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Análise

No Brasil é mais fácil soltar agressor do quilombola do que quem queima estátua de genocida

Durou menos de 24 horas a prisão preventiva de Alberan Feitas, o comerciante de Portalegre (RN) que amarrou o quilombola Luciano Simplício no dia 11 de setembro.

Ele confessou o crime que está documentado em vídeo que chocou o país. Seu comparsa, o servidor público, André Diogo Barbosa, se deu ao luxo de ser “libertado” quando ainda estava na condição de foragido.

Alberan responde desde o ano passado ao crime de injúria racial e praticou no dia 11 de setembro um crime que lembra as torturas que os escravos sofriam.

Em outro ponto, temos a história de Paulo Galo, Thiago Zem e Danilo Biu. O trio foi preso por envolvimento no incêndio da estátua do bandeirante Borba Gato, que entrou para história por escravizar negros e indígenas, praticando com este último um verdadeiro genocídio.

Galo confessou envolvimento na ação contra a estátua.

Alberan teve um comportamento sádico. Galo fez um ato político, ainda que passível de questionamentos.

Galo e seus companheiros ficaram 13 dias presos. Alberan apenas algumas horas e foi solto após o Ministério Público opinar por sua libertação.

A vida humana vale menos do que o monumento em homenagem a um personagem símbolo das injustiças raciais neste país.

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Foro de Moscow

Foro de Moscow 15 set 2021 – O histórico racista do agressor do quilombola

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Mulher é condenada por injúria racial contra genro em Mossoró

Uma mulher foi condenada a uma pena de um ano e quatro meses de reclusão e 68 dias-multa, por ter proferido ofensas contra seu ex-genro, ato tipificado como Injúria Racial, tendo sido praticado na presença de várias pessoas, inclusive de transeuntes em via pública, na cidade de Mossoró. As agressões teriam sido feitas de forma gratuita, sem que houvesse qualquer animosidade anterior.

A acusada foi denunciada pelo Ministério Público Estadual por ter cometido o delito tipificado no Código Penal como Injúria Racial e na presença de várias pessoas, em 23 de dezembro de 2013, por volta das 20 horas, em residência situada no bairro Alto da Conceição, em Mossoró. Os fatos narrados indicam a injúria à vítima, com ofensa à dignidade e ao decoro, utilizando-se de elementos referente à raça.

Conforme a denúncia, a vítima foi à residência da acusada, sua sogra, buscar o filho que estava com a mãe. No entanto, quando ela percebeu a presença da vítima, começou a ofendê-lo, com expressões preconceituosas e ofensivas.

A denúncia traz ainda a informação de que, no momento das ofensas, estavam presentes um amigo da vítima, um senhor que mora em frente a residência da acusada e a filha da acusada e ex-companheira da vítima. A denúncia foi recebida em 13 de fevere iro de 2017.

Julgamento

 Para a 2ª Vara Criminal de Mossoró, a materialidade e a autoria ficaram devidamente comprovadas, pelos depoimentos prestados, pela vítima, assim como por meio das testemunhas levados aos autos, que foram contundentes em afirmar a ocorrência, não deixando pairar dúvidas de que a acusada foi responsável por ofender e insultar a dignidade e o decoro da vítima, utilizando elementos referentes a sua cor.

“Percebe-se, de forma cristalina, que os depoimentos das testemunhas são coerentes, harmônicos e convergentes, sem contradições dignas de nota, motivo pelo qual gozam de credibilidade no contexto probatório e autoriza a condenação. Nessa perspectiva, pelo fato do crime de injúria racial ser transeunte, em regra, não deixando vestígios, não se pode deixar de levar em consideração o elemento da prova oral”, destaca a sentença.

A sentença também ressaltou que foi expedido mandado de intimação para o endereço informado pela própria acusada, mas ela não foi encontrada, ficando ausente em seu interrogatório judicial. “De todo modo, a acusada não trouxe qualquer elemento capaz de infirmar a prova produzida, mesmo estando ciente da ação penal movida contra si, limitando-se a negar o fato no seu interrogatório policial”, salienta a decisão.

Fonte: TJRN

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Deputados aprovam projeto que veda nomeação de condenados por crime de racismo

Projeto de Francisco do PT ganhou adesão de colegas (Imagem: AL/RN)

A Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte (AL/RN) aprovou nesta terça-feira (10), o Projeto de Lei que veda a nomeação para cargos em comissão de pessoas que tenham sido condenadas por crime de racismo. De autoria do deputado Francisco do PT, o projeto ainda prevê a exoneração de pessoas que tenham sido condenadas com base na Lei Federal nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989.

“Essa lei objetiva que todas as pessoas que sejam condenadas por crimes de racismo, fiquem vedadas a ocupação de cargos em comissão no estado do RN”, comentou Francisco do PT.

Os deputados Ubaldo Fernandes (PL), Vivaldo Costa (PSD), Coronel Azevedo (PSC) e Getúlio Rêgo (DEM) se manifestaram favoravelmente ao PL. Os dois últimos defenderam que pessoas condenadas a qualquer tipo de crime, com sentença condenatória transitada e julgada, sejam impedidos de ocupar cargos comissionados.

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Por que os protestos esfriam?

Quem era João Beto, o negro assassinado por seguranças no Carrefour

Por Leonardo Torres*

Recentemente, a população brasileira indignou-se com o assassinato de João Alberto Silveira Freitas por seguranças em uma unidade da rede Carrefour. Esta indignação comoveu a população não somente de maneira racional, mas também emocional, o que levou a protestos por todo o Brasil.

Se pudéssemos escolher algumas características da sociedade atual, com certeza uma delas seria a vontade de romper com alguns paradigmas preconceituosos. A legitimidade das manifestações antirracistas que ocorrem pelo mundo é de extrema importância para essa virada de chave, mas ainda falta sustentarmos esse movimento.

Essa comoção coletiva se dá graças à capacidade do ser humano em contagiar e ser contagiado pelas emoções. Por exemplo: em um grupo de amigos, é normal todos sentirem fome e sono juntos. A risada de um causa risadas em outros. Ou então, uma ânsia de vômito pode fazer outros vomitarem também. Essa capacidade é um dos fatores de sobrevivência para animais que são gregários.

No caso do ocorrido no Carrefour, o contágio psíquico se deu pela indignação e raiva, gerando revolta como um todo. Felizmente, este contágio gerou algo criativo, em prol de um bem social e antirracista.

A grande questão é que, na maioria das vezes, esta comoção coletiva vem acompanhada de uma catarse, isto é, uma tentativa de expurgar o incômodo; não à toa, houve depredação de algumas unidades do Carrefour. E uma vez atingida a catarse, a normalidade tende a voltar.

É neste ponto que os protestos perdem força e os preconceitos se enrijecem novamente. É necessário colocar não somente o emocional, mas o racional e a consciência em prol desse movimento, a fim de sustentar a voz da equidade humana.

*É psicoterapeuta junguiano e palestrante.

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.

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Pode um tratado contra o racismo quebrar o pacto contra os negros?

Por Silvio Almeida*

No meio do caos, da violência e do negacionismo da questão racial, em muito estimulados pelo atual governo e suportados por parte da sociedade brasileira, a Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (9) o projeto de decreto legislativo 861 que ratifica o texto da Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância. A sessão foi presidida por Orlando Silva (PC do B), um dos poucos deputados federais negros da casa.

A aprovação do projeto, ainda mais neste contexto, não pode ser considerada algo menor. Em primeiro lugar, pelo seu conteúdo, oriundo de propostas apresentadas em 2005 no âmbito da OEA (Organização dos Estados Americanos). Posteriormente, em 2011, na Terceira Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, diversas propostas foram apresentadas até que, em junho de 2013, a convenção foi aprovada na 43ª sessão ordinária da OEA.

Mãe de Emily Victoria Silva dos Santos, 4, fala durante protesto após morte da menina em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense – Nicola Pamplona – 6.dez.2020/Folhapress

O Brasil teve papel fundamental na elaboração da convenção desde as primeiras negociações. Em 2015, o Poder Executivo, após assinatura, enviou o texto para a ratificação do Poder Legislativo a fim de que as normas ali contidas pudessem ser integradas ao ordenamento jurídico brasileiro. Em 2018, as comissões temáticas da Câmara dos Deputados aprovaram o texto da convenção.

Alguns pontos específicos dessa convenção internacional merecem destaque.

Em suas considerações iniciais, a convenção diz que seu objetivo é “combater a discriminação racial em todas as suas manifestações individuais, estruturais e institucionais”. Portanto, ao invés de reduzir o racismo à esfera individual e comportamental, a convenção reconhece o racismo como um processo, em que são criadas condições sistêmicas para a reprodução de práticas discriminatórias, posição sobre o tema que tenho defendido em livros e artigos.

Protesto na avenida Paulista contra as mortes da vereadora carioca Marielle Franco e do motorista Anderson Pedro Gomes Danilo Verpa/Folhapress

Em seu artigo 5º, por sua vez, os Estados signatários se comprometem “a adotar as políticas especiais e ações afirmativas necessárias para assegurar o gozo ou exercício dos direitos e liberdades fundamentais das pessoas ou grupos sujeitos ao racismo, à discriminação racial e formas correlatas de intolerância”. Abrem-se as portas para que o Estado brasileiro e seus agentes sejam demandados na esfera política e judicial, caso se omitam em desenvolver iniciativas antidiscriminatórias e de promoção da igualdade racial.

Com a aprovação por mais de três quintos de deputados e senadores, e seguido o rito de dupla votação nas duas casas do Congresso Nacional, ao final, a convenção poderá ter status de emenda constitucional por força do parágrafo 3º do artigo 5º da Constituição Federal.

Ao integrar o ordenamento jurídico brasileiro, a convenção poderá ser invocada para que o racismo institucional em nosso país possa ser denunciado perante os órgãos internacionais de defesa dos direitos humanos como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Nesse caso, o Estado brasileiro pode ser responsabilizado pelas suas ações e omissões que tem vitimado cotidianamente a população negra.

Pouco antes do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes completar mil dias, Emily e Rebeca, duas crianças negras, foram assassinadas enquanto brincavam na porta de casa, em Duque de Caxias.

Não há nada a comemorar nesta semana. Temos, porém, um novo instrumento para seguir em luta.

*É professor da Fundação Getulio Vargas e do Mackenzie e presidente do Instituto Luiz Gama.

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.

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Girão explica voto contra adesão do Brasil a pacto internacional de combate ao racismo e intolerância

Girão nega racismo no Brasil (Foto: Web/autor não identificou)

O deputado federal General Girão (PSL) explicou ao Blog do Barreto o voto contra a adesão do Brasil à Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância.

Diz o parlamentar:

O enfrentaremos contra o racismo deve ser travado na sociedade e não pelo Estado.  E se for pelo Estado, que seja por nossas Instituições e não por direcionamento de um Comitê internacional.  Muita coisa errada de controle internacional dos nossos cidadãos foi introduzida com esse projeto.  Acompanho essa questão de interferencia externa e é estarrecedor o quanto já estamos subjulgados politicamente por vários acordos dessa natureza. O PDL de ontem piorou o que já era ruim. Nossa falta de articulação está custado caro para todos com consciência do problema.  Mais uma vez reafirmo meu apoio aos poucos que votaram contrario! Isso só demonstra o quanto está sendo danoso esse sistema de votações implantado pelo Imperador Rodrigo Maia.

Ele também enviou ao Blog um áudio em que reforçou a posição dele e negou a existência de racismo no Brasil. Confira:

Nota do Blog: Girão se manifestou após crítica do editor do Blog no Foro de Moscow. Assista abaixo o programa completo:

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Girão é o único deputado do RN a votar contra adesão do Brasil a projeto de internacional de combate ao racismo e intolerância

Ontem a Câmara dos Deputados aprovou em dois turnos a adesão do Brasil à Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância.

Dos oito deputados do Rio Grande do Norte somente General Girão (PSL) votou contra.

A convenção é apontada como “um ato ou conjunto de atos ou manifestações que denotam desrespeito, rejeição ou desprezo à dignidade, características, convicções ou opiniões de pessoas por serem diferentes ou contrárias”.

A proposta foi aprovada em primeiro turno por 414 votos a 39 e em segundo por 417 votos a 42.

O PSL de Girão liberou a bancada e só o Partido Novo fechou questão contra a proposta.

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Mourão vê racismo como vovozinha disfarçada

Hamilton Mourão (EVARISTO SA Crédito: AFP)

Por Josias de Souza

Num instante em que o Brasil deveria celebrar o Dia da Consciência Negra, ganhou as redes sociais um vídeo com imagens ultrajantes. Exibem o assassinato de um negro, no estacionamento de um supermercado da rede Carrefour, em Porto Alegre, por dois seguranças, ambos brancos. O cliente do supermercado que foi brutalmente espancado se chama João Alberto Silveira Freitas. Tinha 40 anos.

O episódio ressuscitou um debate enfadonho sobre racismo. E o vice-presidente Hamilton Mourão decidiu frequentar o debate com um veredicto categórico: “Para mim, no Brasil não existe racismo. Isso é uma coisa que querem importar aqui para o Brasil, não existe aqui.” Mourão classificou o assassinato de “lamentável”. E atribuiu a morte ao fato de que a segurança do supermercado estava “totalmente despreparada para a atividade que tem que fazer.” A frase de Mourão é uma versão racial do negacionismo do governo. Nessa matéria, a opinião do vice se harmoniza com a do presidente Jair Bolsonaro.

As evidências da existência de racismo no Brasil aparecem em toda parte. A violência é apenas uma face do problema. Na era digital, ficou mais difícil de esconder. O celular tornou-se uma arma poderosa contra a truculência de seguranças e de policiais. Com duas vantagens: o celular não atira para matar. E sempre acerta dois alvos com um único disparo: o criminoso e seus superiores hierárquicos —sejam governadores ou empresários.

Todos precisam se explicar. Nós, jornalistas, falhamos, porque registramos o descalabro, a consternação e as desculpas. Mas não acompanhamos os processos para verificar se houve punição.

O silêncio de Bolsonaro fez de Mourão a voz oficial do governo na repercussão sobre o assassinato do negro no supermercado gaúcho. A partir da fala do vice-presidente intensificou-se nas redes sociais a discussão sobre se houve ou não um componente de racismo no crime.

Os indícíos sinalizam que sim. Mas talvez falte um crachá. As orelhas são de Lobo, os dentes são de lobo, o focinho é de Lobo. Mas Mourão avalia que o país está diante de uma vovozinha disfarçada de segurança mal treinado.

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.

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Vidas negras importam. A luta contra o racismo nos EUA em plena pandemia

Por Robério Paulino*

A morte de George Floyd, um homem negro asfixiado até a morte por um policial branco em Minneapolis, desencadeou uma onda de protestos contra o racismo nos EUA e em todo o mundo em plena pandemia da COVID-19.  O fato revelou mais uma vez o racismo estrutural contra negros, indígenas e latinos na sociedade norte-americana, especialmente contra os primeiros. Mesmo correndo o risco de contaminação e arriscando suas vidas, milhares de manifestantes, especialmente jovens, resolveram não deixar passar em vão aquele fato bárbaro e foram às ruas protestar em dezenas de cidades de todo o país.

As polícias e a Guarda Nacional prenderam milhares de manifestantes, os governos decretaram toque de recolher. Mas não adiantou; os manifestantes desafiaram os decretos e não saíram das ruas por quase duas semanas. Ocorreram também diversas manifestações na Europa e até no Japão. Os portuários da Costa Oeste do país resolveram parar em solidariedade aos manifestantes.

O assassinato e as manifestações mostram que o racismo continua forte e latente nos EUA e em muitos países e que a luta contra ele será um dos pontos mais importantes da agenda do século XXI. Revelaram também, mais uma vez, a extrema brutalidade dos corpos policiais, como braços armados dos Estados capitalistas. A força das manifestações forçou alguns governos estaduais e municipais daquele país a anunciar mudanças nas estruturas e no treinamento das polícias, até mesmo sua dissolução, como resposta às demandas dos milhares de manifestantes que foram às ruas.

A reação dos manifestantes surpreendeu a muitos, gerou perplexidade, até porque ocorreram em plena pandemia. Mas elas são fundamentais para nos fazer lembrar como, apesar de toda tecnologia, dos grandes avanços científicos, do acesso sem precedentes à informação que integra todo o mundo, da mundialização da economia, com integração cada vez maior dos países e povos, a humanidade ainda não se livrou de práticas tão antigas e degradantes, como o racismo, em pleno século XXI. O fato é que, seja nos EUA, na Europa ou Brasil, a discriminação racial continua como uma profunda marca das sociedades.

O debate se ampliou e as manifestações fizeram com que os EUA e o mundo entrassem numa discussão sobre a origem do racismo na Idade Moderna, questionando o próprio processo de colonização dos europeus sobre o mundo e as profundas marcas que ele deixou. Em Bristol, na Inglaterra, a estátua de um comerciante de escravos foi derrubada e jogada em um rio da cidade pelos manifestantes.

Nos EUA, a estátua de Cristóvão Colombo, um patrimônio simbólico do país – navegador que iniciou as expedições às Américas há mais de cinco séculos e a colonização que matou milhões de indígenas – também se tornou um alvo dos manifestantes e precisa ser protegida pela polícia. No Brasil, a estátua de Borba Gato, um bandeirante – na verdade um caçador de escravos fugidios e matador de índios -, na Zona Sul de São Paulo, entrou no radar dos movimentos e precisa ser vigiada no momento.

No Brasil, para alguns, pretensamente, o racismo seria mais arrefecido, pela maior miscigenação ocorrida por aqui e talvez pelo suposto caráter mais “cordial” da elite escravocrata brasileira, como cunhou Sérgio Buarque de Holanda (1995). Para outros autores, essa pretensa cordialidade revelava apenas a debilidade da aristocracia rural brasileira no mundo. A discriminação racial também segue até hoje como uma das marcas mais profundas da sociedade, sendo apenas mais disfarçada.  O Brasil foi de longe a colônia que mais recebeu escravos nas Américas, quase 8 vezes mais que toda a América Britânica e os EUA juntos, como pode ser visto na tabela abaixo, extraída de Luis Felipe de Alencastro (2000).

Outros milhões morreram na travessia do Atlântico. Quando ficavam doentes, os escravos eram cruelmente jogados ainda vivos em pleno mar, para não contaminar a “carga”, sem qualquer chance de sobrevivência, como mostrou Steven Spielberg numa cena do filme Amistad. Lembremos também que no Brasil as polícias matam muitas vezes mais que nos EUA ou na Europa.

O fato é que, apesar de todos os avanços conseguidos desde o fim da escravidão nas Américas, o racismo segue sendo um dos traços estruturais em muitas sociedades e no Brasil. A violência policial não é o único fator que atinge os negros. Eles seguem com os empregos de menores salários e piores condições de trabalho, como se pode ver na composição da categoria dos garis. Moram mais nas periferias carentes das cidades, com infraestrutura de serviços deficientes, como as comunidades ou favelas.

Apesar de terem avançado em sua presença nas universidades nas últimas décadas, com as políticas de ação afirmativa, os negros ainda são absoluta minoria nos cursos mais disputados nas universidades, como Medicina e Engenharia.

É preciso relembrar que a escravidão não é uma questão apenas de raça. Foi um artifício usado pelo capitalismo nos primeiros séculos da Era Moderna. Não decorreu de maldade de um povo de uma cor sobre outro, mas de interesses econômicos poderosos, ainda que seja evidente que os brancos se beneficiaram dela. O capital também não se importou em explorar milhões de trabalhadores brancos europeus em suas fábricas, com salários miseráveis e condições de trabalho degradantes, ainda que os trabalhadores fabris fossem considerados “livres”, diferentemente dos escravos.

Antes de recorrerem à escravidão negra africana, os colonizadores europeus na América também tentaram escravizar os indígenas em suas fazendas. Mas como esses estavam em seu próprio território, resistiam a serem escravizados e se evadiam com mais facilidade, o capital recorreu à escravidão negra, já que os negros foram arrancados de suas terras na África e jogados num ambiente estranho, portanto hostil, tendo por isso tinham mais dificuldade em fugir. Assim mesmo, há exemplos heroicos de evasão, resistência e luta, como o Quilombo dos Palmares, do qual visitei o sítio há alguns anos. Em 2019, visitei também o Museu da Escravidão, em Liverpool, no qual se mostra todo sofrimento, mas também a epopeia que foi a luta dos negros contra a escravidão e por igualdade nesses últimos séculos.

Por um lado, o assassinato de George Floyd nos choca, deprime, revolta e nos faz pensar sobre quanto de brutalidade, desigualdade e violência ainda existem nas sociedades divididas em classes sociais, como o capitalismo. Por outro, a reação contra tal barbaridade, não só nos EUA, mas em todo o mundo, nos traz ânimo e nos faz acreditar nas reservas morais que ainda tem a humanidade.  O fato de termos visto um grande contingente de jovens brancos lutando ombro a ombro com jovens negros contra o racismo, enfrentando as polícias, é um dado que nos alenta, nos empolga e enche o coração de esperança. A humanidade tem futuro, apesar de tudo.

A diferença da cor da pele é apenas um detalhe biológico, uma adaptação à latitude dos locais onde viveram os diferentes povos inicialmente, ou seja, uma adaptação à maior ou menor incidência do Sol. Mas todos os ancestrais do sapiens saímos do leste da África há 70 mil anos para colonizar o planeta.

O Brasil é o país com o maior contingente negro das Américas. Isto reafirma mais que nunca a necessidade de políticas afirmativas de promoção da igualdade também por aqui, como as cotas nas universidades e no ingresso ao serviço público. O caso George Floyd e as manifestações que dele decorreram deve nos levar a refletir sobre quanto ainda é necessário avançar no combate ao racismo, a todo tipo de discriminação, desigualdade e violência em nosso país. O mundo está mudando e também precisamos avançar.

É professor da UFRN, no Departamento de Políticas Públicas, Natal.

REFERÊNCIAS

ALENCASTRO, Luiz Felipe de, O trato dos viventes: Formação do Brasil no Atlântico Sul, séculos XVI e XVII, São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. (26ª edição) São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

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Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.