Uma realidade política que permanentemente se renova e a mutação constitucional

Por Rogério Tadeu Romano*

Rudolph Smend, jurista alemão a que se deve a chamada teoria da integração, procurando assentar as bases de uma nova teoria do Estado, eminentemente social-democrática, dizia que “o Estado é uma permanente realidade que se renova com a participação e a adoção de todas as consciências, as quais, enquanto partícipes da finalidade comum e em seu sentido orientadas, representam a própria realidade do Estado expressa em atos e funções”.

Dizia ele: “O Estado vive de um plebiscito que se repete todos os dias. Este fato da vida estatal é, por assim dizer, a sua substância medular, e é este fato que eu denomino integração”.

Ou seja: o governante deve se legitimar junto ao povo, todos os dias.

Com o termo integração, no estudo de uma democracia social, Smend indicou a adequação constantemente renovada pelos indivíduos e grupos, por meio de atos e funções, à ideia diretora da comunidade, aos valores ou às “imagens espirituais coletivas”.

Com o termo integração, no estudo de uma democracia social, Smend indicou a adequação constantemente renovada pelos indivíduos e grupos, por meio de atos e funções, à ideia diretora da comunidade, aos valores ou às “imagens espirituais coletivas”.

Rudolf Smend via o Estado como integração.

Ensinou ele:

[…] o Estado não constitui como tal uma totalidade imóvel, cuja única expressão externa consiste em expedir leis, acordos diplomáticos, sentenças ou atos administrativos. Se o Estado existe, é unicamente graças a estas diversas manifestações, expressões de uma estrutura espiritual e, de um modo mais decisivo, através das transformações e renovações que tem como objeto imediato dita estrutura inteligível. O Estado existe e se desenvolve exclusivamente neste processo de contínua renovação e permanente revivescência; utilizando aqui a célebre caracterização da Nação de autoria de Renan, o Estado vive de um plebiscito que se renova a cada dia. Para esse processo, que é o núcleo substancial da dinâmica do Estado, propus já em outro lugar a denominação de integração. (Constitución y Derecho Constitucional. Traducción de José Maria Beneyto Pérez. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1985, p. 62-63), como registrou

A “integração da realidade”, para Smend (obra citada, p. 70), inclui três “momentos” ou processos e, “em todo caso, se caracteriza pelo predomínio de um ou outro”, denominados como de “integração pessoal”, “integração funcional” e “integração material”.

Como o próprio nome diz, a “integração pessoal” implica uma configuração da comunidade através das pessoas que a dirigem politicamente, seus “chefes” ou “caudilhos”, que devem “lograr afiançarem-se como chefe[s] daqueles a quem dirigem” (Constitución y Derecho Constitucional. Traducción de José Maria Beneyto Pérez. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1985, p. 71-72), de modo a formarem uma “unidade política”, já que “não há vida do espírito sem um princípio reitor”, como bem resumiu André Luiz Fernandes Fellet(Rudolf Smend e os direitos fundamentais como “ordem objetiva de valores”, RIDB, Ano 1 (2012), nº 11).

André Luiz Fernandes Fellet(Rudolf Smend e os direitos fundamentais como “ordem objetiva de valores) afirmou que “num período de profunda crise política e econômica na Alemanha do Primeiro Pós-Guerra (VERDÚ, 1987, p. 31 e ss.), vinha à lume a obra fundamental de Rudolf Smend: “Constituição e Direito Constitucional” (Verfassung und Verfassungsrecht, Duncker & Humblot, München und Leipzig, 1928).

O autor considera que o objeto do Estado e do Direito Constitucional é o Estado como parte da “realidade espiritual”. De acordo com o último, as formas espirituais coletivas não são estáticas, sendo unidades de sentido da realidade espiritual em constante atualização funcional, em constante reprodução. Nas suas próprias palavras: […] o Estado não constitui como tal uma totalidade imóvel, cuja única expressão externa consiste em expedir leis, acordos diplomáticos, sentenças ou atos administrativos. Se o Estado existe, é unicamente graças a estas diversas manifestações, expressões de uma estrutura espiritual e, de um modo mais decisivo, através das transformações e renovações que tem como objeto imediato dita estrutura inteligível. O Estado existe e se desenvolve exclusivamente neste processo de contínua renovação e permanente revivescência; utilizando aqui a célebre caracterização da Nação de autoria de Renan, o Estado vive de um plebiscito que se renova a cada dia. Para esse processo, que é o núcleo substancial da dinâmica do Estado, propus já em outro lugar a denominação de integração. (SMEND, 1985, p. 62-63), como ainda ponderou André Luiz Fernandes Fallet, naquela obra.

 A “integração da realidade”, para Smend (1985, p. 70), inclui três “momentos” ou processos e, “em todo caso, se caracteriza pelo predomínio de um ou outro”, denominados como de “integração pessoal”, “integração funcional” e “integração material”

A “integração pessoal” implica uma configuração da comunidade através das pessoas que a dirigem politicamente, seus “chefes” ou “caudilhos”, que devem “lograr afiançarem-se como chefe[s] daqueles a quem dirigem” (SMEND, 1985, p. 71-72), de modo a formarem uma “unidade política”, já que “não há vida do espírito sem um princípio reitor”.

A “integração funcional” se consubstancia nas “eleições”, “formações de governos”, “referendos”.

A “integração material” pressupõe o reconhecimento da dependência recíproca (já mencionada) entre os valores e a existência política de uma comunidade que os “vivencia” e a que estes “atualizam”: sem “comunidade”, não há “valores” e sem “valores”, não há “comunidade”, como lembrou André Luiz Fernandes Fallet, naquela obra.

Rudolf Smend apresentou o chamado método científico espiritual, que lida com a interpretação da norma constitucional a partir da ótica da ciência humana social. Esse método considera a Constituição como um tecido elástico tal qual a trama social, é necessária, portanto, a análise do espírito humano integrador dessa sociedade para compreender a norma constitucional.

A teoria de Smend nos traz à discussão a questão da mutação constitucional.

Para Dau-Lin (1998, p. 29-31), segundo André Luiz Fernandes Fellet (Rudolf Smend e os direitos fundamentais como “ordem objetiva de valores”, RIDB, Ano 1 (2012), nº 11) mutações constitucionais são “incongruência[s] que existe[m] entre as normas constitucionais por um lado e a realidade constitucional por outro”, ao que acrescenta: Se o problema da mutação da Constituição se lastreia na relação entre a Constituição escrita [texto constitucional] e a situação constitucional real, é dizer, entre normas e realidade no campo do direito constitucional – a mutação constitucional é a relação incorreta entre ambas – então se podem diferenciar quatro classes da mutação da Constituição: 1. Mutação da Constituição mediante uma prática estatal que não viola formalmente a Constituição; 2. Mutação da Constituição mediante a impossibilidade de exercer certos direitos estatuídos constitucionalmente; [caso da “Constitucionalização Simbólica”, teorizada por Marcelo Neves.] 3. Mutação da Constituição mediante uma prática estatal contraditória com a Constituição; 4. Mutação da Constituição mediante sua interpretação.

Analisando o processo de integração, Smend cria todo um sistema de Direito que se denominou “integração jurídica”, procurando assentar as bases de uma nova teoria do Estado, como disse Miguel Reale(Teoria do Direito e do Estado, 5ª edição, pág. 45).

Acompanho a lição de Smend:

“Dessarte, o Estado não é um todo passivo que deixe escapar as diversas manifestações de vida, leis, atos diplomáticos, sentenças, medidas administrativas. O Estado encontra-se, contudo, sobretudo, em cada uma dessas manifestações de vida, enquanto são demonstrações de uma totalidade espiritual coerente, na qual verificam-se renovações e progressos cada vez mais importantes, tendo sempre como objetivo final essa mesma coerência”.

O Estado é, pois, um ser incessante, uma realidade espiritual que permanentemente se renova com a participação e adesão de todas as consciências, as quais, enquanto partícipes da finalidade comum em seu sentido orientadas, representam a própria realidade do Estado expressa em atos e funções.

Data vênia, com o devido respeito, a doutrina de Smend não faz descambar o Estado para o totalitarismo. Muito ao contrário.

Essa doutrina contribuiu para a assunção, pela Corte Constitucional, de “metodologia científico-espiritual de interpretação da Constituição”.

A partir da sentença proferida em 23 de outubro de 1952 (vale ressaltar que a Corte Constitucional alemã foi instalada no ano de 1951) sobre a proibição de um partido político, o Partido Socialista do Império (Jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal (BVerfGE) (2,1)) em que o Tribunal enfrenta a vedação constitucional aos partidos contrários à “ordem liberal democrática” e entende que isso é uma referência aos “valores fundamentais supremos do Estado constitucional, baseados nas ideias de liberdade e democracia”, entre outras questões, é que se reconhece o rumo que a jurisprudência daquela Corte ia tomando nesse sentido, como disse André Luiz Fernandes Fellet(obra citada).

O Estado, pois, não é estático, é um movimento contínuo. O governo deve legitimar-se todos os dias junto à população sob pena de danos inestimáveis ao processo democrático.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

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