De volta para a literatura

Por Marcelo Alves Dias de Souza*

Desde os seus albores, podemos dizer, o cinema faz uso da literatura. Romances, novelas, contos, histórias em quadrinhos e até poesia – obras de todos os gêneros literários já foram roteirizados para a grande e para a pequena tela. E hoje enormes bilheterias são alcançadas, um número cada vez maior de pessoas são fãs dos serviços de streaming, em virtude de adaptações, para imagem e som, de maravilhas (ou até de obras menores) da literatura.

Isso parece bom para o cinema e para a TV. Mas para a literatura? Essa mistura faz bem?

É claro que a arte/técnica da adaptação cinematográfica levanta um sem-número de questões. Não há receita pronta para se adaptar, por exemplo, um romance e, como registrado no livro “100 filmes: da literatura para o cinema” (BestSeller, 2014), organização de Henri Miterrand, “ao roteirizá-lo é necessário fazer escolhas difíceis”, como, por exemplo, “decidir se é melhor trair o espírito do livro ou o espírito do autor”. Traição é traição. E, havendo uma considerável deturpação da coisa, sendo a adaptação apenas mal feita ou mesmo sendo esta uma obra-prima, o livro é uma coisa e o filme ou a série serão outra.

Mas isso é grave ou mesmo necessariamente ruim? Acredito que não.

Penso que as adaptações de livros para o cinema ou para a TV não ofuscam ou prejudicam os seus originais. São duas artes diversas. Dois resultados artísticos que convivem lado a lado, sendo disso sabedor o leitor/espectador de hoje. Ajudam-se mutuamente. Acho até que essas adaptações beneficiam bastante a literatura como um todo. Cinema e TV são meios de comunicação ou artes muito mais populares que a literatura. Os filmes divulgam os livros. E, invariavelmente, sendo sucesso o filme, o livro vai para as listas dos mais vendidos e lidos. Muitos dos nossos favoritos – livros, filmes e séries – são “frutos” dessa mistura.

Peguem o caso de “O Poderoso Chefão” (“The Godfather”), o livro, de 1969, escrito por Mario Puzo (1920-1999). Foi logo um sucesso, é verdade. Já no seu lançamento esteve nas listas de best-sellers de então. Mas a trilogia homônima de Francis Ford Coppola (1939-), filmes de 1972, 1974 e 1990, alcançou um sucesso sem precedentes. De crítica, público e dólares. Recebeu vinte e nove indicações ao Oscar. Arrebatou nove. As partes I e II são consideradas obras-primas, estão entre os melhores filmes de todos os tempos. O sucesso dos filmes foi nada menos que estrondoso. E isso catapultou o livro e a carreira de Puzo, que, por sinal, trabalhou no roteiro dos filmes com Coppola. Vai-se hoje ao livro pelo enorme sucesso dos filmes.

Coisa parecida, embora ainda sem a mesma proporção, deu-se agora com a série “Lupin”, da Netflix, baseada na personagem Arsène Lupin, o “gentleman cambrioleur”, criada pelo escritor francês Maurice Leblanc (1864-1941). E aqui invoco logo o meu próprio caso. Assim que vi a propaganda da série no site oficial da Netflix, veio-me a recordação de que “Les Aventures d’Arsène Lupin”, numa publicação da Hachette – Français langue étrangère, foi um dos primeiros livros que li em francês, quando passei uma temporada em Paris, lá em 2006, como aluno da Alliance Française. Fui reler o meu livrinho. Escrevi uma crônica sobre o “cavalheiro ladrão”. E mais: já vi que este ano, aqui no Brasil, em decorrência do sucesso da série, foi lançada a “Coleção Arsene Lupin”, em doze livros, pela editora Principis. Já xeretei os ditos cujos na Amazon e folheei-os em uma livraria da cidade. Edição barata e boa. Se Maurice Leblanc e Arsène Lupin estavam esquecidos – e essa foi a impressão que tive com as respostas à minha crônica –, hoje não estão mais.

Na verdade, como apreendi de um texto publicado no site literário Goodreads por Adrienne Johnson, “Mystery Solved: Why Hollywood Is Obsessed with the Whodunit [leia-se ‘quem fez isso’]?”, as pessoas hoje estão muito mais atentas. Elas sabem os limites que o cinema e a TV têm. Tempo ali é material precioso. A tela em movimento não consegue mostrar tudo. Deve haver muito mais no livro. Ou deve haver algo diferente. Vamos comparar. Vamos ao livro.

Eu fui aos livros. E acho que tem muita gente indo. Viva a mistura!

*É procurador regional da república e doutor em direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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