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Barroso nega pedido de Bolsonaro e mantém decretos do RN e de mais dois estados com medidas restritivas para conter Covid-19

Ministro do STF defendeu que decretos se basearam em orientação e dados de órgãos técnicos de saúde dos estados (Foto: Assessoria ST)

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), indeferiu ontem (23) o pedido do Presidente da República, Jair Bolsonaro  (Sem Partido), para suspender decretos dos Estados do Rio Grande do Norte, de Pernambuco e do Paraná que determinaram medidas restritivas, em razão da pandemia de Covid-19.

Ao analisar a medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6855, o ministro ressaltou que as medidas estaduais estão de acordo com reiterada jurisprudência do STF, segundo a qual a União, os estados e os municípios possuem competência legislativa concorrente e competência administrativa comum para a defesa da saúde.

O ministro esclareceu que os decretos se basearam em orientação e dados de órgãos técnicos de saúde dos estados sobre o avanço da doença e são dotadas de razoabilidade, destinando-se a um fim legítimo: conter o contágio, mortes e sobrecarga do sistema de saúde.

“Em matéria de proteção à vida, à saúde e ao meio ambiente, é legítima e exigível a observância dos princípios da prevenção e da precaução”, concluiu Barroso, ressaltando a jurisprudência da Corte.

A União pediu aditamento à petição inicial da ADI para incluir novas normas. Esse pedido será analisado pelo relator após a manifestação das partes.

Leia a íntegra da decisão.

Com informações do Supremo Tribunal Federal 

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Será caso de arquivamento do inquérito dos atos antidemocráticos?

 Investigação sobre atos antidemocráticos resultou em pedido de arquivamento pela PGR (Foto: Sergio Lima/AFP)

Por Rogério Tadeu Romano*

Segundo a Folha de São Paulo, em 4 de junho do corrente ano, a PGR (Procuradoria-Geral da República) pediu ao STF (Supremo Tribunal Federal) o arquivamento das investigações de parlamentares bolsonaristas que eram alvo do inquérito dos atos antidemocráticos.

O caso apurava o envolvimento de 11 deputados na organização de movimentos de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro que pediam o fechamento do Congresso e do Supremo e a volta do regime militar.

A Procuradoria também encaminhou à primeira instância casos envolvendo pessoas que não têm foro especial.

Segundo a manifestação enviada pela PGR à corte, a Polícia Federal não conseguiu encontrar provas da participação dos parlamentares envolvidos nos supostos crimes e, por isso, a apuração deve ser encerrada.

Em janeiro deste ano, a PF pedira autorização da PGR para investigar pelo menos 6 linhas adicionais nesse inquérito. Segundo relatório parcial da instituição, a solicitação não foi aprovada. As informações são da Rede Globo, que teve acesso aos documentos do inquérito, conforme o site Poder 360.

Parece-nos que não seria caso para tal pedido de arquivamento cuja decisão homologatória para tal não cria a coisa julgada.

Ainda conforme o site Poder 360, “segundo o relatório parcial da PF, foram encontrados indícios de que congressistas que apoiam o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) planejaram a propagação de discursos de ódio e antidemocráticos, incluindo o rompimento da ordem institucional.”

Com base nesses indícios, a PF pediu que novas linhas investigativas fossem autorizadas. Entre elas, sobre o material encontrado na casa do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos. Um bilhete dizia: “Objetivo: materializar a ira popular contra os governadores/prefeitos; fim intermediário: saiam às ruas; fim último: derrubar os governadores/prefeitos“.

Também foram interceptadas mensagens sobre uma articulação para evitar que um sócio de Allan dos Santos depusesse na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) das Fake News na Câmara dos Deputados. Além disso, a PF identificou pagamentos de servidores públicos ao canal de Allan dos Santos na internet.

Observe-se que sobre o financiamento dos atos antidemocráticos, a PF indicava a necessidade de investigar supostos repasses de verbas federais para sites e outros canais bolsonaristas. O objetivo dos repasses seriam a produção de conteúdos que atacassem as instituições democráticas.

O financiamento da produção da identidade da Aliança pelo Brasil, partido que Bolsonaro tentou criar, também era um dos pontos para os investigadores. A Inclutech Tecnologia, do empresário Sérgio Lima, recebeu R$ 1,7 milhão de reais pelo projeto. Mas também recebeu R$ 30.300 de cota parlamentar dos deputados General Eliéser Girão (PSL-RN), Guiga Peixoto (PSL-SP), Aline Sleutjes (PSL-PR) e Bia Kicis (PSL-DF), ainda conforme informado no site Poder 360.

É certo que há jurisprudência na matéria e lições doutrinárias sobre a mera decisão homologatória de arquivamento diante de pedido do chefe do Ministério Público. Afinal, ele é o titular da ação penal pública.

O ministro Luiz Fux, relator do Mandado de Segurança (MS) 34730, observou que “não há previsão legal para que a determinação do procurador-geral seja submetida ao controle do Judiciário”.

“Se houver irresignação contra o arquivamento, a última palavra é do procurador-geral de Justiça” afirmou. Para o ministro, o arquivamento de PIC determinado pelo procurador-geral de Justiça não necessita de prévia submissão ao Judiciário, “pois pode ser revisto caso apareçam novos meios de prova, ou seja, não acarreta coisa julgada material”.

O ministro Fux anotou que, como o procurador é a autoridade própria para aferir a legitimidade do arquivamento desses procedimentos, “não há motivo para que sua decisão seja objeto de controle jurisdicional”.

Ora, bem ensinou Fernando da Costa Tourinho Filho (Processo Penal, volume I, 6ª edição, pág. 243) que o pedido de arquivamento, nos crimes de ação penal pública, fica afeto ao órgão do Ministério Público. Somente este é que poderá requerer ao Juiz seja arquivado o inquérito, e, caso o magistrado acolha as razões invocadas por ele, determina-lo-á. Do contrário, agirá de conformidade com o artigo 28 do CPP.

A opinio delicti cabe ao titular da ação penal e não àquele que se limita, simplesmente a investigar o fato infringente da norma e quem tenha sido o seu autor.

O exercício da ação penal pública cabe ao Ministério Público. Se este concluir pela não-propositura da ação penal, não mais fará senão manifestar a vontade do Estado, de que é órgão, no sentido de não haver pretensão punitiva a ser deduzida. O mais que o juiz poderá fazer será exercer aquela função anormal, a que se referiu Frederico Marques, fiscalizando o princípio da obrigatoriedade da ação penal, evitando, assim, o arbítrio do órgão do Ministério Público. Ora, se o juiz submeteu o caso à apreciação do Chefe do Ministério Público e este entendeu que o Promotor estava com a razão, cessou o arbítrio, arquiva-se então o inquérito.

Assim o Ministério Público tem “o poder de ação”, e o juiz o “poder jurisdicional”.

Como bem disse ainda Fernando Tourinho Filho (obra citada, pág. 352), de notar-se que o titular da ação penal pública é o Estado, e o órgão incumbido de promover a ação penal é o Ministério Público. A este cumpre verificar se é caso de promove-la. Do contrário, estaria o Juiz (aí, sim) invadindo seara alheia, pois exerceria, de maneira obliqua o poder de ação. Mesmo na França, onde a ação penal é sempre pública, o procurador da República pode, quando julga infundada a noticia criminis, deixar de iniciar a ação penal.

Ainda trago à colação:

Artigo 18 do CPP e Procedimento Investigatório no MP

“A investigação foi instaurada sem estar instruída com provas, na medida em que requisitadas cópias de ambos os procedimentos anteriores. As diligências determinadas por ocasião da instauração consistiram na solicitação de documentos a órgãos públicos e na renovação do pedido de assistência internacional determinado no anterior inquérito civil. Disso se conclui que, em parte, o Ministério Público do Estado de São Paulo retomou as investigações iniciadas no inquérito civil, desta feita sob a roupagem criminal. (…) O fato de o Ministério Público ter extraído dos fatos uma suspeita maior quanto ao período e quanto aos crimes não é relevante. As provas existentes e o contexto fático são os mesmos. Essas novas definições são simples tentativa de dar nova roupagem às investigações. O Ministério Público não pode simplesmente arrepender-se do arquivamento de investigação, mesmo por falta de provas. Sem que surjam novas provas, ou ao menos meios de obtê-las, não é cabível retomar as pesquisas.

[Rcl 20.132 AgR-Segundo, rel. min. Teori Zavaski, red. p/ o ac. min. Gilmar Mendes, 2ª T, j. 23-2-2016, DJE 82 de 28-4-2016]”

Acrescento que em manifestação na Petição (PET) 8892, o ministro Celso de Mello afirmou que o monopólio da titularidade da ação penal pública pertence ao Ministério Público (MP), não cabendo ao Poder Judiciário ordenar o oferecimento de acusações penais pelo MP, “pois tais providências importariam não só em clara ofensa a uma das mais expressivas funções institucionais do Ministério Público, a quem se conferiu, em sede de persecutio criminis, o monopólio constitucional do poder de acusar, sempre que se tratar de ilícitos perseguíveis mediante ação penal de iniciativa pública, mas, também, em vulneração explícita ao princípio acusatório, que tem no dogma da separação entre as funções de julgar e de acusar uma de suas projeções mais eloquentes”.

É uma tradição que requerido o arquivamento dos autos do procedimento do inquérito pelo procurador-geral da República o Supremo Tribunal Federal acompanhe tal pedido, homologando-o.

No entanto, em 2019, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, negou o arquivamento do inquérito que apura ameaças e ofensas contra ministros e o tribunal.

É certo que o inquérito para investigar atos antidemocráticos tem se baseado em circunstâncias heterodoxas, pois aberto e, após, conduzido pelo próprio STF, na pessoa do ministro Alexandre de Moraes.

É o Inq. 4.781. ali foi dito pelo ministro relator:

“Não se configura constitucional e legalmente lícito o pedido genérico de arquivamento da Procuradoria Geral da República, sob o argumento da titularidade da ação penal pública impedir qualquer investigação que não seja requisitada pelo Ministério Público, conforme reiterado recentemente pela SEGUNDA TURMA do STF (Inquérito 4696, Rel. Min. GILMAR MENDES), ao analisar idêntico pedido da PGR, em 14/08/2018”.

Acentuo ainda que a gravidade de condutas que ainda precisam ser investigadas, acentuam a necessidade da continuidade daquela investigação que envolve o zelo à ordem democrática do Brasil, uma vez que há propósitos graves de incentivar o retorno a ditadura, via um novo AI-5, o fechamento do Congresso Nacional e do STF, algo que não se concebe no regime democrático.

Novos documentos do inquérito da Polícia Federal que investiga os responsáveis por atos antidemocráticos realizados no ano passado apontam que membros de um grupo bolsonarista discutiam com o ex-secretário de Comunicação da Presidência Fabio Wajngarten a criação de um departamento de “comunicação estratégica e contrainformação” para assessorar o presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto, segundo o G!, o que cada vez mais demonstram a necessidade de aprofundamento das investigações.

Portanto é temerário o pedido de arquivamento do inquérito.

Em via doutrinária, pensemos em barreiras legais à ação daqueles que advogam contra os princípios e as instituições democráticas. Nesse sentido, Karl Loewenstein propôs, em 1937, a controvertida doutrina da “democracia militante”, incorporada pela Lei Fundamental em 1949 e aplicada pela Corte Constitucional alemã nas décadas seguintes. Foi o caso do combate a organizações terroristas de esquerda que atuaram na década de 1970 na Alemanha.

Se assim for, por tal fundamento, poderá o ministro Alexandre de Moraes indeferir o pleito ministerial de arquivamento e solicitar o prosseguimento das investigações.

No entanto, tendo havido pedido de arquivamento das investigações não caberia falar em ação penal privada subsidiária da pública por parte do ofendido ou ofendidos.

Discute-se a ação penal privada subsidiária da pública.

São aqueles casos em que, diversamente das ações penais privadas exclusivas, a lei não prevê a ação como privada, mas sim como pública (condicionada ou incondicionada). Ocorre que o Ministério Público, titular da Ação Penal, fica inerte, ou seja, não adota uma das três medidas que pode tomar mediante um Inquérito Policial relatado ou quaisquer peças de informação (propor o arquivamento, denunciar ou requerer diligências). Para isso o Ministério Público tem um prazo que varia em regra de 5 dias para réu preso a 15 dias para réu solto. Não se manifestando (ficando inerte) nesse prazo, abre-se a possibilidade para que o ofendido, seu representante legal ou seus sucessores (art. 31, CPP c/c art. 100, § 4º., CP), ingressem com a ação penal privada subsidiária da pública. Isso tem previsão constitucional (artigo 5º., LIX, CF) e ordinária (artigos 100, § 3º., CP e 29, CPP).

É certo que recentemente a Lei nº 13.869/19, que trata do crime de abuso de autoridade,

“Art. 3º. Os crimes previstos nesta Lei são de ação penal pública incondicionada.

  • 1º. Será admitida ação privada se a ação penal pública não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal.
  • 2º. A ação privada subsidiária será exercida no prazo de 6 (seis) meses, contado da data em que se esgotar o prazo para oferecimento da denúncia.”

As razões do veto foram as seguintes:

“A ação penal será sempre pública incondicionada, salvo quando a lei expressamente declarar o contrário, nos termos do art. 100 do Código Penal, logo, é desnecessária a previsão do caput do dispositivo proposto. Ademais, a matéria, quanto à admissão de ação penal privada, já é suficientemente tratada na codificação penal vigente, devendo ser observado o princípio segundo o qual o mesmo assunto não poderá ser disciplinado em mais de uma lei, nos termos do inciso IV do art. 7º da Lei Complementar 95, de 1998. Ressalta-se, ainda, que nos crimes que se procedam mediante ação pública incondicionada não há risco de extinção da punibilidade pela decadência prevista no art. 103 cumulada com o inciso IV do art. 107 do CP, conforme precedentes do STF (v.g. STF. RHC 108.382/SC. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. T1, j. 21/06/2011).”

Ocorre que o Parquet não ficou propriamente inerte. Manifestou-se pelo arquivamento. Com isso não cabe falar nessa modalidade de ação penal.

O que fazer então, a menos que o ministro relator, de forma heterodoxa, determine a reabertura de investigações?

Definido o entendimento do Parquet, pelo órgão que o presenta perante o Supremo Tribunal Federal talvez fosse o caso de o Supremo Tribunal Federal acionar os meios institucionais do MPF, para estudar a possibilidade de ação de improbidade por ofensa ao art. 11, II, da Lei 8429/92 (“deixar de praticar indevidamente ato de ofício”) ou mesmo de provocar apuração de crime de responsabilidade, por enquadramento no art. 40, item 2, da Lei 1079/50 (“recusar-se à prática de ato que lhe incumba”).

Isso porque a Constituição de 1988 deu ao Ministério Público o monopólio da acusação criminal, não cabendo falar em vias outras.

Não se pode obrigar o PGR a denunciar em relação a quem ele diz não identificar provas.

 *É procurador da República com atuação no RN aposentado.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o barreto269@hotmail.com e bruno.269@gmail.com.

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Bolsonaro “puxa a corda” contra RN, PR e PE

Foto: Adriano Machado/REUTERS

Por Ney Lopes*

Nas manchetes hoje, 28**, a notícia de que o presidente Bolsonaro ingressou no STF suspender medidas restritivas de combate a pandemia adotadas nos últimos dias no Rio Grande do Norte, Paraná e Pernambuco.

A ação pede para os decretos serem considerados inconstitucionais “por violação aos princípios democrático, do Estado de Direito, da legalidade e da proporcionalidade, bem como por afronta aos direitos fundamentais ao trabalho, à livre iniciativa e à subsistência”.

Em momento de aflição, com riscos de terceira onda da Covid19, é lamentável ver o Brasil engalfinhado numa luta política estéril entre o presidente, governadores e prefeitos.

O cenário é de disputa de final do Copa do Mundo.

O país está dividido entre aqueles que defendem a “saúde econômica” e a “preservação da vida”.

O bom senso mostra que esse é um falso dilema.

É possível fazer as duas coisas ao mesmo tempo, desde que haja “entendimento”, todos sentados na mesma mesa (União, Estados e municípios), diferenciação das medidas tomadas, em razão da dimensão continental do país.

Não se pode negar que o isolamento é fundamental para atenuar a propagação do vírus, embora o principal seja a vacinação em massa.

Enquanto isso, perde-se tempo e aumenta dia a dia o número de mortos.

Por outro lado, impossível desconhecer que grande percentual da população não dispõe de infraestrutura para isolar-se, não tem água encanada, não tem internet e não tem como comer.

Diante desse quadro catastrófico só o caminho de preservar a saúde e a economia, ao mesmo tempo. As medidas se assemelharão ao Plano Marshall, ou providencias semelhantes às que estão sendo tomadas pelo presidente Biden nos Estados Unidos.

Especificamente em relação à saúde econômica, que é necessária, impõe-se o diálogo, no sentido de mobilizar cada vez mais órgãos do governo, médicos, cientistas, economistas, gestores públicos, privados e demais quadros capacitados, se reunirem e pensarem em ações de curto, médio e longo prazo, de forma articulada.

O governo terá que assumir a articulação com os entes federados.

Para alcançar esse objetivo, será indispensável destinar maior volume de recursos diretamente para o cidadão sobreviver ao isolamento social, nem que para isso tenha que recorrer à emissão de moeda sem lastro, à venda de títulos públicos, ao comprometimento do ajuste fiscal, ao gasto de suas reservas.

O momento exige tais medidas extraordinárias.

Não há como transferir responsabilidades e fazer política com a desgraça alheia.

Não se nega que muito está sendo feito pelos governos nos três níveis.

Impossível negar isso.

Porém, são necessárias mais ações, basicamente para sustentar condições de sobrevivência às massas marginalizadas, que para se isolarem, quando indicado pela ciência, precisam de ajuda econômica.

A defesa do “não isolamento”, sem admitir situações em que a medida é absolutamente necessária, aprofundará o déficit da saúde pública e da economia.

Além disso, contraria a experiência mundial com o vírus.

O FMI, instituição insuspeita na defesa das liberdades econômicas, recomenda o estabelecimento de um imposto temporário sobre as rendas mais altas para ajudar os os governos a atenderem a essas necessidades de financiamento coletivo.

Por todas essas razões, a hora não é de chamamento do STF para enfrentar o “tsunami” epidêmico.

A hora exige que União, Estados Municípios esqueçam as disputas nitidamente de natureza política, que até hoje envolveram a pandemia no país e busquem o diálogo, o entendimento.

Se for o caso, instituições de credibilidade com as Igrejas e similares poderão fazer a intermediação.

O que não pode é continuar a disputa de “egos”.

O ditado popular tem razão: “a corda muito puxada arrebenta”.

Para evitar essa ruptura, o Brasil precisa que surjam imediatamente “vocações de estadistas”.  nos três níveis de governo da Federação.

*É jornalista, advogado e ex-deputado federal.

**Data do envio do artigo.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o barreto269@hotmail.com e bruno.269@gmail.com.

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Uma representação interpretativa objetivando sanar omissões possíveis do Código de Processo Penal

Augusto Aras (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Por Rogério Tadeu Romano*

I – O FATO

Fato que deve causar preocupação aos estudiosos do direito envolve a investigação que determinou o afastamento do presidente do IBAMA de suas funções e a quebra de sigilo bancário e fiscal de diversos agentes públicos, dentre os quais o atual ministro do Meio Ambiente.

Ali o ministro Alexandre Moraes não determinou a oitiva prévia da Procuradoria Geral da República, uma vez que há prerrogativa de foro no Supremo Tribunal Federal para tal situação.

Segundo o site da PGR, o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, propôs ao Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 21 de maio de 2021, uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), com pedido de liminar, para que toda a legislação processual penal referente à fase de investigação seja interpretada em sintonia com o princípio acusatório previsto na Constituição. O objetivo é que o juiz sempre ouça o Ministério Público, titular da ação penal, antes de decretar medidas cautelares e proferir decisões que restrinjam direitos fundamentais dos cidadãos.

A ADPF questiona omissões do Código de Processo Penal, da lei que trata de interceptações telefônicas, da lei que institui normas procedimentais para os processos perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o STF e do Regimento Interno do Supremo. O PGR pede para a Corte assentar que é imprescindível a manifestação do Ministério Público antes de o juiz decidir sobre pedidos de prisão provisória, interceptação telefônica ou captação ambiental, quebra dos sigilos fiscal, bancário, telefônico e de dados, busca e apreensão, entre outras medidas, quando não tiverem sido requeridas pelo MP.

A ação apresentada pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, propõe que o juiz sempre ouça o Ministério Público, titular da ação penal, antes de decretar medidas cautelares e “proferir decisões que restrinjam direitos fundamentais dos cidadãos”.

II – UM REMÉDIO CONSTITUCIONAL INADEQUADO

Preliminarmente, diria que a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, que tem linhas próprias na Constituição de 1988, mais parece uma ação instituída no âmbito da Emenda Constitucional nº 1/69, a Emenda Constitucional nº 7/77, no que se chamou de “pacote de abril”, que, ao lado da representação de inconstitucionalidade, dizia respeito à representação para fins de interpretação da lei ou ato normativo federal ou estadual, outorgando ao Procurador-Geral da República a legitimidade para provocar o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal(artigo 119, I, e). e segundo a exposição de motivos apresentada pelo Congresso Nacional, esse instrumento deveria evitar a proliferação de demandas, com a fixação imediata da correta exegese da lei.

Para o ministro Gilmar Mendes(Controle de inconstitucionalidade, 1990, pág. 295) o mesmo ocorria quando a Corte Constitucional, aplicando a interpretação conforme à Constituição, declara constitucional uma lei com a interpretação que a compatibiliza com a Carta Constitucional, pois, nessa hipótese, há uma modalidade de inconstitucionalidade parcial(a inconstitucionalidade parcial sem redução do texto – o que implica dizer que o Tribunal Constitucional elimina – e atua, portanto, como legislador negativo – as interpretações por ela admitidas; mas inconciliáveis com a Constituição). Porém, interpretação fixada, como única admissível, pelo Tribunal Constitucional, não pode contrariar o sentido da norma, inclusive decorrente de sua gênese legislativa inequívoca, porque não pode a Corte atuar como legislador positivo, ou seja, o que cria nova norma.

Digo, então, com o devido respeito, que se trata de inadequação da via eleita, devendo o STF, in limine, extinguir a ação noticiada.

Não cabe a ADPF interpretar lei, esse não é seu desiderato. Essa tarefa cabia ao STF, no regime constitucional anterior, sob o pálio da Emenda Constitucional 7/77, revogada pela Constituição de 1988.

III- ADPF

Cabe lembrar que a arguição de preceito fundamental é remédio constitucional subsidiário que só deve ser ajuizado à falta de remédio inserido no direito processual comum. É instrumento próprio do processo constitucional na defesa de preceitos fundamentais.

Pode-se entender que a arguição de descumprimento de preceito fundamental brasileira, tal como posta no texto constitucional, tem raízes na Verfassungsbeschwerd, do direito alemão, que funciona como meio de queixa jurisdicional perante o Bundesverfassungericht, almejando a tutela de direitos fundamentais e de certas situações subjetivas lesadas por um ato da autoridade pública.

A discussão que trago à colação diz respeito ao que o artigo 1º da Lei 9.882/89 chama de ato do poder público.

Disse o ministro Alexandre de Moraes que deve-se ver os fundamentos e objetivos fundamentais da República de forma a consagrar maior efetividade às previsões constitucionais.

Na linha de Klaus Schlaich, Alexandre de Moraes observa que devem ser admitidas arguições de descumprimento de preceitos fundamentais contra atos abusivos do Executivo, Legislativo e Judiciário, desde que esgotadas as vias judiciais ordinárias, em face de seu caráter subsidiário.

Conforme entendimento iterativo do STF, meio eficaz de sanar a lesão é aquele apto a solver a controvérsia constitucional relevante de forma ampla, geral e imediata, devendo o Tribunal sempre examinar eventual cabimento das demais ações de controle concentrado no contexto da ordem constitucional global.

O ministro Gilmar Ferreira Mendes (Jurisdição constitucional) anotou que: “A primeira vista, poderia parecer que somente na hipótese de absoluta inexistência de qualquer outro meio eficaz para afastar a eventual lesão poder-se-ia manifestar, de forma útil, a arguição de descumprimento de preceito fundamental. É fácil ver que uma leitura excessivamente literal dessa disposição, que tenta introduzir entre nós o princípio da subsidiariedade vigente no direito alemão e no direito espanhol para, respectivamente, o recurso constitucional e o recurso de amparo, acabaria para retirar desse instituto qualquer significado prático.

Observou o ministro Alexandre de Moraes: “Note-se que, em face do art. 4º, caput, e § 1º da Lei nº 9.882/99 que autoriza a não admissão de arguição de preceito fundamental quando não for o caso ou quando houver outro meio eficaz de sanar a lesividade, foi concedida certa discricionariedade ao STF, na escolha das arguições que deverão ser processadas e julgadas, podendo, em face seu caráter subsidiário, deixar de conhece-la quando concluir pela inexistência de relevante interesse público, sob pena de tornar-se uma nova instância recursal para todos os julgados dos tribunais superiores.

Anotou ainda o ministro Gilmar Mendes (obra citada) que “dessa forma, entende-se que o STF poderá exercer um juízo de admissibilidade discricionário para a utilização desse importantíssimo instrumento de efetividade dos princípios e direitos fundamentais, levando em conta o interesse público e a ausência de outros mecanismos jurisdicionais efetivos.”

Para tanto, afirmou o ministro Gilmar Mendes que a ADPF “é típico instrumento do modelo concentrado de controle de constitucionalidade (Arguição de descumprimento de preceito fundamental: comentários à Lei 9.882, de 3.12.1999. 2. ed. São Paulo: Saraiva,2011. p. 170).

A legislação, no que tange à modalidade direta de ADPF, foi enfática ao prever, em seu art. 1º, que caberá ADPF em face de ato do Poder Público. Note-se, aqui, a extensão desse termo, que não se circunscreve apenas aos atos normativos do Poder Público. Portanto, e como primeira conclusão, a ADPF poderá servir para impugnar atos não normativos, como os atos administrativos e os atos concretos, desde que emanados do Poder Público. Trata-se, já aqui, de atos não impugnáveis por via da ação direta de inconstitucionalidade Como se sabe, a arguição de descumprimento de preceito fundamental somente poderá ser utilizada, se se demonstrar que, por parte do interessado, houve o prévio exaurimento de outros mecanismos processuais, previstos em nosso ordenamento positivo, capazes de fazer cessar a situação de suposta lesividade ou de alegada potencialidade danosa resultante dos atos estatais questionados. Essa a conclusão de André Ramos (Repensando a ADPF no complexo modelo brasileiro de controle da constitucionalidade. In: CAMARGO, Marcelo Novelino (Org.). Leituras complementares de direito constitucional: controle de constitucionalidade. Salvador: JusPodivm, 2007. p. 57-72)

Com o devido respeito, o Procurador-Geral da República deveria ajuizar tal remédio contra um ato concreto, qual seja as medidas tomadas no âmbito a operação policial acima noticiada, e não para obter uma interpretação conforme ao texto constitucional segundo entende.

IV – A QUESTÃO DA INTIMAÇÃO PRÉVIA: O SISTEMA ACUSATÓRIO

Assim essa ausência de intimação prévia, afrontaria o sistema acusatório diante do regramento constitucional pátrio.

Sabe-se que a Constituição ‘aboliu o sistema inquisitorial segundo o qual o Judiciário acumulava a função de julgar e acusar’.

Atualmente o juiz não mais interfere na produção de prova, nem tem a função própria nas fases investigatória e acusatória.

Cabe ao Ministério Público investigar ou acompanhar as investigações com o objetivo de formar a chamada opinio delicti, ou seja, o convencimento sobre as provas e sobre a autoria que lhe permitam concluir se há justa causa para oferecer denúncia ao juiz.

Destaque-se que esse modelo proporciona equilíbrio de forças entre acusação e defesa.

Esta é a essência da garantia do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal feita na Constituição. A jurisdição penal está indissociavelmente vinculada ao princípio do juiz isento, que não julga com parcialidade.

O sistema acusatório, inaugurado em 1988, reserva à Justiça o grave poder de julgar. A coleta de provas cabe tanto a acusação como a defesa, não se cogitando falar em condução da prova pelo magistrado.

Dir-se-á que o ministro relator daquele caso determinou a oitiva posterior do Parquet. Ora, isso não suprimiria uma eventual nulidade posterior que, certamente, será abordada em juízo pelos investigados.

A parcialidade do magistrado fica sob dúvida.

Foge o sistema acusatório, adotado pela Constituição-Cidadã de 1988, do sistema inquisitório, caracterizado pela inexistência de contraditório e de ampla defesa, com a concentração das funções de acusar, defender e julgar na figura única do juiz, e pelo procedimento escrito e sigiloso com o início da persecução, produção da prova e prolação da decisão pelo juiz.

Mas, em verdade, esse sistema acusatório vem sendo desprestigiado, e isso tem a ver com a sistemática de “supervisão judicial”, sem a qual nenhuma investigação vai ali para frente, conforme decisão tomada em QO no INQ. 2411/MT, em 10/10/2007, quando, em interpretação aos arts. 230-A a 232 do RI, deu-se um verdadeiro tiro de morte no sistema acusatório no país,

Nos inquéritos policiais em geral, não cabe a juiz ou a Tribunal investigar, de ofício, o titular de prerrogativa de foro.

Cito precedentes: INQ no 149/DF, Rel. Min. Rafael Mayer, Pleno, DJ 27.10.1983; AgR 1.793/DF”; INQ no 1.793/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, Pleno, maioria, DJ 14.6.2002; ED 1.104/DF“; PET – AgR (AgR) – ED no 1.104/DF, Rel. Min. Sydney Sanches, Pleno, DJ 23.5.2003; PET no 1.954/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, Pleno, maioria, DJ 1º.8.2003; PET (AgR) no 2.805/DF, Rel. Min. Nelson Jobim, Pleno, maioria, DJ 27.2.2004; PET no 3.248/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, decisão monocrática, DJ 23.11.2004; INQ no 2.285/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão monocrática, DJ 13.3.2006 e PET (AgR) no 2.998/MG, 2ª Turma, unânime, DJ 6.11.2006.

Naquele Inq. 2411/MT entendeu-se que não haveria razão plausível para que as atividades diretamente relacionadas à supervisão judicial (abertura de procedimento investigatório) sejam retiradas do controle judicial do STF.

É bem verdade que o artigo 242 do CPP permite uma medida de busca e apreensão de ofício pelo juiz ou tribunal, cuja inconstitucionalidade é evidente (artigos 3º-A e 282, § 2º do CPP).

O procurador-geral da República, portanto, com o devido respeito, fica refém da atuação de supervisão ministerial exercida por membro do STF.

No entanto, destaco que o STF ao julgar na ADi nº 5104/DF, um dispositivo de um ato baixado pelo TSE (Resolução nº 23. 396), que, em seu art. 8º, determinava que nenhum investigação, salvo flagrante, poderia ser iniciada sem a prévia determinação da justiça eleitoral, entendeu por sua inconstitucionalidade. Naquela decisão, o ministro Roberto Barroso disse que a Constituição de 1988 fez uma opção inequívoca pelo sistema penal acusatório. Disso decorre uma separação rígida entre, de um lado, as tarefas de investigar e acusar e, de outro, a função propriamente jurisdicional. Além de preservar a imparcialidade do Judiciário, essa separação promove a paridade de armas entre acusação e defesa, em harmonia com os princípios da isonomia e do devido processo legal.

Porém, no julgamento sobre a constitucionalidade dos atos contra o Poder Judiciário, o Plenário, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), em que se discutia a constitucionalidade da instauração de inquérito pelo Supremo Tribunal Federal (STF), realizada com o intuito de apurar a existência de notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças e atos que podem configurar crimes contra a honra e atingir a honorabilidade e a segurança do STF, de seus membros e familiares. Por conseguinte, a Corte declarou a constitucionalidade da Portaria GP 69/2019, que instaurou o referido inquérito, e a constitucionalidade do art. 43 (1) do Regimento Interno do STF (RISTF), que lhe serviu de fundamento legal (Informativo 981).

Nesse contexto, o colegiado afirmou que o art. 43 do RISTF pode dar ensejo à abertura de inquérito, contudo, não é e nem pode ser uma espécie de salvo conduto genérico, tornando-se necessário delimitar seu significado. Isso porque a referida regra regimental trata de hipótese de investigação, e deve ser lida sob o prisma do devido processo legal; da dignidade da pessoa humana; da prevalência dos direitos humanos; da submissão à lei; e da impossibilidade de existir juiz ou tribunal de exceção. Além disso, deve ser observado o princípio da separação de Poderes, uma vez que, via de regra, aquele que julga não deve investigar ou acusar. Ao fazê-lo, como permite a norma regimental, esse exercício excepcional submete-se a um elevado grau de justificação e a condições de possibilidade sem as quais não se sustenta.

Lembro que, na época, o ministro Marco Aurélio entendeu que a portaria foi editada com base no art. 43 do RISTF. Ocorre que a Constituição Federal de 1988, ao consagrar sistema acusatório, não recepcionou o referido artigo do RISTF. Pontuou que, em Direito, o meio justifica o fim, jamais o fim justifica o meio utilizado.

Na verdade, com o devido respeito, foi nessa última decisão que envolveu, em sua concretude, os chamados atos contra o STF, que o STF entendeu não caber a obrigatoriedade da intimação prévia do Parquet. Isso criou jurisprudência.

*É procurador da República com atuação no RN aposentado.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o barreto269@hotmail.com e bruno.269@gmail.com.

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Bolsonaro entra com ação contra restrição social no RN e mais dois Estados. Fátima reage: “ninguém tem sossego”

Bolsonaro quer libera geral no RN e mais dois Estados (Foto: André Borges)

O presidente Jair Bolsonaro, através da Advocacia Geral da União (AGU), entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra os decretos de restrição social assinados no Rio Grande do Norte, Paraná e Pernambuco.

A alegação é de que as medidas estão em descompasso com garantias da Constituição Federal como o direito de ir e vir.

Em entrevista à Folha de S. Paulo a governadora Fátima Bezerra (PT) reagiu: “Ninguém tem sossego. A gente estava celebrando essa conquista grande que foi a inclusão dos trabalhadores da educação no grupo prioritário da vacinação, parecia uma luz no fim do túnel, e aí vem uma notícia dessas”.

A governadora lembrou que o RN vem se mantendo ocupação de 90% dos leitos críticos voltados para pacientes acometidos por covid-19.

Precedente

Se depender do último precedente a ADI de Bolsonaro não vai prosperar. Em março o ministro Marco Aurélio Mello rejeitou iniciativa semelhante contra decretos de restrição social assinados pelos governadores do Bahia, do Distrito Federal e do Rio Grande do Sul.

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Decisão do TSE faz resolução do TRE/RN voltar a valer

TRE/RN tem norma sobre exercício de jurisdição restabelecida (Foto: Web/autor não identificado)

O Supremo Tribunal Federal deferiu um pedido liminar que retomou a eficácia integral da Resolução nº 4/2019 do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte, que estabelece as normas do exercício da jurisdição eleitoral de primeiro grau. A liminar foi proferida em um mandado de segurança relatado pelo Ministro Luís Roberto Barroso.

Após a edição da resolução do TRE-RN, um grupo de magistrados requereu a anulação do artigo 3º, § 1º e artigo 4º, parágrafo único. Esses dispositivos tratam do procedimento de escolha dos juízes de direito para as Zonas Eleitorais do Estado compostas por mais de uma comarca. O pedido dos magistrados, negado pelo TRE-RN, foi acolhido no Conselho Nacional de Justiça, que suspendeu a eficácia desses artigos.

No entanto, outro grupo de juízes de direito impetrou mandado de segurança no STF para anular a decisão do CNJ. Dentre as razões para acatar esse pedido, o Ministro Roberto Barroso destacou “a autonomia dos Tribunais Regionais Eleitorais para dispor sobre a matéria, sendo o modelo da resolução suspensa, inclusive, adotado pelos TREs de São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo”, além de apontar o artigo 121º, § 2º, da Constituição Federal, que privilegia a rotatividade na composição de órgãos da Justiça Eleitoral.

“Ademais, o espaço territorial relevante para a organização da Justiça Eleitoral é a zona eleitoral, e não a divisão entre comarca-sede e comarcas-membro. Embora a repartição em comarcas seja considerada para a definição dos juízes de direito aptos a assumir a função eleitoral, o exercício dessa jurisdição se dá sobre todo o território da zona eleitoral, de modo que não é possível afirmar a existência de ‘comarcas eleitorais'”, afirmou o Ministro.

Dessa forma, o preenchimento dos cargos de juiz eleitoral no Rio Grande do Norte voltará a observar integralmente a Resolução TRE-RN nº 4/2019.

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A realização do censo e a reserva do possível à luz da doutrina e da jurisprudência

Marco Aurélio Mello determinou realização do censo (Foto: Nelson Jr/STF)

Por Rogério TadeuRomano*

I – O FATO

Segundo o site do jornal O Globo, em 28 de abril do corrente ano, tem-se:

“O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou ao governo federal “a adoção de medidas voltadas à realização do Censo”. Ele atendeu um pedido feito pelo governo do Maranhão. Na semana passada, o Ministério da Economia informou que a realização do Censo em 2021 estava cancelada devido aos cortes de verba.

Em outro despacho, dado algumas horas depois, Marco Aurélio liberou o caso para julgamento no plenário virtual da Corte, em que os ministros não se reúnem. Eles votam por escrito no sistema eletrônico do tribunal. Os integrantes do STF poderão começar a votar na sexta-feira da semana que vem, e terão até a sexta seguinte para se manifestar. A decisão de Marco Aurélio, que é liminar, ou seja, provisória, continua valendo. Só cairá se a maioria dos ministros do STF votar em sentido contrário.

“Defiro a liminar, para determinar a adoção de medidas voltadas à realização do censo, observados os parâmetros preconizados pelo IBGE, no âmbito da própria discricionariedade técnica”, decidiu Marco Aurélio.”

Na aprovação do Orçamento de 2021, a pesquisa perdeu 96% de sua verba, que foi reduzida de R$ 2 bilhões para R$ 71 milhões. Ao final, no texto sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro, o valor ficou em R$ 53 milhões, ou seja, menos de 3% da verba inicial.

Se isso não bastasse há o evidente risco de contaminação de pesquisadores nessa tarefa em plena pandemia.

Dir-se-á, entretanto, na linha da ação movida pelo governador Flávio Dino, do Maranhão, exposta por Míriam Leitão em sua coluna naquele jornal, que o Censo é a nave-mãe das estatísticas brasileiras e por isso precisa ser realizado. É um desafio fazer no meio de uma pandemia, mas isso pode ser enfrentado se o IBGE se cercar de um bom conselho de especialistas que agregue epidemiologistas, sanitaristas, especialistas em saúde além dos demógrafos e estatísticos. Não é fácil fazer, mas é indispensável para o país.

De outra forma, informou o Estadão(Política) o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF)  abriu divergência no julgamento sobre a realização do Censo e votou no dia 12 de abril, para a pesquisa, aguardada desde o ano passado, ir a campo apenas em 2022.

Na avaliação do ministro, este é um prazo ‘razoável’ para que o governo federal possa adotar as medidas necessárias para a realização do levantamento. Em sua decisão, Gilmar apontou que o próprio Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), responsável pelo Censo, informou que os atrasos na fase de preparação já não permitem iniciar a coleta de dados nos próximos meses. O ministro também apontou dificuldades em alterar o orçamento aprovado para este ano para incluir os gastos com a pesquisa.

“Cuida-se de solução que, em suma, além de evitar as dificuldades inerentes ao recrutamento de mais de 200 mil agentes censitários e ao treinamento dos supervisores e recenseadores durante um período de agravamento da pandemia causada pelo SarsCoV-2, é capaz de trilhar caminho que preserva as bases da democracia representativa, especialmente a liberdade de atuação das instâncias políticas”, diz um trecho do voto.

A não realização do recenseamento pelo IBGE inibe o levantamento de indicadores necessários para: a) atualização dos coeficientes de partilha do FPE, FPM e salárioeducação, mecanismos necessários para garantia da autonomia política e financeira dos entes subnacionais menos favorecidos economicamente; e b) acompanhamento dos resultados das políticas sociais dos governos federal, estadual e municipal, de maneira a permitir o contínuo aprimoramento do sistema de proteção social brasileiro.

II – O CONCEITO DE ORÇAMENTO

Costuma-se se dizer que orçamento é o processo e o conjunto integrado de documentos pelos quais se elabora, se expressa, se aprova, se executa e se avalia os planos e programas de obras, serviços e encargos governamentais, com estimativa de receita e fixação de despesas de cada exercício financeiro.

O Orçamento além de ser peça pública, deve ser apresentado em linguagem clara e compreensível a todas as pessoas e suas estimativas devem ser tão exatas quanto possível de forma a garantir a peça orçamentária um mínimo de consistência.

Fala-se na natureza jurídica do orçamento.

A primeira corrente nasceu do jurista alemão Hoennel, o qual entende que o orçamento é sempre uma lei, na medida em que emana de um órgão legiferante, isto é, o Poder Legislativo. Por tal razão, afirma Hoennel que tudo aquilo que é revestido sob a forma de lei constitui-se em preceito jurídico, pois a forma de lei traz em si mesma o conteúdo jurídico. Nesse aspecto, qualquer lei traria inserta um comando normativo. Esta tese sofreu críticas porque classificava as normas jurídicas segundo a origem, não levando em conta o conteúdo jurídico.

A segunda corrente veio a partir de Paul Laband como resistência à anterior, entendendo que o aspecto formal não poderia, por si só, fazer do orçamento uma lei, tomando esta palavra em seu sentido material. Nesse sentido, afirma que a utilização da forma legal em nada altera o conteúdo do orçamento, não suprindo a ausência do preceito jurídico. Assim, entende que o orçamento apresenta extrinsecamente a forma de uma lei, mas seu conteúdo é de mero ato administrativo. Logo, o orçamento seria, então, apenas lei em sentido formal, materialmente não constituindo regra de direito.

A terceira corrente é liderada por Léon Duguit, o qual identifica na peça orçamentária uma mescla de lei em sentido formal e material, considerando o orçamento, em relação às despesas e às receitas originárias, um mero ato administrativo e, em relação à receita tributária, lei em sentido material, já que a arrecadação tributária dependeria de autorização orçamentária. Pelo que se observa, Duguit analisou ordenamentos jurídicos em que a autorização para a cobrança de tributos obedece ao princípio da anualidade tributária, que exige a prévia inclusão de autorização no orçamento como condição à cobrança de tributo.

A quarta corrente, por sua vez, originou-se de Gaston Jèze criador do conceito do ato-condição, defendendo a tese que o orçamento não é lei em sentido material em nenhuma de suas partes, embora tenha o aspecto formal e a aparência de lei. Afirma que tanto em relação às despesas quanto no que concerne às receitas, seria o orçamento apenas lei formal, mas com o conteúdo de mero ato-condição, sendo a lei orçamentária, em qualquer caso, o implemento de uma condição para a cobrança e para o gasto.

Como modelo autorizativo, tem-se o orçamento como lei formal, daí as ideias trazidas por Ricardo Lobo Torres (Curso de direito financeiro e tributário, 2011):

“Em suma, e inserindo-nos na discussão, basta a afirmação de que se cuida de lei em sentido formal, que estabelece a previsão de receitas e despesas, consolidando posição ideológica governamental, que lhe imprime caráter programático. Ao lado de ser lei, é o orçamento plano de governo, mas que deve possuir previsões efetivas de ingressos públicos e previsões reais de despesa, equilibradas com aqueles”.

Mas o orçamento é uma peça que é formalmente instrumentalizada por meio de lei, mas, que, materialmente, se traduz em ato político-administrativo.

Daí as reservas que existem quanto a interferência do Judiciário num ato precípuo do Legislativo e do Executivo.

III – A FORMULAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Temos a realidade presente dos direitos subjetivos públicos e um Estado diverso do Estado liberal, onde a preocupação se alicerçava no mérito da limitação do Poder político.

Para Locke (Two treatises of Government) onde explica a teoria do contrato social, idealiza-se o homem livre e igual por natureza, sendo o Estado constituído apenas para garantir os seus direitos.

Deve-se a Jellinek a elaboração da teoria dos direitos subjetivos públicos (System der subjektiven öffentliche Rechte, 1892). O tipo histórico do Estado de Direito moderno diferencia-se dos demais por reconhecernos seus súditos pessoas com direitos a reivindicar a proteção do Estado. O Estado possui personalidade que o limita juridicamente, pois sujeita-se a direitos e deveres. O status ou personalidade caracteriza-se como ̈uma relação com o Estado que qualifica o indivíduo ̈, conferindo-lhe como conteúdo o ser jurídico, como ensina Alexy, e não o ter jurídico de uma pessoa.

Sabe-se que Jellinek classificou os direitos subjetivos públicos em 4 (quatro) status consoante a posição ocupada pelo indivíduo em relação ao Estado: no status passivo, o indivíduo encontra-se numa posição de subordinação ,despido de personalidade, no status negativus, há o reconhecimento ao indivíduo de uma esfera de liberdade individual intangível pelo Estado; no status positivus, o indivíduo é reconhecido como sujeito do poder político, com direitos a prestações fornecidas pelo Estado; por último, no status activus, o indivíduo angaria o direito de participar ativamente do poder político.

O moderno Estado Democrático de Direito reclama uma Democracia Participativa aberta, dentro de uma Constituição aberta a todas as instâncias de participação permanente.

Fácil e ver que os esquemas político-institucionais baseado sem estruturas antigas, do tipo liberal-individualista, não se adaptam às novas exigências da ordem coletiva.

O Estado tem o dever de zelar pela saúde, a educação, a segurança, o meio ambiente, pela proteção ao consumidor. Dir-se-á, como revela Luíza Cristina F. Frischeisen (Políticas Públicas – A responsabilidade do administrador e do Ministério Público, Max Limonad, 2000, pág. 146 a 150), as normas constitucionais da ordem social constitucional delimitam políticas públicas, vinculantes para o administrador, que visam o efetivo exercício dos direitos sociais para a realização dos objetivos daquela: o bem-estar social e a justiça social, sendo que o seu descumprimento gera responsabilidade para a Administração, pois tal conduta é ilegal e inconstitucional.

Parece-me, na linha de Eduardo Talamini (Tutela relativa aos deveres de fazer de não fazer – art. 461, do CPC e art. 84 do CDC) deve-se distinguir entre as hipóteses normativas constitucionais de que se extrai apenas o dever de o Estado realizar políticas públicas de caráter social e aquelas que, mais do que a imposição de diretrizes objetivas estatais, embasam verdadeiros direitos subjetivos públicos. No caso de exigência quanto a formulação de políticas públicas, dir-se-á que há restrições á tutela jurisdicional. No segundo caso, é viável o ingresso no Judiciário para a fruição completa do direito assegurado no texto constitucional.

Adito a isso se cuida de decisão política do Estado que, a pretexto da escassez de verbas públicas, descumpre deveres instituídos em lei federal , no caso, a periodicidade decenal do Censo Demográfico do IBGE (art. 1º da Lei 8.184/97). Em havendo essa omissão da Administração e do Legislativo cabe a intervenção do Judiciário para cumprimento da lei.

Falar-se-á que o administrador público tem discricionariedade quanto a essa atuação.

Mas, há limites implícitos e explícitos. Tem o administrador público o dever constitucional de respeitar os limites mínimos de destinação de recursos públicos para manutenção e desenvolvimento do ensino. O não oferecimento e a oferta irregular do ensino obrigatório importam responsabilidade da autoridade competente (art. 208§ 2º, da Constituição Federal).

Diversa é a situação da ocorrência de uma grave pandemia em que se constata a omissão do Poder Público em combatê-la. Aqui não se abre qualquer discricionariedade ao Administrador na definição de prioridades ou de meios a utilizar. Há, ao invés, inequívoca violação de dever constitucional imposto, sendo caso de responsabilidade, abrindo-se ao cidadão evidente direito subjetivo público, sendo de permitir o emprego da tutela jurisdicional para constranger a Administração a efetuar programa de ação social. Tal é exigir junto ao Judiciário a implementação de política pública, refletindo, cada vez mais, a efetiva participação da sociedade civil nos desígnios da Nação. Nessa hipótese, o patrimônio valorativo de certa comunidade foi agredido de maneira injustificável do ponto de vista jurídico.

Sobre o tema disse Janaína da Silva Rabelo (A cláusula da reserva do possível e a efetivação dos direitos sociais no ordenamento jurídico brasileiro. O papel do Poder Judiciário na defesa dos direitos fundamentais:

“A noção de “mínimo existencial”, que resulta, por implicitude de determinados preceitos constitucionais (CF, art. III e art. III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança.”.

Nesse sentido, Antônio Augusto Cançado Trindade (Tratado de direito internacional dos direitos humanos. Porto Alegre: SafE, 1997, p. 364) enumera estratégias políticas de efetivação desses direitos, que podem e devem ser exigidos de imediato: a) Obrigação de adotar medidas após a entrada em vigor desses direitos; b) compromisso de garantir o exercício desses direito sem discriminações; c) aplicação imediata de determinadas disposições por órgãos judiciais e a institucionalização de mecanismos e institutos do ordenamento jurídico nacional; d) Obrigação de realizar esses direitos sem retrocessos; e) Obrigação de prestar um padrão mínimo de direitos humanos e, em caso de não cumprimento, provar que o máximo de recursos foi utilizado de forma absolutamente eficiente; f) Obrigação de proteger as partes mais vulneráveis da sociedade por meio de programa específicos de prestação de direitos, como disse Janaína da Silva Rabelo (obra citada).

IV – O LIMITE DO POSSÍVEL

Mas, há o limite do possível.

“Ao Poder Executivo cabe a conveniência e a oportunidade de realizar atos físicos de administração (construção de conjuntos habitacionais, etc.). O Judiciário não pode, sob o argumento de que está protegendo direitos coletivos, ordenar que tais realizações sejam consumadas” (REsp. 169.876/SP, Min. José Delgado, Primeira Turma, j- Em. 16.6.1998).

Disse bem o Estadão, em editorial, no dia 1 de maio do corrente ano:

“Não há dúvida de que o censo periódico é instrumento fundamental para a implementação de políticas públicas. No entanto, por mais que haja boas razões aconselhando a realização do censo neste ano – e que o seu adiamento seja mais um sintoma da falta de planejamento do governo federal –, não cabe a um ministro do Supremo impor ao Executivo federal essa obrigação.

O raciocínio exposto na decisão – a falta de dados prejudicaria a elaboração de políticas públicas, políticas essas que implementam direitos fundamentais previstos na Constituição e, portanto, a não realização do Censo feriria “a própria força normativa da Lei Maior” – não autoriza o Judiciário a ingressar em esfera própria do Executivo.”

É dito que a má opção do administrador na escolha de errôneas soluções, deverá ter o seu julgamento nas urnas.

Os recursos econômicos do Estado são limitados – nem sempre suficiente para o desenvolvimento simultâneo de todas as suas tarefas, inclusos os programas de ação social constitucionalmente previstos. É a chamada reserva econômica da possível, como já advertia Jorge Miranda (Manual de Direito Constitucional, IV, n. 77, pág. 340), na linha de Konrad Hesse.

Sendo assim cabe aos Poderes Executivo e Legislativo a distribuição orçamentária dos recursos a serem utilizados nas diversas políticas públicas constitucionalmente impostas. É nesse sentido que há certa carga de discricionariedade. Atribui-se àqueles poderes uma ampla margem de manobra para a eleição de meios a empregar. Não há discricionariedade na adoção, ou não, das políticas públicas em exame – e, sim, na eleição orçamentária das prioridades e na eventual definição do conteúdo da ação.

Sendo assim a previsão orçamentária de recursos, a programação dos gastos públicos, a arrecadação de receitas, as leis orçamentárias e de responsabilidade fiscal são também determinantes na definição das estratégias, programas e políticas públicas do Estado.

Trago a lição de Fernando Borges Mânica (Teoria da Reserva do Possível: Direitos Fundamentais a Prestações e a Intervenção do Poder Judiciário na Implementação de Políticas Públicas Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, ano 5, n. 18, p. 169-186, jul./set. 2007):

“No caso, a Corte alemã analisou demanda judicial proposta por estudantes que não haviam sido admitidos em escolas de medicina de Hamburgo e Munique em face da política de limitação do número de vagas em cursos superiores adotada pela Alemanha em 1960. A pretensão foi fundamentada no artigo 12 da Lei Fundamental daquele Estado, segundo a qual “todos os alemães têm direito a escolher livremente sua profissão, local de trabalho e seu centro de formação”.

Ao decidir a questão o Tribunal Constitucional entendeu que o direito à prestação positiva – no caso aumento do número de vagas na universidade – encontra-se sujeito à reserva do possível, no sentido daquilo que o indivíduo pode esperar, de maneira racional, da sociedade. Ou seja, a argumentação adotada refere-se à razoabilidade da pretensão. Na análise de Ingo SARLET, o Tribunal alemão entendeu que “(…) a prestação reclamada deve corresponder ao que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade, de tal sorte que, mesmo em dispondo o estado de recursos e tendo poder de disposição, não se pode falar em uma obrigação de prestar algo que não se mantenha nos limites do razoável. “

Tal não foi entendimento pelo Superior Tribunal de Justiça.

O Ministro Herman Benjamin, nos autos do Agravo Regimental no Recurso Especial nº 11075112, falou sobre a aplicação alemã da reserva do possível. Disse ele que o tema deve ser analisado à luz da realidade social, econômica e política brasileira. A teoria da reserva do possível, importada do Direito alemão, tem sido utilizada constantemente pela administração pública como escudo para se recusar a cumprir obrigações prioritárias. Não deixo de reconhecer que as limitações orçamentárias são um entrave para a efetivação dos direitos sociais. No entanto, é preciso ter em mente que o princípio da reserva do possível não pode ser utilizado de forma indiscriminada. Na verdade, o direito alemão construiu essa teoria no sentido de que o indivíduo só pode requerer do estado uma prestação que se dê nos limites do razoável, ou seja, na qual o peticionante atenda aos requisitos objetivos para sua fruição. Informa a doutrina especializada que, de acordo com a jurisprudência da Corte Constitucional alemã, os direitos sociais prestacionais estão sujeitos à reserva do possível no sentido daquilo que o indivíduo, de maneira racional, pode esperar da sociedade (Krell. Andreas J. Controle judicial dos serviços públicos na base dos direitos fundamentais sociais in SARLET, Ingo Wolfgang (org.). A Constituição Concretizada – Construindo Pontes entre o Público e o Privado. 2000, p. 41). Ora, não se podem importar preceitos do direito comparado sem atentar para as peculiaridades jurídicas e sociológicas de cada país. A Alemanha já conseguiu efetivar os direitos sociais de forma satisfatória, universalizou o acesso aos serviços públicos mais básicos, o que permitiu um elevado índice de desenvolvimento humano de sua população, realidade ainda não alcançada pelo Estado brasileiro. Na Alemanha, os cidadãos já dispõem de um mínimo de prestações materiais capazes de assegurar existência digna. Por esse motivo é que o indivíduo não pode exigir do estado prestações supérfluas, pois isto escaparia do limite do razoável, não sendo exigível que a sociedade arque com esse ônus. Eis a correta compreensão do princípio da reserva do possível, tal como foi formulado pela jurisprudência germânica. Situação completamente diferente é a que se observa nos países periféricos, como é o caso do Brasil. Aqui ainda não foram asseguradas, para a maioria dos cidadãos, condições mínimas para uma vida digna.

Para a realidade brasileira, observo as palavras do ministro Roberto Barroso (A falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para atuação judicial. Interesse Público, Belo Horizonte, v. 9, n. 46, nov. 2007. Disponível em: http://www.lrbarroso.com.br/pt/noticias/medicamentos.pdf).

Os recursos públicos seriam insuficientes para atender as necessidades sociais, impondo ao Estado sempre a tomada de decisões difíceis. Investir recursos em determinado setor sempre implica deixar de investi-los em outros. De fato, o orçamento apresenta-se, em regra, aquém da demanda social por efetivação de direitos, sejam individuais, sejam sociais.

Entretanto, a invocação desta cláusula pelo Estado, na intenção de justificar a não realização de determinadas ações essenciais à efetivação de demandas sociais ou individuais, somente se apresentará legítima se comprovada for a alegada insuficiência de recursos.

Sendo assim observo a lição do ministro Celso de Mello na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 45:

“[…] Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao tema pertinente à “reserva do possível” (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, “The Cost of Rights”, 1999, Norton, New York), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas.

É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.”

Por outro lado, lecionou o ministro Celso de Mello, no julgamento do RE 581352 AgR / AM – AMAZONAS. AG. REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Julgamento: 29/10/2013. Órgão Julgador: Segunda Turma:

“Mais do que nunca, é preciso enfatizar que o dever estatal de atribuir efetividade aos direitos fundamentais, de índole social, qualifica-se como expressiva limitação à discricionariedade administrativa. Isso significa que a intervenção jurisdicional, justificada pela ocorrência de arbitrária recusa governamental em conferir significação real ao direito à saúde, tornar-se-á plenamente legítima (sem qualquer ofensa, portanto, ao postulado da separação de poderes), sempre que se impuser, nesse processo de ponderação de interesses e de valores em conflito, a necessidade de fazer prevalecer a decisão política fundamental que o legislador constituinte adotou em tema de respeito e de proteção ao direito à saúde. Não se ignora que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a alegação de incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, então, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.

….

É que, dentre as inúmeras causas que justificam esse comportamento afirmativo do Poder Judiciário (de que resulta uma positiva criação jurisprudencial do direito), inclui-se a necessidade de fazer prevalecer a primazia da Constituição da República, muitas vezes transgredida e desrespeitada por pura, simples e conveniente omissão dos poderes públicos. Na realidade, o Supremo Tribunal Federal, ao suprir as omissões inconstitucionais dos órgãos estatais e ao adotar medidas que objetivam restaurar a Constituição violada pela inércia dos Poderes do Estado, nada mais faz senão cumprir a sua missão institucional e demonstrar, com esse gesto, o respeito incondicional que tem pela autoridade da Lei Fundamental da República. (…) O fato inquestionável é um só: a inércia estatal em tornar efetivas as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela Constituição e configura comportamento que revela um incompreensível sentimento de desapreço pela autoridade, pelo valor e pelo alto significado de que se reveste a Constituição da República. Nada mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem convenientes aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos.”

V – AS LEIS REFORÇADAS E SEUS LIMITES

Falo sobre o fenômeno das chamadas leis reforçadas consoante exposição do ministro Gilmar Mendes.

“Nesse aspecto, as relações estabelecidas entre o texto constitucional e as legislações financeiras amoldam-se com precisão ao chamado fenômeno da Leis Reforçadas, desvendado na doutrina constitucional portuguesa por Carlos Blanco de Morais que, ao se referir à existência de uma relação de ordenação legal pressuposta, implícita ou explicitamente na Constituição, aduz que: “As leis reforçadas pontificam num momento em que os ordenamentos unitários complexos são confrontados com uma irrupção poliédrica de actos legislativos, diferenciados entre si, na forma, na hierarquia, na força e na função, e cujas colisões recíprocas não são isentas de problematicidade quanto à correspondente solução jurídica, à luz dos princípios dogmáticos clássicos da estruturação normativa” (MORAIS, Carlos Blanco de.As leis reforçadas: as leis reforçadas pelo procedimento no âmbito dos critérios estruturantes das relações entre actos legislativos.Coimbra Editora, 1998, p. 21).Ainda em âmbito doutrinário, a propósito, a tese das Leis Reforçadas logrou franco desenvolvimento na obra de J. J. Gomes Canotilho ao explorar justamente a função parametrizadora que as leis de Direito Financeiro exerciam sobre a legislação ordinária do orçamento. Como destacado pelo autor, a contrariedade da atuação do legislador ordinário na edição da lei orçamentaria em relação às leis-quadro que extraem a sua validade da Constituição Federal suscita a inconstitucionalidade indireta da norma. Nesse aspecto, destacam-se as considerações do autor: Se considerarmos a possibilidade de a lei do orçamento poder conter inovações materiais, parece que o problema não será já só o de uma simples aplicação do princípio da legalidade, mas o da relação entre dois actos legislativos e quiordenamentos sob o ponto de vista formal e orgânico. A contrariedade ou desconformidade da lei do orçamento em relação às leis reforçadas, como é a lei de enquadramento do direito financeiro, colocar-nos-ia perante um fenômeno de leis ilegais ou, numa diversa perspectiva, de inconstitucionalidade indireta. (CANOTINHO, J. J. Gomes. Alei do orçamento na teoria da lei. In: Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor. J. J. Teixeira Ribeiro. Coimbra: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, número especial, 1979, v. II, p. 554).”

E conclui o ministro Gilmar Mendes:

“A partir de uma leitura sistemática dessas normas, tem-se que a efetivação de despesas relacionadas a esses benefícios requer (a) demonstração da origem dos recursos para o seu custeio total; (b) instituição da despasse com a estimativa trienal do seu impacto; (c) demonstração de que o ato normativo não afetará as metas de resultados fiscais e (d) demonstração de que seus efeitos financeiros, nos períodos seguintes serão compensados pelo auto permanente de receita ou pela redução permanente de despesa (LEITE, Harrison. Manual de Direito Financeiro. 8ª Ed. São Paulo, Editora JusPODIVUM, 2019, p. 531). A jurisprudência do STF é uníssona em reconhecer a constitucionalidade dos requisitos de majoração de benefícios de assistência social contemplados nos arts. 17 e 24 da LRF. No julgamento da Medida Cautelar na ADI 2.238, de relatoria do eminente Min. Ilmar Galvão, em que se discutia se as limitações legislativas à majoração de benefícios continuados seriam aplicados ao benefícios de assistência social, o Plenário da Corte concluiu que “as exigências do art. 17, da LRF, são constitucionais, daí não sofrer nenhuma mácula o dispositivo que determina sejam atendidas essas exigências para a criação, majoração ou extensão de benefício ou serviço relativo à seguridade social”. (ADI 2.238 MC, Rel. Min. Ilmar Galvão, Tribunal Pleno, Dje12.09.2008).”

VI – CONCLUSÕES

É certo que não se está na hipótese da imposição de limites mínimos orçamentários para gastos públicos como se dá com a educação e saúde. Ai a questão muda de figura. Se o Legislador e o Administrador não atentam para esses limites a hipótese de inconstitucionalidade é manifesta. A Constituição ao estabelecer mecanismos voltados para a garantia de sua observância, não suporta mudanças infraconstitucionais orçamentárias.

Ademais, cabe ao Judiciário, outrossim, a magna missão de impedir afronta ao postulado impositivo da dignidade da pessoa humana caso seja o caso, dentro de uma justa ponderação de princípios.

Nessas hipóteses faladas acima, caberá a jurisdicialização.

Não se pode transferir ao Judiciário a possibilidade de formular políticas públicas. O Judiciário aí não estará invadindo a competência de outros poderes, mas impondo o mandamento constitucional.

Para o caso, entendo, data vênia, que há omissão do Estado em adimplir  a necessária realização do censo, que é  pressuposto para a realização de políticas públicas diversas. No entanto, entendo que tal adimplemento somente poderá ser realizado diante de recursos públicos para tal e ainda  de obrigatórias condições de saúde para a devida operacionalização.

*É procurador da República com atuação no RN aposentado.

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Ministro do STF critica decisão de desembargador do RN: “decisão sem embasamento técnico”

Alexandre de Morais aponta ausência de embasamento técnico em decisão de Cláudio Santos (Fotomontagem: Blog do Barreto)

Ao derrubar a decisão do desembargador Cláudio Santos que suspendia o toque de recolher em Natal no dia 1º de maio, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, criticou a postura do magistrado potiguar.

Cláudio Santos alegou que seria um contrassenso o trabalhador não trabalhar no dia do trabalho e que havia um acordo coletivo entre trabalhadores e patrões que garantia a possibilidade de se abrir estabelecimentos no último feriado.

Para Alexandre de Moraes a decisão foi sem embasamento técnico:

Este esvaziamento ocorre não só em casos de determinação de afastamento de medidas restritivas, mas também de sua imposição pelo Poder Judiciário, sem embasamento técnico ou em confronto com as decisões gerais havidas pelo Poder Executivo, em todos os âmbitos, visando a garantia da saúde e a continuidade dos serviços públicos essenciais.

Antes, ele também apontou que Cláudio Santos ignorou a jurisprudência estabelecida pelo STF a competência concorrente nas medidas de restrição social para conter a pandemia:

Como se observa, a dinâmica estabelecida pelo ato impugnado, ao suspender o toque de recolher e autorizar o funcionamento das atividades empresariais do dia 1º de maio e atividades públicas de acesso privado, acabaria, ao menos em tese, por esvaziar a competência própria do Estado Rio Grande do Norte para dispor, mediante decreto, sobre o funcionamento dos serviços públicos e atividades essenciais durante o período de enfrentamento da pandemia, ofendendo, por consequência, o decidido por esta CORTE na ADI 6.341.

Leia a Decisão Monocrática do ministro Alexandre de Moraes

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A suspeição do ex-juiz

Sérgio Moro foi declarado suspeito para julgar Lula (Dida Sampaio/Estadão Conteúdo)

Por Rogério Tadeu Romano*

Observo o que foi dito pelo site do Estadão, em 22 de abril do corrente ano:

“Em um duro revés para a Operação Lava Jato, a maioria do Supremo Tribunal Federal (STF) votou nesta quinta-feira (22) para confirmar a decisão da Segunda Turma que declarou a suspeição do ex-juiz federal Sérgio Moro ao condenar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na ação do triplex do Guarujá. Sete ministros já votaram para manter de pé o entendimento de que Moro foi parcial no caso – e apenas dois defenderam o arquivamento da controvérsia.

A posição do plenário marca uma nova vitória do petista no STF, impõe uma amarga derrota à Lava Jato e frustra o relator da operação, Edson Fachin, que havia tentado uma manobra para esvaziar a discussão sobre a conduta de Moro à frente da Justiça Federal de Curitiba.

A sessão foi interrompida após uma discussão acalorada entre os ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, que lideram respectivamente as alas garantista (mais crítica à Lava Jato) e legalista (a favor da Lava Jato) no STF. “Vossa Excelência sentou em cima do processo por dois anos e se acha no direito de ditar regras para os outros”, criticou Barroso, em referência ao pedido de vista de Gilmar, que segurou o processo sobre Moro por dois anos e quatro meses. ” Vossa Excelência perdeu!”, rebateu Gilmar.

Data vênia de opinião contrária a decisão da parcialidade se sobrepõe à da competência, pois há mais intensidade na garantia do direito de liberdade no julgamento deste HC, uma vez que implica nulidade total do processo: tanto das decisões quanto da instrução.”

Repito que o julgamento quanto a suspeição do juiz antecede, é prejudicial, a outra que envolve incompetência do juízo. O art. 96 do CPP é claro ao estabelecer que a suspeição deve ser suscitada de forma prioritária, precedendo a qualquer outra.

O ministro Gilmar Mendes afirmou, no dia 16 de março do corrente ano, que “o relator não é o dono do processo” e não pode enviar processo ao Plenário se o julgamento já foi iniciado por turma do Supremo Tribunal Federal.

O relator pode remeter processos ao Plenário, conforme o Regimento Interno do STF, mas apenas antes do início do julgamento de um processo, destacou.

“Uma vez iniciado o julgamento de um processo no âmbito de órgão colegiado, o relator não pode mais enviá-lo para o Plenário, pois a jurisdição da turma já foi iniciada”, ensinou o ministro Gilmar Mendes.

No voto vencido disse o ministro Roberto Barroso que: “Competência precede a suspeição: julgada a incompetência do juízo de primeiro grau, o julgamento da suspeição fica evidentemente prejudicado. A matéria sobre competência do juízo está relacionada aos pressupostos processuais, está relacionada com a formação da relação jurídica processual e sem juiz competente não há relação jurídica, aprendi isso há muitos anos”, frisou o ministro Barroso.

Data vênia, imparcialidade e competência são pressupostos processuais. Mas, a apreciação da suspeição antecede ao da competência. Ambos são requisitos de validade da relação processual. Uma diz respeito ao juízo (competência) e outra ao juiz (suspeição).

Observo que os princípios estampados no artigo quinto, LIII, da Constituição Federal, bem como o artigo oitavo, i, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, não têm por fim assegurar somente um juiz previamente designado em lei para julgar a demanda, mas também – e sobretudo – garantir que as partes contém com um juiz imparcial. Como bem disse Guilherme de Souza Nucci (Código de Processo Penal Comentado, décima edição, pág. 293), Então essa é a razão pela qual a exceção de suspeição ou de impedimento precede toda e qualquer outra defesa indireta contra o processo. Afinal, um juiz parcial não seria legalmente aceitável para decidir qualquer outro obstáculo ao correto desenvolvimento processual. Essa é a razão de que a arguição de suspeição precede a qualquer outra.

A matéria foi decidida em pronunciamento conclusivo pela Segunda Turma, não havendo falar em um pretenso chancelamento dessa decisão pelo Plenário.

O Regimento Interno do STF deixa bem claro a competência da suas duas Turmas e do Plenário.

Disse bem o ministro Gilmar Mendes que a compreensão sistemática do regimento interno do Supremo não deixa qualquer margem a manuseio intencional das competências jurisdicionais de cada um dos seus órgãos, disse. “A ordem jurídica pátria rechaça qualquer gênero de manipulação da competência dos órgãos judicantes, sobretudo quando provocada pelas partes ou exercida pelo juízo com intuito de ampliar as chances de tal ou qual resultado no julgamento dos processos”, acrescentou.

Existem duas formas de distribuição dos feitos entre os ministros. Uma é o sorteio e a outra a prevenção.

Nos termos do RISTF, é o ato da distribuição da causa ou do recurso, e não decisão eventual do Relator sorteado, que o torna prevento para todos os demais processos relacionados por conexão ou continência, como está nítido no art. 69, caput:

“A distribuição da ação ou do recurso gera prevenção para todos os processos a eles vinculados por conexão ou continência.”

Por fim, conforme orientação desta Presidência, a distribuição de ação ou recurso gera prevenção para todos os processos posteriores vinculados por conexão ou continência, e somente não se caracterizará a prevenção, se o relator, sem apreciar pedido de liminar, nem o mérito da causa, negar-lhe seguimento, não conhecer ou julgar prejudicado o pedido, declinar da competência, ou homologar pedido de desistência por decisão transitada em julgado, nos termos do artigo 69, § 2º, do RISTF.

O que é conexão e o que é continência?

Mirabete (Processo Penal, São Paulo, Atlas, 1992, pág. 173) advertiu que os conceitos de conexão e continência diferem dos do processo civil em que há distinção em razão das personae, res e causa petendi com regras específicas para a determinação do juízo competente.

Trago a conclusão de Pazzaglini Filho (Conexão e continência em processo penal, Justitia 72/23 – 52), para quem, motivando a reunião em um processo e, consequentemente, a unidade de julgamento, a conexão e a continência ¨tem por finalidade a adequação unitária e a reconstrução crítica única das provas a fim de que haja, através de um único quadro de provas mais amplo e completo, melhor conhecimento dos fatos e maior firmeza e justiça nas decisões, evitando-se a discrepância e contradição entre os julgados¨.

Há prevenção do juízo da Segunda Turma para instruir e julgar os pleitos que envolvem a Lava-Jato em Curitiba.

Assim compete à Turma (artigo 10 do RISTF):

I — processar e julgar, originariamente: a) os conflitos de atribuições, que não sejam da competência do Plenário (art. 7º, I, e); b) os habeas corpus, quando o coator ou paciente for tribunal, funcionário ou autoridade, cujos atos estejam diretamente subordinados à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ou se tratar de crime sujeito à mesma jurisdição em única instância, ressalvada a competência do Plenário (art. 7º, I, a); c) os incidentes de execução que, de acordo com o art. 322, III, lhes forem submetidos; II — julgar, em recurso ordinário: a) os habeas corpus, denegados em única ou última instância pelos tribunais locais ou federais, ressalvada a competência do Plenário (art. 7º, III, a e b) e vedada à substituição do recurso por pedido originário; b) a ação penal, nos casos do art. 129§ 1º, da Constituição; III — julgar, em recurso extraordinário, as causas a que se refere o art. 119, III, da Constituição

Observo o artigo 11 do Regimento Interno do STF:

Art. 11 — A Turma que tiver conhecido da causa ou de algum de seus incidentes, inclusive de agravo para subida de recurso denegado ou procrastinado na instância de origem, tem jurisdição preventa para os recursos e incidentes posteriores, mesmo em execução, ressalvada a competência do Plenário e do Presidente do Tribunal. § 1º — Prevalece o disposto neste artigo, ainda que a Turma haja submetido a causa, ou algum de seus incidentes, ao julgamento do Plenário (arts. 12 e 322, II). § 2º — A prevenção, se não reconhecida de ofício, poderá ser argüida por qualquer das partes ou pelo Procurador-Geral até o início do julgamento pela outra Turma. § 3º — Desaparecerá a prevenção, se tiver havido total redistribuição dos Ministros do Tribunal na composição das Turma

Ora, tem-se o artigo 12 do Regimento Interno do STF:

— A Turma remeterá o feito ao julgamento do Plenário (arts. 80, § 1º, II e 89, parágrafo único): I — quando houver relevante arguição de inconstitucionalidade não decidida pelo Tribunal Pleno (art. 97); II — quando algum dos Ministros propuser revisão da jurisprudência predominante (art. 99). Parágrafo único — Poderá a Turma proceder na forma deste artigo: 5 a) quando houver matéria em que divirjam as Turmas entre si ou alguma delas em relação ao Plenário; b) quando convier pronunciamento do Plenário em razão da relevância da questão jurídica, de mudança operada na composição do Tribunal, ou da necessidade de prevenir divergência entre as Turmas.

Data vênia, não se cogita de nenhuma das hipóteses para o caso retro.

Se todos os processos que envolvam a Lava-Jato no âmbito de Curitiba estão sendo por ela julgadas, então por que estar-se-á a enviar esses processos para o Plenário? Parece-me errado. O relator não é dono do processo.

“O plenário não pode tudo, nem modificar decisão proferida pela Segunda Turma, sob pena de violação do devido processo legal. Do contrário, criaremos uma terceira, quarta instância recursal”, como bem acentuado no julgamento

A Segunda Turma não era incompetente para continuar o julgamento da suspeição. O plenário pode rever uma decisão já finalizada, de mérito, da Turma? Entendo que não. Há preclusão. Essa preclusão afeta os efeitos da decisão monocrática. A Turma já disse que não é prejudicial e julgou a suspeição. O respeito deve ser mútuo entre turma e relator. O respeito deve ser de ambos os lados”, afirmou Moraes.

A Segunda Turma do STF, naquele julgamento envolvendo a suspeição do ex-juiz e ex-ministro prestou a sua jurisdição. Não havendo recurso dela, para a turma, preventa para esse julgamento, a matéria está preclusa, não cabendo falar em recursos, ainda mais para o Plenário, pois a Segunda Turma do STF já estava preventa.

Como consequência, tem-se que com a suspeição do ex-juiz e ex-ministro há nulidade absoluta dos atos por ele praticados que não poderão ser ratificados pelo juiz natural que vier a julgar o feito, no caso, como decidido pelo STF, o juízo federal do Distrito Federal.

*É procurador da República com atuação no RN aposentado.

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.

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Ministro do STF derruba decreto de Álvaro Dias e decisões de Cláudio Santos em Natal

Alexandre de Morais segue jurisprudência do STF (Foto: reprodução)

Isabela Santos

Agência Saiba Mais

O ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes restabeleceu neste sábado (1) a eficácia integral do Decreto Estadual Nº 30.490.2021. A decisão suspende todas as flexibilizações contrárias determinadas pelo decreto publicado pelo prefeito de Natal Álvaro Dias (PSDB) e também torna sem efeito as decisões do desembargador do Tribunal de Justiça do RN Cláudio Santos.

O decreto estadual, válido até 12 de maio, restringe o funcionamento de atividades essenciais das 22h às 5h, de segunda a sábado; e integral durante domingos e feriados, abrindo exceção para restaurantes, que podem abrir das 11h às 15h.

Na sexta-feira, o desembargador acatou o pedido da Prefeitura de Natal e flexibilizou as medidas no feriado deste sábado, 1º de maio, autorizando o funcionamento das atividades não essenciais em geral.

Entre as justificativas, o magistrado alegou que seria “contrassenso impedir o trabalhador de trabalhar no Dia do Trabalho”, considerando que muitos perderam empregos e negócios foram fechados durante a pandemia.

Ele também ignorou que abril foi o mês mais letal da pandemia no estado e no país e declarou na decisão que houve melhoria do quadro de infecções por covid-19.