Por Rogério Tadeu Romano*
Segundo o portal de notícias da CARTACAPITAL, em 3.4.24, a Comissão de Anistia aprovou o reconhecimento da condição de anistiada política de Clarice Herzog, viúva do jornalista Vladimir Herzog, torturado e morto pela Ditadura Militar brasileira.
A decisão do colegiado admite que o Estado perseguiu Clarice e sua família durante o regime militar em razão do movimento liderado por ela para esclarecer as circunstâncias da morte do marido.
A Comissão ainda assegura a Clarice o direito a uma reparação econômica, que deverá ser paga pela União, correspondente ao período de 25 de outubro, data da morte de Herzog, até 5 de outubro de 1988, não ultrapassando o limite de 100 mil reais, segundo ainda informou o portal de notícias da CARTA CAPITAL.
A execução do jornalista Vladimir Herzog por agentes que serviam a ditadura militar que se instaurou no Brasil, em 1964, foi um dos vários bárbaros acontecimentos ocorridos naquele triste período da vida brasileira.
O governo federal publicou no Diário Oficial da União a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA), sediada em Washington (EUA), que condenou o Estado brasileiro pelo assassinato, sob tortura, do jornalista Vladimir Herzog por agentes do DOI-Codi em São Paulo, em 25 de outubro de 1975.
A portaria assinada pelo ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, foi divulgada cinco anos e meio depois da determinação do tribunal. Além da publicação e reconhecimento do governo brasileiro, a sentença determina que o Estado adote medidas para que “se reconheça, sem exceção, a imprescritibilidade das ações emergentes de crime contra a humanidade”. Há ainda a ordem de pagamento de US$ 180 mil à família de Herzog.
O juiz Márcio Martins Bonilha Filho, da 2ª Vara dos Registros Públicos, em São Paulo, mandou retirar da certidão de óbito do jornalista Vladimir Herzog, que morreu, em 1975, a informação de que ele teria se suicidado. O documento passou a atribuir o falecimento a ¨lesões e maus-tratos no extinto DOI-CODI¨.
A retificação do Registro Civil das Pessoas Naturais é um processo destinado a restabelecer a verdade do conteúdo dos assentos inerentes aos atos do Estado Civil, desfazendo o erro de fato ou de direito, suprindo omissão, que seja produzida por declarações erradas ou deficientes.
Lembro o eminente Serpa Lopes para quem constitui um ponto de grande interesse social a identificação completa do registro dos atos do Estado Civil com os fatos que o motivarem. Isso porque as declarações exaradas no Registro Civil devem revestir-se de toda precisão e terem fidelidade com os fatos nele mencionados.
No caso de Vladimir Herzog tem-se que o motivo de sua morte não foi o suicídio, como antes se informava na sua certidão de óbito.
Entendeu-se que o laudo pericial que deu azo a conclusão anterior se revelou incorreto, reconhecendo-se que não se comprovou o suicídio, impondo-se a retificação do atestado de óbito.
A Justiça atendeu à solicitação da Comissão Nacional da Verdade, que tem a atribuição de esclarecer as violações de direitos humanos durante a ditadura militar, em investigação que foi instaurada a pedido da viúva Clarice Herzog.
Intimado a “prestar esclarecimentos”, o diretor de jornalismo da TV Cultura de São Paulo, Vladimir Herzog, apresentou-se no dia 25 de outubro de 1975 ao DOI-Codi (Destacamento de Operações e Informações-Centro de Operações e Defesa Interna) subordinado ao comando do II Exército, de São Paulo. Pouco depois, o órgão divulgava sua versão para a morte do jornalista, enforcado dentro de uma cela: suicídio. O caso abriu uma crise no Governo Ernesto Geisel, que planejava a abertura e a extinção da tortura e do assassinato de opositores do regime militar, que vigorava desde 1968.
A versão de suicídio foi, na verdade, uma mentira.
Vale salientar que o rabino Henry Sobel determinou que o corpo de Herzog fosse enterrado no centro do cemitério judaico, para marcar a posição contrária à tese do suicídio de Vlado. O fato mobilizou não apenas importantes setores da oposição, mas até o conservador empresariado paulista.
Em 1978, em um processo aberto pela família Herzog, uma sentença judicial condenou a União como responsável pela prisão, tortura e morte do jornalista, desfazendo a falsa versão de suicídio divulgada em 1975 no relatório do IPM do II Exército, comandado pelo general Ednardo D’Ávila Mello. Em junho de 2013, a Comissão da Verdade decidiu questionar a versão de suicídio e abrir novas investigações.
Discute-se no presente artigo a incidência da prescrição com relação aos pedidos de condenação da União Federal no pagamento de indenização dos danos morais suportados por decorrência de prisão, tortura e banimento ocorridos durante a ditadura militar.
Para alguns deve ser aplicado ao caso o artigo 1º do Decreto 20.910/32 que regula a prescrição a ser aplicada nas ações contra a Fazenda Pública., que é de cinco anos contados da data do ato ou do fato do qual se originem.
Já no julgamento do Recurso Especial 449.000/PE, Relator Ministro Franciulli Netto, DJ de 30 de junho de 2003, entendeu-se, da leitura da Lei 9.140, de 4 de dezembro de 1995, que o prazo de prescrição somente tem início quando há o reconhecimento, por parte do Estado, da morte de uma pessoa perseguida na época do regime de exceção constitucional, momento em que seus familiares terão tomado ciência definitiva e oficial de seu falecimento por culpa do Estado.
Bem acentuou o Ministro José Augusto Delgado ( Recurso Especial 379.414/PR, Relator Ministro José Augusto Delgado, DJ de 17 de fevereiro de 2003), que o dano, caso seja provado, atinge o mais consagrado direito da cidadania: o de respeito pelo Estado à vida e à dignidade humana. O crime de tortura é hediondo, sendo a imprescritibilidade a regra quando se busca indenização por danos morais consequentes de sua prática.
Na mesma linha de pensamento, tem-se decisão do mesmo Superior Tribunal de Justiça, guardião da lei federal, em que se concluiu ( REsp 816.209/RJ, Relator Ministro Luiz Fux, DJ de 3 de setembro de 2007) que não há que falar em prescrição da pretensão de se implementar um dos pilares da República, máxime porque a Constituição não estipulou lapso prescricional ao direito de agir, correspondente ao direito inalienável à dignidade.
Sendo assim, a violação aos direitos humanos ou direitos fundamentais da pessoa humana, como é a proteção de sua dignidade lesada pela tortura e prisão por delito de opinião durante o Regime Militar de exceção, enseja ação de reparação ex delicto imprescritível, que ostenta amparo constitucional no artigo 8º, § 3º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
A par disso, na linha do parágrafo sexto, artigo 37, da Constituição Federal, se tem que ¨as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadores de serviços públicos respondem pelos danos que seus agentes, nessa qualidade causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. O dispositivo constitucional repete, em seu histórico, o que já acentuava a partir da Constituição de 1946, no artigo 94.
Tem-se a responsabilidade civil do Estado pelos atos causados pelo regime de exceção, na ditadura militar, envolvendo prisões, torturas, desaparecimentos e mortes. Essa responsabilidade civil se preocupa em recompor a situação econômica da vítima ou de suas famílias vítimas de um ato danoso.
Ora, toda a ação estatal está adstrita a um dever de não produzir danos aos particulares. Toda vez que isso se der ocorre um encargo do Estado que consiste em recompor o prejuízo causado. Deve haver um dano e a imputação desta a um comportamento que poderá ser comissivo ou omissivo da Administração, dentro de um nexo de causalidade.
Responde o Estado pelos danos materiais e morais trazidos às vítimas da ditadura militar.
*É procurador da república aposentado com atuação no RN.
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