Por Rogério Tadeu Romano*
Desejar a morte de alguém não é crime de ameaça. Pode ser algo que afronte a moral, mas não ao direito. Muitas vezes é cogitação, que não se pune, por força do princípio da legalidade.
Como se lê do portal A Gazeta, em 9 de abril de 2025, “a Advocacia-Geral da União (AGU) encaminhou, nesta quarta-feira (9), uma notícia de fato à Polícia Federal (PF) e à Procuradoria-Geral da República (PGR) visando à adoção de providências contra o deputado federal Gilvan da Federal (PL), do Espírito Santo, por ter dito que “gostaria de ver Lula morto”, em sessão da Câmara dos Deputados de terça-feira (Nesta quarta-feira (9), o parlamentar reagiu à manifestação da AGU, afirmando ter feito uso do direito de “manifestar seu pensamento” na declaração dada sobre o presidente da República. E disse também que “desejar que alguém morra, por si só, não é crime”.
Como ainda se vê, naquele portal, corretamente, externalizar publicamente o próprio dissabor pelo seu desafeto político não é crime, pois se trata de conduta atípica sem qualquer descrição de crime previsto na lei penal.
Trata-se de uma tentativa inconstitucional de transformar uma opinião em delito.
Crime é um fato típico e antijurídico descrito em lei; é uma conduta prescrita pela norma penal.
Ensinou-nos Paulino Ignácio Jacques (Curso de Introdução à Ciência do Direito, 2ª edição, pág. 73) que norma é sinônimo de regra, preceito, dispositivo, em suma, de lei.
Há dois tipos de normas – a ética e a técnica. A primeira regula a conduta do homem no convívio, e a segunda, a sua atividade criadora. A norma ética compreende a norma moral e a jurídica. Aquela regula o mundo interior, e esta o mundo exterior, com relação às ações humanas.
A norma ética constitui, como nos disse Paulino Jacques, um “imperativo categórico” Kantiano, porque a sua violação acarreta penalidade. A sanção moral nos leva ao arrependimento, o remorso.
A ética é a racionalização da moral.
Ensinou, então, Paulino Jacques (obra ciada, pág. 69) que “a Moral é, ao lado do Direito, parte da Ética- ciência da conduta – mas regula o mundo interior, o fórum internum, enquanto Direito, o mundo exterior – o fórum externum – na terminologia de Thomasius. A Moral origina-se da própria convivência dos homens, como imperativo de disciplinação de sua conduta perante o mesmo, ou mais claramente diante de sua consciência.”
Não se trata de crime de ameaça ou ainda incitação ao crime.
Tem-se o crime de ameaça.
Determina o artigo 147 do Código Penal:
Art. 147 – Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único – Somente se procede mediante representação.
Trata-se de crime comum, formal, de forma livre, comisso e excepcionalmente comissivo por omissão.
Ameaça significa procurar intimidar alguém, anunciando-lhe um mal futuro, ainda que próximo. Por si só, o verbo fornece clara noção do que seja o crime: ameaçar.
O objeto jurídico do crime é a liberdade individual, a paz de espírito, a segurança da ordem jurídica.
Trata-se de crime subsidiário, pois a ameaça é absorvida quando for elemento ou meio de outro delito.
Trata-se de delito formal e instantâneo. Como tal cabe falar em ameaça feita por comunicação telefônica. Pode ainda ser feita por desenhos, mensagens em e-mails, aplicativos Telegram etc.
Como observou Agnes Cretella (A ameaça, RT 470/301) a ameaça deve ser realizável, verossímil, não fantástica ou impossível. O mal prometido, segundo forte corrente, entende que o mal deve ser futuro, mas até iminente, e não atual. Só a ameaça séria e idônea configura o crime do artigo 147 do Código Penal, ainda que o agente não tenha a intenção de praticar o mal prometido. A ameaça deve provir de ânimo calmo e refletido (RTJ 54/604). Não constitui a proferida em estado de embriaguez. Não configura o crime a ameaça condicional ou retributiva. Porém, o Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo (RT 723/593), entendeu que a ameaça condicional não exclui o crime.
É dispensável que a ameaça chegue a conhecimento da vítima (RT 752/605).
O tipo subjetivo é o dolo na forma específica, na vontade livre e consciente de intimidar, finalidade esta que os autores veem como elemento subjetivo do tipo.
Somente se pune a ameaça quando praticada dolosamente. Não existe a forma culposa e não se exige qualquer elemento subjetivo específico, embora seja necessário que o sujeito, ao proferir a ameaça, esteja consciente do que está fazendo. Em uma discussão, quando os ânimos estão alterados, é possível que as pessoas troquem ameaças sem qualquer concretude, isto é, são palavras lançadas a esmo, como forma de desabafo ou bravata que não correspondem à vontade de preencher o tipo penal.
É crime de ação penal pública condicionada que exige a representação do indivíduo. É indispensável a representação ainda que tal conduta seja conexa a delito de ação penal pública incondicionada. Se a ameaça for a um casal, a representação de um não exclui a do outro (RT 538/368).
Não houve, para o caso tratado, do crime de incitação ao crime.
Art. 286- Incitar, publicamente, a prática de crime:
Pena – detenção, de 3 (três) a 6 (seis) meses, ou multa.
Os Códigos Penais de 1830 e 1890 eram omissos a respeito.
O crime, do que se lê pela pena, é de menor potencial ofensivo, razão pela qual há uma consciência de impunidade social nesse tipo de conduta.
Merecem ser estudadas as ocorrências na conduta, em redes sociais, de incitar (instigar, provocar, excitar), publicamente a prática de crime. A publicidade da ação é um pressuposto de fato, indispensável. Dela resulta a gravidade dessa conduta, que, de outra forma, seria apenas um ato preparatório impunível. Pública é a incitação quando é feita em condições de ser percebida por um número indeterminado de pessoas, sendo indiferente que se dirija a uma pessoa determinada. A publicidade implica na presença de várias pessoas ou no emprego de meio que seja efetivamente capaz de levar o fato a um número indeterminado de pessoas (rádio, televisão, cartazes, alto-falantes, a internet). A publicidade é a nota nesse ilícito que surge pela indeterminação nos destinatários.
Exige-se a seriedade na incitação que deve resultar das palavras e dos gestos empregados.
Como bem assevera Heleno Cláudio Fragoso (Lições de direito penal, Rio de Janeiro, Forense, volume II, 5ª edição, pág. 274), a tutela penal exerce-se com relação a paz pública, pois a instigação à prática de qualquer crime traz consigo uma ofensa ao sentimento de segurança na ordem jurídica e na tutela do direito, independentemente do fato a que se refere a instigação e as consequências que possam advir. No direito comparado, aliás, se tem o exemplo do Código Penal alemão (§ 111) que classifica este delito entre as infrações que constituem resistência ao poder público, de tal sorte a considerar como bem jurídico tutelado o poder público.
O crime de incitação, crime contra a paz pública, pode ser praticado por qualquer meio idôneo de transmissão de pensamento (palavra, escrito ou gesto). Não basta uma palavra isolada ou uma frase destacada de um discurso ou de um escrito. A incitação deve referir-se a prática de um crime (fato previsto pela lei penal vigente como crime) e não mera contravenção. Deve a incitação se referir a um fato delituoso determinado, exigindo o dolo genérico, sendo crime formal que se consuma com a incitação pública, desde que seja percebida ou se torne perceptível a um número indeterminado de pessoas, independentemente de qualquer outro resultado ou consequência da incitação.
O crime é formal e se consuma coma incitação pública que seja percebida ou se torne perceptível a um número indeterminado de pessoas independente de qualquer outro resultado ou consequência da incitação. É possível a tentativa quando se trata de incitação oral. Assim consuma-se o crime com a simples incitação, com a incitação pública (RT 718/378), mas repita-se: é indispensável, porém, que um número indeterminado de pessoas tome conhecimento da incitação, ainda que seja dirigida a pessoas determinadas.
O crime é de perigo presumido.
Se a pessoa instigada a praticar um crime vem efetivamente a praticá-lo, o instigador poderá responder por ele, como coautor, desde que a incitação tenha representação, tenha resultado um contingente causal na formação do propósito criminoso, como ensinou Heleno Cláudio Fragoso (obra citada, pág. 276).
Nessa hipótese, haverá a incidência de concurso material entre tal crime e o de incitação (artigos 29 e 69 do CP).
*É procurador da República com atuação no RN aposentado.
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