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A guerra e seus limites

Por Rogério Tadeu Romano*

A guerra é todo conflito armado entre dois ou mais Estados durante um certo período de tempo e sob a direção dos seus respectivos governos, com a finalidade de forçar um dos adversários a satisfazer a (s) vontade (s) do (s) outro (s). Ela normalmente se inicia com uma declaração formal de guerra e termina com a conclusão de um Tratado de Paz ou outro capaz de pôr termo às hostilidades e findá-las por completo.

Ensinou Valerio de Oliveira Mazzuoli (Curso de Direito Internacional Público, 3ª edição, pág. 952) que a guerra é um ato de violência atualmente inadmitido no Direito Internacional Público.

Falo dos chamados crimes de guerra por utilização de métodos proibidos. São eles: ataque excessivo e desproporcional (lançar ataque, ciente de sua aptidão de causar perdas acidentais de vidas humanas, lesões a civis, ou danos a bens civis ou danos extensos, duradouros e graves ao meio ambiente, manifestadamente excessivos em relação á vantagem militar concreta e direta pretendida, podendo a pena ser aumentada se a conduta resultar danos e ainda havendo uma modalidade qualificada, se da conduta resultar morte, incapacidade permanente para o trabalho, enfermidade incurável, debilidade, perda ou inutilização de membro, sentido ou função, deformidade permanente, aborto, aceleração de parto, incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias, e as circunstâncias evidenciarem que o agente não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo), uso de veneno ou arma envenenada, gás asfixiante ou tóxico, ou material análogo (utilizar veneno ou arma envenenada, gás asfixiante, tóxico ou similar, ou liquido, material ou dispositivo análogo, capaz de causar morte ou grave dano à saúde de outrem), uso de projétil de fragmentação (utilizar projétil que se expanda ou se alastre facilmente no corpo humano, tal como bala de capa dura que não cubra totalmente a parte interior ou que tenha incisões, e outros projéteis proibidos por tratados dos quais o Brasil faça parte), uso de arma, projétil, material ou método de guerra proibido (utilizar arma, projétil, material ou método de guerra que, por sua própria natureza, cause dano supérfluo ou sofrimento desnecessário ou produza efeito indiscriminado, em violação a tratado que o Brasil faça parte), ataque a local não definido (atacar, por qualquer meio, cidades, vilas, aldeias, povoados, zonas desmilitarizadas, ou edificações que não estejam defendidas e que não sejam objetivos militares, na mesma pena, incorrendo quem lançar ataque contra obras ou instalações contendo forças perigosas, sabendo que esse ataque causará perdas de vidas humanas, ferimentos em civis ou danos em bens de caráter civil, que sejam excessivos nos termos do direito internacional humanitário), perfídia (obter vantagem do inimigo mediante perfídia). Constitui perfídia valer-se de boa-fé do inimigo, fazendo-o crer que tem o direito de receber ou a obrigação de assegurar a proteção prevista pelas regras de direito internacional aplicáveis a conflitos armados, tais como simular: intenção de negociar mediante uso de bandeira de trégua ou simular a rendição, incapacidade causada por ferimento ou enfermidade, condição de civil ou de não-combatente, condição de protegido, mediante o uso de sinal ou emblema internacionalmente reconhecido, ou uniforme, bandeira ou insígnia das Nações Unidas, de Estado neutro ou de outro Estado que não seja parte do conflito. Há modalidade qualificada de perfídia, se a conduta resultar morte, e as circunstâncias evidenciarem que o agente não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo.

Esses crimes listados são crimes de guerra quando praticados em tempo de conflito armado ou, após cessadas as hostilidades, enquanto a vítima continuar sob o domínio da parte beligerante. Ainda poderão ser considerados crimes de guerra os crimes contra a dignidade sexual, os crimes contra a liberdade individual e as lesões corporais contra pessoa protegidas.

Considera-se conflito armado internacional: a guerra declarada ou qualquer outro conflito armado que possa surgir entre dois ou mais Estados, ainda que o Estado de guerra não seja oficialmente reconhecido; a ocupação total ou parcial do território de um Estado, ainda que não encontre qualquer resistência militar; a luta dos povos contra a dominação colonial, a ocupação estrangeira e os regimes de segregação, no exercício de seu direito á autodeterminação, consagrado na Carta das Nações Unidas e na Declaração Relativa aos Princípios do Direito Internacional Referentes às Relações Amistosas e à Cooperação entre os Estados em Conformidade com a Carta das Nações Unidas, sem prejuízo de outros documentos internacionais a que o Brasil aderir. Se não estiver coberto nesse conceito o conflito é não-internacional.

São pessoas protegidas em conflitos armados internacionais:

  1. a) Os feridos, enfermos e náufragos e o pessoal sanitário ou religioso, protegidos pelas Convenções I e Ii de Genébra, de 12 de agosto de 1949, ou pelo Protocolo Adicional I, de 8 de junho de 1977;
  2. b) Os prisioneiros de guerra protegidos pela Convenção III de Genébra, de 12 de agosto de 1949, ou pelo Protocolo Adicional I, de 1977;
  3. c) A população civil e os civis protegidos pela Convenção IV de Genébra, de 12 de agosto de 1949, ou pelo Protocolo Adicional I, de 8 de junho de 1977;
  4. d) As pessoas fora de combate e o pessoal da potência protetora e de seu substituto, protegidos pelas Convenções de Genébra, de 12 de agosto de 1949, ou pelo seu Protocolo Adicional I, de 1977;
  5. e) Os parlamentares e as pessoas que os acompanhem, protegidos pela Convenção II de Haia, de 29 de julho de 1899;

São ainda protegidas em conflitos armados não-internacionais, as pessoas que não participem diretamente das hostilidades ou que não mais delas participem, incluídos os combatentes que tenham deposto as armas e as pessoas colocadas fora de combate por enfermidade, ferimento, detenção, ou por qualquer outra causa, protegidas pelo art. 3º comum às quatro Convenções de Genébra, de 12 de agosto de 1949, ou pelo seu Protocolo Adicional II, de 8 de junho de 1977.

Discute-se com relação as pessoas fora de combate e aos mercenários. As pessoas fora de combate são aquelas que se abstenham de atos de hostilidade, não tentem se evadir ou: estejam em poder de uma parte adversária; expressem claramente a intenção de se render ou tenham perdido os sentidos ou se encontrem, de qualquer outro modo, em estado de incapacidade, devido a ferimentos ou enfermidades e, dessa forma, sejam incapaz de se defender.

Dos crimes de guerra cuida ainda o artigo 8º do Estatuto de Roma. Segundo o parágrafo primeiro, desse dispositivo, o Tribunal terá competência para julgar os crimes de guerra, em particular quando cometidos como parte integrante de um plano ou de uma política ou como prática em larga escala desse tipo de crimes.

Destaco reportagem do portal da revista Veja, em 15.11.23:

 “Estou horrorizado com as informações sobre operações militares no hospital al-Shifa de Gaza. A proteção dos recém-nascidos, pacientes, profissionais da saúde e de todos os civis deve ter precedência sobre todas as outras questões”, disse Martin Griffiths, diretor do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA), em publicação no X, antigo Twitter.

A declaração foi endossada pelo diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, que afirmou que as informações da incursão militar no hospital são “preocupantes” e disse que a instituição perdeu contato com os profissionais de saúde do complexo.”

Trago artigo de João Paulo Charleaux (Ambulâncias não podem ser atacadas mesmo que levem membros do Hamas, in Folha, em 7.11.23). Ali se disse:

“Para atacar, o comandante militar terá de se ater a três princípios. O primeiro é o da “distinção”, para o qual deve se fazer perguntas como: há formas de atingir os militares sem matar os civis? Posso usar armas e munições mais precisas e com menor poder de destruição neste contexto? Como posso evitar completamente ou minimizar ao máximo as mortes de civis?

O segundo é o princípio da “oportunidade”, determinado por questões como: há momento mais propício para efetuar os disparos, considerando o impacto que eu causarei sobre os civis? Eu poderia disparar depois que esses combatentes saíssem das ambulâncias e se afastassem dos civis?

Por fim, o princípio da “proporcionalidade”, no qual o comandante deve se questionar: o dano que causarei aos civis justifica o valor militar dos alvos que serão atingidos? Ou eu matarei dezenas de civis apenas para neutralizar um punhado de homens do Hamas que não me ofereciam risco iminente naquele momento?”

Para o caso cabe ao Tribunal Penal Internacional a correta análise desse grave precedente levantado à luz da defesa da aplicação das chamadas leis humanitárias.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

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Crônica

Desconfundindo

Por Marcelo Alves Dias de Souza*

“Direito internacional”, “direito comunitário” e “direito comparado”, o que são esses três “direitos”? Infelizmente, como descobri num papo entre amigos, nós, supostos juristas, ainda confundimos bastante os conceitos/significados dessas três categorias.

Primeiramente, o direito internacional é o conjunto de normas – ou a disciplina, se olharmos sob o ponto de vista acadêmico – que trata das relações externas entre os entes que formam a sociedade internacional. “Um sistema jurídico autônomo” (em relação aos sistemas internos ou nacionais) onde, nas palavras de Francisco Rezek (em “Direito internacional público”, Saraiva, 1995), “se ordenam as relações entre Estados soberanos”, muito embora, hoje, esse conceito/sistema já esteja ampliado para abarcar as relações com outros “atores internacionais”, tais como as organizações exemplificadas na ONU, OMS, UNESCO, OTAN, FMI etc.

 É importante ainda fazer duas observações quanto à terminologia direito internacional. Uma de relevância histórica. No passado, o que hoje chamamos de direito internacional era normalmente chamado de “direito das gentes” (e eu até acho gostosamente nostálgica essa denominação), sendo que a expressão direito internacional teria sido cunhada, já no fim do século XVIII, pelo filósofo e jurista inglês Jeremy Bentham (1748-1832). Ademais, é comum se acrescentar à expressão direito internacional a partícula “público”, para diferenciá-la de um “direito internacional privado”, este que é, na verdade, um ramo ou disciplina jurídica que especificamente cuida do conflito de leis – de nacionalidades diversas, por regra – em potencial aplicação em determinado espaço territorial ou caso. E não por outro motivo o que chamamos de direito internacional privado os ingleses chamam apenas de “conflict of laws”.

Já o direito comunitário pode ser classificado como uma subespécie ou, melhor, um desdobramento/desenvolvimento do direito internacional no sentido de uma quase total integração supranacional de Estados soberanos. Entre nós, teríamos como exemplo o “direito do Mercosul”; mas também é dito que o direito do Mercosul estaria bem aquém disso – falo dessa integração almejada –, se comparado com o direito da União Europeia, este, sim, um direito realmente integrado em nível comunitário ou um direito comunitário propriamente dito. Nesse sentido, aduz Benigno Nuñez Novo, em texto publicado no site Âmbito Jurídico (fevereiro de 2018): “O direito comunitário é composto pelo conjunto de normas jurídicas que regulam e disciplinam a organização e o funcionamento das Comunidades Europeias e da União Europeia. O surgimento dos blocos econômicos importou na necessidade da criação de um sistema de normas que os regulasse. Esse sistema de normas foi denominado Direito Comunitário, sendo um sistema jurídico autônomo, constituído de normas provenientes de determinadas fontes específicas, ordenado por uma hierarquia de normas, sendo regido por dois princípios essenciais: o princípio da integração e o princípio da primazia. O Direito Comunitário existente na União Europeia é incorporado de forma congênita aos direitos nacionais. Destarte, inexiste no Mercosul o verdadeiro direito comunitário, o que reina de forma absoluta é o direito internacional público, regional, integracionista, vinculado ao fenômeno de recepção”.

Por fim, temos o tal direito comparado. O papel deste na “arquitetura” do direito é assunto para debates. Posso afirmar que ele não é um direito no sentido de um conjunto de normas que visa disciplinar determinada matéria. O direito comparado está mais para uma disciplina da ciência jurídica (temos o aspecto acadêmico da coisa) e, sobretudo, para um método de estudo do direito. E como método serve, por exemplo, mediante a comparação: (i) para se entender o direito dos diversos países em geral; (ii) para se obter uma melhor compreensão do respectivo sistema jurídico nacional (por exemplo, quando se compara o que se dá em outros países para melhor interpretar/aplicar as regras internas); (iii) para se melhor empreender uma possível reforma da legislação/direito de determinado país; (iv) ou mesmo, de forma mais ambiciosa, como ferramenta para a unificação sistemática de um determinado ramo do direito ou de um sistema jurídico supranacional como um todo. No mais, essas comparações podem se dar de várias formas. Multilateralmente (entre vários sistemas jurídicos) ou bilateralmente. Podem ser integrativas e/ou contrastantes, focando em semelhanças e/ou em diferenças. Podem ser macrocomparações (de dois ou mais sistemas jurídicos nas suas inteirezas) ou microcomparações, que recaem sobre categorias ou instituições peculiares aos sistemas jurídicos comparados (desde coisas gerais como um determinado ramo do direito até coisas bem específicas como a disciplina que é dada a determinado tipo de contrato nos países comparados). E por aí vai.

Sou um entusiasta desses “direitos”, sobretudo do comparado. Mas isso talvez decorra do fato de eu adorar me aventurar com outros povos e culturas.

*É Procurador Regional da República e Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o barreto269@hotmail.com e bruno.269@gmail.com.

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Artigo

Mitos e verdades sobre a polêmica que envolve visto americano e redes sociais

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Por Daniel Toledo*

No ano passado, várias notícias de que, não a imigração propriamente dita, mas os órgãos ligados a este departamento, fiscalizaria as redes sociais do solicitante ao visto americano vieram à tona. Muito se falou sobre o assunto, gerando inclusive uma polêmica desnecessária, sem falar no exagero.

Mas esse burburinho aflige principalmente quem vai solicitar algum visto mais básico como o de turismo ou de estudante. Alguns consulados solicitam que as pessoas forneçam quais são as suas redes sociais, e não login e senha como muitos estão espalhando por aí. Caso encontrem o perfil, sem que o solicitante tenha informado, é caracterizado como mentira na aplicação de visto, que como consequência será negado.

Como punição, o pretendente é impedido, por um determinado tempo, de requisitar qualquer outra permissão para entrar legalmente nos Estados Unidos. Pense nisso e tome um pouco de cuidado.

É proibido você seguir alguém que more nos Estados Unidos ou siga algum canal no YouTube com dicas sobre o assunto? Ou alguma rede social, seja Facebook, Instagram de alguém que esteja dentro dos EUA? Claro que não. É proibido você ter no seu WhatsApp conversas com alguém que more nos EUA, parente, amigo, quem quer que seja? Também não. O problema é omitir e mentir quando solicitar o visto ou for entrar no país. Na entrada, o oficial tem pedido para as pessoas colocarem a digital nos celulares e acessarem as redes sociais. Ele pede para ligar o telefone e desbloquear, na sequência, ocorre a checagem dos perfis. E isso tem ocorrido muito.

Mas é bom lembrar que seguir alguém em suas redes sociais que incentive a imigração ilegal, que ofereça trabalho também ilegal, ou que faça headhunting enquanto você está dentro dos Estados Unidos com visto de turismo passeando pela Disney, por exemplo, pode causar sérios problemas porque isso é mentira e pode ser caracterizado como crime. Afinal, você declarou no consulado que iria a passeio, mas na verdade a intenção da viagem é se candidatar ou aplicar para uma situação de emprego.

É isso que eles estão buscando. Redes sociais ou indícios que caracterizem uma segunda intenção diversa daquela que você está efetivamente informando para as autoridades americanas. Seria uma hipocrisia muito grande se eu dissesse para ter cuidado com as suas redes. Simplesmente livre-se do que não presta, não antes de aplicar o visto, mas desde sempre. Se você pretende entrar na casa de alguém, chegue com os pés limpos, deixe transparente para quais são as suas verdadeiras intenções. “Quero trabalhar nos Estados Unidos”, “Quero estudar” ou “Quero morar nos EUA, trazer a minha família, eu não preciso fazer nada, eu tenho renda de outros lugares, quero vir para cá, ficar uns três ou quatro meses, depois eu volto para o meu país”. Há algum problema nisso? De forma alguma, desde que você não trabalhe, não procure emprego, não faça nenhuma atividade remunerada e seja compatível com o visto solicitado.

Há uma fiscalização muito maior e até mais rígida do que antes, principalmente por uma questão de segurança, porque é preciso identificar quem está mal-intencionado e que pode praticar outros atos ilegais. Por isso, toda checagem desde a aplicação do visto até a hora que a pessoa chega nos EUA é detalha e completa.

*É Advogado especializado em direito internacional.