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É o liberalismo de Bolsonaro que seduz parte dos ricos e universitários? Não! É o ódio a pobre e à diferença. Existem candidatos liberais!

Por Reinaldo Azevedo

O Jair Bolsonaro “liberal”, no qual acreditam setores do mercado, é só uma invenção eleitoral oportunista em que o medo de pobre e de preto, compartilhado por setores da classe média e dos ricos, finge acreditar.

“Ah, só classe média e rico vota em Bolsonaro?”

Quem leu isso no que escrevi pode parar por aqui porque é analfabeto funcional e não vai entender o resto. Vá votar no “capitão” e seja feliz em sua vida ágrafa.

A única saída que o Brasil tem para a crise — ÚNICA — é diminuir os gastos do Estado e a interferência do dito-cujo na economia. Teria de haver uma redução de desembolsos propriamente, com a revisão de determinados programas e da brutal renúncia fiscal sob o pretexto de proteger alguns setores — ou “os empregos”, na versão estúpida adotada pelo governo Dilma.

Ocorre que isso não se faz sem uma pactuação política e sem negociar a redução do tamanho do gigante com os setores diretamente beneficiados. É trabalho para candidato a estadista, não para economista em fase de mania. Nesse caso, só remédio resolve; não o poder.

A estratégia de Bolsonaro, em havendo uma, é o “choque”. A turma é tão fascinada pelos movimentos circenses de Donald Trump que tentará reproduzir por aqui o que o malucaço faz por lá. “Ah, mas está dando certo…” Peguem a interferência que tem o Estado americano na vida dos cidadãos e a que tem o Estado brasileiro. O sistema americano até pode abrigar um “clown”, se é que ele termina o mandato; o do Brasil, não. Mas isso fica para outra hora.

O fato e que inexiste um “Bolsonaro liberal”. Existe é um Paulo Guedes que pode ser identificado com esse pensamento em economia, mas que dá mostras de não entender como funciona a democracia. A sua proposta mais clara sobre impostos, tanto quanto aquilo é claro, foi exposta em encontro privado de investidores, misturando unificação de impostos com volta da CPMF. As tentativas de desmentido soaram patéticas. Quando menos porque os impostos unificados não são universais — pagos por todos —, e a CPMF sim. Aritmética elementar: está sobretaxando o pobre, que já é, relativamente, quem mais paga impostos no Brasil.

Então por que esse encanto com Bolsonaro? Ah, porque, como é mesmo?, é um homem “sem medo de dizer verdades”.

E, ora vejam, suas “verdades” nada têm a ver com economia ou política. Bolsonaro faz com que os preconceitos mais primitivos, mais incivilizados e potencialmente mais brutais se manifestem como coisa normal, corriqueira, como parte da vida. Afinal, “tem preto folgado mesmo”; “esses índios são uns preguiçosos”; “Maria do Rosário é mesmo feia” (nego-me a reproduzir o resto do raciocínio até como caricatura); “bandido bom é bandido morto”; “brasileiro gosta é de mamata”; “essas pessoas penduradas no Bolsa Família são umas preguiçosas ou estariam trabalhando…”

Não é o liberalismo de Bolsonaro que seduz porque este, a rigor, não existe. A sua trajetória o prova. É a mobilização da besta do preconceito e do rancor instalada no fundo de algumas consciências.

Para essas almas encantadoras, um Geraldo Alckmin, por exemplo, ou um Henrique Meirelles não bastam. E não! A recusa nada tem a ver com o fato de que seriam “políticos tradicionais” — Meirelles disputou apenas uma eleição e, com efeito, teve papel fundamental duas vezes no equilíbrio das contas; contribuiu para tirar o país do abismo em ambas as circunstâncias…

Se é “liberalismo” que querem esses valentes, as opções estão dadas. Até João Amoêdo, novo, mas inequivocamente liberal, atenderia a esse pressuposto.

O Bolsonaro que atrai essas camadas de que falo é justamente o ILIBERAL, o reacionário, o do discurso fascistoide, o que alimenta a impressionante rede de ódio montada da Internet para xingar, intimidar, desmoralizar, enquadrar e demonizar pessoas que discordam dessa adorável visão de mundo.

A Folha publica nesta sexta um exaustivo levantamento sobre os votos do “capitão”. Resumo: antiliberal, corporativista, favorável ao aumento de gastos do Estado.

“Ah, mas o Guedes vai dar um jeito nele!”

O Guedes, neste momento, foi submetido ao silêncio obsequioso. Levou um cala-boca!

Fica mais fácil assumir que o voto em Bolsonaro está ligado ao que essa gente pensa sobre pretos, índios, mulheres, os “brasileiros” (que são sempre os outros), o Bolsa Família…

A reportagem sobre a trajetória do corporativista, estatista e antiliberal de Bolsonaro está aqui.

Ah, sim: sem querer chatear ninguém, lembro que os pobres não vão desaparecer por mágica. Nem que se meta a polícia para dar um jeito “nessa gente”…

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Entrevista

“As pessoas estão procurando um terceiro campo e não é Bolsonaro e o fascismo”, diz Robério Paulino

Cumprindo agenda em Mossoró, o professor Robério Paulino (PSOL) foi entrevistado pelo Blog do Barreto. Surpresa das eleições de 2014 quando ficou em terceiro lugar, ele agora é candidato a deputado estadual utilizando o discurso de combate ao fascismo e aos grupos tradicionais da política potiguar.

Confira o bate-papo.

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Ação para expulsar Bolsonaro de Mossoró é flertar com fascismo

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A esquerda faz questão de registrar que combate o fascismo. Hoje o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL/RJ) por tudo que representa é quem encarna melhor o espírito fascista na política nacional por toda intolerância que expõe em suas falas.

Mas qual a melhor maneira de combater a intolerância? No meu entendimento é um conjunto de ações que reúnem confronto de ideias, ações judiciais quando necessário, censura moral, etc…

Mas um grupo de esquerda ligado ao PSTU em Mossoró estuda fazer uma movimentação para expulsar o polêmico pré-candidato a presidente da República. Isso é combater a intolerância com mais intolerância gerando ainda mais ressentimentos e menos sensação de democracia.

Mais confronto não agrega para a própria esquerda que flerta com o fascismo que se gaba de combater.

Nota do Blog: do mesmo jeito que critiquei os bolsonaristas que foram fazer zoada no comício de Lula em Mossoró critico a iniciativa no sentido inverso.

 

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Marielle às avessas

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Enquanto o Brasil ainda chora a morte da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL), assassinada ao que tudo indica pelas causas que defendia, surge na contramão o que há de pior no país: a toscagem da nossa elite.

Após publicar notícias falsas sobre o crime, a desembargadora Marília Castro Neves publicou num grupo de magistrados no Facebook ataques grosseiros à professora Débora Seabra:

“Voltando para casa […] ouço que o Brasil é o primeiro em alguma coisa. Apuro os ouvidos e ouço a pérola: o Brasil é o primeiro país a ter uma professora portadora de Síndrome de Down. Poxa, pensei, legal, são os programas de inclusão social… Aí me perguntei: o que será que essa professora ensina a quem??? Esperem um momento que eu fui ali me matar e já volto, tá?”

A resposta de Débora Seabra não poderia ser melhor: “Eu ensino muitas coisas para as crianças. A principal é que elas sejam educadas, tenham respeito pelas outras, aceitem as diferenças de cada uma, ajudem a quem precisa mais. (…) O que eu acho mais importante de tudo isso é ensinar a incluir as crianças e todo mundo pra acabar com o preconceito porque é crime. Quem discrimina é criminoso”.

A desembargadora Marília virou em um clique uma espécie de versão às vessas de Marielle Franco. A mulher permeia sentimentos de setores de nossa atrasada elite. Se a vereadora carioca resumia em si a luta contra a opressão de mulheres, negros e homossexual, a magistrada pintou como o inverso ao expor um preconceito nojento e ignorante tão comum na nossa elite medíocre e mesquinha.

Nossa sociedade está permeada de Marielles que são todos os dias silenciadas pela violência simbólica de Marílias. O país está cada vez mais polarizado e a comparação entre as duas tem que servir como divisor de águas para quem acha que o caminho do ódio é algo legal rever suas posições.

A desembargadora resume bem boa parte da nossa elite insensível.

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A permanência do fascismo

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*Por Homero Oliveira

O fascismo não pode ser analisado como qualquer movimento conservador ou fenômeno autoritário, ele tem suas próprias características e assume formas distintas

No livro As lições do fascismo (Graal, 1977), o filósofo marxista Leandro Konder chamou a atenção para o “alto teor explosivo” da palavra “fascista”. Escrevendo em plena ditadura militar (1964-1985) afirmava que ela vinha sendo utilizada mais como arma política do que com o necessário rigor científico. Naquelas circunstâncias, considerava que o uso do termo da forma como utilizado pela esquerda era compreensível “para efeito de agitação, é normal que a esquerda se sirva dela como epíteto injurioso contra a direita”, mas que era necessário “uma análise realista e diferenciada dos movimentos das forças que lhe são adversas”.

Não é nosso objetivo fazer uma ampla discussão sobre o fascismo. Já existe publicada, inclusive em português, uma extensa bibliografia, abordando os seus mais diferentes aspectos. O livro de Leandro Konder é um deles. Aqui, trata-se apenas de situar sumariamente quanto a sua permanência, ou seja, não circunscrito as experiências da Itália e Alemanha no período de 1920/40.

Nesse sentido, uma excelente contribuição é o livro de Rob Riemen “O eterno retorno do fascismo”(Editorial Bizâncio, Lisboa, 2012) que, como indica o título, analisa a permanência do fascismo mesmo em países com democracias consolidadas, como na Europa Ocidental.

No livro Lições do fascismo (1970) o dirigente do partido comunista italiano Palmiro Togliatti afirma que o fascismo assume diferentes formas, em diferentes países, porque seu credo não se fundamenta num único valor universal. Lembra ainda que Mussolini ascendeu ao poder pela via democrática e, portanto nas democracias representativas é possível que um fascista seja eleito. Como ele alerta, a chave do êxito do fascismo na Itália foi a crença na sociedade que as qualidades do seu grande líder iriam trazer ordem, prosperidade e segurança ao país. Para Robert O. Paxton, em Anatomia do fascismo ( 2007), da mesma forma que Togliatti, afirma que o fascismo assumirá sempre a formas do seu tempo e da sua cultura e, portanto, não é um fenômeno específico da Itália, alimentando-se do ressentimento (orientado para um inimigo) e um líder carismático e autoritário (“um mito”) que seja obedecido pelas massas.  Rob Riemen alerta para o fato de que quando se entrega o poder a demagogos e charlatães, que usam os mass media para cultivar a crença de que esse líder, o político que pretende ser contra a política é a única pessoa capaz de salvar o país, as instituições constitucionais e democráticas desaparecem tão depressa como a confiança nas autoridades porque já ninguém acredita nelas.

É importante compreender que o fascismo é uma forma específica de regime político do Estado capitalista. Mas, não qualquer regime, não qualquer ditadura, mas uma ditadura contrarrevolucionária com características distintas, por exemplo, das ditaduras militares na América do Sul nos anos l960-80, incluindo a do Brasil. No livro Fascismo e Ditadura (1970), Nicos Poulantzas faz uma análise das formações sociais da Alemanha e Itália e a constituição de um tipo de Estado de exceção – o fascista – e a relação entre as classes sociais, determinante para a emergência (e explicação) do fascismo. De acordo com ele, o Estado fascista seria uma forma distinta de Estado, forjado em condições peculiares da crise política durante a transição ao capital monopolista. Mostra o papel do Estado fascista de reorganizar, pela repressão e pela ideologia, o bloco das classes dominantes no poder, além das iniciativas que os fascismos alemão e italiano tomaram para assegurar a dominação do grande capital e das alianças com a pequena burguesia.

O fascismo, portanto, não pode ser analisado como qualquer movimento conservador ou fenômeno autoritário, ele tem suas próprias características e assume formas distintas, mantendo o essencial, que é a dominação do grande capital.  Se o fascismo teve início na Itália, num determinado contexto histórico, resultado, em grande parte das consequências e profundidade da crise europeia (antes e depois a Primeira Guerra Mundial) sua influência (e permanência) vai muito além do seu contexto histórico e geográfico.  Como afirma João Bernardo no livro “Os labirintos do fascismo: na encruzilhada da ordem e da revolta” (2015), “a história do fascismo não está concluída porque o fascismo é ainda uma realidade em suspenso”. O livro, como ele diz, não trata de uma história do fascismo, “mas o de apresentar a história dos problemas que o fascismo revelou plenamente como tais e que continuam hoje por resolver”.

O fato é que hoje os sinais de fascismos são evidentes em várias partes do mundo, como o fascismo islâmico, o crescimento da extrema direita na Europa, e com partidos xenófobos e neofascistas em outras partes do mundo, como na Áustria, Alemanha, Dinamarca, Holanda, França e Itália.

Mas se ele tem se apresentado de diferentes formas e com influências distintas,  há uma questão que, hoje,  no caso da Europa,  os une: a imigração. A oposição veemente a qualquer aumento do número de imigrantes tem levado a um crescimento do apoio a eles em diversos países, criando a possibilidade de ampliação de sua influência.

Na Itália, por exemplo, a Liga Norte é um partido claramente fascista que tem se afirmado como uma das forças da extrema direita que ingressaram no Europarlamento.  Há outros como Forza Nueva e CasaPound, que têm crescido nas eleições parlamentares, todos contra a imigração.

Na Áustria, o fascista Partido da Liberdade, conseguiu 20,5% nas eleições gerais de 2013. Na Holanda, o Partido pela Liberdade conseguiu 13,3% nas eleições europeias. Esses dois partidos juntos se tornaram a terceira força política em seus respectivos países.

Em relação à Holanda, país de larga tradição democrática, o Partido fascista, liderado por Geert Wilders, é no dizer de Rob Rimen “o protótipo do fascismo contemporâneo”. Para ele, não apenas o da Holanda, mas também de outros países “não são senão as consequências políticas lógicas de uma sociedade pela qual todos somos responsáveis”.

Para ele, o fascismo contemporâneo resulta, mais uma vez, de partidos políticos que renunciam à sua tradição intelectual, de intelectuais que cultivam um niilismo complacente, de universidades que já não são dignas desse nome, da ganância do mundo de negócios e de mass media que preferem ser ventríloquos do público em vez de o seu espelho crítico. São estas as elites corrompidas que alimentam o vazio espiritual contribuindo para uma nova expansão do fascismo.

Na Europa, em vários países, grupos fascistas estão atacando imigrantes e os seus centros de acolhimento, além de ataques a organizações não-governamentais que têm procurado ajudar os que fogem de guerras (caso da Síria) e das perseguições religiosas (como os que conseguem fugir do Estado Islâmico). Como o número de refugiados cresce, a tendência, ao que parece, também é de crescimento da intolerância e da violência.

Em relação à permanência do fascismo, Albert Camus faz uma alegoria do fascismo no livro A peste (1947) que se passa “em uma cidade comum (…) uma prefeitura francesa na costa argelina”.   O livro conta a história de uma peste na cidade em que o médico Bernard Rieux não se junta à celebração depois em que é anunciado que o reino da peste havia terminado. No final do romance ele diz “Na verdade, ao ouvir os gritos de alegria que vinham da cidade, Rieux lembrava de que essa alegria estava sempre ameaçada. Porque ele sabia o que essa multidão eufórica ignorava e se pode ler nos livros: o bacilo da peste não morre nem desaparece nunca, pode ficar dezenas de anos adormecido nos móveis e nas roupas, espera pacientemente nos quartos, nos porões, nos baús, nos lanços e na papelada. E sabia também que viria talvez o dia em que, para desgraça e ensinamento dos homens, a peste acordaria os seus ratos e os mandaria morrer numa cidade feliz”.

Para Albert Camus, o bacilo fascista sempre estará presente, inclusive nas democracias de massas e nesse sentido é de fundamental importância ficar alerta para a gestação de um embrião fascista no Brasil, como os que defendem a intervenção militar, o fechamento do Congresso Nacional, a ditadura e a tortura.

Como diz Roberto Amaral, o fascismo não começa pela sua exasperação, ele começa lento, com ofensas verbais, e depois evolui para agressões físicas e coletivas. Para ele, isso ocorre quando há um ambiente favorável e se torna mais perigoso na medida em que os meios de comunicação são usados para destilar preconceitos e intolerâncias “dia e noite junto à população”.

O sociólogo Florestan Fernandes, numa palestra na Universidade de Harvard em 1971 intitulada “Notas sobre o fascismo na América Latina”, chama a atenção para os processos de “fascistização sem fascismo”, no qual valores e ideias fascistas podem existir nos mais diversos tipos de regime político, inclusive nas democracias. Ele se refere à longa tradição de fascismo potencial na América Latina, no qual “uso estratégico do espaço político”, mesmo nas democracias, “permitem distorções que comprometem a possibilidade real de um exercício democrático”.

O ambiente de polarização política e intolerância na sociedade brasileira é uma porta aberta para o fascismo porque possibilita a ascensão da intolerância, da xenofobia, do racismo, da homofobia, nas ruas e redes sociais, e aí reside o grande o perigo para a democracia: a forma como os discursos de intolerância, ódios e ressentimentos são aceitos por parcelas consideráveis da sociedade.  É um ambiente que nutre analfabetos políticos e que é potencializado com as redes sociais.

Na introdução do livro Como conversar com um fascista (2016), de Márcia Tiburi, Rubens Casara afirma que o antídoto para o fascismo é a democracia e por isso “os fascistas não suportam a democracia, entendida como a concretização dos direitos fundamentais de todos, como processo de educação para a liberdade, de governos através de consensos, de limites ao exercício do poder e de substituição da força pela persuasão e sugere confrontar o fascista, desvelar sua ignorância, fornecer informação/conhecimento, levar esse interlocutor à contradição, desconstruindo suas certezas, forçando-o a admitir que seu conhecimento é limitado. Daí a importância da difusão do conhecimento em confronto como a tradição autoritária que condiciona o pensamento e a ação no Brasil”.

Para enfrentar essa perigosa onda conservadora e autoritária é necessário que a esquerda deixe de brigar consigo mesma e se unifique e se junte a todos os antifascistas e que assim possa se fortalecer e, quem sabe, formar uma frente ampla, popular que reúna os setores progressistas e democráticos para enfrentar a ameaça fascista.

*Homero de Oliveira Costa é professor titular (Ciência Política) do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Texto extraído do site da Revista Nossa Ciência 

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O caso Mariele e os “cidadãos de bem” à brasileira

Meme fascista expõe segunda morte de Mariele Franco via linchamento moral
Meme fascista expõe segunda morte de Mariele Franco via linchamento moral

Mariele Franco era uma vereadora do Rio de Janeiro, a quinta mais votada no último pleito na capital fluminense. Negra, mãe aos 17 anos, feminista, homossexual, militante dos direitos humanos e filiada ao PSOL. Simbolizava tudo que rejeita a crescente onda fascistóide, que corrói nossa sociedade.

A morte dela precisa ser investigada e esclarecida. Por mais que existam algumas suspeitas óbvias qualquer julgamento de valor nesse momento é precipitado.

Mas nada, absolutamente, nada justifica uma segunda morte de Mariele Franco. Antes mesmo de seu corpo ser sepultado imbecis sob o manto da moral e dos bons costumes estão fazendo um verdadeiro linchamento que massacra a imagem da jovem vereadora.

Nas redes sociais vi o absurdo de gente compartilhando memes e postagens que “celebram” a morte de Mariele numa morbidez que não combina com quem diz professar a fé cristã e/ou se coloca como um “cidadão de bem”. É uma constrangedora falta de empatia com o sofrimento de uma família.

A morte de nenhum ser humano pode ser comemorada. Mas o caso de Mariele carrega consigo uma carga simbólica que resume muito bem setores mais idiotizados de nossa sociedade que se deixam iludir por “salvadores da pátria” e embarcam nos chiliques estridentes de apresentadores de programas policiais.

Não é hora para misturar ideologia, politicagem de quinta categoria e sentimentos rancorosos. É um momento para se pensar o tipo de sociedade que temos e o quanto a liberdade que temos não pode servir de pretexto para expressar sentimentos odientos.

A morte de Mariele não é como a de tantos negros, mulheres, homossexuais e militantes de causas justas. A tragédia mistura num caixão toda a carga de preconceito que cada dia tem saído mais e mais dos porões do inconsciente de setores autoritários e violentos de nossa sociedade nada cordial como apregoou Sérgio Buarque de Holanda. Não somos cordiais. Somos violentos e celebramos a desgraça alheia com a indiferença de que é incapaz de se colocar no lugar do outro.

Essa tragédia provoca comoção de quem possui empatia com o próximo porque a jovem reunia em si toda a carga dos oprimidos desse país, mas também expões a hipocrisia nossa de cada dia do racismo velado, machismo “cavalheiro”, homofobia de pé de ouvido e do preconceito de quem diz não ter preconceito, “mas…”.

Poucos dias antes de ser vítima de uma emboscada ela tinha denunciado abusos da Polícia Militar. Dizer que ela estava defendendo bandidos é um reducionismo pobre e desonesto. É colocar no mesmo caldeirão bandidos e pessoas pobres/honestas que são maioria nas comunidades carentes.

Do mesmo jeito que ninguém pode dizer que foram membros da Polícia Militar que mataram Mariele Franco não se pode espalhar memes fascistas tornando a vítima culpada pela própria morte trágica.

Precisamos refletir sobre que “cidadãos de bem” são esses. São de “Bem” por serem honrados ou a moral deles é mera hipocrisia?