Por Rogério Tadeu Romano*
Noticiou o Estadão, em seu site de notícias, em 23 de março do corrente ano, que “o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira, 23, a abertura de uma investigação contra os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, pela atuação deles no Ministério da Educação (MEC). Com base nas apurações até o momento, o PGR pede que o Supremo autorize a investigar o ministro Milton Ribeiro, pastores, servidores e os prefeitos. O pedido tem como base representações de parlamentares a partir de uma série de reportagens do Estadão que revelou a existência do gabinete paralelo e a cobrança de propina em dinheiro e ouro para prefeitos em troca de recursos para a construção de creches e escolas públicas nos municípios.”
O Partidos dos Trabalhadores apresentou ainda uma notícia-crime sobre esses fatos.
Relata-se que essa representação está baseada na reportagem publicada pelo jornal Folha de São Paulo, no dia 21 de março do corrente ano, na qual o ministro da Educação confessa em áudio – durante reunião com prefeitos – que prioriza o atendimento de pedidos de liberação de verba intermediados pelos pastores Gilmar Silva dos Santos, presidente da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil, e Arilton Moura, assessor de Assuntos Políticos da entidade.
Ali se fala em privilégio para os pastores.
“Porque a minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar”, diz o ministro na conversa. Milton Ribeiro confessa ainda que, ao agir dessa forma, atende a uma solicitação do presidente Jair Bolsonaro. “Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do [pastor] Gilmar”, ressaltou.
Ainda de acordo com a reportagem, Milton Ribeiro também indica haver uma contrapartida à liberação de recursos da pasta. “Então o apoio que a gente pede não é segredo, isso pode ser [inaudível] é apoio sobre construção das igrejas”, declarou o ministro na ocasião.
Segundo o site do Carta Capital, em 23 de março de 2022, “o pastor Arilton Moura, um dos integrantes do gabinete paralelo no Ministério da Educação, pediu 1 quilo de ouro em troca da liberação de verbas da pasta ao prefeito Gilberto Braga (PSDB) da cidade de Luis Domingues, no Maranhão. O pedido de propina teria sido feito em um restaurante em Brasília na presença de mais de 20 gestores municipais. O episódio foi revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo.”
Teria havido o crime de tráfico de influência?
Alguém pode se aproveitar de uma posição privilegiada dentro de uma instituição pública ou, ainda, de conexões com pessoas em posição de autoridade, para obter favores ou benefícios para terceiros, geralmente assim agindo em troca de favores ou por pagamento.
É uma das mais graves condutas havidas contra a Administração, pois revela o menosprezo e o desrespeito a ela. Ofende-se a confiança e o prestígio de que a Administração não pode abrir mão.
Como bem disse E. Magalhães Noronha é a influência blasonada perante a Administração em geral. É a venda de “fumo”, de “fumaça”, que o agente realiza, iludindo o comprador mas desacreditando a Administração. Tal se dá até com o silêncio do agente, como pode acontecer quando, mal informado, o pretendente a um fato dirige-se-lhe, supondo-o influente, e ele silencia, aceitando a vantagem ou sua promessa. Ora, o agente deve alardear o prestígio, gabar-se, de forma persuasiva, atribuindo-se a influência sobre o funcionário.
Perceba-se que não se pode conceber que alguém exponha a honra e o prestígio da Administração à situação de objeto de mercancia, de negócio, transformando o funcionário em aparentemente corrupto.
Assim, pratica o crime de tráfico de influência, quem pede, procura, busca, induz, manifesta o desejo de receber, ordena, reclama de forma imperiosa, impõe, pede pagamento, recebe, consegue, adquire uma vantagem ou promessa de vantagem, sob o pretexto de influência junto a funcionário público.
Acrescento que ato praticado deve ser entendido como o ato a ser praticado.
Assim, há crime de tráfico de influência se o agente consegue vantagem ou promessa desta, a pretexto de atuar junto ao funcionário público de quem depende a satisfação daquele fim. Como ensina Nelson Hungria o agente atribui-se, persuasivamente, influência sobre o funcionário, comprometendo-se a exercê-la perante a Administração Pública. Ainda, acrescentam Celso Delmanto e outros, deve-se levar em conta que a influência pode se dar por meio de terceira pessoa, que influiria no funcionário público.
Por sua vez, segundo informou o site Consultor Jurídico, em 22 de março de 2022, O senador Fabiano Contarato (PT-ES) apresentou nesta terça-feira (22/3) ao Supremo Tribunal Federal notícia-crime contra o ministro da Educação, Milton Ribeiro.
O pedido foi provocado pela revelação de áudio, feita pelo jornal Folha de S. Paulo, em que o ministro afirma que favorece pedidos de verbas intermediados por dois pastores correligionários do presidente Jair Bolsonaro (PL). Apesar do papel decisivo na liberação das verbas, os religiosos não possuem nenhum cargo no Ministério da Educação.
“Resta claro que o ministro da Educação, ao conceder liberação célere de recursos, priorizando atender ‘a todos que são amigos do Pastor Gilmar’, patrocina ou apadrinha diretamente interesse privado perante a administração pública, valendo-se para isso da sua qualidade de funcionário público, o que configura crime de advocacia administrativa”, sustenta o senador no pedido.
De outro lado há a advocacia administrativa.
Lembro o disposto no art. 117, XI, da Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores publicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais:
“Art. 117. Ao servidor é proibido:
(…)
XI — atuar, como procurador ou intermediário, junto a repartições públicas, salvo quando se tratar de benefícios previdenciários ou assistenciais de parentes até o segundo grau, e de cônjuge ou companheiro”.
Na jurisprudência: “Caracteriza-se a advocacia administrativa pelo patrocínio (valendo-se da qualidade de funcionário) de interesse privado alheio perante a Administração Pública. Patrocinar corresponde a defender, pleitear, advogar junto a companheiros e superiores hierárquicos o interesse particular” (RJTJSP, 13/443).
Há vários crimes que devem ser investigados para o caso.
Todos esses crimes devem ser investigados perante o Supremo Tribunal Federal que deve determinar a abertura de tal investigação.
Entretanto há ainda indícios de ilícito de improbidade fulcrado no artigo 10, XI, da Lei 8.429/92, que deve ser investigado perante a primeira instância, uma vez que a improbidade não é ilícito penal e não se aplica para o caso a prerrogativa de foro prevista pela Constituição.
O art. 10, XI, da Lei 8.429 de 1992 dispõe que é conduta caracterizadora de improbidade “liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular”.
Como explicou Marcelo Figueiredo(Probidade Administrativa, 2ª edição, pág. 57) a liberação de verba pública é o ato final de um procedimento jurídico minunciosamente regrado na Constituição Federal e nas leis orçamentárias.
A conduta ilícita exige o dolo da parte do agente público envolvido. Há de se demonstrar a desonestidade daquele agente público envolvido.
A improbidade corresponde a uma conduta irregular, de reprovabilidade elevada, que implica uma danosidade séria e relevante à Administração Pública.
Para Sérgio Monteiro Medeiros(Lei de Improbidade Administrativa, 2003, pág. 95) “poder-se-ia, primeiramente, indagar se a conduta “liberar verba pública” abrangeria a realização de despesa, ou seja, o ordenamento de pagamento. Entendemos que não, pois essa conduta já está albergada no inciso IX. De qualquer sorte, não haverá de ser eventual dúvida acerca do enquadramento legal, que impedirá a correta punição do ato de improbidade administrativa, uma vez corretamente descritos dos fatos na inicial e assegurada a ampla defesa ao réu.”
Disse ainda Sérgio Monteiro Medeiros que o dispositivo parece contemplar não a realização de despesas próprias – estas abrangidas pelo inciso IX -, mas outras, tais como transferências voluntárias, concessões de financiamentos, subvenções.
Afinal, no “influir” na aplicação irregular de verba pública, deve ver-se a conduta do corruptor, daquele que mediante paga, simples promessa ou abuso de poder(tráfico de influência) contribui para o desvirtuamento da práxis administrativa, acarretando prejuízos ao erário.
*É procurador da república aposentado com atuação no RN.
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