Respondendo à Senadora Fátima Bezerra e outros, em defesa do exercício da jurisdição!

Por Herval Sampaio Junior 

O legítimo direito de manifestação desautoriza o direito de petição e o consequente exercício da prestação jurisdicional?

Em primeiro lugar tenho que fazer duas ponderações imprescindíveis para que não haja qualquer confusão nesse meu texto, que com certeza é polêmico em todos os sentidos.

Não aguento, entretanto, ouvir calado uma acusação totalmente injusta e até mesmo ameaçadora, pois se fosse comigo, no exercício de meu encargo jurisdicional, eu não teria qualquer receio, já que não podemos, enquanto magistrados, ser tolhidos no exercício de nosso labor o que sequer é compreendido como direito, sendo na realidade um dever constitucional de cumprir o múnus do Estado Juiz em assegurar às pessoas o direito constitucional de acesso ao judiciário (direito de petição), no sentido mais amplo do termo, inclusive, ao próprio Poder Público.

A primeira das ponderações consiste em ressaltar o respeito pessoal que nutro à nobre Senadora Fátima Bezerra (PT-RN), que, indiscutivelmente, é uma guerreira em todos os sentidos e tem uma luta árdua no que tange à melhoria da educação em nosso Estado, tendo conseguido muitos avanços nessa área, não só agora como Senadora, mas, também quando exercia o cargo de deputada federal.

Entendo, entretanto, que sua Excelência exagerou no discurso dessa semana e, na realidade, passou de todos os limites do recomendável a uma autoridade republicana, pois seu direito de criticar uma decisão judicial foi muito além do razoável.

VEJA O PRONUNCIAMENTO DA SENADORA AQUI

Em que pese o respeito e até mesmo admiração por sua pessoa, que quando da luta pela reforma política democrática estivemos juntos, não posso comungar com seu pensamento atrasado e até mesmo ameaçador quanto ao exercício da atividade jurisdicional, merecendo, por conseguinte, uma pronta resposta a fim de que o povo saiba que os juízes cumprem o seu ofício jurisdicional justamente para fazer valer o direito dos cidadãos e das pessoas jurídicas em geral, logo nesse exercício não pode haver limitações, além das previstas na Carta Magna e nas leis tidas como constitucionais, sob pena de afronta à própria cidadania.

Como segunda ponderação, destaco que, em momento algum, estou nesse pequeno texto a me imiscuir no mérito de todas as ocupações de escolas e na realidade em nenhuma delas, por dois motivos: primeiro, porque não conheço os detalhes de cada situação, o que já me retira a possibilidade substancial de enunciar, acaso pudesse, o que entendo como direito de manifestação ou seu abuso; segundo, porque na qualidade de juiz tenho limitações no Código de Ética da Magistratura quanto à emissão de juízo de valor em casos concretos, logo, a presente ponderação refutará uma acusação sem qualquer sentido, ao tempo em que exaltará, em abstrato, o exercício da atividade jurisdicional.

E farei respondendo ao questionamento inicial feito no subtítulo: o legítimo direito de manifestação desautoriza o direito de petição e o consequente exercício da prestação jurisdicional?

Mesmo entendendo ser legítimo o exercício de um direito indiscutível, o de manifestação em busca de melhorias nos serviços públicos, não posso comungar do entendimento geral trazido pela Associação dos Juízes para a Democracia, que na prática, pela nota pública (http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/263519/Ju%C3%ADzes-para-Democracia-condenam-repress%C3%A3o-a-ocupa%C3%A7%C3%B5es.htm), dá uma espécie de cheque em branco aos atuais e futuros ocupantes das escolas, porque nesse final de semana, tivemos diversas outras ocupações, o que levou inclusive à organização do ENEM, a fazer nova lista, horas antes do início das provas, as suspendendo para novos alunos em face de novas ocupações.

Nesse sentido ainda, tenho que ressaltar que nem esse direito, fundamental inclusive, e nenhum outro, é absoluto, e se assim o fosse, não haveria necessidade de Magistrados para aquilatar se tal direito estaria sendo exercido de forma legítima, pois bastaria a sua enunciação para que todos os outros cedessem, o que sabemos não ser assim, logo quando vi a nota, em abstrato, feita por colegas, fiquei bastante impressionado.

Contudo, o que me deixou mais surpreso, foi a forma deselegante e autoritária da Senadora em chamar o colega de fascista e principalmente publicizar que entraria com uma representação no CNJ, pelo fato do mesmo ter cumprido o seu ofício jurisdicional.

Ora, como disse no começo, não estou aqui avalizando a decisão do colega, primeiro por não conhecer todos os detalhes e segundo por não poder tecer comentários sobre a mesma. Entendo, entretanto, que se tal decisão de algum modo está errada ou inadequada, que se utilize do sistema recursal para combatê-la, e não que se ameace publicamente entrar contra o Magistrado no CNJ, Órgão que sequer tem competência para rever tal decisão, já tendo decidido várias vezes que não pode analisar o mérito em si da atividade jurisdicional, logo, não consigo vislumbrar e muito menos foi dito na manifestação da Senadora, qual foi a atitude infracional sujeita à análise desse órgão administrativo.

Temos que acabar com essa história de querer intimidar os Juízes, quando do exercício de sua atividade jurisdicional, com ameaças de representações ao CNJ!

Quanto à minha pessoa, repito, quando presentando o Estado Juiz como tenho dito, podem entrar com quantas entendam pertinente, pois não deixarei de cumprir a minha obrigação de fazer valer o direito das pessoas, todas elas.

Destaco o texto do inciso XXXV, artigo 5º, da Constituição Federal, que assim dispõe: “a lei não excluirá de apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça à Direito”.

Ora, quando alguém alega violação a direito ou mesmo ameaça de violação, cabe ao Estado, por meio do Poder Judiciário, aplicar o ordenamento jurídico ao caso concreto, não sendo lícito ao Magistrado deixar de julgar nem mesmo quando a legislação for inexistente.

Pergunto: chegando ao Magistrado, pelos meios processuais previstos em lei, pedido para restituir a posse dos prédios públicos ocupados pelos estudantes, o que deve ele fazer? E se essa ocupação se der em face do alegado exercício do direito de manifestação dos estudantes em reclamar da PEC 241/55 ou reforma ensino médio, o Magistrado não poderá fazer nada? Não pode mais analisar se houve lesão a outro direito ou mesmo ameaça?

Repito, não estou aqui a analisar se a ocupação é lícita ou ilícita, principalmente em todas as situações atuais que devem ter peculiaridades específicas que poderão ser levadas a juízo por possíveis atingidos, contudo, não posso achar razoável que se retire, em abstrato, a possibilidade de que qualquer Juiz brasileiro, devidamente acionado em sua competência delimitada pela Constituição e leis, seja impedido de atuar e quando o faça seja chamado de fascista e ameaçado de ser representado.

Sinceramente, se alguém acha isso correto, tem a minha repugnância, pois analisando os precedentes do CNJ, este não se meterá quando se tratar da atividade jurisdicional.

Daí a pergunta a nobre Senadora: aonde se encontra a infração administrativa que sujeite o juiz a uma pena pelo CNJ?

Se existiu, que se publicize, pois do jeito que chegou ao público, não vi nenhuma conduta passível de análise pelo CNJ. Pelo contrário, vi uma ação na qual deve ter sido alegada como causa de pedir uma violação a direito, que restou reconhecida pelo Juiz, sendo determinada, como consequência, a retirada dos estudantes, decisão esta que pode até ter sido equivocada, repito, mas que não dá à Senadora o direito de agir como agiu, logo, se a mesma se acha no direito de assim continuar agindo, que o faça, contudo, temos o dever de respondê-la, isso em nome do exercício da atividade jurisdicional.

E se a nobre Senadora, acha que esse juiz e também cidadão extrapola o seu direito com a presente resposta, estou pronto para responder a um representação de sua Excelência, pois aproveito para repetir o que tenho dito em vários textos, a minha qualidade de Juiz não retira meu direito de cidadão, logo sempre continuarei falando, quando entender pertinente, sem atingir ninguém, mas firme, em por exemplo, responder a autoridades que exacerbam em seus direitos e principalmente extrapolam os seus deveres, atingindo a nossa atividade ou até mesmo pessoa, como fez o colega Gilmar Mendes e o Senador Renan Calheiros (Paciência tem limite, Min. Gilmar Mendes, para ter o nosso respeito, sua Excelência tem que nos respeitar! e A quem interessa o enfraquecimento da magistratura? ).

E mesmo sem falar em nome dos que legitimamente peticionam, como por exemplo, a OAB e o Ministério Público, entendo que a fala da senadora também acaba inviabilizando seu direito, pois, repito, quando se entende que houve lesão ou ameaça de lesão a direito, os profissionais que compõem essas instituições podem e devem se socorrer do Judiciário, na linha do que chamo de acesso à Justiça numa ótica substancial.

Portanto, finalizo esse pequeno texto, mais uma vez indagando: aonde se encontra a infração administrativa do colega passível de punição do CNJ?

Temos que, em nome de toda a sociedade, defender o livre exercício da atividade jurisdicional de qualquer colega Juiz, e se há excessos de algum, tanto na área jurisdicional como na atividade administrativa, que seja responsabilizado individualmente, a partir do devido processo legal e dos textos normativos que circundam a questão, porém não se pode entender como plausível a ameaça e xingamento a autoridades jurisdicionais.

Repito o que tenho constatado há algum tempo e destacado em meus escritos: a magistratura e seus membros têm sido atacadas de forma estratégica!

E faço, mais uma vez, o questionamento: porque será que querem enfraquecer a magistratura e o exercício livre dessa atividade? Porque será?

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Reportagem especial

Canal Bruno Barreto