Demógrafo explica que a população do RN não diminuiu: “o censo permitiu que o IBGE revisasse os dados”

Ricardo Ojima explica porque não se pode dizer que a população do RN diminuiu (Foto: Agecom/UFRN)

Paiva Rebouças – Agecom/UFRN

Prévia do censo demográfico 2022, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que o Rio Grande do Norte tem uma população 65% menor do que a estimada em 2021. Esperavam-se 3.560.903 habitantes em 2021, mas, no dia 28 de dezembro, o Instituto apontou que o estado potiguar fechará o levantamento com 3.303.953 de residentes. Os dados mostram um crescimento real de 135.926 pessoas desde 2010, mas esse número deveria ser ao menos três vezes maior.

A estimativa do IBGE é de que, entre 2010 e 2021, a população do RN cresceria na ordem de 1,07% ao ano, o que daria 12,4% no acumulado, mas em 2022 os dados mostraram que, na verdade, esse crescimento foi menor, num ritmo de 0,35% ao ano, chegando a um acúmulo bem menor, de apenas 4,29% na variação da população. Quando comparadas a estimativa de 2021 e a prévia de 2022, a distância é de 65,40%. “A leitura não deve ser a de que a população diminuiu entre 2021 e 2022. A verdade é que o censo permitiu que o IBGE revisasse os dados e a estimativa ficou mais precisa. Assim, confirma a tendência de redução do crescimento populacional e mostra que as estimativas que fazia antes dos dados preliminares do censo 2022 estavam superestimando o ritmo de crescimento da população”, explica o demógrafo Ricardo Ojima, chefe do Departamento de Demografia e Ciências Atuariais (DDCA/UFRN).

De acordo com Ojima, o principal motivo para essas diferenças está na metodologia usada pelo IBGE. “Desde 2011 até 2021, anos em que não tivemos censos, a forma de o IBGE calcular e divulgar o tamanho da população nos municípios e estados é baseando-se em técnicas demográficas e estatísticas baseadas nas informações do passado para estimar a população daquele ano. Ou seja, só sabemos com certeza qual é o tamanho da população no ano em que o IBGE faz o censo, nos outros anos, eles se baseiam nos dados e informações dos censos anteriores para calcular a população dos municípios nos anos em que não é feito o censo”, diz.

Para evitar esse tipo de inconsistência, Ojima defende que seja feita uma contagem entre um censo e outro. “Era para ter sido feita em 2015/2016 uma espécie de censo reduzido, mais rápido e barato. Isso teria ajudado para que a diferença entre a estimativa de 2021 não ficasse tão diferente do que foi observado no censo de 2022. Assim, já ajuda para cobrar a necessidade de se fazer uma contagem em 2025/2026, pois o censo de 2022 pode ter problemas nos municípios onde a coleta está atrasada e talvez não consiga cobrir toda a população”, explica.

Por lei, o IBGE precisa divulgar as estimativas populacionais anualmente, pois esse levantamento serve de parâmetro para diversas ações e decisões que afetam o dia-a-dia dos brasileiros. Entre elas estão o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), responsáveis pela transferência de recursos do governo federal para essas unidades administrativas. Nesse caso, explica Ojima, se um município é maior ou menor, ele recebe mais ou menos recursos. Além disso, o número de vereadores de cada município tem como base o seu número de habitantes e, quanto maior o município, maior é a quantidade de vagas na câmara.

“O tamanho da população e suas características é fundamental para nossa vida econômica, social e política e o censo demográfico é a principal pesquisa do país para se obter essas informações. A operação censitária deste ano, por exemplo, atrasou para começar (era pra ter sido feita em 2020) por conta da pandemia e por conta de o governo federal não ter destacado recursos para tal em 2021. Começou, de fato, em agosto, após chegar até o Supremo Tribunal Federal (STF), e deveria ter terminado em outubro, mas ainda está em campo. Um dos motivos para se estender para além de outubro é a dificuldade de os recenseadores conseguirem que as pessoas respondam o censo”, completa Ricardo Ojima.

Natal perde população e Extremoz cresce 13 posições

Bairro planejado em Extremoz, cidade que mais ganhou população no RN – Foto: Divulgação

Na contramão do que se esperava, o município de Natal teve uma frustração no crescimento populacional de 155,73%, se levar em conta o que era aguardado. Em 2010, a capital do RN tinha 803.739 residentes e as estimativas para 2021 eram de uma população de 896.708. Contudo, a prévia do IBGE mostrou a principal cidade potiguar com apenas 751.932 moradores, o que é, em números absolutos, 51.807 pessoas a menos do que o IBGE havia estimado para 2021. Porém, os dados são ainda mais drásticos se observarmos a diferença total estimada entre 2021 e 2022, que é de menos 144 mil habitantes.

Por outro lado, quatro cidades da região metropolitana cresceram muito acima do que estava previsto. Extremoz foi a grande surpresa, saindo de uma população de 24.550 habitantes em 2010 para 61.381, na previsão censitária. São 36.831 pessoas a mais, quebrando todas as estimativas. No total, a diferença porcentual entre os números estipulados de 2021 para 2022 foi de 678,34% positivos. Cresceram em ritmo acelerado também São Gonçalo do Amarante (61,14%), Ceará-Mirim (68,84%) e São José do Mipibu (68,84%).

Ricardo Ojima acredita que a diferença nos dados da população estimada em 2021 para  Natal tem a ver com a metodologia do IBGE, que subestimou a redução na tendência de crescimento da capital, questão que já era perceptível. Isso quer dizer que a cada ano o crescimento apontava um ritmo menor, mas, como a última informação de censo foi de 2010, não conseguiu-se identificar que o fenômeno ocorreu mais rápido do que se imaginava. “O que observamos com esses novos dados de 2022 é que Natal se tornou menos atrativa e até deve ter perdido pessoas para municípios do seu entorno”, reforça.

No caso do município de Extremoz, continua Ojima, a situação foi contrária e, aparentemente, o “erro” foi maior. “Isso é comum nos municípios menores, pois o impacto de transformações sociais, políticas, econômicas e habitacionais é maior quando o município é pequeno. Quer dizer, é mais difícil fazer boas estimativas populacionais para municípios pequenos porque neles as coisas mudam com maior vigor e velocidade do que em um grande município, como Natal. Assim, a tendência é de que a diferença entre o que se estimava antes do censo e o que se tem depois do censo seja maior”, contextualiza.

Municípios perdem população

Cidade de Venha Ver foi a que mais perdeu população – Foto: Marcos Oliveira

Os dados demográficos mostraram que 77 cidades do RN (46% do total de municípios) apresentaram diminuição no número de habitantes em relação a 2010. Das 20 maiores cidades do estado, seis tiveram frustração no crescimento acima de 100% daquilo que era estimado em 2021. Caicó, que em 2010 era o 7º município mais populoso, perdeu uma posição, sendo ultrapassado por Extremoz, que em 2010 figurava na 19ª posição. A capital do Seridó potiguar, que perdeu 1.549 cidadãos, apresenta agora uma população 125,74% menor na diferença das projeções de 2021 e 2022.

Os outros desse grupo que também ficaram menores são Currais Novos (-155,32), Nova Cruz (-159,98), Canguaretama (-139,48), Macau (-147,16) e a já mencionada Natal (-155,73%). Mas o que parece ruim pode ficar pior, pois nenhum desses municípios se iguala ao tamanho da perda populacional da pequena Venha Ver, no Alto Oeste potiguar, que apresentou a maior queda proporcional de sua população e a pior estimativa de crescimento. A cidade, que em 2010 tinha 3.821 moradores, chega em 2022 com 808 conterrâneos a menos e uma população 310% menor do que a prospectada pelo IBGE no comparativo 2021/2022.

Segundo Ricardo Ojima, a expectativa de crescimento nesses municípios era baixa, mas ainda assim positiva até a estimativa de 2021. Com a revisão dos números, usando os dados preliminares do censo de 2022, mostrou-se um crescimento negativo. “Nesses casos, houve perda populacional entre o censo 2010 e o censo 2022. Precisamos aguardar os dados finais, mas é bem possível que esses dados se confirmem. O que também não é de todo surpreendente, porque os municípios do interior, exceto por alguns polos regionais maiores, já apresentavam tendências de decrescimento”, alerta.

Outra cidade que também apresentou crescimento muito abaixo do esperado foi Mossoró, que saiu de 259.815 habitantes em 2010 para 264.181 em 2022. Ao contrário da capital, que perdeu moradores, Mossoró tem 4.366 novos residentes, porém, a expectativa era de uma população total, no final do novo censo, de 303.792, ou seja, 39.611 a mais do que há 12 anos. Isso representa um crescimento de apenas 1,68%, o que é 90,07% menor do que o IBGE estimou para 2021.

Mossoró esperava ter mais 39 mil habitantes em 2022 – Foto: Ascom/Mossoró

“Assim como no caso de Natal, Mossoró também vem no mesmo processo de perda de atração. Isso ocorre nos municípios maiores de todo o país. E ganham, principalmente, os municípios do seu entorno”, diz Ricardo Ojima. Perguntado se Mossoró pode perder o posto de segunda maior cidade do RN, o demógrafo diz que é possível. “Há sim boa chance de Mossoró perder seu posto para Parnamirim, pois esse último é o principal destino de atração da Região Metropolitana de Natal. Parnamirim vem apresentando taxas de crescimento populacional acima da média do estado e até do país há cerca de 30 anos. Parnamirim cresceu mais de 8% ao ano entre 1980 e 1991 e se mantém com um ritmo de crescimento elevado. Mossoró, por outro lado, nunca chegou a valores de crescimento tão elevados”, contextualiza.

Menos população, menos recursos

A parte preocupante desses dados fica para os gestores, pois a redução na quantidade de moradores de uma cidade afeta os repasses federais. Segundo a Federação dos Municípios do Rio Grande do Norte (Femurn), com a prévia do censo divulgada pelo IBGE, 27 cidades do RN perderão R$ 100 milhões por ano em recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Em todo o Brasil, cerca de 700 municípios podem ser afetados, conforme dados da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). De acordo com o Tesouro Nacional, o coeficiente do FPM varia de 0,6, para municípios com até 10.188 habitantes, a 4, que contempla os que têm população superior a 156.216.

Por outro lado, seis prefeituras terão ganhos reais e significativos em seus orçamentos a partir de 2023, começando por Extremoz, que saltará de um coeficiente 1.4 para 2.4 devido a seu crescimento habitacional nos últimos 12 anos. Também mudarão de faixa no FPM os municípios de São Gonçalo do Amarante, Florânia, Jaçanã, São José do Campestre e Tibau do Sul.

A alteração na quantidade de pessoas residentes nos municípios pode comprometer ainda o legislativo, uma vez que o número de vereadores tem base no tamanho populacional. Municípios de até 15 mil habitantes, por exemplo, têm direito a nove assentos nas câmaras municipais, e isso muda na proporção em que também mudam o quantitativo de contribuintes, como mostra esta tabela do Senado Federal. “Extremoz é um dos municípios que deve aumentar de 11 para 15 vereadores. Caicó e Currais Novos, por outro lado, não perdem vagas porque, embora tenham uma população menor do que o estimado no ano passado, não mudam de faixa”, explica Ojima.

O município de Tibau do Sul, que ganhou 5.825 novos moradores, saindo de 11.385 habitantes para 17.210, também ganhará novas vagas na Câmara Municipal. Com o crescimento, a casa legislativa passará de nove para 11 cadeiras já na próxima eleição municipal.

Nordeste x Sul

Na prévia do IBGE, o Brasil cresceu 24% a menos que o previsto em 2021, chegando a 207,8 milhões de habitantes, ante os 213,3 milhões estimados. Das cinco regiões, apenas o Sul apresentou crescimento populacional acima do esperado (9%), sendo os estados de Santa Catarina (38%) e Paraná (20%) os únicos a ultrapassar as expectativas de elevação de sua população. A região Nordeste, por sua vez, cresceu 4,35%, metade do estimado para 2021, o que dá uma diferença de 49% a menos no comparativo 2021/2022. Na visão de Ojima, no entanto, provavelmente esses números têm mais relação com a diferença das metodologias do IBGE usadas em 2021 e em dezembro último. Ou seja, para o pesquisador, se, por um lado, o Nordeste teve sua população superestimada em 2021, a do Sul foi subestimada.

Mas o demógrafo alerta ainda que os dados significam também que a transição demográfica e a redução do número de nascimentos estão mais aceleradas do que se previa. “No geral, a população do país está crescendo num ritmo mais lento do que se imaginava antes. Isso tem a ver com dois fatores principais: o número de nascimentos se reduziu mais do que era esperado e/ou morreu mais gente do que se esperava. Essa segunda hipótese não deixa de ser verdade porque a covid-19 antecipou as mortes de cerca de 700 mil pessoas nesses últimos dois anos e, com certeza, foi um dos fatores que não eram esperados nas estimativas calculadas pelo IBGE nos anos anteriores”, finaliza Ricardo Ojima.

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Reportagem especial

Canal Bruno Barreto