O Fundo Eleitoral é impenhorável

Por Rogério Tadeu Romano*

Informou o site de notícias do STJ, em 5 de outubro de 2021, que a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou pedido de uma empresa de marketing e publicidade para penhorar recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) destinados ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). A medida seria uma forma de garantir que fosse paga uma dívida de mais de R$ 8 milhões, referente a serviços prestados para candidaturas do partido nas eleições de 2004.

A decisão foi tomada no. REsp 1.800.265.

Como bem acentuou o Politize! o fundo eleitoral, cujo nome oficial é Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), é um “fundo público destinado ao financiamento das campanhas eleitorais dos candidatos”, segundo definição do TSE. Alimentado com dinheiro do Tesouro Nacional, ele é distribuído aos partidos políticos para que estes possam financiar suas campanhas nas eleições.

O fundo eleitoral não deve ser confundido com o fundo partidário. O segundo existe desde 1965 e serve para bancar as atividades corriqueiras dos partidos. Já o FEFC foi criado em 2017 pela Lei nº 13.487.

Bem lembrou o site Migalhas (O que é fundo eleitoral? Saiba para que serve e como é distribuído, em 21 de julho de 2021) de acordo com a legislação, os recursos do fundo devem ser distribuídos pelo TSE aos diretórios nacionais dos partidos de acordo com os seguintes critérios: 2% igualmente entre todos os partidos; 35% divididos entre aqueles que tenham pelo menos um representante na Câmara dos Deputados, na proporção do percentual de votos obtidos na última eleição geral para a Câmara; 48% divididos entre as siglas, na proporção do número de representantes na Câmara, consideradas as legendas dos titulares; e 15% divididos entre os partidos, na proporção do número de representantes no Senado, consideradas as siglas dos titulares.

O Código de Processo Civil de 2015, na redação do art. 833, inciso XI, assentou que “são impenhoráveis os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, nos termos da lei”.

Tem-se da leitura da Lei 13.487, de 6 de outubro de 2017:

Art. 16-C. O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) é constituído por dotações orçamentárias da União em ano eleitoral, em valor ao menos equivalente:

I – ao definido pelo Tribunal Superior Eleitoral, a cada eleição, com base nos parâmetros definidos em lei;

II – a 30% (trinta por cento) dos recursos da reserva específica de que trata o inciso II do § 3º do art. 12 da Lei nº 13.473, de 8 de agosto de 2017.

……

  • 2º O Tesouro Nacional depositará os recursos no Banco do Brasil, em conta especial à disposição do Tribunal Superior Eleitoral, até o primeiro dia útil do mês de junho do ano do pleito.

3º Nos quinze dias subsequentes ao depósito, o Tribunal Superior Eleitoral:

I – divulgará o montante de recursos disponíveis no Fundo Eleitoral; e

…….

  • 7º Os recursos de que trata este artigo ficarão à disposição do partido político somente após a definição de critérios para a sua distribuição, os quais, aprovados pela maioria absoluta dos membros do órgão de direção executiva nacional do partido, serão divulgados publicamente.

…..

  • 11. Os recursos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha que não forem utilizados nas campanhas eleitorais deverão ser devolvidos ao Tesouro Nacional, integralmente, no momento da apresentação da respectiva prestação de contas.

……

  • 15. O percentual dos recursos a que se refere o inciso II do caput deste artigo poderá ser reduzido mediante compensação decorrente do remanejamento, se existirem, de dotações em excesso destinadas ao Poder Legislativo.”

O novo Fundo Especial é constituído exclusivamente a partir de verbas destacadas do orçamento da União, tendo a mesma finalidade do denominado Fundo Partidário, cuja impenhorabilidade foi reconhecia pelo STJ no julgamento do REsp nº 1.891.644/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 06/10/2020, DJe 05/02/2021.

Sabe-se que o Supremo Tribunal Federal entendeu por inconstitucional a doação de empresas nas campanhas. A matéria é polêmica. A decisão do STF não proíbiu que pessoas físicas doem às campanhas. Pela lei, cada indivíduo poderia contribuir com até 10% de seu rendimento no anterior ao pleito.

O entendimento naquele julgamento foi de que “o poder econômico captura de maneira ilícita o poder político”.

Daí o auxílio financeiro aos partidos por intermédio de verbas públicas. Há sensatos entendimentos que ainda se opõem a tal ideia.

No regime democrático, o auxílio financeiro prestado pelo Estado aos partidos políticos justifica-se pelo fortalecimento do próprio regime democrático. O argumento central desse critério de distribuição é fortalecer os partidos políticos e garantir sua autonomia financeira, concedendo maior estabilidade aos governos. Inclusive, a imposição aos partidos de manter conta bancária exclusiva para movimentar recursos do Fundo Partidário pretende exatamente viabilizar controle da Justiça Eleitoral sobre a destinação de valores.

Os partidos políticos são entidades privadas constitucionalmente incumbidos de assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e organizados nos termos da lei, de estatutos e programas, com o objetivo de conquista do poder político e de defesa dos direitos fundamentais.

Nas palavras de Guilherme Pessoa Franco de Camargo, o financiamento público traria transparência e proporcionalidade ao processo democrático ao oferecer verbas aos partidos de forma mais igualitária; contribuindo para uma atuação ética e proba, desestimulando a deslealdade e infidelidade partidária. (O financiamento público exclusivo de campanha: uma chance de liberdade. Revista Eletrônica EJE/Tribunal Superior Eleitoral, ano 3, n. 5, ago./set. 2013)

Mas dir-se-á que os partidos políticos têm a natureza de pessoas jurídicas de direito privado conforme determinado pela Constituição de 1988. Mas esses recursos continuam a ter a natureza pública.

Na lição de Hely Lopes Meirelles (Direito administrativo brasileiro.33ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, pág. 520) tem-se:

“(…) mesmo que os bens públicos repassados às entidades privadas possuam destinação especial e administração particular, sua natureza continua sendo pública, pois são destinados à consecução de serviços do Estado ou atividades que o engrandecem. A origem e a natureza total ou predominante desses bens continuam públicas; sua destinação é de interesse público; apenas sua administração é confiada a uma entidade de personalidade privada, que os utilizará na forma da lei instituidora e do estatuto regedor da instituição. A destinação especial desses bens sujeita-os aos preceitos da lei que autorizou a transferência do patrimônio estatal ao paraestatal, a fim de atender aos objetivos visados pelo Poder Público criador da entidade”.

Daí porque tem-se a impenhorabilidade desses recursos.

Os recursos para o Fundo Eleitoral assim como para o Fundo Partidário são impenhoráveis. Sobre essa última fonte citada já se disse quanto ao tema:

“Os valores do Fundo Partidário são absolutamente impenhoráveis (CPC, art. 649, XI), não cabendo ao Tribunal Superior Eleitoral proceder ao seu bloqueio como meio de garantir créditos de terceiros.”

(Petição nº 13467, Acórdão, Relator (a) Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: RJTSE – Revista de jurisprudência do TSE, Volume 24, Tomo 3, Data 18/04/2013)

Bem ensinou Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 65) os bens e os interesses públicos, em razão dessa natureza, não se acham entregues à livre disposição da vontade de quem os possui e os administra. “Antes, para este, coloca-se a obrigação, o dever de curá-los nos termos da finalidade a que estão adstritos.

Esse o norte tomado pelo STJ no tema aqui enfocado.

*É procurador da república com atuação no RN aposentado.

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