos

Vingt-un Rosado

 

Na celebração dos seus grandes filhos, as cidades costumam juntar, num mutirão de excelência, clero, nobreza e povo. 

Certamente a prefeita Fafá e a governadora Wilma terão sensibilidade suficiente para levar os seus governos a assumir uma participação efetiva nas festividades comemorativas do centenário de Lauro da Escóssia, um grande de Mossoró.

O evento não pode se limitar a um programa do círculo familiar, mas deve despertar a província inteira, além dos lindes municipais.

Porque Lauro foi um servidor devotado do Rio Grande do Norte, como jornalista, principalmente, ele executava todas as tarefas de um jornal do interior, todas, desde a mais humilde até a de redação e virava as noites, numa vigília incansável, para que no outro dia a cidade dispusesse do seu centenário “O Mossoroense”.

Jeremias da Rocha Nogueira fora o fundador em 17 de outubro de 1872, na fase do combate acirrado da maçonaria contra a igreja católica.

Um guerreiro da Loja Maçônica 24 de Junho contra o vigário Antonio Joaquim Rodrigues, da igreja católica.

Eis o seu avô.

A segunda fase é de João da Escóssia Nogueira, o xilógrafo, cujo pioneirismo na arte em que era um mestre, apesar de autodidata.

Homem de talento extraordinário que está despertando o interesse de centros culturais do país.

Eis o seu genitor, o construtor da fase que começou em 12 de junho de 1902.

Lauro e Escossinha carregaram com muita garra, coragem, humildade, desprendimento as tarefas que herdaram de Jeremias da Rocha Nogueira e João da Escóssia.

Funcionário público, Lauro o foi com zelo e probidade.

Diplomado em 1925 pela tradicional Escola Normal de Mossoró, na turma de que faziam parte, dentre outros, o memorialista Raimundo Nonato da Silva, o fabuloso retirante da seca de 1919 e Lauro Reginaldo, o “Bangu”, que seria por duas vezes secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro, cargo também ocupado por Luís Carlos Prestes, “o cavaleiro da esperança”.

Diretor do museu municipal, que eu organizara no tempo de Dix-sept, desdobrou-se em iniciativas culturais de valor.

Professor do ensino primário, tantas vezes perseguido pela independência do seu procedimento, como jornalista combativo.

Memorialista e historiador, deixou livros importantes para o estudo de Mossoró e sua região.

Desejo distinguir “As Dez Gerações da Família Camboa”, para mim o mais importante título da genealogia potiguar.

Um livro que resultou de pesquisas axaustivas, uma vez que o linhagista Francisco Fausto de Souza estudara as cinco primeiras gerações.

No livro de Lauro está a própria história de Mossoró.

Ao terminar este depoimento singelo, quero homenagear três bisnetos de Lauro e Dolora, que são netos de Vingt-un e América, filhos de Lauro da Escóssia Neto e Lúcia Helena Rosado da Escóssia: o universitário Laurence Rosado da Escóssia, hoje habitante do país da saudade, Wagner Rosado da Escóssia, que deverá concluir no agosto próximo a sua graduação em Ciência Jurídicas e Sociais e a odontóloga Cynthia Rosado da Escóssia.

Tibau, 13 de fevereiro de 2005.

 

Escrevendo com o coração

Lauro da Escóssia Neto

 

Pediram-me para escrever  sobre Lauro da Escóssia. Eu, seu primeiro neto, sua terceira geração… Não trago no sangue seu gene de escritor e jornalista modestamente dito de província. O que posso dizer de “vôzinho”?  Serei suspeito para falar no homem  que foi  avô e pai devotado? Não. Tendo compartilhado durante toda a sua vida de suas amarguras e esperanças, vejo-me qualificado a rememorar, não o jornalista, o memorialista e escritor, mas o homem Lauro da Escóssia em toda sua infinita modéstia. 

 Em um dia desses qualquer, às primeiras horas da  Ave Maria, na Rádio Difusora de Mossoró, lida pela voz de Genildo Miranda, um   transglobe  captava suas ondas, e a brisa quente e suave trazida pelo nordeste, embalava prazerosamente a cadeira de balanço de seu Lauro, em sua calçada à rua Dr. Mário Negócio, 158.

 Normalmente, à exceção da segunda-feira, que era dia  de Maçonaria, estava  em sua calçada, à luz do poste da “Comensa” localizado exatamente em frente à porta principal de sua casa.

Ali sentado com a companheira de toda sua vida, dona Dolora, rádio posto ao colo, ofertava a  quem passava, um fraternal “boa noite fulano de tal.” Conhecia a todos.  Moradores e comerciantes da sua rua e adjacências retribuíam com satisfação o boa-noite de seu Lauro. Naquele tempo, mães, pais, avós, tios, vizinhos, eram autoridades presumidas, dignas de respeito e consideração. Os valores morais eram outros.  Não se duvidava do caráter das pessoas.  Por preservar estes valores, seu Lauro podia desfrutar de sua calçada e ter a porta aberta nas noites quentes de verão.

Era uma rua residencial. O comércio existente na época, resumia-se ao armazém de Raimundo Marques, de onde saía o misto de Isidoro para Tibau; Rubens Pinto & Cia; a padaria de seu Eli; o armazém de seu Chiquinho  Andrade, alguns poucos cafés, e já no final do quarteirão, a serraria de seu Otávio. Em tempo: havia também a academia de jiu-jitsu do Dr. Diniz Câmara, que funcionava na sua própria casa. Homem forte e robusto, no tatame distribuía golpes pra todo lado, para infelicidade geral dos seus magérrimos alunos.   Se não me falha a memória, este era o comércio da rua Mário Negócio naquele tempo. 

A rua era uma tranqüilidade. Poucas pessoas possuíam veículos e na maioria das vezes, andavam a pé, já que não existia ainda transporte coletivo, a não ser os táxis do Posto Cinco e Santa Luzia. Imagine quantas pessoas passavam pela calçada de seu Lauro ofertando-lhe um sonoro “boa-noite”  quando não paravam para trocar   algumas palavras..

Impreterivelmente, todos os dias, às 5 horas, a pé,  fazia sua peregrinação matinal ao Mercado Público. Lá era o ponto de encontro de amigos e compadres, comparsas das doces prosas matinais. Havia o açougueiro João Tobias, o gazeteiro seu Tico já com “O Mossoroense” , “novinho em folha”, e Antonio Bezerra,  com seu armazém de cereais.

Fui várias vezes com ele ao Mercado, menino-criança, cheguei a  participar algumas vezes de sua roda de amigos. Todos sorriam em paz e faziam graça sobre coisas  simples que hoje não vemos mais.

Ao retornar para casa, deixava a feira e partia para o trabalho.  Ia embora, como sempre foi: a pé, apesar do corpo pesado e do joelho doente. Era avesso a médico. Assim como partia, chegava: cansado e ofegante, mas sempre sorrindo.

Apesar das adversidades que a vida lhe proporcionava, sempre encontrava um coração afetuoso que lhe dizia para seguir em frente. Era  Dolora, sua esposa, minha avó e mãe, que trazia consigo a fé do mundo todo, buscando em Deus e em Santa Luzia, a mágica divina de poder criar e educar bem os seus sete filhos: Lauro, Danilo, Margarida, Concita, João, Carmem e Guga, e de quebra, Coné e Noemia.

Lauro da Escóssia viveu com completo desamor ao dinheiro. Sua vida era a família, O Mossoroense e a Maçonaria que ele tanto amou.

Não me cabe aqui falar da sua importância para a imprensa potiguar. Todos já sabemos. Só não sabíamos como era o dia a dia do homem que deixou marcado na sociedade mossoroense, sua luta, seu amor ao trabalho, a  paixão pelas coisas de sua terra. Encontrei no livro de Francisco Obery Rodrigues, Rua Coronel Vicente Sabóia, coleção mossoroense, série “C” vol.1180, pg.86, uma bem próxima descrição do meu avô: “Era assíduo e dedicado ao jornalismo. De temperamento ardoroso, foi um profissional combativo, parecendo ter sido o que herdou, em maior grau, o ardor cívico, o denodo e a coragem de Jeremias da Rocha Nogueira…Participou ostensivamente da política, sempre na defesa dos interesses de nossa terra.”

Lauro da Escóssia deixou para nós  exemplo de vida e coragem, levantando uma bandeira de paz e  profunda consciência política e social. Este era Lauro da Escóssia. Seu Lauro para uns tantos outros, vôzinho para mim.

 

Vozinho: um gosto pela vida

Liliana da Escóssia Melo

Por ter sido Vozinho um jornalista, homem afeito às letras, e ser eu uma psicóloga, professora, igualmente afeita às letras, quase viciada em saber – saber do mundo, das pessoas, de suas semelhanças e diferenças, seus encantos e desencantos, seus medos e ousadias, suas capacidades inventivas e destrutivas, enfim, de tudo que é “humano, demasiadamente humano” – era de se esperar que a grande influência exercida por ele na minha vida fosse o gosto, a curiosidade e o interesse pelo conhecimento. Não que isso não seja verdade.

Mas Vozinho deixou-me outras coisas. Deixou-me, principalmente, um imenso gosto pela vida. Não a vida em seu sentido mais abstrato e idealizado, mas a vida concreta, que se traduz nos espaços que escolhemos para habitar, nas atividades que realizamos cotidianamente, na rede de amigos e amores que construímos ao longo da vida, nos sonhos que insistimos em realizar, nas nossas pequenas e grandes ações, nos nossos desejos.

Deixou-me ainda um compromisso ético com a vida: nunca se submeter àquilo que nos enfraquece, que nos subtrai a potência do viver. Vozinho era assim: apostava numa vida bela, bem vivida e intensa. Mesmo que isso resultasse numa vida “menos extensa”.  Personagem paradoxal, a um só tempo, eficiente e suave, firme e terno, beligerante e delicado, pesado e leve. Leve, ao ponto de me acompanhar – em seus primeiros tempos de viuvez – nas minhas primeiras incursões aos salões de dança. E não pensem que era para dançar valsa. Quando encontro algumas amigas da adolescência elas lembram sempre de Vozinho dançando rock com a gente na ACDP (ainda existe?), ou em alguma boate da cidade, quando íamos de Natal passar férias em Mossoró. Vivemos isso com o prazer de quem vive algo surpreendente e encantador.  A sua presença lúdica e protetora (juntamente com Badi) foi um ingrediente indispensável para que pudéssemos experimentar as aventuras próprias daquela idade.

É bem verdade que Vozinho era desmedido em alguns aspectos, como, por exemplo, em relação a sua dieta alimentar. Mas, ao mesmo tempo, havia nele uma sabedoria das doses e das misturas, sabedoria própria dos artistas, dos que operam misturas inusitadas entre cores e formas a fim de produzir uma obra. Vozinho era assim: na sua mistura de ingredientes produziu gestos, textos, livros, jornais, amigos, uma imensa família, uma bela vida, uma obra de arte.

Lembrar de Vozinho é um exercício que situo entre a vida e o póstumo, entre a alegria de quem ganhou algo que nunca perderá e a saudade de um tempo irreversível, que permanece marcado na memória e no corpo.

 

Jornalista Lauro da Escóssia: um amigo de infância

 

LÚCIA ROCHA

 

Durante a infância tive amizade com algumas pessoas de idade avançada. Quando falam em seu Lauro da Escóssia, digo que foi meu amigo de infância. Explico: ele era avô de Florina, Cláudia e Valéria – filhas de Margarida Escóssia – e minhas amigas de infância. Fomos vizinhos na rua Mário Negócio. 

A gente se divertia na rua mesmo. Na construção da Padaria 2001 brincávamos de esconde-esconde no canteiro de obras. Mas quando as brincadeiras eram na casa delas, que moravam com o avô jornalista, eu deixava de brincar e ia conversar com seu Lauro, meu primeiro professor de jornalismo. Deliciava-me ouvindo suas histórias de repórter de província.  

Em casa ele passava o tempo todo lendo. Por diversas vezes me contou da entrevista com Jararaca na cadeia pública de Mossoró, onde hoje é o museu que leva o seu nome.

No verão de 1988, passei as férias na redação de O Mossoroense colhendo material para um trabalho da UFRN. Nem acreditava que estava mexendo e tocando nas coisas de seu Lauro… Uma pessoa de caráter, que viveu para o jornalismo ético, comprometido com a verdade, com os fatos e não as versões. Que fazia jornalismo e não bajulismo. Hoje um fenômeno mundial. 

Para quem não sabe, Lauro da Escóssia fazia de tudo no jornal: fotógrafo, repórter, vendedor e criador de anúncios, administrador, chefe de reportagem, editor, diagramador e por aí vai. Sem esquecer que ele fazia tudo isso numa época em que não havia computador, notebook, gravador, Internet, MSN, celular, fax, carro de reportagem, link e tudo o que nossos veículos de comunicação oferecem como ferramenta para o repórter de hoje.

Sempre estou me lembrando de seu Lauro. E aprendendo com suas atitudes, iniciativas e ousadia. No ano passado um colega não estava conseguindo fazer uma matéria com doutor Milton Marques e pediu ajuda, pois o homem estava ocupado demais com as instalações da TCM.

Consegui um tempo na agenda dele e a tal entrevista ficou para as 15 horas. O homem ocupadíssimo transferiu outras ocupações. Ficou à tarde toda preso a esse compromisso e o repórter não apareceu. Pior, não comunicou nada.

Fiquei sabendo disso depois, por Stella Maris. Liguei para o colega e alegou que ficou esperando um carro do jornal e não apareceu nenhum. Bem, contei a ele a história de seu Lauro e repeti o que disse acima: seu Lauro não tinha isso, isso e aquilo e fazia um jornal inteiro sozinho. Como é que a gente tem hoje isso, isso e aquilo e deixamos de cumprir uma simples pauta?

Veja bem, o repórter ficou na ‘esperança’ de aparecer um carro e, ‘esquecendo’ que o homem da TCM é ocupado demais, poderia tê-lo dispensado pelo telefone, fax, Internet ou celular.

Se vivo hoje, seu Lauro teria ido de mototáxi. 

Lúcia Rocha, cientista social e jornalista, ex-aluna e amiga de infância do jornalismo de Lauro da Escóssia.

 

As três dores de Lauro da Escóssia

FERREIRA FILHO

 

Abril de 1960. Início da campanha para governador do Estado. O então candidato (depois eleito) Aluízio Alves começava a investir alto na mídia, e os órgãos de comunicação estavam “de bem com a vida”. Eu acabara o primário, e minha avó, Dona Cândida (“tratadeira” de mulher de resguardo), levou-me ao jornal O Mossoroense para ser apresentado a Seu Lauro, pedindo-lhe que me arranjasse um emprego. Fazer “qualquer coisa”. “Se você tem vontade de trabalhar, vai se sair bem por aqui”, disse-me ele, com o sorriso sempre aberto.

Aquele homem viria a ser meu pai, profissionalmente falando, pois, filho e neto de dono de jornal, já nascera com o dom da profissão nas veias. Começava ali a minha trajetória de aprendizado dentro das oficinas, sempre incentivado por ele, que, de cara, gostou de mim. Empenhei-me dentro das oficinas e fui galgando profissões, da mais simples a mais sofisticada para a época, que eram de varrer o prédio e derreter chumbo à de linotipista.

Era brincalhão ao extremo, às vezes recriminado severamente pelo filho Lauro da Escóssia Filho. Tratava a todos nós, seus empregados, como a seus próprios filhos. Humano, correto, tinha uma preocupação exagerada com todos que o serviam. Se, na hora da raiva, cometia alguma injustiça, tinha a humildade de desfazê-la com a naturalidade dos justos. Gostava de “atiçar” Zé Almeida (um dos nossos) para fazê-lo dizer impropérios aberrantes, para com isso se contorcer em estrondosas gargalhadas. Fomos expulsos, em 1961, por uma enchente no rio Mossoró, indo para o prédio antigo do Colégio Diocesano Santa Luzia (dos Padres), onde hoje funciona a agência Centro do Banco do Brasil.

Uma grande dor lhe cortou o coração, quando, em 1963, O Mossoroense foi obrigado a fechar suas portas, pois as coisas se tornaram difíceis ao ponto de não poder continuar. Ficou uma pequena gráfica funcionando. Lauro Filho sustentando, quase totalmente, com o seu salário, os poucos empregados que ficaram. Eu me desliguei da empresa em busca de novos caminhos.

Novembro de 1970. Convocado a voltar a O Mossoroense na sua reabertura, encontrei Seu Lauro, sorriso aberto. Acho que renascera. “Zé Ferreira, você faz parte da família O Mossoroense”, dizia-me. Viuvez, nova família, coisas que mexeram com sua vida, não o deixaram diferente para conosco, seus “filhos”. Quando “solteiro”, fizemos muitas farras juntos. Andávamos por aí, ele, eu, Anastácio, Guerra, Vovô e outros, quando se gabava de ser um patrão que tinha bom relacionamento com seus empregados.

  1. A penúltima dor. O Mossoroense foi vendido ao grupo que hoje o comanda. “Gostaria que permanecesse no jornal o mesmo pessoal que comigo trabalhou até hoje”, argumentou. Foi nomeado diretor do Museu Municipal, que hoje tem o seu nome. A 20 de julho de 1988, a última dor (a da morte) se abateu sobre ele, seu nobre coração não agüentou e ele partiu. 12 anos nos separam de Lauro da Escóssia. Não sentimos a sua falta, pois ele cumpriu a tarefa a que foi incumbido aqui na terra. Mas deixou em todos nós, que o conhecemos, um sentimento que não se pode evitar: SAUDADE.

FERREIRA FILHO é do setor de composição da Gazeta do Oeste

 

A vida em tecnicolor é melhor

Tomislav R. Femenick

A última vez que a vi, ela estava desbotada, meio amarelada e corroída nas bordas. Hoje não sei por onde anda. Deve estar perdida em algum vão, algum espaço vazio de alguma gaveta ou armário ou, então, guardada em algum desses pacotes de coisas do passado que todos nós temos, pacotes esses que aumentam de tamanho e número na proporção em que acumulamos anos de existência. É apenas uma fotografia em preto e branco, em tamanho de postal, dessas batidas sem dar tempo para pose e com tempo de exposição muito curto, um instantâneo, mas que teve a capacidade de reter a alma de Lauro da Escóssia – Seu Lauro, quando eu falava com ele, o Velho Lauro, quando eu falava dele.

Foi tirada de manhã cedo, em sua casa na praia de Tibau. Nela, Seu Lauro estava despenteado, ainda vestindo pijama e sorrindo, comedidamente. Quando eu lhe mostrei a foto, ele simplesmente me disse: “É… sou eu. Mas seria melhor se fosse em tecnicolor”. Deu-me as costas, e saiu de porta a fora, atrás de um comprimido de Antineuválgico Rosado, que foi comprar na farmácia ao lado. A foto era sim bem ele. Simples, despojado, e comedido. Mas, se olhássemos bem, ali encontraríamos outras de suas características. Veríamos a sua obstinação, coragem e teimosia em fazer com que nós, os que compúnhamos o quadro de repórteres e cronistas de O Mossoroense, escrevêssemos de forma que desse para o povo ler e entender e, sem “arrodeios”. Indo diretos ao assunto, sem encher lingüiças.

É nesse campo que está o relevo da figura de Lauro de Escóssia. Certa vez, com o original de um artigo de Jaime Hipólito na mão, o chamou e perguntou: “Jaime, o que quer dizer ‘emula’, essa palavra que você escreveu?” Depois de Jaime explicar, ele retrucou: “Jaime, eu que escrevo todo dia, não sei o que diabo é ‘emula’, como é que você vai querer que os leitores saibam? Quem ler jornal é o povo”. Outra vez foi com Walter Gomes. “Walter venha cá. Leia o começo de sua crônica de amanhã”. Walter pegou o original das mãos de Seu Lauro e, com voz impostada, começou a ler o texto que era mais ou menos assim: “Era meio-dia, mas o céu estava escuro, enegrecido pelas nuvens pesadas que cobriam todo o teto do mundo. O frio fazia-me bater os dentes…”. Aí Seu Lauro interveio. “Walter, meu filho, onde é que está essa chuva toda? Os nossos leitores são de Mossoró, do Oeste, onde chuva é pouca, quando há. Quer matar o pessoal de raiva ou inveja?”.

Tive também o meu quinhão. No início da noitada de um sábado, eu estava em uma festa na ACDP, quando recebi um telefone de César de Alencar e Toinho Rodrigues, dizendo que iam mandar um “carro de praça” para que eu fosse até a casa de um deles, pois tinham um grande furo de reportagem para me dar. Fui. Era o lançamento da candidatura de Toinho para prefeito – a primeira vez. Peguei os dados e corri para a redação. A edição do dia seguinte ainda não estava fechada. Falei com o chefe da gráfica que esperasse um pouco que eu ia escrever uma matéria importante. Seu Lauro perguntou se não dava para sair na edição de terça-feira. Eu disse que não e lhe contei o furo. Sua reação foi pronta: “Venha comigo, você vai ditar a matéria para o linotipista, mas nada de palavras desnecessárias, nada de adjetivos, somente as palavras essenciais. Um texto enxuto. Sem a sua mania de encompridar tudo que escreve, pensando que só as suas matérias são importantes”. A notícia foi a manchete da edição. Grande professor da arte de escrever para jornal.

Em certo ano, no final dos anos cinqüenta, no período que antecedeu o carnaval o jornal lançou uma coluna, escrita a “mil mãos”, isto é, por todo mundo, para animar o período momesco. Seu título era “Café? Só, Sai-te”, parodiando o “Café Society”, de grande cronista social carioca Ibraim Sued. Nos primeiros dias, tinha de tudo. Notícias de festas, baile, clubes que se organizavam, o carnaval de do Ipiranga, da ACDP e de rua, porém o que terminou dando a tônica do espaço foi o humor. Certo dia saiu uma notinha despretensiosa, mais ou menos assim: “Comenta-se, em rodas da sociedade local, que uma das senhoritas de determinado clube carnavalesco não precisa gastar dinheiro com máscara, ela já é mascarada por natureza”. Era uma nota sem endereço certo, pois simplesmente foi inventada por Lauro Filho. Por outro lado, a palavra mascarada tanto poderia dizer que a moça era feia como antipática, cheia de pose.

Entretanto foi suficiente para ferir os brios do irmão de uma determinada senhorita, que saiu espalhando pela cidade que, as tantas horas, iria ao jornal tomar satisfação. O sujeito tinha fama de brabo. Nós ficamos receosos. Só Lauro Filho quis enfrentá-lo na marra. Perto da hora marcada, Seu Lauro mandou que todo mundo entrasse e fosse para a oficina, que era como chamávamos a gráfica naquela época. O fulano chegou e, apoiado no balcão que separava a redação dos visitantes, falou alto: “Quero falar com quem escreve a coluna de carnaval e saber se a nota sobre a moça que não precisa usar máscara é sobre a minha irmã”. Prontamente Seu Lauro retrucou: “Por quê? A sua irmã é feia?”. O valentão não teve como responder e foi embora. Grande conhecedor da alma humana.

Dessa sua qualidade e capacidade de apaziguar as coisas eu e Walter Gomes usamos e abusamos, principalmente nos finais das tardes de sábados, quando íamos pedia “vale” ao Lauro Filho e ele negava, dizendo que o pagamento era no fim do mês e nós dois que soubéssemos dosar os gastos, pois o jornal não era banco etc., etc. e tal. Aí nós sabíamos o que fazer. Ficávamos na redação fazendo uma coisa e outra, até que Lauro Filho fosse embora e os jornaleiros chegassem para prestar contas das vendas do dia. Seu Lauro era quem recebia o dinheiro. O “vale” estava garantido. Só tínhamos que nos preparar para enfrentar Lauro Filho, na segunda-feira. Mas Seu Lauro sempre estava por perto para ajeitar as coisas. Grande apaziguador de grandes e pequenas desavenças.

Grande Velho Lauro. Como foi longe, com aquele seu andar cadenciado, que mais parecia ginga de malandro. Como via longe, com aqueles óculos que teimavam em escorregar para a ponta do nariz. Adormecia em cima das resmas de papel, nas noites em que as linotipos davam uma de “primas-donas” e, encrenqueiras, não queriam trabalhar. Velho guerreiro que inovou a imprensa mossoroense, dia-a-dia construindo e reconstruindo um jornal que se sustentava muito no seu empenho, luta, garra e tenacidade e, também, na visão e no trabalho do seu filho, o Lauro Filho.

Não era alto, mas como era grande o Velho Lauro. Jornalista por descendência, vocação e prazer. Um homem que via a vida com todas suas cores, porque em tecnicolor é melhor.

 

Esse daí é o meu avô!!

Florina da Escóssia Collaço

Quando minha mãe disse:  –  Escreva algo sobre papai!

A princípio disse que não, não iria escrever nada para ser comparado com os depoimentos de tantos intelectuais, de tantas pessoas preparadas. Não, definitivamente não!

Mas, aos poucos, fui argumentando e convencendo a mim mesma; pois no meu caso, seria o coração que deveria falar e as minhas lembranças ninguém mais teria, pois não concebo a minha história de vida sem Vozinho (é assim que nós os netos, o chamamos carinhosamente) e as minhas memórias teriam uma grande lacuna sem a sua presença.       

Então resolvi escrever!

O Lauro que vocês conhecem

Jornalista, historiador,

Que do ensino foi inspetor.

Passei alguns anos pra encontrar,

Só vim descobrir mais tarde

E no tempo não podia voltar.

Claro que não é uma questão de valor

O seu ou o meu é mais merecedor,

O fato é simples de entender:

Lauro da Escóssia é pra mim

O meu querido Vozinho.

Não consigo conceber

 A idéia familiar,

De crescer

Sem tê-lo por perto

Para nos ensinar.

Ensinar a ser gente grande

 E não desanimar.

 Ensinar que as novas gerações

 Chegarão!!

O seu espaço, conquistarão!!

Sem que devamos nos escandalizar,

Pois se não for ilegal

Tudo tem que ser normal.

Ensinar que tudo passa:

 Tristeza, dificuldade,

Toda e qualquer adversidade

 Terão que passar.

 E se não for por emoção 

Não vale a pena chorar.

Essas são lições primeiras

Que recebi ainda na infância, nas brincadeiras

E guardo no fundo do coração.

Era assim o meu avô!

 Ouvi por esses dias:

“Lauro da Escóssia? Que chique!!”

 Que chique, qual nada 

Vozinho era um trabalhador, 

Era um homem do povo,

Um grande sonhador.

Do povo guardava os “causos”

Que bem cedinho colhia

Dia após dia.

No Mercado Publico Central

O que dava pra ser notícia

Ia parar nas folhas do jornal,

O que não dava,

Transformava em histórias

Que vivia a nos contar.

Seu maior xodó?

Era a história desse povo,

Era Santa Luzia,

Era Mossoró!! 

Falar de Vozinho, não é difícil não 

É só vasculhar a memória

E soltar a voz do coração.

É lembrar o ambiente

Que na época, era a pça do Cid

Ou Vigário Antônio Joaquim.

Dá uma saudade grande

 Da festa de Santa Luzia

Com os fogos e os coloridos alfinins 

Falar de Vozinho é assim,

É falar das excursões

Que fazíamos a Gangorra

Com todos da família,

De Bernadete e Luiz Serafim.

Falar de Vozinho

Lembra Tibau,

 Coalhada, Jornal, 

Lembra Rádio Rural,

Mercado Central.

Lembra os vizinhos

Stênio e Joana D’arc,

Eder Medeiros e Mariza.

 Lembra o coreto da praça

 Com a Banda de Música Municipal, 

Lembra tantas coisas!!

Lembra Isaura(Titia)

Que mesmo depois que perdemos Vozinha

Assumiu como se fosse sua própria tia.  

Tudo isso era Vozinho!

Homem íntegro e fiel 

Sempre preocupado com os seus

E os seus eram todos: 

Os filhos, os filhos dos filhos 

E aqueles que não eram mais filhos

Por haver perdido suas mães. 

Ele acolhia a cada um.

É o homem que conheci 

De olhos azul anil, 

De cabeça branca como a neve, 

De passo lento. 

No meu relato, podem ter certeza

Não caberia, um outro não. 

Esse daí é o meu avô!! 

Neta de Lauro da Escóssia e filha de Margarida Escóssia.

 

Um homem com cheiro de jornal

“A maior lembrança que tenho de Vôzinho, na minha infância, era de que ele tinha cheiro de jornal”, esta frase proferida por Valéria Escóssia, neta de Lauro, mostra o apreço que o jornalista tinha nutria por O Mossoroense.

A carreira jornalística de Lauro da Escóssia teve início em 1922, quando este tinha apenas 17 anos. Nessa fase inicial trabalhou como cronista esportivo, período em que ajudou a criar outros pequenos jornais como o ‘O Humaitá’ e ‘O Esportivo’.

Antes disso trabalhou em todas as funções existentes no jornalismo da época foi tipógrafo e editorialista até se tornar diretor de O Mossoroense em 1946, a exceção fica para o serviço de linotipista, que não executava. Já dentro da redação não se limitou apenas ao trabalho como editor e repórter, chegando a ser até mesmo cronista social.

Foi correspondente do “Diário de Pernambuco’em Recife, “Diário de Notícias” no Rio de Janeiro, sem contar que colaborou com jornais da capital como a ‘Tribuna  do Norte’, ‘Diário de Natal’ e ‘A Republica’.

Mas foi em O Mossoroense que Lauro da Escóssia dedicou os seus melhores dias, era muito comum ele dormir na própria sede do jornal o que deixava os familiares enlouquecidos.  “Papai era muito dedicado ao jornal, muitas vezes ele dormia por lá e quando acordava ia direto ao mercado para acompanhar as primeiras vendagens, procurar novas notícias e fazer as compras”, revela a filha Margarida da Escóssia.

Sem dúvida nenhuma o maior feito de Lauro da Escóssia como jornalista foi a entrevista com o cangaceiro Jararaca, ele conseguiu conversar com o bandido antes mesmo de ele ser interrogado pela polícia.

Outra grande façanha de sua vida foi ter mantido O Mossoroense em circulação durante quase 30 anos, na mais absoluta abnegação. Ele reabriu o jornal em 1946 mantendo-o em funcionamento até 1965. Nesse período, em 1953 ele adquiriu para o jornal duas máquinas de linotipo e uma impressão marioni. Em 1970 Lauro reabriu novamente O Mossoroense, ficando a frente do jornal até 1975 quando vendeu a folha já centenária à família Rosado. “Quando ele teve que fechar o jornal foi um dos períodos mais difíceis de sua vida, ele ficou em um desanimo que dava dó, tudo o que ele mais queria era manter o jornal funcionando para evitar que a história morresse”, conta sua filha Margarida.

Em Mossoró ele manteve a coluna ‘Mossoró no Passado’, na qual abordava os fatos históricos da cidade, como a invasão do bando de Lampião.

Durante os 30 anos em que comandou O Mossoroense, Lauro, preferiu ser fiel as idéias do que a qualquer outra coisa mesmo que elas dessem prejuízo a sua empresa.

 

Lauro foi responsável pelo maior furo de reportagem da história do RN

 

O dia 19 de junho de 1927 foi importantíssimo na história do Jornal O Mossoroense e de toda a imprensa potiguar, pois foi neste dia que foi publicado o maior furo de reportagem d Estado. Tratava-se da entrevista que o cangaceiro Jararaca concedeu a Lauro da Escóssia na prisão, antes mesmo de depor em inquérito policial. 

Com a reportagem, de repercussão nacional, transformada em matéria do jornal O Estado de São Paulo, o jornal chegou a uma vendagem recorde de 5.400 exemplares, patamar nunca mais alcançado.

A manchete dizia “Hunos da nova espécie” e a sub-manchete, “O famigerado Lampião e seu grupo de asseclas atacam Mossoró”. As chamadas diziam “A heróica defesa da cidade” e “É morto o bandido Colchete é gravemente ferido o lombrosiano Jararaca”. 

Em seu livro “Escóssia”, Cid Augusto transcreve a reportagem, que é introduzida por comentário discordando do adjetivo atribuído a Jararaca na chamada, e que pode ser conferida abaixo na íntegra:

“- Não, nada. Sujeito simpático. Ele começou me dizendo que se chamava José Leite, tinha 27 anos e nasceu no dia 5 de maio em Buíque, Pernambuco. Sujeito moreno, muito moreno, mas não era negro. Era solteiro e andava com Lampião há um ano e alguns meses. Ele tinha um fuzil mauser e cartucheiras de duas camadas, ms 560 mil réis no bolso e uma caixinha com obras de ouro no valor de 1 conto de réis. Disse que o ataque a Mossoró foi idealizado por Massilon Leite e que Lampião relutou um pouco, por causa da história das duas Igrejas. Que quando Lampião chegou a Mossoró não gostou nada, nada, daquela ‘igreja da bunda redonda’ (de onde estavam partindo os tiros contra o bando). De repente, Jararaca começava a rir, diz Lauro da Escóssia, e a gente perguntava por que, espantado como um homem com um buraco de bálano peito ainda conseguia rir.

-Mas, enfim, Jararaca, para que Lampião queria tanto dinheiro?

‘- Era pra comprar os volantes de Pernambuco.’

Voltamos a outros episódios com Jararaca na prisão.

Kelé não entrou na cadeia. Um seu ordenança, negro bem alto chegou perto de Jararaca, tendo-lhe arrancado do pescoço, num gesto brusco, uma volta de ouro que trazia com uma medalha de Santa. Depois cobiçou um anel que o bandido trazia no dedo. Jararaca tentou tirar, não conseguindo, ao que o negro foi logo dizendo: ‘- Coloque a mão aqui. Eu vou cortar o dedo para tirar o anel’. E puxou um faca (facão) ao que o Dr. Marcelino implorou:

‘- Meu senhor, não faça isto. Cortar o dedo na minha frente, não’.

O negro desistiu, por certo atento à sensibilidade do doutor.

Jararaca, fez um pedido com certa ironia:

‘- Tragam Kelé que eu quero dizem quem é cangaceiro’.

Disse depois: 

‘- Kelé era do nosso bando e a polícia paraibana fez dele um sargento para nos perseguir’.

Mesmo ferido, Jararaca não escondia seu riso, o desejo de ainda viver e no momento em que uma linda jovem de nossa sociedade penetrava na sala, atenta à sua curiosidade para ver o bandido, este pergunta:

‘- Esta moça é daqui?’. Ao que, recebendo a afirmativa, disse: ‘- Se o capitão (Lampião) soubesse que aqui tinha uma moça tão bonita teria entrado na cidade.’

A uma pergunta de D. Marola Silva (esposa do Sr. Veriato Silva), se os vinte e tantos traços que tinham na coronha de sua arma eram anotações de morte feitas pelo mesmo, como dizem, respondeu-lhe: 

‘- É tudo mentira, minha senhora. Eu nunca matei ninguém’. E deu uma boa gargalhada, saindo o vento pelo furo do peito. Apenas impaciente ficou seguidas horas naquele sofrimento, pelo que chegou a pedir um canudo de mamão e algumas pimentas malaguetas, dizendo que com isso ficaria bom.

Perguntei-lhe como. Disse: ‘- No bando, quando alguém recebe ferimento como este (apontando para o peito), sopra-se malagueta pelo canudo colocado na ferida. Sai toda salmoura do outro lado. Arde muito, mas a gente fica curado’. 

Mas, apesar de tudo isto, Jararaca vinha aos poucos melhorando e se tivesse sido medicado convenientemente não morreria pelos ferimentos. 

O tenente Laurentino de Morais tinha ido a Natal de onde voltou na quarta-feira seguinte. Esperou pela quinta, quando Jararaca seria transportado para Natal. Alta noite, da quinta para a sexta-feira, levaram Jararaca, não para Natal e sim para o cemitério, onde já estava aberta a sua cova.

Disse o bandido: ‘- Vocês não me levam para Natal. Sei que vou morrer. Vão ver como morre um cangaceiro!’ 

Naquele local foi-lhe dada uma coronhada e uma punhalada mortal. O bandido deu um grande urro e caiu na cova, empurrado. Os soldados cobriram-lhe o corpo com essa areia.

Essa ocorrência feita às escondidas foi guardada com as devidas reservas por alguns dias. Tempos depois, o capitão Abdon Nunes, naquela época comandante da guarnição policial de Mossoró, revelou em depoimento a morte de Jararaca’.

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Reportagem

Mulheres quebram tabu e se destacam na perícia criminal no RN

Peritas rompem tabu no RN (Foto: assessoria do ITEP)

Levantamento de vestígios, elucidação e reprodução de eventos criminosos estão na rotina da atividade do Perito Criminal. Esta se apresenta, por vezes, de natureza brutal, mórbida e perigosa.  Por isso, muitos acreditam que estas atribuições são desenvolvidas estritamente por homens, ainda por perceberem as mulheres como frágeis e/ou sensíveis para desenvolverem tais atividades.

Contudo, essa ideia não representa a realidade! No Instituto Técnico-Científico de Perícia (ITEP/RN), as Peritas Criminais exercem suas funções nas perícias externas e internas, que incluem exames laboratoriais, perícias psicológicas, exames de microcomparação balística, documentoscopia, entre outros. O desempenho das mulheres na atividade pericial reforça o fato de que não há espaço para distinção de gênero. “O principal desafio é saber separar o impacto que algumas cenas podem causar. Então sempre temos que avaliar uma cena de crime de forma imparcial, utilizando meios científicos como é preconizado. A atuação da mulher na perícia muitas vezes pode ser vista com resistência, uma vez que a mulher ainda é vista por muitos como frágil e mais emotiva, porém a busca por detalhes, o compromisso e a dedicação ao estudo aliados a sensibilidade feminina fazem com que tenhamos um olhar diferenciado na análise de uma cena de crime”, destacou a perita criminal Roberta Pena, que atua na Unidade Regional de Mossoró.

Nathalia Nunes, que atua como perita criminal em Natal destaca que o trabalho requer conhecimento de diversas áreas para encarar situações novas diariamente nos locais de crime.

“Nosso ambiente de trabalho de fato ainda é muito dominado pelos homens, embora tenha aumentado o número de peritas mulheres nos últimos tempos. As pessoas normalmente questionam se a natureza do trabalho é muito pesada pra mim que sou mulher e se acho difícil ver certas cenas. Eu costumo responder que o trabalho de perito é técnico e isso independe do gênero. Acredito que a área da segurança pública, que inclui a perícia, ainda precisa ser conquistada pelas mulheres. A crença de que as mulheres são frágeis pra desempenhar certas funções já não são válidas e o Rio Grande do Norte com suas mulheres na perícia tem mostrado isso”, afirmou Natalhia.

Peritas também atuam em Mossoró (Foto: assessoria Itep)

Agentes de necropsia provam que trabalho independe de gênero

O trabalho de necropsia, mais do que o senso comum acredita, vai muito além de apenas examinar e recolher cadáveres. A atividade tem grande importância social, é considerada o coração da perícia. Contudo o trabalho do agente de necropsia não se detém apenas no auxílio deste exame, se inicia no local de crime de morte violenta com análise externa dos ferimentos do cadáver, documentação, recolhimento e posterior exames internos para identificar a causa mortis, de modo que o trabalho do agente só finaliza ao entregar o corpo para família. “Sinto-me honrada em colaborar com a justiça, Estado e famílias que são impactadas com entes vítimas de morte violenta. A função em Natal antes era exclusivamente masculina, hoje mulheres compõe o quadro dando renovo e fôlego para quem já está na casa há mais de 30 anos. A resistência masculina se dissipou diante adaptação e naturalidade a qual as mulheres encaram o dia a dia da missão”, explicou a agente de necropsia do ITEP-RN, Maria Helena Mota.

Ainda segundo Maria Helena, o trabalho existe força física, mas acima de tudo, inteligência emocional, coragem, leveza, seriedade e determinação. “Não é fácil trabalhar a dor do outro, o que nos motiva são os desfechos desencadeados pelo trabalho de toda equipe, pois o trabalho do Itep-RN jamais será singular, é um trabalho plural, cada setor com sua colaboração”, concluiu.