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O prazo de execução de prisão preventiva

Conversão antecipada da prisão em flagrante em prisão preventiva

Por Rogério Tadeu Romano  

A prisão preventiva é espécie de prisão provisória que surge no transcorrer da persecução penal.

Assim, é possível que se faça o encarceramento do indiciado ou mesmo do réu, antes do marco final do processo.

É a prisão sem pena, a prisão cautelar, provisória ou processual, que milita no âmbito da excepcionalidade do que se lê do artigo 5º, LVII, da Constituição, observando-se que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

A prisão preventiva, que é um dos exemplos de prisão provisória, antes do trânsito em julgado da sentença, só pode ser decretada “quando houver prova de existência do crime e indícios suficientes de autoria”, como se lê do artigo 312 do Código Penal. Há de se comprovar a materialidade do crime, a existência do corpo de delito, que prova a ocorrência do fato criminoso, seja por laudos de exame de corpo de delito ou ainda por documentos, prova testemunhal.

A isso se soma como requisito à existência de “indícios suficientes de autoria”, que deve ser apurada em via de fumaça de bom direito.

Tal despacho que decretar a prisão preventiva, a teor do artigo 315 do Código de Processo Penal, deve ser fundamentado.

O certo é que a Lei 12.403/11 manteve os requisitos da prisão preventiva: prova da existência de crime (materialidade); indícios suficientes de autoria (razoáveis indicações da prova colhida); garantia da ordem pública; garantia da ordem econômica; conveniência da instrução criminal; garantia da aplicação da lei penal.

O juiz, a teor do artigo 311 do Código de Processo Penal, em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, poderá decretar a prisão preventiva, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial. Na fase da investigação policial, não cabe ao juiz decretar, de ofício, a prisão preventiva, mas, sempre a pedido do Ministério Público, da autoridade policial, do assistente da acusação, do querelante.

As alterações havidas dizem respeito à legitimidade e oportunidade da decretação: a) somente o juiz pode decretá-la, de ofício durante o processo (não mais pode fazê-lo, como antes, durante a investigação; b) permite-se ao assistente da acusação requerê-la, o que antes não ocorria. Tal expediente praticamente esvazia a prisão preventiva durante o inquérito levando a necessidade de oportunizar a chamada prisão temporária, quando for o caso.

Daí porque a prisão preventiva está sujeita a prazo.

Para Eugênio Pacelli (Curso de Processo Penal, São Paulo, 2013), a jurisprudência construiu entendimento no sentido de que o prazo para encerramento da instrução criminal ocorreria após 81(oitenta e um) dias, atualmente, 86(oitenta e seis) dias de prisão, em flagrante ou preventiva, após o que seria possível a impetração de habeas corpus, fundado no excesso de prazo, no âmbito da Justiça Federal, à luz da Lei 11.719/08, prazo que pode chegar a 107(cento e sete) dias se houver prorrogação no prazo do inquérito.

Sempre que houver ilegalidade da prisão, cabe o relaxamento. Assim se há liberdade provisória, não estamos diante de prisão ilegal. Quero dizer que com o reconhecimento do relaxamento da prisão, com a soltura do preso, não haverá imposição a ele de restrições de direitos, pois é caso de anulação, não revogação, de ato praticado em violação à lei.

Da mesma forma, se há excesso de prazo na prisão preventivamente decretada, o tribunal, por via de habeas corpus ou mesmo de recurso nominado, deverá cassar a decisão, determinando o relaxamento da prisão, cuja continuidade seria ilegal.

O anteprojeto do Código de Processo Penal dispõe:

Quanto ao período máximo de duração da prisão preventiva, observar-se-ão, obrigatoriamente, os seguintes prazos:

I – 180 (cento e oitenta) dias, se decretada no curso da investigação ou antes da sentença condenatória recorrível, observado o disposto nos arts. 15, VIII e parágrafo único, e 32, §§ 2º e 3º;

II – 180 (cento e oitenta) dias, se decretada ou prorrogada por ocasião da sentença condenatória recorrível; no caso de prorrogação, não se computa o período anterior cumprido na forma do inciso I deste artigo.

  • 1º Não sendo decretada a prisão preventiva no momento da sentença condenatória recorrível de primeira instância, o tribunal poderá fazê-lo no exercício de sua competência recursal, hipótese em que deverá ser observado o prazo previsto no inciso II desteartigo.
  • 2º Acrescentam-se 180 (cento e oitenta) dias ao prazo previsto no inciso II desteartigo, incluindo a hipótese do §1º, se houver interposição, pela defesa, dos recursos especial e/ou extraordinário.
  • 3º Acrescentam-se, ainda, 60 (sessenta) dias aos prazos previstos nos incisos I e II desteartigo, bem como nos §§1º e 2º, no caso de investigação ou processo de crimes cujo limite máximo da pena privativa de liberdade cominada seja igual ou superior a 12 (doze) anos.
  • 4º Os prazos previstos nesteartigotambém se aplicam à investigação, processo e julgamento de crimes de competência originária dos tribunais.

Nessa linha de pensar, tem-se que as cortes europeias têm limitado o tempo a no máximo seis meses, mesmo no caso de suspeitos de terrorismo, fugindo do chamado “direito penal do inimigo”.

Certamente não se pode manter uma prisão preventiva diante da possibilidade do acusado, investigado, colaborar com a apuração da infração penal.

Assim, manter a prisão preventiva puramente para que se consiga uma confissão ou delação do réu ou investigado é exorbitar dos limites que são dados pela Constituição.

Distante disso é manter a prisão preventiva para a garantia da ordem pública. Este conceito não se limita a prevenir a reprodução de fatos criminosos, mas também a acautelar o meio social e a própria credibilidade da justiça em face da gravidade do crime e de sua repercussão. Leve-se em conta decisão do Supremo Tribunal Federal (RTJ 124/1033) no sentido de que a conveniência da medida deve ser regulada pela sensibilidade do juiz à reação do meio ambiente à ação criminosa.

Argumente-se que, se é certo que a gravidade do delito, por si só, não basta à decretação da custódia provisória, não é menos exato que a forma de execução do crime, a conduta do investigado somada a outras circunstâncias provocam o clamor público, abalando a própria garantia da ordem pública. (RTJ 123/57; RT 535/257).

Na matéria, a Lei n. 13.964/2019, que deu nova redação ao caput do art. 316 do Código de Processo Penal e lhe acrescentou o parágrafo único, dispõe:

“Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva se, no correr da investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem como novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem. Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal.”

O dispositivo na reforma processual de 2019 tem claro objetivo de combater as “chamadas prisões alongadas”. Objetiva-se a revisão periódica das prisões preventivas, prática já adotada por outras legislações, como da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

No entanto, depois de exercido o contraditório e a ampla defesa, com a prolação da sentença penal condenatória, a mesma Lei Processual Penal prevê que “O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, a imposição de prisão.

Assim, encerrada a instrução criminal, e prolatada a sentença ou acórdão condenatórios, a impugnação à custódia cautelar – decorrente, a partir daí, de novo título judicial a justificá-la – continua sendo feita pelas vias ordinárias recursais, sem prejuízo do manejo da ação constitucional de habeas corpus a qualquer tempo.

​A determinação do Código de Processo Penal (CPP) para que seja feita uma revisão, a cada 90 dias, da necessidade de manter a prisão preventiva é imposta apenas ao juiz ou ao tribunal que decretou a medida.

Com esse entendimento, a Sexta Turma, por unanimidade, negou habeas corpus em que a defesa pediu a revogação da prisão preventiva ao argumento de que o seu cliente estaria encarcerado há mais de um ano por causa do descumprimento da regra do CPP.

O entendimento que se deve ter é que a Lei 13.964/2019 – que acrescentou o parágrafo único ao artigo 316 do CPP – atribui expressamente ao “órgão emissor da decisão” a obrigação de revisar a necessidade de manutenção da preventiva a cada 90 dias, “sob pena de tornar a prisão ilegal”.

A decisão do STJ foi tomada no HC 589.544.

No mesmo sentido o AgRg no HC 569.701/SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas Quinta Turma, julgado em 09/06/2020, DJe 17/06/2020.

Mas deve-se entender que tal prazo não é peremptório.

O prazo de 90 dias da revisão periódica da prisão preventiva – CPP, art. 316, p.u. – não é peremptório (STF, HC 184.137, Rel. Min. Edson Fachin, decisão monocrática de 08.05.2020; STJ, HC 584.992, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, decisão monocrática de 22.06.2020).

Na linha expressa pelo TJMG, no julgamento do HC 10000204792535000, DJ de 19 de agosto de 2020, tem-se que “não há que se falar em infringência ao artigo 316 , parágrafo único , do CPP , quando o Juízo a quo revisa a necessidade da medida dentro do período de 90 (noventa) dias, sendo certo que, após remeter os autos à Instância Revisora, sua jurisdição foi esgotada.” Ali se disse:

“A alteração legislativa promovida pelo “Pacote Anticrime” tem como intuito evitar a prolongação indeterminada e injustificada da medida cautelar extrema, o que poderia representar um cumprimento antecipado de pena, sendo uma afronta ao princípio constitucional da presunção de inocência, sendo certo que, no Estado Democrático de Direito, a liberdade é a regra.

Contudo, não se pode exigir que o Magistrado que decretou a prisão preventiva fique eternamente vinculado ao exercício de rever a necessidade da medida, mormente quando o feito se encontra em sede recursal, uma vez que restou esgotada a jurisdição da primeira instância.”

Em apreciação monocrática do HC 181.187 ED/SP, em 21/9/2020, o ministro Gilmar Mendes concluiu que a ausência da revisão prevista no artigo 316, parágrafo único, em que pese representar um direito do réu à reanálise da necessidade da prisão a cada 90 dias, não conduz ao afastamento imediato da segregação, “cabendo ao Poder Judiciário determinar sua pronta satisfação”.

Nessa mesma linha, no AgRg no HC 606.872/GO (15/9/2020), a 6ª Turma do STJ assentou que o prazo de 90 dias para reavaliação da prisão preventiva “deve ser examinado pelo prisma jurisprudencialmente construído de valoração casuística, observando as complexidades fáticas e jurídicas envolvidas, admitindo-se, assim, uma eventual e não relevante prorrogação da decisão acerca da manutenção da necessidade das cautelares penais”.

No entanto, em sentido diverso, o ministro Marco Aurélio entende configurado o excesso de prazo da prisão “ante a não constatação da existência de decisão posterior, na qual reiterada a necessidade da medida” (HC 179.932 MC/MS, j. 5.3.2020; HC 190.463 MC/SC, j. 9.9.2020), determinando a imediata expedição de alvará de soltura clausulado.

A isso se some a recente e polêmica decisão do ministro Marco Aurélio de dar liberdade provisória a preso acusado de tráfico de drogas e de conhecida periculosidade.

Já se entendeu aliás que os prazos processuais previstos na legislação pátria devem ser computados de maneira global e o reconhecimento do excesso deve-se pautar sempre pelos critérios da razoabilidade e da proporcionalidade (art. 5º, LXXVIII, da CF), considerando cada caso e suas particularidades.

Antonio Ruiz Filho(Prisão preventiva e sua duração razoável) disse:

 “A sobredita revisão obrigatória, a cada 90 dias, da decisão que decretou a prisão preventiva, sob sanção de ilegalidade em caso de descumprimento, é de fulcral importância para reparar a deformidade recorrente e gravíssima de se permitir prisões cautelares por prazos abusivamente longos10, que na prática judiciária chegam a durar muitos meses ou até anos, com a complacência dos operadores do Direito, exceção feita aos advogados. Não é demasiado afirmar que prisão provisória longa é em si um contrassenso, por tudo podendo equiparar-se ao cumprimento de pena sem condenação definitiva. A provisoriedade da prisão preventiva impõe que seja rápida, breve, efêmera, precária.

A decisão revisional, “sempre motivada e fundamentada”, requer outros elementos implantados pela nova lei 13.964/19: a marcada excepcionalidade da prisão preventiva; a existência do perigo gerado pelo “estado de liberdade”; a verificação da subsistência dos motivos concretos que a justificam sob perspectiva atual (contemporaneidade); a impossibilidade de que suas circunstâncias permitam equipará-la à antecipação do cumprimento de pena; e que seja insuficiente a substituição por medidas alternativas à prisão.

O prazo de 90 dias estabelecido para a revisão obrigatória do decreto prisional cautelar, à vista de tudo isso, passa a ser o novo marco legal para a duração da prisão preventiva, ainda que possa ser mantida por igual prazo e, assim, sucessivamente, cumpridas todas as formalidades impostas pelas novas diretrizes da lei 13.964/19 e que passam a integrar o Código de Processo Penal.

O termo “revisar” (empregado no art. 316, parágrafo único, do CPP) é revelador. Não se realiza por mera chancela, manutenção desmotivada, uma simples confirmação protocolar, cumprimento automático de mera formalidade. A revisão impõe que sejam reexaminados, mediante despacho “motivado e fundamentado”, todos os elementos que suportam a prisão cautelar, como se fosse uma decisão primitiva. Não faria o menor sentido que sua prorrogação revisional fosse mera extensão da decisão anterior, à qual bastaria se reportar ou repetir.”

Ademais cabe observar que a atuação do juiz, dentro do sistema acusatório, não deve ser de ofício. Estará sempre presente a palavra do Parquet, por seu presentante nos autos, para que acentue a necessidade ou não da continuidade da dita prisão preventiva.

O que importa, dentro da discussão relatada, é que ditas prisões preventivas, como provisórias que são, a bem da instrumentalidade do processo, não se tornem satisfativas, como antecipação de mérito da medida final condenatória, como “longas prisões”, em detrimento do princípio impositivo constitucional da dignidade da pessoa humana.

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