O chamado caso Kerinho tem chamado a atenção dos estudiosos do processo eleitoral

Mandato de Beto depende do registro de candidatura de Kerinho (Foto: reprodução)

Por Rogério Tadeu Romano*

Inicialmente, Kerinho teve seu registro de candidatura indeferido por um suposto atraso na entrega de documentos, porém o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) modificou a decisão das instâncias inferiores e acolheu um relatório apontando que o erro havia sido no sistema da própria Justiça Eleitoral. No entanto, tais documentos não incluíam a comprovação de pagamento ou parcelamento de uma multa eleitoral, cujo prazo de apresentação se esgotou em agosto de 2018 sem ter sido cumprido.

O parecer do procurador Regional Eleitoral, Ronaldo Sérgio Chaves Fernandes, aponta que, além dessa multa, novas informações surgiram dando conta de que Kerinho, já durante a campanha, ainda mantinha um cargo comissionado na Prefeitura de Monte Alegre, o que não é permitido pela legislação eleitoral. A Lei das Eleições obriga os candidatos a se desincompatibilizarem de cargos públicos três meses antes do pleito.

Questionada a respeito, a Prefeitura de Monte Alegre confirmou (com envio inclusive dos contracheques) que Kericlis Ribeiro “ocupou o cargo em comissão de Coordenador de Apoio aos Conselhos, junto à Secretaria de Trabalho, Habitação e Assistência Social” de fevereiro de 2017 até 30 de dezembro de 2018, portanto durante toda a campanha eleitoral.

“(…) não houve a devida desincompatibilização em relação ao referido cargo de confiança, incidindo assim essa causa de inelegibilidade, o que também constitui óbice ao deferimento do registro de candidatura”.

O julgamento realizou-se, no dia 22 de janeiro do corrente ano pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte.

A defesa de Kericles Alves, o Kerinho, então candidato a deputado federal em 2018 e que esta envolvido no caso que pode gerar mudança na Câmara Federal, entrou com pedido de adiamento do julgamento marcado para esta sexta-feira, 22, no Pleno do Tribunal Regional Eleitoral.

Os desembargadores do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) negaram, no dia 22 de janeiro do corrente ano, por 3 votos a 2, pedido feito pelos advogados do ex-candidato a deputado federal Kéricles Alves Ribeiro (PDT), o Kerinho, para adiar julgamento do processo marcado para hoje. A questão de ordem foi protocolada na noite anterior e poucas horas depois contestada pela defesa de Fernando Mineiro.

A depender do resultado do julgamento, pode haver uma mudança na composição da bancada do Rio Grande do Norte na Câmara Federal. O objeto do julgamento é o registro de candidatura de Kerinho. Há provas robustas de que o ex-candidato não se desincompatibilizou de um cargo comissionado na prefeitura de Monte Alegre até dezembro de 2018.

Pois bem: por 3 votos a 2, a Justiça Eleitoral tornou inelegível a candidatura de Kéricles Alves Ribeiro em razão de ilegalidades no registro, especialmente a não apresentação da quitação eleitoral no prazo legal e, principalmente, o fato de Kerinho ter ocupado um cargo de confiança na prefeitura de Monte Alegre até dezembro de 2018.

O TRE já havia indeferido a candidatura de Kerinho ainda na pré-campanha, mas após o resultado das urnas, os advogados de Beto Rosado assumiram a defesa do candidato e recorreram ao Tribunal Superior Eleitoral, que acatou o argumento de que o sistema do TRE é que não havia identificado a documentação entregue. Os 8.990 votos de Kerinho, somados aos da coligação, garantiram a vaga de Beto Rosado.

Segundo o relator, Kerinho não só se manteve em cargo em comissão na prefeitura de Monte Alegre, como recebeu salário até dezembro de 2018.

É, sem dúvida, um caso dramático que envolve um processo eleitoral e impossibilita que um candidato eleito ao cargo de deputado federal, diante de um direito líquido e certo, possa exercer o seu mandato.

Discussão envolve os princípios da economia processual e da duração razoável do processo.

Erros materiais da própria Justiça Eleitoral e filigranas jurídicas contribuíram para prejudicar a efetividade do direito.

A forma procedimental como o curso do processo está tomando, afronta, sobremaneira, postulado constitucional e a melhor intepretação a fazer do processo, enquanto instrumento eficaz para a solução de litígio.

Tem-se que:

Constituição de 1988:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)

LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”

Código de Processo Civil : 

“Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa. (…)

Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. (…)

Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.”

O dispositivo impõe “meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Razoável indica, na Carta, o que qualquer ser humano comum aceita como próprio de quem tem bom-senso.

A Constituição da República, com a Emenda Constitucional 45, nos assegura e a todas as partes nos processos judiciais ou administrativos, a “razoável duração do processo”. Duro, porém, é processar o sentido e o alcance dessa “razoabilidade”.

Pelo princípio da economia processual, o processo deve obter o maior resultado com o mínimo de esforço.

Duração razoável do processo é aquele aceitável à razão, isto é, dentro dos padrões mínimos de razoabilidade.

Já ensinou Ruy Barbosa(Oração aos Moços. São Paulo: Martin Claret, 2003. p. 53. N): “”a Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada”.

J.J.Gomes Canotilho(Direito Constitucional. 6ª. ed. Coimbra: Almedina, 1993. p. 652,653) dizia, por sua vez: “ue: “… a existência de processos céleres, expeditos e eficazes (…) é condição indispensável de uma protecção jurídica adequada”.

É inaceitável tamanho desprezo ao tempo como a que houve no feito discutido.

O artigo 37 da CF de 1988 já positivava a necessidade de o Estado – e, portanto, o Poder Judiciário – atuar de forma eficiente em seus atos. Trata-se da consagração do princípio da eficiência, o qual guarda intima relação com a noção de efetividade processual.

O princípio da eficiência foi positivado na magna carta através da EC 19 de 1998, e traz consigo a imposição ao agente público de atuar de forma a permitir que o Estado atinja os seus fins perante a sociedade, buscando-se sempre, neste sentido, resultados favoráveis ao todo social.  

 

 

 

É Inadmissível uma Justiça Eleitoral lenta. Ela está compromissada com prazos peremptórios e ainda com a celeridade como condição sine qua para sua efetividade.

José Rogério Cruz e Tucci(Duração razoável do processo. In: JAYME, Fernando Gonzaga; FARIA, Juliana Cordeiro de; LAVAR, Maira Terra. Processo civil novas tendências. Homenagem ao Professor Humberto Theodoro Júnior. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 436) sustentou que decorre do due process of law a garantia do processo sem a indevida morosidade.

Ainda Cruz e Tucci destacou ser um direito fundamental da parte ter um processo efetivo e que tramite em prazo razoável, nos termos do art. 5º, LXXVIII, da CF de 1988. E para José Rogério Cruz e Tucci, esse direito fundamental teria origem em diploma legal supranacional; conforme previsão do art. 6º, 1, da Convenção Europeia para Salvarguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, firmada em 04 de novembro de 1950, em Roma, que prescreve a necessidade de o processo tramitar em prazo razoável, sem dilações indevidas. Na mesma direção é a previsão do art. 8º, 1, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, assinada em San José, Costa Rica, em 22 de novembro de 1969.

Certamente, os advogados da parte contrária a Fernando Mineiro, com apoio do deputado federal Beto Rosado, que está ocupando a vaga em discussão, deverão entrar com recurso de embargos de declaração e, após, recurso especial ao Tribunal Superior Eleitoral, ajuizando, possivelmente, ação cautelar inominada, com objetivo de suspender os efeitos da decisão do Tribunal Regional Eleitoral noticiada.

Com o devido respeito, se assim for feito, faltariam ao requerente os requisitos de mérito da cautelar, que é uma tutela bi-instrumental, a proteger o processo, que não vive por si, mas para instrumentalizar a prática de direitos. Isso porque não existiriam, salvo melhor juízo, o perigo de demora e a fumaça de direito.

*É procurador da República com atuação no RN aposentado.

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Reportagem especial

Canal Bruno Barreto