Por Roberto Simon*
Cifras assustadoras sobre a América Latina rondaram as páginas da imprensa internacional na última semana. Com 8% da população mundial, a região tem hoje 50% das mortes por Covid-19.
Latino-americanos serão também os mais impactados economicamente pelo vírus. O FMI estima uma queda de 9,4% do PIB regional em 2020, do México (-10,5%) ao Peru (-13.9%), da Argentina (-9,9%) ao Brasil (-9,1%). O que é pior, a recuperação pós-crise deve ser bem mais lenta do que em outros cantos do mundo.
Quais serão as consequências políticas desse colapso? Que elas virão e serão enormes, não há dúvidas. Contudo, o rumo da região ainda é altamente incerto, entre cenários escabrosos e outros um pouco mais otimistas.
Se a história latino-americana pode nos servir de guia, tempos de intensa volatilidade política nos aguardam, escreveu Michael Reid, da Economist. Os dois grandes choques econômicos comparáveis –o crash de 1929 e a “década perdida”, dos anos 80– mudaram a natureza de regimes políticos ao redor da região.
Em certo sentido, as décadas de 30 e 80 levaram a caminhos opostos. A primeira, ao enfraquecimento de governos civis e à ascensão (ou à volta) dos militares. Os anos 80, do outro lado, viram a ruína de ditaduras. Em 1981, todos os países do Cone Sul viviam sob regimes militares. Em 1991, a região inteira era governada por civis eleitos.
Os primeiros sinais de turbulência política já se manifestam, com uma queda simultânea na popularidade de diversos presidentes. Com seu terraplanismo sanitário e apetite infinito para crise, Jair Bolsonaro entrou na pandemia em processo de desgaste. Mas mesmo líderes que, ao adotarem medidas drásticas contra o vírus, tiveram saltos de popularidade, agora veem seus índices de aprovação desmanchar.
Coveiros abrem novos túmulos para vítimas do coronavírus no cemitério da Vila Formosa em São Paulo, o maior do Brasil Amanda Perobelli – 2.abr.20/Reuters
Por exemplo, a reação inicial do peruano Martín Vizcarra à crise fez com que seu apoio crescesse 35 pontos em pouco mais de uma semana. Mas, apesar das medidas radicais de confinamento e do inédito auxílio a cidadãos e empresas, o país se converteu em um dos epicentros globais da pandemia (uma das razões principais: mais de 70% dos trabalhadores na informalidade). A popularidade de Vizcarra já caiu quase 20 pontos. Sua reprovação triplicou.
Na Argentina, as ações anticrise de Alberto Fernández pareciam ter rompido “la grieta” –a polarização extremada–, com o apoio ao presidente a saltar 25 pontos. Desde então, Fernández perdeu 15 pontos, e o conflito entre kirchneristas e macristas voltou à tona.
Mesmo o mexicano Andrés Manuel López Obrador –o único na região a se aproximar do negacionismo bolsonarista, embora de forma menos extremada– também está em queda. Entre abril e junho, sua aprovação foi de 68% a 56%, segundo uma pesquisa do El Financiero.
O pior da debacle econômica e sanitária ainda está por vir. Conforme a crise se alastra, o sentimento de oposição a governos continuará a crescer. Em um cenário pessimista, a pandemia pode solapar de vez o apoio à democracia na região. Países como o Peru, que terá eleições presidenciais em 2021, poderiam eleger figuras autoritárias e anti-establishment, consolidando uma tendência à brasileira. Ou não.
Segundo o último Datafolha, bolsonarismo e pandemia acabaram por ampliar o apoio à democracia, que alcançou 75%. Em um cenário otimista, a crise enfatizaria a eleitores latino-americanos a importância de governos capazes de realmente melhorar saúde, educação e, de modo geral, a governança.
A pandemia consolidaria uma promessa política feita nos anos 80 e jamais cumprida: uma América Latina democrática e com compromisso social inédito, responsabilidade fiscal e transparência.
A guinada na região virá. Sua direção, resta definir.
*É diretor sênior de política do Council of the Americas e mestre em políticas públicas pela Universidade Harvard
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