A imperiosa necessidade de revisão normativa das pesquisas eleitorais!

Por Gláucio Tavares Costa* e José Herval Sampaio Júnior**

A discrepância entre o resultado do primeiro turno das Eleições 2022 no Brasil e a contagem das intenções de votos dos eleitores enunciadas pelos institutos de pesquisas sinalizou significativas inconsistências de tais estudos estatísticos em retratar quantitativamente a vontade dos eleitores depositada nas urnas. E em nenhum momento se trabalhou a linha qualitativa, que de certo modo poderia minorar os equívocos constatados.

Sem replicar, neste texto, as diversas publicações de pesquisas de intenções de votos, que são notórias, constatou-se naquelas divergências acentuadas entre o resultado de tais pesquisas e a totalização da apuração das urnas, equívocos muito além das margens de erro apontadas nos estudos estatísticos, o que não pode ser admitido, levantando-se vários movimentos, sociais e até mesmo legislativos para que algo seja feito com objetivo de mudar esse quadro pernicioso, pois, indiscutivelmente, pode ter ocorrido estratégia de marketing para indução de voto, o que é vedado em nosso ordenamento jurídico.

Tão somente para ilustrar, na corrida presidencial, a Brasmarket Análise e Investigação de Mercado divulgou na Sexta-feira 30/09/2022 um levantamento realizado entre os dias 26 e 28 de setembro, com 1.600 entrevistas em 529 cidades das cinco regiões do país, no qual apontou os candidatos a presidente e a porcentagem de intenção de votos respectivamente, na pesquisa estimulada: Jair Bolsonaro (PL): 45,4% e Luiz Inácio Lula da Silva (PT): 30,9% e na pesquisa espontânea: Jair Bolsonaro (PL): 44,3% e Luiz Inácio Lula da Silva (PT): 27,6%.  A diferença em relação ao real desempenho do candidato a presidente petista foi de quase 13%. A margem de erro era estimada em apenas 2,45 pontos percentuais para mais ou para menos.

A mencionada pesquisa Brasmarket dimensionou o candidato Ciro Gomes, do PDT, na terceira posição, com 6,2% das intenções de voto, enquanto a candidata emedebista Simone Tebet, em quarta colocação, com 5,2%. Efetuada a apuração dos votos, verificou-se a candidata do MDB na terceira posição entre a preferência dos eleitores ao revés da tentativa de premonição da Brasmarket.

Noutro eito, os levantamentos dos institutos Datafolha e do Ipec antes do pleito, divulgados no sábado, apontavam 14 pontos percentuais de diferença entre Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, enquanto a apuração dos votos registrou diferença de cinco pontos percentuais.

E se formos mencionar os equívocos nas eleições para o Senado nas unidades federativas a situação piora sensivelmente, pois Senadores se elegeram que nas pesquisas estavam em terceiro ou até quarto lugar, o que é inadmissível para uma ciência que é objetiva ao extremo e na qual se viu uma discrepância além do razoável.

No geral, os apontamentos feitos pelas pesquisas foram muitos destoantes do resultado das urnas, fato que fez emergir diversas justificativas, dentre as quais, que a referência populacional das pesquisas foi feita com base nos dados desatualizados, colhidos da população do censo de 2010, Sem um Censo atualizado os institutos de pesquisas estão trabalhando com informações de 12 anos atrás, ou seja, definindo as cotas sociais para preparar as sondagens eleitorais a partir de um retrato antigo da sociedade brasileira.

Cogita-se eventual boicote por partes de eleitores em responder os questionários dos institutos de pesquisa e até o abuso de poder político e econômico que é em regra intensificado no dia das eleições, que pode ter sido um fator importante para as discrepâncias observadas. Fala-se, ainda, que houve um movimento nos últimos dias não captados pelos institutos.

Levanta-se a hipótese, entrementes, da possibilidade de fraudes nas pesquisas eleitorais a transformá-las em peças publicitárias a serviço de determinadas candidaturas.

Seja como for, restou evidente que a normatização das pesquisas eleitorais não se mostrou eficaz.

O arcabouço regulador das pesquisas e testes pré-eleitorais encontra situado nos artigos 33 e seguintes das Lei das Eleições:

Art. 33. As entidades e empresas que realizarem pesquisas de opinião pública relativas às eleições ou aos candidatos, para conhecimento público, são obrigadas, para cada pesquisa, a registrar, junto à Justiça Eleitoral, até cinco dias antes da divulgação, as seguintes informações:

I – quem contratou a pesquisa;

II – valor e origem dos recursos despendidos no trabalho;

III – metodologia e período de realização da pesquisa;

IV – plano amostral e ponderação quanto a sexo, idade, grau de instrução, nível econômico e área física de realização do trabalho, intervalo de confiança e margem de erro;

IV – plano amostral e ponderação quanto a sexo, idade, grau de instrução, nível econômico e área física de realização do trabalho a ser executado, intervalo de confiança e margem de erro; (Redação dada pela Lei nº 12.891, de 2013)

V – sistema interno de controle e verificação, conferência e fiscalização da coleta de dados e do trabalho de campo;

VI – questionário completo aplicado ou a ser aplicado;

VII – o nome de quem pagou pela realização do trabalho.

VII – nome de quem pagou pela realização do trabalho e cópia da respectiva nota fiscal. (Redação dada pela Lei nº 12.891, de 2013)

  • 1º As informações relativas às pesquisas serão registradas nos órgãos da Justiça Eleitoral aos quais compete fazer o registro dos candidatos.
  • 2º A Justiça Eleitoral afixará imediatamente, no local de costume, aviso comunicando o registro das informações a que se refere este artigo, colocando-as à disposição dos partidos ou coligações com candidatos ao pleito, os quais a elas terão livre acesso pelo prazo de trinta dias.
  • 2o A Justiça Eleitoral afixará no prazo de vinte e quatro horas, no local de costume, bem como divulgará em seu sítio na internet, aviso comunicando o registro das informações a que se refere este artigo, colocando-as à disposição dos partidos ou coligações com candidatos ao pleito, os quais a elas terão livre acesso pelo prazo de 30 (trinta) dias. (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009)
  • 3º A divulgação de pesquisa sem o prévio registro das informações de que trata este artigo sujeita os responsáveis a multa no valor de cinquenta mil a cem mil UFIR.
  • 4º A divulgação de pesquisa fraudulenta constitui crime, punível com detenção de seis meses a um ano e multa no valor de cinquenta mil a cem mil UFIR.
  • 5o É vedada, no período de campanha eleitoral, a realização de enquetes relacionadas ao processo eleitoral. (Incluído pela Lei nº 12.891, de 2013)

Art. 34. (VETADO)

  • 1º Mediante requerimento à Justiça Eleitoral, os partidos poderão ter acesso ao sistema interno de controle, verificação e fiscalização da coleta de dados das entidades que divulgaram pesquisas de opinião relativas às eleições, incluídos os referentes à identificação dos entrevistadores e, por meio de escolha livre e aleatória de planilhas individuais, mapas ou equivalentes, confrontar e conferir os dados publicados, preservada a identidade dos respondentes.
  • 2º O não-cumprimento do disposto neste artigo ou qualquer ato que vise a retardar, impedir ou dificultar a ação fiscalizadora dos partidos constitui crime, punível com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo prazo, e multa no valor de dez mil a vinte mil UFIR.
  • 3º A comprovação de irregularidade nos dados publicados sujeita os responsáveis às penas mencionadas no parágrafo anterior, sem prejuízo da obrigatoriedade da veiculação dos dados corretos no mesmo espaço, local, horário, página, caracteres e outros elementos de destaque, de acordo com o veículo usado.

Art. 35. Pelos crimes definidos nos arts. 33, § 4º e 34, §§ 2º e 3º, podem ser responsabilizados penalmente os representantes legais da empresa ou entidade de pesquisa e do órgão veiculador.

Art. 35-A. É vedada a divulgação de pesquisas eleitorais por qualquer meio de comunicação, a partir do décimo quinto dia anterior até as 18 (dezoito) horas do dia do pleito.  (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006) (Vide ADIN 3.741-2).

Ainda a respeito da matéria, o Tribunal Superior Eleitoral editou a Resolução n° 23.600/2019, que sofreu atualizações operadas pela Resolução do TSE n° 23.676/2021, trazendo inovações como a integração do instituto da federação partidária e dispositivos, destacando que a Justiça Eleitoral não realiza controle prévio sobre resultado de pesquisa, nem gerencia ou cuida da divulgação. Esclarece, ainda, que o registro da pesquisa não obriga a divulgação do resultado.

Assinala também que a enquete apresentada ao público como uma pesquisa eleitoral será reconhecida como pesquisa sem registro. A norma também aponta que compete ao juízo da fiscalização eleitoral o exercício do poder de polícia contra a divulgação de enquetes.

A norma preconiza que o registro da pesquisa na Justiça Eleitoral deverá conter informações como: quem contratou a pesquisa e quem pagou, com os respectivos números no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), valor e origem dos recursos, metodologia usada e período de realização do levantamento. Obriga ademais a apresentação do plano amostral e ponderação quanto a gênero, idade, grau de instrução, nível econômico do entrevistado, assim como o questionário completo aplicado ou a ser aplicado, e nome do estatístico responsável pela pesquisa.

Quanto à divulgação dos resultados, o texto afirma que serão obrigatoriamente informados: o período de realização da coleta de dados, a margem de erro, o nível de confiança, o número de entrevistas, o nome da entidade ou da empresa que a realizou e, se for o caso, de quem a contratou, bem como o número de registro da pesquisa.

Pontifique-se que, segundo a regulamentação, os partidos, candidatas e candidatos, coligações, federações partidárias e o Ministério Público também são partes legítimas para impugnar o registro ou a divulgação de pesquisas eleitorais, quando detectarem eventual descumprimento das regras sobre o assunto, contudo, na prática, muitas vezes, entre os legitimados não se costuma questionar nada, justamente porque como não há qualquer controle substancial por parte de nenhum órgão, eventuais desacordos ou até mesmo má-fé acabam ficando por isso mesmo pelo interesse de uso das pesquisas como estratégia de marketing eleitoral, o que é pernicioso.

Como se observa o regramento suprarreferido não se mostrou suficiente para afastar a possibilidade da utilização das pesquisas eleitorais como verdadeiras peças publicitárias em prol de dadas candidaturas, sendo necessário o empenho do Poder Legislativo no aperfeiçoamento das regras atinentes a tal matéria, criando além de limitação da quantidade de institutos que possam nacionalmente e regionalmente realizar pesquisas eleitorais, uma forma mínima de controle substancial, de modo que as demais pesquisas continuem servindo tão somente para consumo interno e as que realmente forem publicadas, sejam dentro dos critérios rígidos que a estatística delimita, o que com toda certeza não se terá doravante erros além da margem do aceitável pela própria ciência.

Desta forma, propõe-se uma ampla revisão normativa dos parâmetros atuais, prevendo-se licitações públicas rigorosas para que entidades que desejem realizar pesquisas eleitorais sejam submetidas antes do próprio período eleitoral, e eventual CPI que possa ser instaurada no Senado ou na Câmara ou até mesmo mista, infelizmente, constatará a situação aqui delineada, logo talvez seja mais pragmático já se partir para soluções normativas a curto prazo, evitando discussões que muitas vezes potencializará ainda mais todo o quadro que ora se vive, o que não é recomendável.

Um dos autores desse texto chamou atenção desse quadro quinze dias antes do resultado do primeiro turno na Rádio Justiça https://drive.google.com/file/d/1s4bOIxbSl60JiGt2DhjHYMKkk6rcSi6C/view e logo após reforçou https://drive.google.com/file/d/1BxbXdhJLUHbIkmX901rwH8mCsU6qDW7A/view?usp=sharing, sendo patente a necessidade de revisão proposta.

Portanto, não se pode querer, mais uma vez, transferir ao Poder Judiciário, em especial ao TSE tal encargo, devendo os legisladores agirem rapidamente para que o instituto das pesquisas eleitorais não caiam em uma desgraça irreversível, pois, indiscutivelmente, as pesquisas eleitorais podem cumprir, dentro do processo eleitoral e em todo o sistema democrático um papel relevante, mas nunca induzindo os eleitores de forma tendenciosa a votarem em candidatos que estejam nas pesquisas e de certa forma fraudando a própria intenção que se busca aferir.

É chegada a hora de se revisitar todo o arcabouço normativo para que as pesquisas eleitorais ocupem o verdadeiro espaço institucional que lhe são próprios, já que hodiernamente estão deturpando o processo eleitoral e democrático de uma forma inaceitável, sendo esdrúxulas como visto as desculpas apontadas, logo mesmo não se podendo, por enquanto, apontar dolo ou má-fé de muitas empresas que trabalham com tais pesquisas, em não ocorrendo a revisão proposta, veremos o caminho natural da responsabilização de muitas pessoas além do campo cível e administrativo, o que será muito ruim imaginar  a punição penal dentro do quadro de polarização vivido no momento.

Concluindo em arremate final, as pesquisas eleitorais sempre serão um instrumento interessante dentro da democracia, desde que cumpram substancialmente os elementos aqui trazidos, sob pena de termos que abandonar um método legítimo de se aferir as intenções de voto, não só para guiar os candidatos, mas de certa forma balizar a própria sociedade em cada momento do processo eleitoral e estes precisam ser melhor dimensionados, já que hoje se viu infelizmente pesquisas saindo quase que diariamente, o que não se pode mais tolerar. Enfim, a revisão normativa proposta é para ontem!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. Pesquisa Brasmarket: Bolsonaro está com 45,4%; Lula tem 30,9%. Correio Braziliense, Brasília, 30/09/2022. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/09/5040710-pesquisa-brasmarket-bolsonaro-esta-com-454-lula-tem-309.html
  2. Casado, José. O mistério da disparidade dos resultados de Lula e Bolsonaro nas pesquisas. Veja, 12/05/2022. Disponível em https://veja.abril.com.br/coluna/jose-casado/o-misterio-da-disparidade-dos-resultados-de-lula-e-bolsonaro-nas-pesquisas/
  3. Aprovada resolução sobre pesquisas eleitorais para as Eleições 2022. Tribunal Superior Eleitoral, 2022. Disponível em https://www.google.com/search?q=como+citar+mat%C3%A9ria+de+site&oq=como+citar+mat%C3%A9ria+de+site&aqs=chrome..69i57j0i512j0i22i30l3.11296j0j15&sourceid=chrome&ie=UTF-8

*É Assessor Jurídico do TJRN.

**Juiz de Direito TJRN e Professor da UERN

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