Bolsonaro é um ditador em potencial

Bolsonaro ameaça a democracia (Foto: Adriano Machado/REUTERS)

Já se tornou clichê escrever sobre o processo político atual no Brasil citando o livro “Como as Democracias Morrem”, mas o que estamos vendo em curso no país é exatamente o que é descrito na obra de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt.

O processo de ruptura das democracias passa pela quebra das regras não escritas da democracia e o presidente Jair Bolsonaro quebrou várias delas e pelo menos duas criaram as condições para que ele flerte diariamente com o golpismo: 1) o fim da nomeação do procurador-geral da república a partir de uma lista de tríplice elaborada numa eleição entre seus pares; 2) o não envolvimento dos militares na política.

Nada disso está escrito em lei, mas eram ritos fundamentais da nossa democracia.

Outro ponto descrito na obra é a omissão das instituições democráticas e das elites. Tudo isso aconteceu sem grandes reações de quem tem poder e influência para conter os arroubos do presidente.

Quem leu este livro sabe que o roteiro está sendo escrito à risca. Naturalizamos o retorno dos militares à política quase que nos moldes do pré-1964. Aceitamos, porque a lei permite, o retrocesso no modelo de nomeações da PGR. O resultado é que hoje Bolsonaro se sente protegido para atacar diariamente a democracia porque tem um procurador-geral submisso e a parceria das forças armadas.

Isso sempre foi uma possibilidade real. Bolsonaro pode ser acusado de tudo, menos de ter nos enganado neste aspecto. Ele sempre deixou seus desejos golpistas expostos e muitos que acreditavam em lendas como “kit gay” não foram capazes de perceber o que realmente estava diante de si.

Hoje teremos um espetáculo deprimente da presença de tanques de guerra na porta do Palácio do Planalto durante a votação na Câmara dos Deputados da proposta do voto impresso. Diga-se de passagem, a apreciação nem deveria acontecer em plenário. É que em outra regra não escrita de nossa tradição democráticas propostas rejeitadas em comissões especiais não são levadas ao plenário.

A Marinha e o Ministério da Defesa alegam que a Operação Formosa é realizada desde 1988, mas esta é uma meia verdade. A operação nunca fez parte da rotina política do país, nunca entrou no coração do poder em Brasília e nunca coincidiu com o momento de uma votação de uma matéria de interesse do presidente.

Ignorar isso é coisa para fanático ou burro. Se bem que fanatismo e burrice estão sempre de mãos dadas.

Há quem diga que Bolsonaro apela aos tanques por estar enfraquecido politicamente, mas são justamente os fracos que apelam ao uso da força na política. Se os militares tivesse força para derrotar João Goulart no voto eles não teria dado um golpe de estado.

E foi justamente num dos últimos capítulos da ditadura militar que tivemos tanques circulando nas ruas de Brasília em dia votação importante. Era justamente o General Newton Cruz, um dos ídolos de Bolsonaro, quem estava liderando a intimidação contra os deputados que votavam a Emenda Dante de Oliveira que visava devolver pela via institucional aquilo que os militares nos tiraram pela força das armas: o direito de votar para presidente.

A população duvidar de um processo golpista quando ele está no curso também está no roteiro dos golpes que se impõe na força. João Goulart tinha certeza que não seria apeado do poder se confiando num dispositivo militar que lhe apoiava.

Aqui recorro a outro livro fundamental para entender os problemas de hoje: “O Povo Contra a Democracia” de Yascha Mounk que mostra ser fundamental para o golpista ter uma parcela da sociedade que não tem apreço pelos valores democráticos e não Brasil não falta esse ingrediente dos ressentidos que Bolsonaro acalenta todos os dias.

Não sei se tudo isso ainda é suficiente para ter golpe que se consolide. Bolsonaro tem o apoio dos militares? Acho que tem. Os militares nunca adotaram publicamente uma postura decente contra o golpismo do presidente. Ele tem o apoio do “centrão”? Para reformas antipovo creio que sim, mas para derrubar a democracia é outra história. E as elites empresariais? Tenho minhas dúvidas sobre o real apreço à democracia no baronato nacional.

O grande entrave a meu ver é a conjuntura internacional.

Bolsonaro teme as eleições, teme sair do poder derrotado por Lula, teme sofrer um impeachment, teme que ele ou os filhos sejam presos…

É do seu medo e da sua fraqueza política que emerge o desejo de dar um golpe de estado empurrando o Brasil num caos maior.

Temos um presidente que tem na democracia a sua maior adversária e por isso ele é um ditador em potencial.

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Reportagem especial

Canal Bruno Barreto