Documentos revelam tentativa de censura no ENEM durante Governo Bolsonaro

Foto: Lula Marques/ Fotos Públicas

Documentos de reunião da comissão de 2019 do INEP indicam tentativas de censura ideológica no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), enquanto a atual gestão resiste em liberar todas as informações solicitadas, levantando suspeitas sobre possíveis censuras nas provas aplicadas entre 2019 e 2022.

Documentos obtidos no fim da última semana por meio de um pedido feito pelo educador e especialista em ENEM, Mateus Prado, revelam graves tentativas de censura nas questões do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) durante o governo anterior. Embora a criação da comissão tenha sido divulgada oficialmente por meio da Portaria nº 244, de 19 de março de 2019, os novos documentos trazem detalhes de pelo menos uma das reuniões da comissão, na qual foram indicadas quase 100 questões para serem removidas ou modificadas.

O conteúdo dos documentos revela uma tentativa clara de censurar itens sem base científica ou histórica, apenas com justificativas ideológicas. Apesar de três recusas anteriores, o INEP foi obrigado pela Controladoria-Geral da União (CGU) a entregar parte dos documentos, mas continua ocultando informações importantes, como a identificação das questões censuradas que já foram aplicadas nas provas do ENEM de 2019 a 2022. Essa prática impede uma verificação completa sobre se as tentativas de censura foram concretizadas.

Exclusões e Alterações Propostas pela Comissão de Censura

Nos documentos apresentados, algumas justificativas de censura foram mencionadas nas tabelas, mas sem a especificação completa de quais eram as questões. Entre as motivações apresentadas estão:

Substituição do termo “Ditadura Militar” por “Regime Militar”: Foi recomendado pela comissão que o termo “Ditadura Militar” fosse alterado para “Regime Militar”, apesar de haver um consenso histórico de que o Brasil viveu sob uma ditadura entre 1964 e 1985, período marcado por censura e repressão política.

Afirmações vagas como “leitura direcionada da história” e “descontextualização histórica”: Muitas questões foram criticadas sob alegações de que tinham uma visão “direcionada” da história ou estariam “descontextualizadas”, sem que fosse detalhado exatamente qual o problema histórico ou pedagógico envolvido.

“Gera polêmica desnecessária” e “fere sentimento religioso”: Certas questões foram rejeitadas pela comissão por serem vistas como geradoras de polêmica ou como ofensivas a valores religiosos, sem apresentar mais detalhes do conteúdo das questões.

“Induz o aluno a ser contra a redução da maioridade penal”: Em uma das questões, a comissão alegou que o item “induzia o aluno” a ter uma opinião contrária à redução da maioridade penal, sugerindo que esse tipo de orientação de pensamento seria inadequado para a prova.

“Ofende forças policiais” e “fere a força pública”: Em algumas questões, a justificativa para censura era de que elas eram ofensivas às forças policiais ou desrespeitavam de alguma forma a autoridade pública.

Esses exemplos ilustram a tentativa deliberada de interferir no conteúdo educacional do ENEM sem uma fundamentação científica clara, agindo diretamente sobre o direito de acesso a um conhecimento plural e imparcial.

Ocultação de Informações e Falta de Transparência do INEP Atual

Apesar de a CGU ter determinado que o INEP fornecesse todos os documentos relacionados à atuação da comissão de 2019, o órgão não entregou os registros de forma completa. Muitos documentos chegaram com trechos ocultados por tarjas pretas, incluindo assinaturas de servidores que participaram da comissão e detalhes cruciais sobre as questões debatidas. Além disso, o INEP não revelou quais questões censuradas já haviam sido aplicadas nas provas do ENEM entre 2019 e 2022, descumprindo diretamente a decisão da CGU.

O INEP atual alega que a comissão de censura foi apenas uma etapa técnica legítima para a montagem da prova de 2019, mas a negativa em entregar os documentos completos que originaram essa edição do ENEM levanta sérias dúvidas sobre a veracidade dessa alegação. A ocultação contínua das informações impede uma análise precisa sobre se as tentativas de censura prosperaram nas provas aplicadas.

Nova Tentativa de Censura em 2021

Além da tentativa de censura revelada nos documentos de 2019, uma nova tentativa foi exposta em 2021. Segundo uma matéria do Fantástico, o então diretor da DAEB (Diretoria de Avaliação da Educação Básica) teria tentado remover questões consideradas “polêmicas” das provas do ENEM, levando a um impasse que resultou na reintegração de algumas questões por falta de itens suficientes para compor o exame.

Denúncia e Providências Tomadas

Diante da gravidade da situação, foram formalizadas denúncias na CGU, no Ministério da Educação (MEC) e no Ministério Público Federal (MPF). As denúncias pedem a abertura de inquéritos para investigar a tentativa de censura nas provas do ENEM e a possível formação de quadrilha dentro do INEP, o que viola o artigo 5º, inciso IX, da Constituição Federal, que proíbe qualquer forma de censura à manifestação intelectual, científica e de comunicação.

Além disso, as denúncias solicitam a divulgação completa dos documentos da comissão e o afastamento dos gestores envolvidos, incluindo o presidente atual do INEP, que tem impedido a revelação integral das informações.

“Saber que o governo anterior mantinha um apagão de dados e namorava com a censura nem é uma novidade tão grande. A diferença agora é que temos algumas das provas. A grande novidade é ter o INEP do governo atual fazendo de tudo para esconder esses e outros documentos que comprometem o governo anterior”, afirma Mateus Prado. Ele destaca que a atitude da gestão atual é preocupante e contradiz as promessas de transparência do governo. “O presidente atual do INEP parece mais comprometido com o apagão de dados públicos do que qualquer outro nos governos anteriores. Quando o ministro Camilo Santana acordar para isto, já pode ser tarde demais, e teremos perdido boa parte do governo para avançarmos com pautas contra o apagão,” alerta Prado.

Importância da Divulgação Completa dos Documentos

A revelação completa dos documentos é fundamental para esclarecer se houve interferências no conteúdo das provas e entender o alcance das decisões tomadas pela comissão. A divulgação desses materiais permitirá uma análise mais detalhada sobre o processo de construção do ENEM nos anos em questão.

Veja os documentos clicando AQUI e AQUI 

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Reportagem especial

Canal Bruno Barreto