Uma agenda para além da polarização brasileira

Amaro Grassi e Lucas Calil

Nexo Jornal

O impacto da internet e das redes sociais tem se tornado uma das principais questões nas eleições deste ano. A polarização extremada e o fenômeno da desinformação, que mobilizam robôs, trolls e notícias falsas para distorcer o processo político, são algumas das preocupações mais recorrentes. Menos observado, no entanto, é o fato de que, na dinâmica das interações entre milhões de usuários brasileiros, vem se delineando uma agenda pública que permite antever alguns dos desafios que o próximo governo brasileiro deverá enfrentar.

De acordo com a análise do debate público nas redes sociais realizada em tempo real pela FGV-DAPP, corrupção, economia e segurança pública são os três temas que mais têm motivado menções nas redes por parte dos brasileiros em associação aos candidatos. Nos primeiros 15 dias de agosto — que se encerraram com o fim do prazo de registro de candidaturas no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) na última quarta (16) —, o debate sobre os presidenciáveis relacionado à temática da corrupção gerou 677 mil menções no Twitter, seguido por economia (577 mil) e segurança pública (414 mil).

Ainda que a discussão nas redes sociais responda a eventos específicos, é possível observar uma estabilidade entre esses três grandes temas, que não por acaso têm se tornado eixos do debate político (e agora eleitoral).

O combate à corrupção se tornou um elemento de radicalização do debate nos últimos anos, opondo os principais campos em torno da defesa ou da crítica da Operação Lava Jato e seus desdobramentos. Mas, para além disso, é possível afirmar que a pauta do combate a desvios e mau uso de recursos públicos veio para ficar, estabelecendo um novo parâmetro para a gestão pública e os órgãos de controle.

No plano econômico, a persistência de altas taxas de desemprego, mesmo após a reforma trabalhista, e o descontentamento genérico com “altos impostos” têm mobilizado recorrentemente as discussões nas redes sociais. Em maio, a greve dos caminhoneiros serviu de guarda-chuva para uma explosão de insatisfação social em relação a esses dois pontos (e também à corrupção).

A segurança pública, por sua vez, é a maior “novidade” nesse cenário, sendo alçada ao primeiro plano de preocupação dos brasileiros. A crise da segurança em várias das capitais e a percepção de insegurança também no interior tornaram urgente uma ação efetiva por parte dos governos. Esse contexto já se refletiu na criação do Ministério da Segurança Pública e será sem dúvida fonte de pressões da sociedade sobre o Estado brasileiro.

As recentes más notícias na área da saúde pública, o onipresente discurso (nem sempre efetivo) de prioridade à educação e a legitimidade de políticas sociais como o Bolsa Família decerto trarão destaque para essas agendas durante a campanha eleitoral. Mas são os temas da corrupção, economia e segurança que despontam hoje como eixos de uma agenda pública que começa a tomar forma, para além da polarização e das acirradas disputas à primeira vista que parecem “capturar” o debate nas redes sociais.

Amaro Grassi é mestre em sociologia e coordenador na FGV-DAPP.

Lucas Calil é doutorando em linguística e pesquisador na FGV-DAPP.

 

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Reportagem especial

Canal Bruno Barreto