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Governo revoga decreto após decisão de ministro do STF

Governo revoga decreto e aulas presenciais seguem limitadas (Foto: Web/ Autor não identificado)

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Morais derrubou a decisão liminar do juiz Artur Cortez Bonifácio, da 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal que obrigava o Governo do Estado a autorizar o retorno das aulas presenciais no Estado.

Com a nova decisão, o Governo revogou o decreto que cumpria a decisão e restabeleceu as regras que só autorizam aulas presenciais em sistema híbrido para alunos até o 5º ano do Ensino Fundamental e 3ª Série do Ensino Médio.

Em Natal, graças a uma liminar do desembargador Cláudio Santos, estão liberadas as aulas presenciais em todas as séries.
A decisão de Alexandre de Morais acata ação do Sindicato dos Trabalhadores de Educação do Rio Grande do Norte (Sinte/RN).

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Análise

O “decreto ivermectina”

Álvaro Dias defende remédio sem eficácia comprovada e assina decreto sem efeito prático (Foto: 

A governadora Fátima Bezerra (PT) flexibilizou as medidas de restrição social, mas manteve a proibição de bebidas alcoólicas em bares e restaurantes.

O prefeito de Natal Álvaro Dias (PSDB) assinou decreto liberando a venda das biritas.

O tucano assinou um decreto ivermectina cuja eficácia jurídica inexiste, mas muita gente vai acreditar que está valendo pelos próprios interesses como acontece com quem acha que o remédio para verme e piolho funciona contra a covid-19.

O que mais preocupa é o temor por uma tragédia social no final de semana com bares abertos e vendendo bebidas e a Polícia Militar tendo que intervir para fazer valer o decreto que vale, o do Governo do Estado.

A questão é objetiva: o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu que quando temos decretos concorrentes prevalece o que for mais restritivo, neste caso o do Governo.

O decreto de Álvaro Dias é tão eficaz juridicamente quanto a ivermectina é para o tratamento da covid-19.

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Artigo

A ADPF 701/MG e aspectos processuais

Nunes Marques aceitou ação por entidade sem legitimidade para ADPF (Fellipe Sampaio/SCO/STF)

Por Rogério Tadeu Romano *

I – O FATO

Trata o presente artigo de aspectos processuais envolvendo Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF, promovida pela Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE contra o art. 6º do Decreto n. 31, de 20/03/2020, do Município de João Monlevade/MG, por entender que, no contexto da implementação de medidas de enfrentamento da pandemia de COVID-19, foi ferido o direito fundamental à liberdade religiosa e o princípio da laicidade estatal, ao ser determinada a suspensão irrestrita das atividades religiosas na cidade, bem como em face “dos DEMAIS DECRETOS ESTADUAIS E MUNICIPAIS”, os quais teriam imposto violações equivalentes em todo o país.

Disse o relator naquela ocasião:

“Por prudência, ao menos neste momento processual, esta Suprema Corte deve prestigiar a instrumentalidade do processo, na medida em que o objeto desta ação diz com a proteção da liberdade de culto e religião, garantia constitucional. Além disso, é certo que, no Agravo Regimental no ADPF 696, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 30/11/2020, o Tribunal, ainda que implicitamente, aceitou a legitimidade da Associação Brasileira de Juristas Pela Democracia – ABJD. Assim, na existência de aparente divergência jurisprudencial, deve-se prestigiar a concreção do Acesso à Justiça, conforme art. 5º, XXXV, Constituição Federal: “(…) a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

II – A ADPF

Cabe lembrar que a arguição de preceito fundamental é remédio constitucional subsidiário que só deve ser ajuizado à falta de remédio inserido no direito processual comum. É instrumento próprio do processo constitucional na defesa de preceitos fundamentais.

Pode-se entender que a arguição de descumprimento de preceito fundamental brasileira, tal como posta no texto constitucional, tem raízes na Verfassungsbeschwerd, do direito alemão, que funciona como meio de queixa jurisdicional perante o Bundesverfassungericht, almejando a tutela de direitos fundamentais e de certas situações subjetivas lesadas por um ato da autoridade pública.

A discussão que trago à colação diz respeito ao que o artigo 1º da Lei 9.882/89 chama de ato do poder público.

Disse o ministro Alexandre de Moraes que deve-se ver os fundamentos e objetivos fundamentais da República de forma a consagrar maior efetividade às previsões constitucionais.

Na linha de Klaus Schlaich, Alexandre de Moraes observa que devem ser admitidas arguições de descumprimento de preceitos fundamentais contra atos abusivos do Executivo, Legislativo e Judiciário, desde que esgotadas as vias judiciais ordinárias, em face de seu caráter subsidiário.

Conforme entendimento iterativo do STF, meio eficaz de sanar a lesão é aquele apto a solver a controvérsia constitucional relevante de forma ampla, geral e imediata, devendo o Tribunal sempre examinar eventual cabimento das demais ações de controle concentrado no contexto da ordem constitucional global.

O ministro Gilmar Ferreira Mendes (Jurisdição constitucional) anotou que: “A primeira vista, poderia parecer que somente na hipótese de absoluta inexistência de qualquer outro meio eficaz para afastar a eventual lesão poder-se-ia manifestar, de forma útil, a arguição de descumprimento de preceito fundamental. É fácil ver que uma leitura excessivamente literal dessa disposição, que tenta introduzir entre nós o princípio da subsidiariedade vigente no direito alemão e no direito espanhol para, respectivamente, o recurso constitucional e o recurso de amparo, acabaria para retirar desse instituto qualquer significado prático.

Observou o ministro Alexandre de Moraes: “Note-se que, em face do art. 4º, caput, e § 1º da Lei nº 9.882/99 que autoriza a não admissão de arguição de preceito fundamental quando não for o caso ou quando houver outro meio eficaz de sanar a lesividade, foi concedida certa discricionariedade ao STF, na escolha das arguições que deverão ser processadas e julgadas, podendo, em face seu caráter subsidiário, deixar de conhece-la quando concluir pela inexistência de relevante interesse público, sob pena de tornar-se uma nova instância recursal para todos os julgados dos tribunais superiores.

Anotou ainda o ministro Gilmar Mendes (obra citada) que “dessa forma, entende-se que o STF poderá exercer um juízo de admissibilidade discricionário para a utilização desse importantíssimo instrumento de efetividade dos princípios e direitos fundamentais, levando em conta o interesse público e a ausência de outros mecanismos jurisdicionais efetivos.”

Para tanto, afirmou o ministro Gilmar Mendes que a ADPF “é típico instrumento do modelo concentrado de controle de constitucionalidade (Arguição de descumprimento de preceito fundamental: comentários à Lei 9.882, de 3.12.1999. 2. ed. São Paulo: Saraiva,2011. p. 170).

A legislação, no que tange à modalidade direta de ADPF, foi enfática ao prever, em seu art. 1º, que caberá ADPF em face de ato do Poder Público. Note-se, aqui, a extensão desse termo, que não se circunscreve apenas aos atos normativos do Poder Público. Portanto, e como primeira conclusão, a ADPF poderá servir para impugnar atos não normativos, como os atos administrativos e os atos concretos, desde que emanados do Poder Público. Trata-se, já aqui, de atos não impugnáveis por via da ação direta de inconstitucionalidade Como se sabe, a arguição de descumprimento de preceito fundamental somente poderá ser utilizada, se se demonstrar que, por parte do interessado, houve o prévio exaurimento de outros mecanismos processuais, previstos em nosso ordenamento positivo, capazes de fazer cessar a situação de suposta lesividade ou de alegada potencialidade danosa resultante dos atos estatais questionados. Essa a conclusão de André Ramos (Repensando a ADPF no complexo modelo brasileiro de controle da constitucionalidade. In: CAMARGO, Marcelo Novelino (Org.). Leituras complementares de direito constitucional: controle de constitucionalidade. Salvador: JusPodivm, 2007. p. 57-72)

Daí a prudência com que o Supremo Tribunal Federal deve interpretar a regra inscrita no art. 4º, §1º, da Lei nº 9.882/99, em ordem a permitir que a utilização de referida ação constitucional possa efetivamente prevenir ou reparar lesão a preceito fundamental causada por ato do Poder Público. Não é por outra razão que esta Suprema Corte vem entendendo que a invocação do princípio da subsidiariedade, para não conflitar com o caráter objetivo de que se reveste a arguição de descumprimento de preceito fundamental, supõe a impossibilidade de utilização, em cada caso, dos demais instrumentos de controle normativo abstrato.

Ressalte-se, contudo, que a mera possibilidade de utilização de outros meios processuais não basta, só por si, para justificar a invocação do princípio da subsidiariedade para o ajuizamento da ADPF, pois, para que esse postulado possa incidir, revela-se essencial que os instrumentos disponíveis mostrem-se capazes de neutralizar, de maneira eficaz, a situação de lesividade que se busca obstar com o ajuizamento desse writ constitucional (STF AgR-ADPF 17). A existência de processos ordinários e recursos extraordinários também não deve excluir, “a priori”, a utilização da ADPF, em virtude da feição marcadamente objetiva desta ação (STF ADPF 33).

O ministro Roberto Barroso disse que “o fato de existir ação subjetiva ou possibilidade recursal não basta para descaracterizar a admissibilidade da ADPF – já que a questão realmente importante será a capacidade do meio disponível sanar ou evitar a lesividade ao preceito fundamental. Por isso mesmo, se as ações subjetivas forem suficientes para esse fim, não caberá a ADPF” (O controle de constitucionalidade n direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 323).

 A atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem atribuído ao princípio da subsidiariedade esse específico significado (ADPF 390-AgR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 8 ago. 2017; ADPF 266-AgR, Rel.Min. Edson Fachin, DJe de 23 maio 2017; ADPF 237-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 30 out. 2014, entre outros julgados), em que pese a orientação geral de que a subsidiariedade há de ser aferida em face da ordem constitucional global e tendo por consideração os meios aptos a solver a controvérsia de forma ampla geral e imediata (ADPF 33/PA, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 27out. 2006).

O Ministro Gilmar Mendes (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, São Paulo, ed. Saraiva, 2009, 1ª edição, 2ª tiragem) dá exemplos de hipóteses de objeto e de parâmetros de controle:

a) direito pré-constitucional;

b)  lei pré-constitucional e alteração de regra constitucional de competência legislativa (incompetência legislativa superveniente);

c) O controle direto da constitucionalidade do direito municipal em face da Constituição Federal;

d) Pedido de declaração de constitucionalidade (ação declaratória) do direito estadual ou municipal e arguição de descumprimento;

e) A lesão a preceito decorrente de mera interpretação judicial;

f) Contrariedade à Constituição decorrente de decisão judicial sem base legal (ou fundada em falsa base legal);

g) Omissão legislativa e controle da constitucionalidade no processo de controle abstrato de normas e na arguição de descumprimento de preceito fundamental(ADPF – 45, relator Ministro Celso de Melo, DJ de 4 de maio de 2004).

h) Norma revogada(ADPF 33, Relator Ministro Gilmar Mendes, julgada em 7 de dezembro de 2005)

i)  Medida Provisória rejeitada e relações jurídicas constituídas durante a sua vigência (ADPF 84 – AgRg, DJ de 7 de março de 2006).

j)  O controle do ato regulamentar.

III – O ARTIGO 103, IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Para ajuizá-la é mister ter legitimidade para tal.

Fala-se com relação ao direito de propositura das confederações sindicais e das entidades de classe de âmbito nacional.

O conceito de entidade de classe de âmbito nacional abarca um grupo amplo e diferenciado de associações que não podem ser distinguidos de maneira simples.

Em decisão de 5 de abril de 1989 tentou o STF precisar o conceito de entidade de classe, ao explicitar que é apenas a associação de pessoas que em essência representa o interesse comum de terminada categoria, como se lê da ADIn 79, relator min. Celso de Mello, DJ de 10 de setembro de 1989. Ali se disse: “não se pode considerar entidade de classe a sociedade formada meramente por pessoas físicas ou jurídicas que firmem sua assinatura em lista de adesão ou qualquer outro documento idôneo(….), ausente particularidade ou condição, objetiva ou subjetiva, que distingam sócios de não-associados”, como se lê ainda da ADIn 52, relator ministro Célio Borja, Dj de 19 de setembro de 1990, pág. 9.721.

Sendo assim conforme aquela já mencionada ADIn 79, relator ministro Celso de Mello, DJ de 10 de setembro de 1989, a ideia de um interesse essencial de diferentes categorias fornece base para a distinção entre a organização de classe, nos termos do artigo 103, IX, da Constituição, e outras Associações ou Organizações Sociais. Dessa forma, deixou claro o Supremo Tribunal Federal que a Constituição decidiu por uma legitimação limitada, não permitindo que se convertesse o direito de propositura dessas, organizações de classe em autêntica ação popular.

Por sua vez, em orientação firmada na ADIn 108, relator ministro Celso de Mello, DJ de 5 de junho de 1992, pág. 8.426, entendeu-se que não configura entidade de classe de âmbito nacional, para os efeitos do artigo 103, IX, organização formada por associados pertencentes a categorias diversas. Assim “não se configuram como entidades de classe aquelas instituições que são integradas por membros vinculados a extratos sociais, profissionais ou econômicos diversificados, cujos objetivos, individualmente considerados, revelam-se contrastantes.

Afirmou-se, na ADIn 61, relator ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 28 de setembro de 1990, pág. 10.222, que “não constitui entidade de classe, para legitimar-se à ação direta de inconstitucionalidade(CF, artigo 103, IX), associação civil, voltada à finalidade altruísta de promoção a defesa de aspirações cívicas de toda a cidadania”.

Quanto ao caráter nacional da entidade, enfatiza-se que não basta simples declaração formal ou manifestação de intenção constante de seus atos constitutivos. Faz-se mister que, além de uma atuação transregional, tenha a entidade membros em pelo menos nove Estados da Federação, número que resulta de aplicação analógica da Lei Orgânica dos Partidos Políticos, como se ê da ADIn 386, relator ministro Sydney Sanches, DJ de 28 de junho de 1991, pág. 8.904 e ainda ADIn 108, relator ministro Celso de Mello, DJ de 5 de junho de 1992, pág. 8.427.

Em sendo assim, o Supremo Tribunal Federal recusou legitimidade para instauração de ações de controle concentrado a entidades constituídas a partir de elementos associativos pertinentes a determinados valores, práticas ou atividades de interesse social, tais como cidadania, moralidade, desporto e prática religiosa”, escreveu Moraes ao rejeitar o recurso da Anajure.

Menciona-se ainda que segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, há de se exigir que o objeto da ação de inconstitucionalidade guarde relação de pertinência com a atividade de representação da confederação ou da entidade de classe de âmbito nacional.

Pois bem em uma manifestação sobre a temática da abertura dos tempos em razão do princípio da liberdade religiosa, pontuou na manifestação, que há o entendimento no STF de que uma entidade de classe, para fins de legitimidade para a instauração de ação de inconstitucionalidade, deve ser composta por categoria homogênea. Além disso, a associação não comprovou atuação no âmbito nacional, sendo que é necessário que uma associação comprove ter membros ou associações em ao menos nove estados para ter caráter nacional. A AGU ainda traz que recentemente o próprio Supremo Tribunal Federal, na figura do ministro Alexandre de Moraes, entendeu que a associação não possuía legitimidade em uma outra ADPF, em fevereiro deste ano, no julgamento do Agravo Regimental na ADPF 703/BA, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 17/02/2021.

Ali foi dito:

“1. A jurisprudência do STF exige, para a caracterização da legitimidade ativa das entidades de classe e confederações sindicais nas ações de controle concentrado de constitucionalidade, a representatividade de categoria empresarial ou profissional.2. Sob esse enfoque, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos –ANAJURE carece de legitimidade para a propositura da presente arguição, na medida em que congrega associados vinculados por convicções e práticas intelectuais e religiosas. Precedentes.3. O cabimento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental será viável desde que haja a observância do princípio da subsidiariedade, que exige o esgotamento de todas as vias possíveis para sanar a lesão ou a ameaça de lesão a preceitos fundamentais, ou a verificação, ab initio, de sua inutilidade para a preservação do preceito. Precedentes desta CORTE.4. A possibilidade de impugnação de ato normativo municipal perante o Tribunal de Justiça local, em sede concentrada, tendo-se por parâmetro de controle dispositivo da Constituição estadual, ou mesmo da Constituição Federal, desde que se trate de norma de reprodução obrigatória, caracteriza meio eficaz para sanar a lesividade apontada pela parte, de mesmo alcance e celeridade que a arguição de descumprimento de preceito fundamental perante o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, em razão do que se mostra desatendido o requisito da subsidiariedade (art.4º, § 1º, da Lei 9.882/1999). 5. Agravo Regimental a que se nega provimento.”

Observo que o Supremo Tribunal Federal já recusou legitimidade para instauração de ações de controle concentrado a entidades constituídas a partir de elementos associativos pertinentes a determinados valores, práticas ou atividades de interesse social, tais como cidadania, moralidade, desporto e prática religiosa. Nesse sentido, diversos precedentes: ADPF 406 AgR, Pleno, relatora ministra Rosa Weber, DJe de 7/2/2017; ADI 4.770 AgR, Pleno, Relator ministro Teori Zavascki, DJe de 25/2/2015; e decisões monocráticas na ADI 5666, ministro Celso de Mello, DJe de6/4/2017; ADPF 278, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 9/2/2015; e ADI 4.892, Rel. Min. Gilmar Mendes,, DJe de 21/8/2013.

Tem-se ainda:

“O Conselho Interdenominacional de Ministros Evangélicos do Brasil – CIMEB –, a despeito de demonstrar formalmente em seu estatuto o caráter nacional da entidade, não se afigura como categoria profissional ou econômica, razão pela qual não possui legitimidade ativa para a propositura da ação direta deinconstitucionalidade.3. Nego provimento ao agravo regimental. ́(ADI 4294-AgR, Rel. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 01/07/2016, DJe de 5/9/2016)”.

Dessa maneira, constata-se que a requerente não detém legitimidade para o ajuizamento da presente arguição de descumprimento de preceito fundamental, a qual não deve ser conhecida”, ressalta, dizendo ainda que uma ADPF não é a via mais adequada para análise da suposta inconstitucionalidade dos decretos estaduais e municipais, visto que não há na Constituição Federal uma referência a medidas restritivas para proteção da saúde pública.

Não teria, pois, a entidade referenciada legitimidade para ajuizamento do remédio constitucional suscitado e ainda faltaria a ela interesse de agir, pois exige-se a comprovação da observância ao princípio da subsidiariedade.

IV – A INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA

Ademais, o cabimento da ADPF será viável desde que haja a observância do princípio da subsidiariedade, que exige o esgotamento de todas as vias possíveis para sanar a lesão ou a ameaça de lesão a preceitos fundamentais ou a verificação, ab initio, de sua inutilidade para a preservação do preceito (ADPF186/DF, relator ministro Ricardo Lewandowski,  DJe de20/10/2014).

Trago entendimento do ministro Celso de Mello:

da “A possibilidade de instauração, no âmbito do Estado-membro, de processo objetivo de fiscalização normativa abstrata de leis municipais contestadas em face da Constituição Estadual (CF, art. 125, § 2º) torna inadmissível, por efeito da incidência do princípio da subsidiariedade (Lei 9.882/99, art. 4º,§ 1º), o acesso imediato à arguição de descumprimento de preceito fundamental. É que, nesse processo de controle abstrato de normas locais, permite-se ao Tribunal de Justiça estadual a concessão, até mesmo in limine, de provimento cautelar neutralizador da suposta lesividade do diploma legislativo impugnado, a evidenciar a existência, no plano local, de instrumento processual de caráter objetivo apto a sanar, de modo pronto e eficaz, a situação de lesividade, atual ou potencial, alegadamente provocada por leis ou atos normativos editados pelo Município.”(ADPF-MC 100/TO, Rel. Min. CELSO DE MELLO, decisão monocrática, DJe de 17/12/2008).

Na matéria disse a ministra Rosa Weber:

“Ante o desenvolvido, e considerada a existência de outros meios processuais adequados para, na dimensão em tese, impugnar os atos normativos identificados na inicial, deforma exemplificativa, e solucionar de forma imediata, eficaz e local a controvérsia constitucional apontada, o conhecimento da presente arguição de descumprimento de preceito fundamental não passa no parâmetro normativo-decisório construído por esse Supremo Tribunal Federal, por meio de seus precedentes judiciais, quanto ao sentido atribuído ao requisito da subsidiariedade”.(ADPF 666/DF, Rel. Min. ROSA WEBER, decisão monocrática, DJe de 16/04/2020).

Entendo que há outros instrumentos processuais hábeis para a discussão da matéria, à luz da exigência do que se traduz o princípio da subsidiariedade.

V – CONSIDERAÇÕES FINAIS

A AGU considerou que A Associação de Juristas Evangélicos não tem legitimidade para recorrer a ADPF. A AGU Apontou, vou transcrever: “a) a ilegitimidade ativa da ANAJURE; b) inobservância do princípio da subsidiariedade; c) ausência de indicação dos atos. Tal atuação se dá como curador da norma, papel esse a ser desempenhado pela Advocacia Geral da União nessas ações de controle concentrado. Não poderia, pois, mudar seu posicionamento, talvez em razão de interesses ideológicos. O seu papel se dá no âmbito estritamente jurídico. A AGU serve ao Estado brasileiro e não a governos e a ideologias.

Em sendo assim entendo que o Plenário do STF deve revogar a liminar concedida pelo ministro Kássio Nunes Marques, extinguindo o feito por carência de ação, por ilegitimidade da entidade que a propôs e ainda por inadequação da via eleita, falta de interesse de agir.

Discute-se, por fim, se há prevenção do ministro Nunes Marques, em face da relatoria na ADPF 701/MG, em face de outra ação de descumprimento de preceito fundamental, cujo relator é o ministro Gilmar Mendes. Ora, a prevenção não pode ser exercida a partir de ação extinta sem resolução do mérito, sob pena de causar “efeito devastador e deletério” na tramitação de ações perante o STF. Sendo assim há reunião de todas as ADPF que vierem a ser julgadas sobre o tema(liberdade religiosa x medidas restritivas em prol da saúde), devendo todas elas serem distribuídas para o ministro Gilmar Mendes, prevento para tai julgamentos.

Não há prevenção ou dependência com a ADPF701/MG, de relatoria do ministro Nunes Marques.

*É procurador da República com atuação no RN aposentado.

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.

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No terceiro ano de mandato, Styvenson ainda não entendeu qual a função do STF

Styvenson classifica arbitragem de conflitos como interferência do STF (Foto: Web autor não identificado)

Apesar de assinar o pedido de abertura da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar o comportamento do Governo Jair Bolsonaro na pandemia, o senador Styvenson Valentim (PODE) mostrou irritação com o que ele classificou como “interferência” do Supremo Tribunal Federal (STF) no legislativo.

Assista a fala do senador e mais abaixo mostraremos porque ela é inconsistente.

O senador está no terceiro ano de mandato e ainda não entendeu a finalidade do STF. Uma das prerrogativas da corte é arbitrar conflitos e fazer valer as regras previstas. No caso específico o ministro Luís Roberto Barroso fez valer o Regimento Interno do Senado em seu artigo 145 cuja redação é:

Art. 145. A criação de comissão parlamentar de inquérito será feita mediante requerimento

de um terço dos membros do Senado Federal.

  • 1º O requerimento de criação da comissão parlamentar de inquérito determinará o fato a

ser apurado, o número de membros, o prazo de duração da comissão e o limite das despesas a

serem realizadas.

  • 2º Recebido o requerimento, o Presidente ordenará que seja numerado e publicado.

O que estava acontecendo? O presidente do Senado Rodrigo Pacheco (DEM/MG) estava segurando a instalação de uma CPI que continha 31 assinaturas (são necessárias 27), objeto e prazo definidos. O que fez o autor do requerimento, Jorge Kajuru (Cidadania-GO)? Recorreu ao STF.

A lei estava ao lado do parlamentar goiano e quando o presidente do Senado se recusa a cumpri-la o que se faz? Soca o homem ou apela ao judiciário?

Havia um conflito entre um direito das minorias (instalação de uma CPI) e o presidente do Senado que se recusava a cumprir o estabelecido no regimento. Restava apelar ao STF, que tem o papel de arbitrar esse tipo de conflito e fazer valer as regras do jogo.

A decisão do ministro Barroso cumpriu o sistema de freios e contrapesos da democracia evitando a arbitrariedade praticada por Pacheco.

O senador Styvenson tem mais cinco anos para aprender qual a função do STF e entender que não houve, ao menos neste caso, interferência, mas uma arbitragem de conflitos.

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Uma errônea decisão

João Rebouças decidiu liberar academias sem sustentação em jurisprudência estabelecida pelo STF (Foto: reprodução)

Por Rogério Tadeu Romano*

I – O DIREITO À SAÚDE

Em 1988, o Brasil rumou para um caminho democrático ao ver promulgada a sua Constituição-cidadã.

Alinha-se a Constituição de 1988, no Brasil, a um moderno Estado Democrático de Direito que reclama uma Democracia Participativa aberta, dentro de uma Constituição aberta a todas as instâncias de participação permanente. Fácil e ver que os esquemas político-institucionais baseados em estruturas antigas, do tipo liberal-individualista, não se adaptam às novas exigências da ordem coletiva.

O Estado tem o dever de zelar pela saúde, a educação, a A saúde é concebida como direito de todos e dever do Estado, que a deve garantir mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos. O direito à saúde rege-se pelos princípios da universalidade e da igualdade de acesso às ações e serviços que a promovem, protegem e recuperem.

As ações e serviços de saúde são de relevância pública, por isso ficam inteiramente sujeitos à regulamentação, fiscalização e controle do Poder Público, nos termos da lei, a que cabe executá-los diretamente ou por terceiros, pessoas físicas ou jurídicas de direito privado.

Na lição de José Afonso da Silva (Curso de direito constitucional positivo, 5ª edição, pág. 696), se a Constituição atribui ao Poder Público o controle das ações e serviços de saúde, significa que sobre tais ações e serviços tem ele integral poder de dominação que é o sentido do termo controle, mormente quando aparece ao lado da palavra fiscalização.

A atuação no campo da saúde diz respeito ao sistema único de saúde, integrado por uma rede regionalizada e hierarquizada de ações e serviços de saúde, constitui meio pelo qual o Poder Público cumpre seu dever de relação jurídica que tem no polo ativo qualquer pessoa e a comunidade, já que o direito à promoção e à proteção da saúde é ainda um direito coletivo. O sistema único de saúde implica ações e serviços federais, estaduais, distritais (DF) e municípios, regendo-se pelos princípios da descentralização, com direção única em cada esfera de governo, de atendimento integral, com prioridades para atuações preventivas e da participação da comunidade, o que confirma seu caráter de direito social pessoal, de um lado, e de direito social, coletivo, de outro.

Responsável pelas ações e serviços de saúde é o Poder Público, na medida em que a Constituição fala em ações e serviços públicos de saúde, para distinguir a assistência à saúde pela iniciativa privada, que ela também admite.

Pois bem.

É impositiva a ação estatal, em todas as esferas federativas, quando o assunto é a saúde pública.

O Princípio da obrigatoriedade da ação estatal ensina que o Estado deve prevenir, por todos os meios possíveis, as ameaças à saúde pública.

No passado presente, é sempre indispensável dizer, vivemos a maior crise sanitária de nossa geração. Suas repercussões são terríveis na ordem econômica, social, da educação.

Os entes federativos têm vivido sérios problemas quanto à adequação das medidas que devem ser tomadas, no exercício do poder de polícia, em face da Lei nº 13.979/2020.

Sabe-se que a Constituição disciplinou a competência dos entes federativos como concorrente.

Mas, recentemente, em sede de Suspensões de Liminares, onde o mérito não foi objeto de cogitação, mas a adoção de medidas determinadas em face de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, em março deste ano, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, restabeleceu a plena eficácia do Decreto estadual 65.545/2021 de São Paulo que determinava a classificação do Município de São José dos Campos na fase vermelha do Plano São Paulo de combate à pandemia da Covid-19. A decisão cautelar foi proferida em dois pedidos de Suspensão de Liminar (SL 1428 e SL 1429) contra decisão do Tribunal de Justiça estadual (TJ-SP) que havia autorizado a migração do município para a fase laranja, menos rígida.

Então o que fazer com relação a matéria, envolvendo fechamento do comércio e dos serviços não essenciais, até mesmo um lockdown, tomados na devida proporcionalidade, quando União, Estados, Municípios, têm decisões conflitantes, de caráter prescritivos, com functores deônticos?

Penso que o assunto, por envolver uma pandemia, tem que ser tratado como direito à saúde.

Se entendido como tal a competência seria concorrente, como julgado pelo Supremo na ADi 6341. Por compreender ser aplicado ao caso o princípio da precaução/prevenção, há de prevalecer a norma do ente federativo concorrente que, sendo mais restritiva, tenha o maior condão profilático na matéria. Sobre a matéria há interesse estudo de Gabriel Vedy (O princípio constitucional da precaução como instrumento do meio ambiente e da saúde pública”, Ed. Forum, 3ª ed., 2020).

Essa vertente diz respeito à aplicação dos princípios da prevenção e da precaução o que exigiria maior atenção das autoridades sanitárias e o implemento de medidas mais severas.

Em sendo assim, sob essa ótica, na controvérsia entre as medidas legais tomadas pelo município ou pelo Estado Membro, adotar-se-ia a mais grave e a mais incisiva para o caso.

O objetivo do Princípio da Prevenção é o de impedir que ocorram danos à saúde, concretizando-se, portanto, pela adoção de cautelas, antes da efetiva execução de atividades potencialmente produtoras de danos.

O Princípio da Precaução, por seu turno, possui âmbito de aplicação diverso, embora o objetivo seja idêntico ao do Princípio da Prevenção, qual seja, antecipar-se à ocorrência das agressões à saúde.

Enquanto o Princípio da Prevenção impõe medidas acautelatórias para aquelas atividades cujos riscos são conhecidos e previsíveis, o Princípio da Precaução encontra terreno fértil nas hipóteses em que os riscos são desconhecidos e imprevisíveis, impondo à Administração Pública um comportamento muito mais restritivo quanto às atribuições de fiscalização e de licenciamento das atividades potencialmente danosas à saúde.

Com isso proteger-se-ia o direito à saúde, que tem natureza difusa na sociedade.

Para tanto, é preciso reconhecer que, tendo em mente a equivalência valorativa entre os princípios da precaução e da prevenção, viabilizar-se-ia a sua consideração em duas dimensões, duas faces de uma mesma moeda: a) havendo ameaça de lesão, cujos reflexos são previsíveis ou conhecidos (situação tradicionalmente associada ao princípio da prevenção); e b) havendo ameaça de lesão, cujos reflexos não são previsíveis ou não são conhecidos (situação comumente associada ao próprio princípio da precaução).

Essa necessidade de atuação do Poder Público é respaldada na existência de outro princípio: o princípio da obrigatoriedade da ação estatal.

Sendo assim, repito, há de prevalecer a norma do ente federativo concorrente que, sendo mais restritiva, tenha o maior condão profilático na matéria, dentro de um necessário pacto pela vida. As normas federais são genéricas na matéria, a dos Estados e do Distrito Federal no âmbito de seu território e a dos Municípios, na estrita conveniência e oportunidade dos seus interesses locais. Repito: há competente concorrente entre os entes federativos para dispor sobre saúde.

II – A COMPETÊNCIA CONCORRENTE DOS ENTES FEDERATIVOS EM MATÉRIA DE SAÚDE PÚBLICA

Observo o artigo 23 da Constituição:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

…….

II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

….

Observo o artigo 24, § 4º, da Constituição Federal.

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

§ 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário. (Vide Lei nº 13.874, de 2019)

Ora, o que o parágrafo acentua e reafirma é a competência primária da União para expedir normas gerais.

Raul Machado Horta, um dos teóricos brasileiros que mais têm dedicado atenção ao tema do federalismo, considera que o constituinte de 1988 “enriqueceu a autonomia formal, dispondo que a competência da União consistirá no estabelecimento de normas gerais, isto é, normas não exaustivas, e a competência dos Estados se exercerá no domínio da legislação suplementar”. Complementando essa observação, oferece em seguida uma noção muito precisa: “A lei de normas gerais deve ser uma lei quadro, uma moldura legislativa. A lei estadual suplementar introduzirá a lei de normas gerais no ordenamento do Estado, mediante o preenchimento dos claros deixados pela lei de normas gerais, de forma a afeiçoá-la às peculiaridades locais” (Estudos de Direito Constitucional, Del Rey, Belo Horizonte, 1995, págs. 419/420).

Estamos diante de normas gerais que são as editadas pelos poderes federais, vigorando em todo o território nacional. As normas particulares são emitidas pelos poderes estaduais e municipais tendo eficácia apenas em seus territórios e dizem respeito a seus especiais interesses locais.

Na divergência entre elas vigora a que for mais restritiva em favor da saúde, pouco importando os interesses econômicos e políticos envolvidos, isto à luz dos princípios indicados.

III – O CASO CONCRETO E A INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL

Passo a decisão que irei comentar.

O desembargador João Rebouças concedeu liminar a um pedido do Conselho Regional de Educação Física da 16ª Região (CREF/RN) e autorizou a abertura das academias em todo o Rio Grande do Norte durante a vigência do decreto estadual que permite o funcionamento apenas de serviços essenciais entre o sábado (20) e o dia 2 de abril deste ano.

A decisão atende a um mandado de segurança impetrado pela entidade de representação profissional contra a Governadora do Estado. O conselho afirmou que foi verificada ilegalidade no decreto ao deixar de observar os artigos 1º e 3º, incisos LVI e LVII do decreto federal nº 10.344/2020 e também da Lei Municipal nº 7.125/2021, que descreve a atividade física como serviço essencial à saúde pública no âmbito do município de Natal.

O desembargador João Rebouças destacou que é notória a situação de calamidade pública no país e no RN e disse que o Estado não tem medido esforços para combater a pandemia. Apesar disso, considerou que não considerar a prática em academias como atividade essencial violou o decreto federal Nº 10.344/2020.

Segundo o desembargador, o decreto federal, ao estabelecer o rol de atividades essenciais, não pode ser contrariado pelo decreto estadual, diante do que preceitua o artigo 24, § 4º, da Constituição Federal.

O magistrado destacou na decisão que a competência normativa é distribuída nos níveis de União, Estados e Municípios, existindo uma hierarquização legislativa. “Mesmo dentro de sua competência original ou delegada, o Estado não pode editar normas contrárias às definidas pela União”, cita a decisão.

Segundo o desembargador, o decreto federal, ao estabelecer o rol de atividades essenciais, não pode ser contrariado pelo decreto estadual, diante do que preceitua o artigo 24, § 4º, da Constituição Federal.

Data vênia, a norma federal, em tema de saúde, não supera a dos outros entes federativos, pois é concorrente. Aplica-se, repito à exaustão, na concorrência entre elas, a norma que for mais restritiva a favor da saúde da população envolvida, dentro ainda de uma interpretação sistemática da Constituição. Ademais, aquela decisão do TJRN comete um erro imperdoável: é competência da Justiça Federal, a teor do artigo 109, I, da CF, instruir e julgar processos em que haja interesse da União, empresas públicas, autarquias corporativas ou fundacionais. Ora, as ações do CREF/RN devem ser julgadas na Justiça Federal. Portanto ela é nula por afrontar pressuposto processual de validade da relação jurídico-processual.

É nula, pois, a decisão emanada pelo juízo de segundo grau da Justiça Comum do Rio Grande do Norte.

Com o advento da Lei n. 9.649/98, alterou-se a natureza jurídica de todos os conselhos de fiscalização de profissão, nos seguintes termos:

Art. 58. Os serviços de fiscalização de profissões regulamentadas serão exercidos em caráter privado, por delegação do poder público, mediante autorização legislativa. (Vide ADIN nº 1.717-6)

[…];

§ 8º Compete à Justiça Federal a apreciação das controvérsias que envolvam os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, quando no exercício dos serviços a eles delegados, conforme disposto no caput. (Vide ADIN nº 1.717-6 – grifei)

Ocorre que, em decisão proferida na ADI 1.717/DF, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade do art. 58, § 8º, da Lei n. 9.649/98; ou seja, referida norma não revogou validamente o disposto na Lei n. 3.820/60. Veja-se:

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 58 E SEUS PARÁGRAFOS DA LEI FEDERAL Nº 9.649, DE 27.05.1998, QUE TRATAM DOS SERVIÇOS DE FISCALIZAÇÃO DE PROFISSÕES REGULAMENTADAS. 1. Estando prejudicada a Ação, quanto ao § 3º do art. 58 da Lei nº 9.649, de 27.05.1998, como já decidiu o Plenário, quando apreciou o pedido de medida cautelar, a Ação Direta é julgada procedente, quanto ao mais, declarando-se a inconstitucionalidade do “caput” e dos § 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º do mesmo art. 58. 2. Isso porque a interpretação conjugada dos artigos 5º, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados. 3. Decisão unânime. (ADI 1717, Relator (a): Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 07/11/2002, DJ 28-03-2003 PP-00063 EMENT VOL-02104-01 PP-00149)

Os Conselhos de fiscalização profissional têm a natureza jurídica de autarquia, motivo pelo qual a competência para julgamento dos feitos em que sejam parte é da Justiça Federal.” (TRF4, AG 2008.04.00.042195-8, QUARTA TURMA, Relatora para Acórdão MARGA INGE BARTH TESSLER, D.E. 30/03/2009). RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. REMESSA DOS AUTOS AO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO.

Observo, por fim, o que foi julgado no CC 69.579 pelo STJ, onde se disse, em síntese:

“Ações propostas pelos conselhos regionais de fiscalização devem ser julgadas pela Justiça Federal. O entendimento é do ministro João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça.”

A incompetência da Justiça Comum Estadual para a matéria é absoluta. De modo, que são nulos todos os atos decisórios ali praticados com relação ao processo em tela.

IV – CONCLUSÕES

Dois, então, serão os caminhos a adotar: a uma, a anulação da decisão perante o próprio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte; a duas, ajuizamento de Suspensão de Liminar, à luz do artigo 4º da Lei nº 8.437/92, em face de   caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

Vem, por fim, a notícia de que o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve a suspensão do funcionamento de academias de ginásticas, boxes de crossfit, estúdios de pilates e similares no Rio Grande do Norte enquanto perdurar o decreto 30.419/21 que prevê maior rigor no combate ao avanço da pandemia da Covid-19.

Restará, por fim, pelo ente legitimado, ajuizar agravo regimental para anular a decisão tomada pelo TJRN.

*É procurador da República com atuação no RN aposentado.

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.

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O passado condena?

Arthur Lira não pode integrar a linha de sucessão presidencial (Foto: Sergio Lima)

Por Rogério Tadeu Romano*

I – O FATO

Em entrevista para o Estadão, em sua edição de 7 de fevereiro do corrente ano, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, avalia que não é o “melhor quadro para o Brasil” ter um réu na linha sucessória da Presidência da República. Em entrevista ao Estadão, Fux foi questionado sobre a situação do novo presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), que responde a denúncias na Corte por corrupção passiva e organização criminosa – ainda em análise de recursos.

“Eu acho que realmente uma pessoa denunciada assumir a Presidência da República, seja ela qual for, é algo que até no plano internacional não é o melhor quadro para o Brasil”, afirmou o ministro.

Segundo na linha sucessória, Lira pode ser impedido de substituir o presidente Jair Bolsonaro e o vice Hamilton Mourão. Um precedente do tribunal já impediu o então presidente do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), de ocupar interinamente a cadeira no Planalto por ser réu na época.
II – OS ANTECEDENTES

É sabido que o atual presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, enfrenta vários processos por conta de condutas a ele imputadas.

Há duas denúncias contra ele ofertadas no Supremo Tribunal Federal.

No primeiro caso, um servidor da Câmara foi flagrado com R$ 106 mil, em dinheiro vivo, quando tentava embarcar no Aeroporto de Congonhas. Segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), os valores apreendidos deveriam ser entregues a Lira, em troca de apoio político para manter Francisco Colombo no cargo de presidente da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU).

A segunda denúncia diz respeito às investigações do “quadrilhão do PP”. Lira é acusado de participar de um esquema de “cometimento de uma miríade de delitos” e arrecadação de propina por meio da utilização de diversos órgãos da administração, como a Petrobrás, a Caixa Econômica Federal e o Ministério das Cidades. A organização criminosa teria sido estruturada após a eleição do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2002.

O novo presidente da Câmara foi denunciado pela PGR, em junho de 2020, acusado de receber R$ 1,6 milhão em propina da empreiteira Queiroz Galvão, pelo apoio do PP à manutenção de Paulo Roberto Costa na diretoria da Petrobras. No entanto, três meses depois, em setembro, a subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo, coordenadora da Lava Jato na PGR, acolheu argumento da defesa de que não havia prova contra Lira e desistiu da denúncia.

“A PGR alterou seu entendimento após perceber que a denúncia estava calcada exclusivamente na palavra de um colaborador premiado: Alberto Youssef. Não havia qualquer outra prova. E, como fiscal da lei, não poderia sustentar algo distinto do arquivamento”. Nesse caso, a posição do titular da ação penal, Ministério Público Federal, será determinante para o arquivamento dos autos, com o não recebimento da denúncia formulada em face de sua rejeição.

Lira foi denunciado pelos desvios na Assembleia Legislativa de Alagoas pela Procuradoria-Geral da República (PRG), na gestão de Raquel Dodge. No entanto, depois que o STF decidiu em 2018 restringir o foro privilegiado a crimes relacionados ao atual mandato parlamentar, o caso foi remetido à primeira instância da Justiça Estadual de Alagoas sem ser julgado pelo Supremo.

Lira chegou a se tornar réu nesse caso, mas, no início de dezembro, o juiz Carlos Henrique Pita Duarte, da 3ª Vara Criminal de Maceió, decidiu arquivar o processo por considerar que as provas eram nulas. Na sua avaliação, o caso deveria ter tramitado na Justiça Estadual desde o começo, em vez de na Federal como ocorreu inicialmente. No final de dezembro, o Ministério Público recorreu da decisão.

III – ADPF 402/DF

Pergunta-se: Tais ações penais impediriam que Arthur Lira, por via de substituição, ocupasse o cargo de presidente da República?

A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal foi favorável à proibição de que réus em ações penais ocupem cargos na linha sucessória da Presidência da República, ou seja, os postos de vice-presidente da República, presidente da Câmara, presidente do Senado e presidente do STF.

Com o julgamento, à época, o Plenário derrubou a liminar no ponto em que o relator ordenava o afastamento imediato do senador Renan Calheiros (MDB-AL), da Presidência do Senado Federal.

O STF decidiu, por unanimidade de votos, em referendar, em parte, a liminar concedida, para assentar que os substitutos eventuais do Presidente da República a que se refere o art. 80 da Constituição, caso ostentem a posição de réus criminais perante esta Corte Suprema, ficarão unicamente impossibilitados de exercer o ofício de Presidente da República, e, por maioria de votos, nos termos do voto do Ministro Celso de Mello, em negar referendo à liminar, no ponto em que ela estendia a determinação de afastamento imediato desses mesmos substitutos eventuais do Presidente da República em relação aos cargos de chefia e direção por eles titularizados em suas respectivas Casas, no que foi acompanhado pelos Ministros Teori Zavascki, Dias Toffoli, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia (Presidente), vencidos os Ministros Marco Aurélio (Relator), Edson Fachin e Rosa Weber, que referendavam integralmente a liminar concedida. Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, também por votação majoritária, não referendou a medida liminar na parte em que ordenava o afastamento imediato do Senador Renan Calheiros do cargo de Presidente do Senado Federal, nos termos do voto do Ministro Celso de Mello, vencidos os Ministros MarcoAurélio (Relator), Edson Fachin e Rosa Weber, restando prejudicado o agravo interno.

O pedido foi feito no bojo da ADPF 402/DF.

A linha de raciocínio: a Constituição Federal, em seu artigo 86, parágrafo 1º, prevê que o presidente da República será suspenso de suas funções se o STF receber contra ele denúncia ou queixa-crime pela prática de crime comum. Ou seja, se instaurada a ação penal contra o presidente, ele não poderá exercer suas atribuições, e ficará afastado do cargo. Essa previsão, segundo a Rede, indica que a função de Presidente da República é “incompatível com a condição de réu”.

Se o presidente da República não pode exercer suas funções quando réu em ação penal, a vedação se estende a todos aqueles que ocupem cargos na linha sucessória. No caso, os presidentes da Câmara, do Senado e do STF. Portanto, os ocupantes desses cargos também não podem ter contra si processos criminais em tramitação.

Eis um resumo da decisão referenciada:

Os substitutos eventuais do Presidente da República – o Presidente da Câmara dos Deputados, o Presidente do Senado Federal e o Presidente do Supremo Tribunal Federal (CF, art. 80) – ficarão unicamente impossibilitados de exercer, em caráter interino, a Chefia do Poder Executivo da União, caso ostentem a posição de réus criminais, condição que assumem somente após o recebimento judicial da denúncia ou da queixa-crime (CF, art. 86, § 1º, I).– Essa interdição, contudo – por unicamente incidir na hipótese estrita de convocação para o exercício, por substituição, da Presidência da República (CF, art. 80) –, não os impede de desempenhar a Chefia que titularizam no órgão de Poder que dirigem, razão pela qual não se legitima qualquer decisão que importe em afastamento imediato de tal posição funcional em seu órgão de origem.

IV – A PRÁTICA DE CRIME COMUM ANTERIOR AO EXERCÍCIO DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

Para Pierpaolo Bottini (réus podem integrar linha sucessória do presidente da República), “as premissas e as conclusões da ADPF seriam corretas, não fosse um detalhe. A Constituição Federal efetivamente prevê que o presidente da República será suspenso de suas atribuições se recebida denúncia pela prática de crime comum. Mas não de qualquer crime comum, mas apenas daqueles relacionados ao exercício de suas funções, ou seja, aqueles praticados durante o mandato, nos quais o agente usa do cargo de Presidente da República para a empreitada criminosa (por exemplo, corrupção passiva, quando o ato prometido está dentre as funções de Chefe do Executivo).”

E se o presidente for acusado por atos anteriores ao exercício do cargo?

Sobre isso se tem da posição do Ministro Celso de Mello(Inq. 927 – 9/SP, Relator Ministro Celso de Mello, DJ 1, de 23 de fevereiro de 1995, pág. 3.507) quando disse:

“Os ilícitos penais cometidos em momento anterior ao da investidura do candidato eleito na Presidência da República – exatamente porque não configuram delicta in officio – também são alcançados pela norma tutelar positivada no § 4º do art. 86 da Lei Fundamental, cuja eficácia subordinante e imperativa inibe provisoriamente o exercício pelo Estado, do seu poder de persecução criminal”.

No inquérito 1.418 – 9, DJU de 8 de novembro de 2001, o Ministro Celso de Mello repetiu que:

“A cláusula de imunidade penal temporária, instituída, em caráter extraordinário, pelo art. 86, § 4\”, da Constituição Federal, impede que o Presidente da República, durante a vigência de seu mandato, sofra persecução penal, por atos que se revelarem estranhos ao exercício das funções inerentes ao ofício presidencial. Doutrina. Precedentes”.

Mas é, na argumentação colhida no Inq 672 – 6 – DF, que o Ministro Celso de Mello registra:

“Essa norma constitucional – que ostenta nítido caráter derrogatório do direito comum – reclama e impõe, em função de sua própria excepcionalidade, exegese estrita, do que deriva a sua inaplicabilidade a situações jurídicas de ordem extrapenal.

Sendo assim, torna-se lícito asseverar que o Presidente da República não dispõe de imunidade, quer em face de procedimentos judiciais que vissem a definir-lhe a responsabilidade civil, quer em face de procedimentos instaurados por suposta prática de infrações político-administrativas(ou impropriamente denominados crimes de responsabilidade), quer, ainda, em face de procedimentos destinados a apurar, para efeitos estritamente fiscais, a responsabilidade tributária do Chefe do Poder Executivo da União.”

Mas haveria impedimento constitucional de se proceder a qualquer investigação contra o Presidente da República por fatos anteriores ao mandato de forma a ensejar a informatio delicti?

Interessa-nos, principalmente, o trecho, naquele pronunciamento, em que o Ministro Celso de Mello conclui:

“De outro lado, impõe-se advertir que, mesmo na esfera penal, a imunidade constitucional em questão somente incide sobre os atos inerentes à persecutio criminis in judicio. Não impede, portanto, que, por iniciativa do Ministério Público, sejam ordenadas e praticadas, na fase pré-processual do procedimento investigatório, diligências de caráter instrutório destinadas a ensejar a informatio delicti e a viabilizar, no momento constitucionalmente oportuno, o ajuizamento da ação penal.”

Nesse entendimento exposto pelo Ministro Celso de Mello, somente estão abrangidas  pelo preceito inscrito no par. 4º do art. 86 da Constituição Federal as infrações penais comuns eventualmente praticadas pelo Presidente da República que não guardem – ainda que praticadas na vigência do mandato – qualquer conexão com o exercício do ofício presidencial.

Ora, os atos que poderiam ser cometidos pelo presidente eleito da Câmara dos Deputados são anteriores ao cargo. Por simetria, ele não poderia ser afastado eventualmente do cargo de presidente da República em substituição, na linha sucessória prevista pela Constituição.

Sendo assim, aqueles que ocupam a linha sucessória do presidente (presidentes da Câmara, Senado e STF), podem assumir o posto, desde que não sejam réus denunciados por delitos relacionados ao exercício daquela função. Em geral, não o são, porque jamais ocuparam o cargo, ou se o fizeram, foi por interinidade.

V – OS EFEITOS DA CONDENAÇÃO NA CONDENAÇÃO POR ATO DE IMPROBIDADE

Mas há ainda outro ponto a discutir.

Segundo o Ministério Público, Lira enriqueceu quando era deputado estadual operando com outros parlamentares um esquema de “rachadinha” em que os salários de funcionários fantasmas na Assembleia Legislativa de Alagoas eram desviados;

Além de rachadinha, Lira e outros antigos deputados estaduais de Alagoas são acusados de ter usado recursos da Assembleia Legislativa do Estado para pagar empréstimos particulares. Com essas duas práticas, afirma o Ministério Público de Alagoas, Arthur Lira teve movimentação bancária de mais de R$ 9,5 milhões entre os anos de 2001 e 2007.

Por essas acusações, Lira e mais oito deputados ou ex-deputados estaduais foram condenados em 2016 na esfera civil por improbidade administrativa no Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ-AL), cabendo ainda recurso aos tribunais superiores. Apesar da condenação em segunda instância, que gera inelegibilidade segundo a Lei da Ficha Limpa, o mais novo presidente da Câmara conseguiu disputar a eleição de 2018 graças a uma liminar do TJ-AL.

Portanto, o atual presidente da Câmara dos Deputados incide na lei da ficha limpa.

Observo o artigo 20 da Lei nº 8.429/92, conhecida como lei de improbidade administrativa.

Ali se tem:

Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual.

Na matéria, ensinou Marcelo Figueiredo (Probidade administrativa, 2ª edição, páginas 98 e 99) que o dispositivo garante que as sansões da lei somente sejam aplicadas pelo Poder Judiciário, respeitadas as garantias constitucionais e processuais. As sanções enunciadas no diploma normativo – perda da função pública e suspensão dos direitos políticos – advindas, processadas e julgadas pelo Poder Judiciário, somente se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória. Respeitam-se o devido processo legal e o contraditório em todas as instâncias.

  O dispositivo alude à condenação fruto da presente ação de improbidade. Desse modo, somente tornar-se-á eficaz o provimento judicial dispositivo da sentença em relação à perda de função pública ou à supressão dos direitos políticos, apôs o trânsito em julgado da sentença.

Será ainda o caso de discussão daquela condenação em grau de recurso especial, no Superior Tribunal de Justiça e, se for o caso, em recurso extraordinário, no Supremo Tribunal Federal. Sendo assim, a suspensão dos direitos políticos e a perda do cargo público somente se darão com o trânsito em julgado da sentença na linha da garantia constitucional (artigo 5º, XLVI).

Caberá ao Supremo Tribunal Federal, se for o caso, e a seu tempo, dar a palavra final.

*É procurador da República com atuação no RN aposentado.

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.

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Gilmar toma lá, Maia dá cá

Por Conrado Hübner Mendes*

Reformar o STF é dos temas urgentes no projeto de recuperação da democracia brasileira, quando essa hora chegar. O exercício deveria enfrentar problemas estruturais do tribunal: a arbitrariedade e o tamanho da pauta, o voluntarismo individualista, o ilusionismo que sonega explicação sobre o que decide e não decide, a ausência de prestação de contas etc.

Parte da ingovernabilidade do STF, afinal, é da arte e engenho de seus próprios ministros. Não foi um “vírus chinês”, um hacker no Planalto ou Sara Winter e seus 300 amigos. Nem a klan presidencial pedindo seu fechamento por intervenção militar.

Reformar o STF significa, antes de qualquer coisa, proteger a instituição da intrincada teia de interesses antirrepublicanos que orbitam a relação entre comunidade jurídica e ministros. A disfuncionalidade do tribunal costuma ser funcional aos atores que dispõem de portas privilegiadas no edifício. Quem é compensado política e financeiramente por esse labirinto de Babel não será aliado de reforma que valha a pena.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, conversa com o ministro Gilmar Mendes, do STF, durante solenidade em Brasília
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, conversa com o ministro Gilmar Mendes, do STF, durante solenidade em Brasília – Pedro Ladeira – 5.out.17/Folhapress

Rodrigo Maia instalou dias atrás comissão para elaborar anteprojeto de lei que consolide regras do processo constitucional. A comissão é exemplo magnífico da confraria jurídica brasileira. Seu presidente é ele, sim, o indefectível Gilmar Mendes.

Dos 24 membros indicados, há 19 homens brancos e 5 mulheres brancas (80% a 20%). Há 11 de Brasília, 7 de São Paulo, 3 de Porto Alegre, 2 de Curitiba e 1 do Rio de Janeiro. Todos juristas. Cientistas sociais que mapeiam a realidade empírica desse mastodonte judicial ficaram de fora. A sociedade civil também.

Tamanha representatividade e pluralidade vieram acompanhadas por uma gota de promiscuidade. O secretário da comissão é advogado pessoal de Gilmar. Gilmar também é empresário da educação, mesmo que a Constituição lhe proíba. De sua escola de direito, a comissão tem quatro funcionários. Um deles é seu ex-sócio.

Foi isso que 15 minutos de pesquisa amadora permitiram notar. Repórter experiente nos corredores de Brasília poderá ver outras coisas que a vista do Google não alcança. Sabemos que a fraternidade jurídica não pratica os valores que professa (nem declara os valores que pratica). Quem vasculha, acha.

Ninguém perguntou, mas vale insistir: por que ministro do STF deve presidir elaboração de lei que disciplina o próprio STF? Mesmo que seja um ás no assunto e tenha a virtude da autocrítica e clarividência, seu tribunal pode vir a julgar a lei. Confusão elementar de papéis que a manutenção do Estado de Direito não recomenda.

Supondo que essa tradição seja inofensiva, por que chamar justo um dos grandes artífices das patologias do STF? A contribuição de Gilmar à desinstitucionalização do STF foi radical e holística: começou pela quebra de padrões de ética e decoro judicial, passou pelo desrespeito corriqueiro a seus pares e terminou na revogação disfarçada de regras legais e regimentais.

Deve ser só coincidência, mas Rodrigo Maia se beneficiará nos próximos dias de mais uma decisão abusiva do Supremo, sob relatoria de Gilmar. Já descrevi o caso em coluna anterior. Vem mais contorcionismo verbal e desfaçatez por aí. A Constituição proíbe recondução de membros das mesas do Congresso para mandato subsequente (artigo 57, parágrafo 4º). Proíbe a reeleição de Maia e Alcolumbre.

Ministros concluirão que a Constituição não diz o que diz. Tentarão nos convencer que, num escaninho do texto a que eles têm acesso exclusivo, a Constituição quis expressar o contrário. É fraude, não argumento.

Tratados de hermenêutica jurídica falam em diferentes métodos de interpretação das regras legais: pela literalidade dos termos, pela história subjacente, por seu propósito, pela forma como se integram no conjunto.

Também propõem métodos adicionais para as especificidades da Constituição: buscar coerência com precedentes; dialogar com a filosofia moral e política debaixo de direitos como liberdade e dignidade; balancear direitos em colisão; estimar consequências sociais e econômicas e calibrar a decisão para minimizar eventuais danos.

​Nenhum método jamais permitiu que a norma “é proibido” possa significar “está liberado”. O vale-tudo é a cara do STF, não do Estado de Direito. Quando o Congresso virar Alerj, com a ajuda do STF, o STF vai virar o quê? Um TJ-SP?

*É professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e embaixador científico da Fundação Alexander von Humboldt.

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Conveniência política dita relação entre Bolsonaro e a Lava Jato

Por Bruno Boghossian*

Jair Bolsonaro extraiu benefícios eleitorais da avalanche produzida pela Lava Jato, mas nunca foi um político particularmente interessado no combate à corrupção. Como deputado, não deu atenção ao tema e, na última campanha, só falava da roubalheira para fustigar seus adversários na disputa.

A rigor, o presidente não tem vínculos diretos com a operação. Como circulava no baixíssimo clero da política, não figurava entre os alvos que operavam nas estatais investigadas. Depois de chegar ao Planalto, não trabalhou a favor das forças-tarefas nem lançou uma discussão séria para corrigir seus excessos.

Os movimentos de Bolsonaro em relação à Lava Jato e ao combate à corrupção, de maneira geral, seguiram basicamente conveniências particulares e políticas. A ficha só caiu quando o presidente enxergou investigadores no encalço de seus parentes e de seus novos aliados.

Depois de pegar carona no discurso da operação e de aproveitar sua retórica moralista para eleger um governador no Rio, Flávio Bolsonaro resolveu acordar. Em agosto, ele celebrou as decisões do procurador-geral Augusto Aras para impor limites à operação e disse que “os excessos precisam ser investigados”. Se Fabrício Queiroz não tivesse passado alguns dias na cadeia, talvez o senador não tivesse percebido nada disso.

A desenvoltura com que o clã presidencial passou a falar da operação é respaldada pelos políticos que sobreviveram a ela. O novo líder do governo, Ricardo Barros (Progressistas), já disse que vê “uma parcialidade na posição da Lava Jato” e que a operação tirou o ex-presidente Lula da eleição de 2018. “Não precisamos fazer muito esforço para perceber ativismo político”, declarou.

Acuado por críticas que ligam a indicação de Kássio Nunes para o STF a um acordo para enterrar a Lava Jato, Bolsonaro tentou fazer piada. Nesta quarta (7), ele disse ter acabado com a operação “porque não tem mais corrupção no governo”. A Lava Jato pode até não incomodá-lo, mas seus esforços são inegáveis.​

*É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA).

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.

 

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O inquérito da censura

Liberdade de expressão em risco: 20 casos de censura no Brasil

Por General Girão*

Muito se tem falado sobre o Inquérito 4.781 Distrito Federal, instaurado pelo então presidente do STF, Dias Toffoli, também inapropriadamente chamado de “Inquérito das Fake News”, quando deveria ser alcunhado de “Inquérito da Censura”. Sem dúvida, trata-se de mais um claro episódio de ativismo político-ideológico, por parte de alguns dos integrantes do Pretório Excelso, que coloca em risco a harmonia e a independência entre os poderes.

Embora, pessoalmente, eu não esteja envolvido nesse inquérito, no último 22 de setembro protocolei o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) no 406/2020, tendo por finalidade sustar a Portaria GP no 69, de 14 de março de 2019, que deu origem ao citado inquérito. A Constituição da República Federativa do Brasil outorga ao Congresso Nacional a prerrogativa (e o dever) de sustar atos que exorbitem o poder regulamentar, especialmente em seu artigo 49:

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

[…]

V – sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa;

[…]

XI – zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes;

A despeito da referência a ato do Poder Executivo, na realidade a intenção do legislador constitucional revela o dever de sustação de atos que exorbitem o poder regulamentar ou os limites da delegação legislativa. Não é desconhecida a teoria dos atos próprios e dos atos especiais ou anômalos no exercício dos Poderes.

No caso, o Poder Judiciário tem como ato próprio a prestação de jurisdição. Todavia, possui, ainda que excepcionalmente, a possibilidade de administrar sua gestão interna (função executiva lato sensu) e regulamentar procedimentos (função normativa lato sensu).

A interpretação aqui versada não passa imune a comentários da doutrina[1]:

No ordenamento constitucional brasileiro não há espaço para uma Administração que tenha como reitora de seu proceder qualquer outro paradigma para além da lei aprovada pelo Poder Legislativo. A atividade administrativa é sempre e imediatamente sub-legal, subalterna à lei, escrava mesma da lei.

[…]

Atualmente, em função do desenvolvimento do nosso constitucionalismo, a redação dos incisos V e XI do artigo 49 da Constituição mostra-se bastante insuficiente, pois limita a atividade de controle do Congresso Nacional sobre o exercício do poder regulamentar do Executivo. Tal circunstância representa um apequenamento tanto do Legislativo quanto do Executivo, numa grave situação de desbalanceamento entre os poderes que deveriam ser harmônicos entre si.

É preciso, pois, esclarecer que essa lacuna, no caso do Poder Judiciário, deve ser reinterpretada pelo Congresso Nacional, à luz da Carta Magna, uma vez que esta visa ao controle contra a infração no ato de exorbitância ao poder regulamentar, e não tem como elemento principal — ou exclusivo — o Poder Executivo, devendo-se, assim, estender-se ao Poder Judiciário.

Note-se que, no caso da Portaria GP no 69, de 14 de março de 2019 — a qual deu origem ao Inquérito 4.781 Distrito Federal — trata-se de uma clara exorbitância, uma vez que é baseado no art. 43 do Regimento Interno do STF (RISTF), que preconiza que:

Art. 43. Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro.

1º Nos demais casos, o Presidente poderá proceder na forma deste artigo ou requisitar a instauração de inquérito à autoridade competente.

2º O Ministro incumbido do inquérito designará escrivão dentre os servidores do Tribunal.

Não há nenhuma infração, nesse caso, que tenha ocorrido na sede ou dependência do Tribunal. Além disso, se o regimento tivesse de fato tamanha extensão, como entende o STF, estaria infringindo qualquer limite do singelo poder de regulamentação, pois não há tal regra primária no Direito Brasileiro.

*É Deputado Federal pelo Rio Grande do Norte.

[1] LUCIANO, Pablo Bezerra; ROCHA, Vanessa Affonso. Congresso pode derrubar “atos normativos” do Judiciário. Revista Consultor Jurídico, 25 de agosto de 2015. https://www.conjur.com.br/2015-ago-25/congresso-poder-derrubar-atos-normativos-judiciario

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O artigo 221, § 1º, do Código de Processo Penal e o depoimento por escrito do presidente da República

Marco Aurélio Mello é ministro do STF (Foto: Evaristo Sá)

Por Rogério Tadeu Romano*

 Determina o artigo 221 do CPP: 

Art. 221. O Presidente e o Vice-Presidente da República, os senadores e deputados federais, os ministros de Estado, os governadores de Estados e Territórios, os secretários de Estado, os prefeitos do Distrito Federal e dos Municípios, os deputados às Assembléias Legislativas Estaduais, os membros do Poder Judiciário, os ministros e juízes dos Tribunais de Contas da União, dos Estados, do Distrito Federal, bem como os do Tribunal Marítimo serão inquiridos em local, dia e hora previamente ajustados entre eles e o juiz. (Redação dada pela Lei nº 3.653, de 4.11.1959) 

§ 1o O Presidente e o Vice-Presidente da República, os presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal poderão optar pela prestação de depoimento por escrito, caso em que as perguntas, formuladas pelas partes e deferidas pelo juiz, Ihes serão transmitidas por ofício. (Redação dada pela Lei nº 6.416, de 24.5.1977) 

§ 2o Os militares deverão ser requisitados à autoridade superior. (Redação dada pela Lei nº 6.416, de 24.5.1977) 

§ 3o Aos funcionários públicos aplicar-se-á o disposto no art. 218, devendo, porém, a expedição do mandado ser imediatamente comunicada ao chefe da repartição em que servirem, com indicação do dia e da hora marcados. (Incluído pela Lei nº 6.416, de 24.5.1977).  

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello suspendeu no dia 17 de setembro do corrente ano a tramitação do inquérito que apura se o presidente Jair Bolsonaro tentou interferir na Polícia Federal para blindar sua família.  

Tal suspensão se deu até que o plenário de 11 ministros do STF decida se o presidente tem ou não o direito de depor por escrito. A audição presencial no âmbito do inquérito estava marcada para ocorrer entre os dias 21 e 23 de setembro. 

Anteriormente, o ministro Celso de Mello havia rejeitado um pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) para que Bolsonaro prestasse depoimento por escrito e determinou que ele fosse ouvido pessoalmente. 

Estamos diante de disposição que prescreve sobre o depoimento como testemunha de agentes públicos. 

Fala-se no depoimento por escrito. 

Na verdade, parece ser desaconselhável tal providência, pois inviabiliza a ampla colheita da prova, com o contato direto entre o juiz e a testemunha, bem como coloca empecilhos às reperguntas das partes. Entretanto, em razão da alta função que exercem essas autoridades, a lei veio a conferir-lhes essa possibilidade, da qual podem abrir mão. 

Essas perguntas deverão ser transmitidas por ofício, de modo a proporcionar que, diante das respostas oferecidas a elas, outras reperguntas possam – e devem – ser feitas, pois qualquer impedimento, iria lesionar o princípio do contraditório e a ampla defesa. 

Em manifestação, nos autos do  INq. 4.827  AgR/DF, o ministro Celso de Mello ensinou que a regra legal inscrita no art. 221, “caput”, do Código de Processo Penal, tem por destinatários, unicamente, testemunhas e vítimas de práticas delituosas. Isso significa, portanto, que suspeitos, investigados, acusados e réus não ostentam essa especial prerrogativa de índole processual. Com efeito, aqueles que figuram como investigados (inquérito) ou como réus (processo penal), em procedimentos instaurados ou em curso perante o Supremo Tribunal Federal, como perante qualquer outro Juízo, não dispõem da prerrogativa instituída pelo art.221 do CPP, eis que essa norma legal – insista-se – somente se aplica às autoridades que ostentem a condição formal de testemunha ou de vítima, não, porém, a de investigado. 

Assim, como disse o ministro Celso de Mello, o  art. 221 do CPP – que constitui típica regra de direito singular e que, por isso mesmo, deve merecer estrita exegese –não se estende nem ao investigado nem ao réu, os quais, independentemente da posição funcional que ocupem na hierarquia de poder do Estado, deverão comparecer, perante a autoridade competente, em dia, hora e local por esta unilateralmente designados (Inq1.628/DF, Rel.Min. CELSO DE MELLO). 

Nessa linha, tem-se a doutrina (JULIO FABBRINI MIRABETE, “Processo Penal”, p. 297, 4ª ed., 1995,Atlas; PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN e JORGE ASSAF MALULY,“Curso de Processo Penal”, p. 279, item n. 9.4, 1999, Atlas; FERNANDODA COSTA TOURINHO FILHO, “Código de Processo Pena Comentado”, vol. I/424, 4ª ed., 1999, Saraiva; VICENTE GRECO FILHO, “Manual de Processo Penal”, p. 206, item n. 48, 1991, Saraiva; EUGÊNIOPACELLI e DOUGLAS FISCHER, “Comentários ao Código de Processo INQ 4827 AGR / DF Penal e sua Jurisprudência”, p. 515, 11ª ed., 2019, Atlas, v.g.), valendo destacar, neste ponto, ante a extrema pertinência de suas observações,  a lição de RENATO BRASILEIRO (“Código de Processo Penal Comentado”, p. 661, item n. 1, 2ª ed., 2017, JusPODIVM): 

“(…) A regra do‘caput’ do art. 221 do CPP só é  válida quando tais autoridades forem ouvidas na condição de testemunhas. Por conseguinte, quando tais gentes figurarem na condição de investigados ou de acusados, não terão o direito de serem inquiridos em local, dia e hora previamente ajustados com o Delegado de Polícia ou com o juiz (…).” 

Não assiste aos Ministros de Estado, contudo, enquanto ostentarem a condição formal de suspeitos, de investigados, de indiciados ou de réus, o direito à observância, por parte da autoridade competente, da norma consubstanciada no art.221 do CPP, que – reafirme-se – somente tem incidência na hipótese de referida autoridade haver sido arrolada como testemunha (ou, então, como vítima). 

Como ficaria o presidente da República na condição de investigado? Seria mantida a imposição da norma processual presente no artigo 221 do CPP? 

Em passado recente, o ministro Barroso autorizou o ex-presidente Temer a escolher se prestaria depoimento pessoalmente à Polícia Federal ou se responderia por escrito. 

Disse então o ministro Roberto Barroso: 

“Mesmo figurando o Senhor Presidente na condição de investigado em inquérito policial, seja-lhe facultado indicar data e local onde queira ser ouvido pela autoridade policial, bem como informar se prefere encaminhar por escrito sua manifestação, assegurado, ainda, seu direito constitucional de se manter em silêncio”, decidiu o ministro relator do inquérito no STF. 

Com o devido respeito entendo que a regra do artigo 221 do CPP, por abrir exceções, e ser de direito singular, deve ser interpretada de forma restrita. 

O ministro Teori Zavascki, por exemplo, negou a Renan Calheiros, à época presidente do Senado, a faculdade de poder depor por escrito. Calheiros figurava nesse inquérito (3.984) como investigado, e não como testemunha.  

Ao negar o pedido de Calheiros, o ministro Teori Zavascki afirmou que “a prerrogativa prevista no art. 221, § 1º, do CPP é aplicável ao parlamentar a ser ouvido no processo ou investigação como testemunha, não como investigado”. A decisão de Zavascki menciona outros precedentes do STF sobre a matéria que ratificam esse entendimento. 

Dir-se-á que a matéria se constitui em prerrogativa por parte do Presidente da República.

As prerrogativas não são privilégios.

São atributos do órgão ou do agente público, inerentes ao cargo ou à função que desempenha na estrutura da organização administrativa, como revelou Hely Lopes Meirelles(Justitia, 123:188, n. 17). As prerrogativas dizem respeito ao cargo enquanto as garantias, por outro lado, são da pessoa, do órgão, do oficio, da instituição.

A norma prevista no artigo 221 do CPP, como norma de ordem pública e que cria privilégios, ,deve ter uma intepretação restrita. Afinal, como se tem das lições de Carlos Maximiliano(Hermenêutica e aplicação do direito), as normas de ordem pública têm aplicação restrita. 

Aliás, é de Carlos Maximiliano a lição: 

“O Código Civil explicitamente consolidou o preceito clássico – ‘Exceptiones sunt strictissimoe interpretationis’ (“interpretam-se as exceções estritissimamente’, no art. 6° da antiga Introdução, assim concebido: “A lei que abre exceção a regras gerais, ou restringe direitos, só abrange os casos que especifica” (…) As disposições excepcionais são estabelecidas por motivos ou considerações particulares, contra outras normas jurídicas, ou contra o Direito comum; por isso não se estendem além dos casos e tempos que designam expressamente. Os contemporâneos preferem encontrar o fundamento desse preceito no fato de se acharem preponderantemente do lado do princípio geral as forças sociais que influem na aplicação de toda regra positiva, como sejam os fatores sociológicos, a Werturteil dos tedescos, e outras. (…)” ( Carlos Maximiliano, in “Hermenêutica e Aplicação do Direito”, Forense, p. 184/193). 

Ora, será caso do atual presidente, na medida em que investigado em inquérito que trata de possível obstrução de justiça, possível advocacia administrativa, diante da manifestação do ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, ter que depor na Polícia Federal em horário a ser designado. 

Ratifique-se que ele deporá não como testemunha, mas como investigado, daí porque não se aplica a regra do artigo 221, § 1º, do CPP, que institui exceção. 

*É procurador da República aposentado.

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