Ontem o Blog do Barreto publicou reportagem sobre um estudo que analisou perfil do secretariado do Governo do Rio Grande do Norte no período entre 1995 e 2015 (ver AQUI). O trabalho foi realizado pelos pesquisadores Alan Lacerda e Sandra Gomes são do Departamento de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) enquanto que André Luís é da Escola de Administração de Empresas de São Paulo e Fundação Getúlio Vargas. Conversamos com um dos autores do trabalho, Alan Lecarda, que nesta entrevista analisa o papel da Assembleia Legislativa dentro dos governos e o que pesa no êxito de um governo em termos de secretariado.
Blog do Barreto: O artigo aponta que no recorte temporal analisado que as indicações de secretários sofrem menos influência da representação partidária na Assembleia Legislativa do que ocorre em nível federal. Seriam as relações políticas no RN menos institucionalizadas?
Alan Lacerda: O conceito de institucionalização nesse caso é um tanto complexo, pois supõe que se deva definir primeiro o que é uma relação política institucionalizada. Se por institucionalizado se entender um ambiente político regido pelo recrutamento de políticos por critérios partidários, sim, as relações políticas no estado apresentam menor grau de “institucionalização”. É importante notar que na literatura acadêmica por vezes a institucionalização também pode ser informal, ou seja, regida por normas mais ou menos estáveis que não residem nas instituições representativas. Nesse sentido mais societal, talvez seja possível dizer que há uma institucionalização das relações políticas no estado, baseada em redes pessoais nas quais o partido é apenas um elemento. É um ponto para futuras pesquisas.
BB: O artigo faz comparação com democracias parlamentaristas que formam governos a partir de quadros dos próprios partidos. No RN os governos buscam nomes de fora das agremiações. Isso indica uma carência de quadros dentro dos partidos?
AL: isso indica que os partidos de modo geral não são os lugares principais do recrutamento político e de formação de quadros para a política. Se as agremiações não retêm esses quadros, o governador ou governadora trabalhará com o que pode divisar no panorama técnico-político e no seu círculo de relações pessoais.
BB: Outro ponto que chama atenção é que os governadores geralmente formam maiorias na Assembleia Legislativa sem ser pela via partidária, mas pelo varejo diretamente com os deputados. Por que o parlamento influencia tão pouco no secretariado?
AL: isso varia um pouco entre os governos, e dentro de cada um deles. O governo Garibaldi, por exemplo, foi o mais “partidário” no período 1995-2015. A rigor, argumentamos que o elemento partidário se mescla com redes familiares e pessoais de confiança do governador. É importante também chamar a atenção para o segundo escalão e a administração indireta estadual, que não foram objeto de nossa pesquisa. Talvez neles resida outro padrão, que qualifique o que dissemos no trabalho, ou seja, um padrão no qual o perfil partidário das bases governistas na Assembleia é atendido de um modo mais claro.
BB:Observando as tabelas percebe-se que não exatamente um padrão de formação do secretariado. Cada governo tem uma característica própria. Qual o modelo ideal?
AL: A pergunta demanda uma avaliação de valor, que pode ser diferente inclusive entre os autores do artigo. Na minha opinião, o secretariado estadual poderia ter maior competência técnica, ou seja, preparo especializado e boa formação, como também maior competência política, ou seja, alguma capacidade de alterar a realidade com criatividade e articulação política. Eu acho os quadros relativamente frágeis em ambas as dimensões, mesmo considerando, como fazemos no texto, que vários secretários são indicados por uma mescla de critérios técnicos e políticos.
BB: O clichê da cobertura política valoriza o secretariado técnico. A tabela indica que Rosalba montou a equipe mais técnica, mas ela teve a pior avaliação no período e isso passou por sérios problemas de ordem política, inclusive. Foi só isso que deu errado?
AL: Sim, minha compreensão é que o problema fundamental do governo Rosalba foi de ordem política. A maneira como o então vice-governador Robinson Faria foi alijado da gestão demonstra imenso amadorismo político, que prosseguiu no trato com a Assembleia Legislativa. Possivelmente a passagem da escala municipal para a estadual mostrou que o círculo da então governadora possuía limitações muito sérias de articulação política, que eram mascarados até então pela dimensão municipal na qual haviam vicejado em Mossoró.
BB: Robinson que teve apenas o início do Governo analisado gabava-se de ter uma equipe que aliava o técnico e o político e o estudo comprovou isso, mas o resultado na avaliação dele não foi o esperado. Seria efeito da conjuntura daquela quadra histórica?
AL: o secretariado de Robinson, em termos de gestão, tinha o mesmo nível que seu chefe. Quadros frágeis, inclusive na sensível área da segurança pública, sem capacidade de definir prioridades. A rigor, o governador vendeu um governo técnico que nunca existiu. Não basta encher o governo de técnicos para que uma gestão tenha excelência técnica; os técnicos precisam ser bons e ter uma orientação política clara do principal gestor. O governador não percebeu que sua capacidade de articulador político, certamente eficaz nas miudezas diárias da movimentação política, não correspondia com sua dificuldade pessoal de gerir, de definir prioridades e realizar escolhas difíceis. O secretariado deveria ter sido composto de nomes muito melhores do que os efetivamente nomeados para que o governo tivesse uma chance de dar certo.
BB: Em relação ao Governo atual, quais diferenças e semelhanças é possível apontar em relação ao período estudado?
AL: não cheguei a estudar a composição do secretariado do atual governo. De um ponto de vista político, a novidade gerada pelo pleito de 2018 foi a criação de uma gestão com claro perfil de centro-esquerda. Talvez um ponto controverso: não julgo que Wilma de Faria como governadora foi isso entre 2003 e 2010, como se poderia avaliar. Esta avaliação de certa forma emerge do fato da gestora ter se alinhado de um modo mais estreito às políticas do governo Lula no plano da União. Não considero isso suficiente para a mencionada classificação. No caso de Fátima é possível esperar, e na verdade já é possível ver, dentro das limitações fiscais, políticas de fato estaduais que giram à esquerda, como as compras de agricultura familiar. Do ponto de vista da base partidária na Assembleia, no entanto, o governo também é confuso. Há bancadas divididas entre o situacionismo e a oposição, a exemplo do PSD e PSDB; a maioria absoluta foi obtida caso a caso e a composição partidária não parece se refletir no secretariado. Isso provavelmente impacta no perfil de nomeações do primeiro escalão, gerando fenômenos similares ao de gestões anteriores, analisados no artigo. A governadora tem que trabalhar com o que tem, assim como seus antecessores.