A taxa de incêndio

Taxa de Incêndio foi tema de disputa judicial no RN (Foto: Web/autor não identificado)

Por Rogério Tadeu Romano*

No ensinamento de Aliomar Baleeiro(Direito Tributário Brasileiro, 9ª edição), taxa é o tributo cobrado de alguém que se utiliza de serviço público especial e divisível, de caráter administrativo ou jurisdicional, ou o tem à sua disposição, e ainda quando provoca em seu benefício, ou ato seu, despesa especial dos cofres públicos.

Assim quem paga taxa recebeu serviço ou vantagem: goza da segurança decorrente de ter o serviço à sua disposição, ou, enfim, provocou uma despesa do poder público.

Assim é característico na taxa a especialidade do serviço.

Conclui ainda Aliomar Baleeiro que a taxa é sempre uma técnica fiscal de repartição de despesa com um serviço público especial e mensurável pelo grupo restrito de pessoas que se aproveitam de tal serviço, ou o provocaram ou o tem a seu dispor.

Vem a pergunta: É possível a cobrança de taxa(espécie de tributo) com relação a serviços potencialmente oferecidos?

Para Hector Villegas “esta atividade deve ser efetivamente prestada e não pode ser meramente potencial…”

Ora, a ilação que se teria é o que o pressuposto da taxa é relacionado com serviços inerentes à soberania estatal, em regime de exclusividade, não havendo possibilidade, consequentemente, de o sujeito passivo da obrigação tributária vincular-se com o serviço público senão usando-o.

Nessa linha de pensar, tem-se a lição de Dino Jarach, analisando o Modelo de Código Tributário para a América Latina, quando considerou inaceitável que a taxa se possa justificar por um serviço individualizado, porém, meramente potencial, acrescentando, ainda, que municípios da Argentina se apoiam neste argumento para justificar taxas arrecadadas por serviços não prestados.

Lembre-se que o Código Tributário Nacional exige expressamente que as taxas somente serão devidas quando o serviço público, de utilização compulsória, estiver potencialmente à disposição do contribuinte mediante atividade administrativa em efetivo funcionamento.

Aurélio Pitanga Seixas Filho(Taxa, doutrina, prática e jurisprudência, 1990, pág. 26) entendeu que “como é imprescindível, para a validade da taxa, que o serviço público compulsoriamente “prestado” ao contribuinte seja específico e mensurável, não me parece que a frequência com o serviço público compulsório fique, validamente, à disposição do usuário sem ser utilizado seja tão significa assim para merecer esta excepcionalidade, participar da definição da taxa, que seria o seguinte: “o tributo cujo fato gerador é uma prestação de serviço público, específico e divisível, usado compulsoriamente ou com exclusividade pelo contribuinte”.

Na matéria de taxa, ainda Aurélio Pitanga Seixas Filho(obra citada) conclui: a taxa se caracteriza or ser o seu fato gerador uma prestação de serviço público, especifico e divisível, usado compulsória e exclusivamente pelo contribuinte; quando o serviço prestado pelo Estado for utilizado voluntariamente, o seu regime jurídico não precisará ser o tributário, pois se trataria de preço público; o serviço público específico e divisível usado compulsória ou exclusivamente pelo contribuinte de uma taxa não é compatível com prestação potencial de serviço público, específico e divisível, colocado à disposição do usuário; para não se confundir com um imposto, a base de cálculo da taxa só pode levar em consideração o serviço prestado; a alíquota da taxa pode variar de acordo com a qualidade do serviço que é exigida pela atividade do contribuinte; a capacidade econômica do usuário do serviço público pode ser considerada para dimensionar a alíquota da taxa.

Fala-se ainda na taxa cobrada pelo exercício do poder de polícia.

A esse respeito, Aliomar Baleeiro(obra citada, pág. 316) dizia que as taxas fundadas no “exercício regular do poder de polícia” devem ser entendidas em primeiro lugar, aquelas com finalidade extrafiscal, como a de impedir ou restringir atividades que ameacem o interesse da comunidade. Em segundo lugar, as taxas para custear serviços com essa finalidade.

De toda sorte, calcadas ou não no poder de polícia, taxas se devem revestir sempre do caráter de contraprestação inerente a essa espécie de tributos.

Vem a pergunta: É constitucional a chamada taxa de incêndio?

No passado, o Supremo Tribunal Federal entendeu que é `”legítima a de vigilância e prevenção de incêndios de Judiai – SP”(RMS 16.997, Hermes Lima, RTJ 43/137).

Recentemente, no julgamento do AI – AgR 677891 – MG, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, DJe 071, divulgado em 16 de abril de 2009, ficou decidido que `”é legítima a cobrança da Taxa cobrada em razão da prevenção de incêndios, porquanto instituída como contraprestação a serviço essencial, específico e divisível.

Nessa linha de entendimento, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que a taxa de incêndio de Minas Gerais, instituída pela Lei Estadual nº 14.938/03, no RMS 21.280/MG é constitucional.

Por outro lado, há o entendimento de que o serviço prestado pelo corpo de bombeiros é um serviço de segurança pública(UTI universi) não podendo ser remunerado por meio de taxas.

Entende-se que o serviço do Corpo de Bombeiros faz parte do grupo segurança pública, que é um direito de todos, devendo ser custeado por imposto, tratando-se de serviço uti universi.

Nesse entendimento há uma Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4411, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil contra a Lei 14938, de Estado de Minas Gerais, que instituiu a implantação e cobrança da taxa de uso potencial do serviço de extinção de incêndio estadual. Nesse entendimento, o serviço de extinção de incêndio deve ser custeado pelo Estado por meio de impostos previstos no Orçamento e não de taxa.

Há decisões na Primeira Turma do Supremo Tribunal decidindo pela constitucionalidade da taxa enquanto que a Segunda Turma e o Pleno vêm admitindo a sua inconstitucionalidade.

Tem-se então decisões favoráveis a sua constitucionalidade: 

Embargos de declaração convertidos em agravo regimental. 2. IPTU: progressividade. O STF firmou o entendimento – a partir do julgamento do RE 153.771, Pleno, 20.11.96, Moreira Alves – de que a única hipótese na qual a Constituição – antes da EC 29/00 – admitia a progressividade das alíquotas do IPTU era a do art. 182, § 4º, II, destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana. 3. Taxa de Limpeza Pública: inconstitucionalidade: assentou o plenário do STF (RE 199.969, Galvão, DJ 6.2.98), que ela tem por fato gerador prestação de serviço inespecífico, não mensurável, indivisível e insuscetível de ser referido a determinado contribuinte. 4. Município de São Bernardo do Campo: legitimidade da taxa para cobrir despesas com extinção de incêndios: precedente: RE 206.777, 25.02.1999, Pleno, Ilmar Galvão, DJ 30.4.99.

(AI 408062 ED, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 13/06/2006, DJ 04-08-2006 PP-00055 EMENT VOL-02240-05 PP-00925)

AGRAVO REGIMENTAL. MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. TAXA DE COMBATE A SINISTRO. ALEGADA OFENSA AO INCISO II E AO § 2º DO ART. 145 DO MAGNO TEXTO. Ao julgar o RE 206.777, o Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu a legitimidade da cobrança da taxa em referência, uma vez que destinada a cobrir despesas com a manutenção dos serviços de prevenção e extinção de incêndios, atividade estatal que se traduz em prestação de utilidade específica e divisível, cujos beneficiários são suscetíveis de referência. Precedentes: RE 369.627 e os AIs 473.184, 470.127 e 467.963. Agravo desprovido. (AI 551629 AgR, Relator(a):  Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 25/04/2006, DJ 08-09-2006 PP-00037 EMENT VOL-02246-05 PP-01015)

 Município de Santo André: inconstitucionalidade da taxa de limpeza pública, por ter como fato gerador prestação de serviço não específico nem mensurável, indivisível e insusceptível de ser referido a determinado contribuinte; legitimidade da taxa de segurança, exigida para cobrir despesas com manutenção dos serviços de prevenção e extinção de incêndios: precedente: RE 206.777, 25.02.1999, Pleno, Ilmar Galvão, DJ 30.4.99. RE provido, em parte. (RE 247563 AgR, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 28/03/2006, DJ 28-04-2006 PP-00018 EMENT VOL-02230-03 PP-00572)

Município de São Bernardo do Campo: legitimidade da taxa para cobrir despesas com extinção de incêndios: precedente: RE 206.777, 25.02.1999, Pleno, Ilmar Galvão, DJ 30.4.99. (Primeira Turma, AI 408062-ED, j. em 13.06.2006, relator o Senhor Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE)

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TAXA DE UTILIZAÇÃO POTENCIAL DO SERVIÇO DE EXTINÇÃO DE INCÊNDIO. LEI N. 6.763/75. 1. É legítima a taxa de segurança pública instituída pela Lei mineira n. 6.763/75, com a redação que lhe foi conferida pela Lei n. 14.938/03, devida pela utilização potencial do serviço de extinção de incêndio. Precedente. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 473611 AgR, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 19/06/2007, DJe-072 DIVULG 02-08-2007 PUBLIC 03-08-2007 DJ 03-08-2007 PP-00115 EMENT VOL-02283-06 PP-01177)

AGRAVO REGIMENTAL. MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. TAXA DE COMBATE A SINISTRO. ALEGADA OFENSA AO INCISO II E AO § 2º DO ART. 145 DO MAGNO TEXTO. Ao julgar o RE 206.777, o Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu a legitimidade da cobrança da taxa em referência, uma vez que destinada a cobrir despesas com a manutenção dos serviços de prevenção e extinção de incêndios, atividade estatal que se traduz em prestação de utilidade específica e divisível, cujos beneficiários são suscetíveis de referência. Precedentes: RE 369.627 e os AIs 473.184, 470.127 e 467.963. Agravo desprovido. (AI 551629 AgR, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 25/04/2006, DJ 08-09-2006 PP-00037 EMENT VOL-02246-05 PP-01015)

Por outro lado, nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade 1942/PA e 2424/CE o entendimento foi outro.

A matéria está sujeita ao regime de repercussão geral, a teor da RE 561158 – MG, admitida em 10 de novembro de 2007.

 Observe-se que no julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2424 – 8 –  CE, entendeu=se que tal atividade somente pode ser sustentada por meio de impostos.

Parece-me, data vênia, ser esse o melhor entendimento.

Assim tem-se que no julgamento da ADIN 1.942, Relator Ministro Moreira Alves, onde se deixou assente que tal atividade só pode ser sustentada pelos impostos, e não por taxa, se for solicitada por particular para sua segurança ou para a de terceiros a titulo preventivo, ainda que essa atividade decorra de evento aberto ao público(ADI(MC) 1942, DJ de 22 de outubro de 1999.

Tal orientação era ainda expressa no julgamento da Rp 992 – AL, relatada por Thompson Flores(DJ de 1 de julho de 1980).

Sendo assim não se pode conceber a instituição de taxa que tenha por fundamento o poder de policia exercido por órgãos da Administração compreendidos na noção de segurança pública, pois ´o dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercido objetivando a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio(artigo 144 da Constituição)

Há no Supremo Tribunal Federal, Embargos de Divergência no Ag. Reg. no RE 473611, onde se questiona a taxa de segurança pública instituída pela Lei Mineira 6763/75, com a redação que lhe foi dada pela Lei 14938/03, devida pela utilização potencial do serviço de extinção do incêndio.

Na matéria citada como nas demais deve-se ter em conta da impossibilidade de ente estatal exigir cobrança de taxa para custear atividade relacionada à segurança pública, gênero no qual se inclui a espécie “extinção de incêndios”. Há, sem dúvida, ausência dos requisitos da especificidade e da divisibilidade, haja vista beneficiar toda a coletividade de maneira indistinta.

Destaco, por fim, que, ao julgar procedente Ação Direta de Inconstitucionalidade, na sessão plenária do dia 9 de setembro do corrente ano, o Tribunal de Justiça do RN declarou inconstitucional a instituição, em favor do Corpo de Bombeiros Militar, de taxa anual de prevenção e combate a incêndios, busca e salvamento em imóveis localizados na região metropolitana de Natal e no interior do estado, assim como da taxa anual de proteção contra incêndio, salvamento e resgate em via pública para veículos automotores. Os valores seriam revertidos para o Fundo Especial de Reaparelhamento do Corpo de Bombeiros Militar do RN (Funrebom).

Segundo a posição do relator da ADI, desembargador Vivaldo Pinheiro, por se tratarem de atividades específicas do Corpo de Bombeiros Militar, a prevenção e combate a incêndio e a realização de busca e salvamentos não podem ser custeados pela cobrança de taxas, devendo ser custeadas pela receita obtida pela cobrança de impostos, conforme vem decidindo o Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a matéria.

Para o Ministério Público Estadual, autor da Ação Direta de Inconstitucionalidade, os serviços inseridos nos itens 1, 2 e 6 deveriam ser custeados através de impostos, por serem colocados à disposição, indistintamente, de toda a coletividade e, não, por meio de taxas, que se predestinariam ao custeio do exercício do poder de polícia e da prestação de serviços caracterizados pela especificidade e pela divisibilidade.

Assim, o Pleno do TJRN declarou inconstitucionais, com efeitos retroativos, os itens 1, 2 e 6 do Anexo Único da Lei Complementar Estadual nº 247/2002, com a redação dada pela LCE nº 612/2017, os quais instituíram a cobrança das taxas.

Em especial, para o Rio Grande do Norte, há uma decisão com efeitos erga omnes, que impede a cobrança dessa exação.

Para o caso, deverá ser discutida preliminar de ilegitimidade ativa ad causam, que poderá determinar a extinção daquela ação por carência de ação. Isso porque é incabível a legitimidade do Ministério Público para discutir, como autor, matéria tributária, em ação civil coletiva.

O Supremo Tribunal Federal reafirmou a jurisprudência no sentido de que o Ministério Público não tem legitimidade processual para requerer, por meio de Ação Civil Pública, pretensão de natureza tributária em defesa dos contribuintes, visando questionar a constitucionalidade de tributo. A decisão da corte ocorreu por maioria dos votos e teve repercussão geral reconhecida. A deliberação foi por meio do Plenário Virtual.

Segundo o relator, ministro Luiz Fux, a matéria sob exame há muito tempo vem sendo objeto de discussão no âmbito do Supremo. Por isso, segundo ele, há necessidade de pronunciamento definitivo da corte quanto à existência de repercussão geral do tema, por entender que ultrapassa os interesses subjetivos da causa.

O ministro salientou que a jurisprudência da corte pacificou entendimento segundo o qual “falece ao Ministério Público legitimidade ativa ad causam para deduzir em juízo pretensão de natureza tributária em defesa dos contribuintes, visando a questionar a constitucionalidade/legalidade de tributo”. Ele citou como precedentes os REs 206.781, 559.985, 248.191, 213.631 e o Agravo de Instrumento (AI) 327.013.

“Tenho, pois, que o tema constitucional versado nestes autos é relevante do ponto de vista econômico, político, social e jurídico, pois alcança uma quantidade significativa de ações em todo o país”, ressaltou o relator. Ele se manifestou pela existência de repercussão geral e pela reafirmação da jurisprudência sobre o tema e foi acompanhado pela maioria dos votos.

De acordo com o artigo 323-A do Regimento Interno do STF (atualizado com a introdução da Emenda Regimental 42/2010), o julgamento de mérito de questões com repercussão geral, nos casos de reafirmação de jurisprudência dominante da corte, também pode ser por meio eletrônico.

Aguardemos os próximos passos que devem ser dados a partir de recurso da Procuradoria Geral do Estado, ente legitimado para tal, naquela ação de inconstitucionalidade.

*É procurador da república (com atuação no RN) aposentado.

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Reportagem especial

Canal Bruno Barreto