Carta a um amigo em outra dimensão – escrita às 02:44

Foto: cedida

Por Fabiano Morais*

E ai zé, tudo bem? Hoje faz uma semana que nos falamos, daquele jeito que não é o melhor que a gente gostava, ao vivo. Foi pelo whatsapp, mas também pudera. Já era 2:44 da madrugada. Lembra que você disse? “Fabiano, já subi o segundo episódio do Sou Chorinho”; E ainda disse outra coisa: “Sim, falta passar um áudio de um grupo do carimbó”. Fomos dormir. Você, acredito que estava com alguma dor, mas sempre escondia né Zé? Pois não é que 08h me acordam dizendo que você estava passando mal na TV e que eu fosse pra lá. Fiquei assustado e por incrível que pareça imaginei logo que seria um infarte. Lembrei da minha irmã Josiane, que em abril desse ano, teve algo semelhante e também não conseguiu ficar nesse plano terreno. Partiu, assim como você, amigo.

E quero te contar como foi a partir do momento que cheguei. Você sabe que me emociono e choro sem ressalvas. Entrar por aquele portão da reitoria, com uma ambulância na porta e vários colaboradores da universidade no pátio, com olhares atônitos e meio que se perguntando como seria minha reação por saberem da nossa ligação, foi bem difícil pra mim. Difícil é uma palavra branda, como poeta que você é e sabe. Era muito mais o eu que sentia. Sentia que a gente não poderia mais planejar viagens e projetos para o Canal Futura. Sentia que não poderíamos falar mais de futebol e do seu sofrível Vasco (perdoa-me amigo), mas ultimamente até você me dizia. Rsrsrsr. Sentei naquele banco, Zé e comecei a refletir, assim como a gente fazia de vez em quando, falando sobre o sopro que é a vida. No Pará, onde estávamos até 3 dias antes dessa enorme dor que sentiu no coração, lembra de umas dores no estômago que você comentava, timidamente, comigo e Plínio, nosso amigo de filmagens? Pois é Zé. Eram os sinais do tal infarto, que você bem conhecia, afinal era nosso “professor” de histórias que envolviam anatomia e funcionalidades do corpo humano. As aulas de educação física e suas leituras fizeram você saber muito sobre o assunto.

Você não estava tão bem em Belém, como estava no Rio, em abril, ou em Minas Gerais, em janeiro, períodos que fomos gravar outras séries. Até entendo hoje seu jeito. Você não queria dizer que estava doente pra gente não parar as gravações. Mas, voltamos de viagem. Você pode rever seu grande e companheiro amigo de todas as horas, TOM. Mais que um cão, sei que ele era seu filho. Um completava o outro. E como era bonita essa relação. Até eu que tenho medo de cachorro fiquei amigo de TOM e o abraçava quando a gente ia editar na sua casa. Você também teve tempo de curtir seu sobrinho-filho, Paulinho, a esposa dele e sua sobrinha-neta. Estava feliz. Porém, talvez nem tanto, porque a tal dor no estômago continuava a persistir. Eis que depois que falamos virtualmente, você vai dormir e acorda cedo. Dormiu pouco, como sempre fazia ultimamente.

Chegando na UERN TV, onde você iria começas a arrumar o jornal de todas as quartas, ao vivo. E olha que coincidência. Sua última reportagem na TV foi sobre a profissão de coveiro. Iria ao ar no fatídico dia. Quando você chega no Master, diz a nosso amigo e colega de trabalho, Cícero Pascoal, que estava meio baqueado, que o coração não tinha amanhecido muito bom. Foi fumar em seguida, como de costume. Mas dessa vez, com uma diferença: num lugar não habitual e sentado. Acho que já era a dor né Zé? Quando volta para a TV, nosso local de trabalho, por volta de 07:20, você cai bem no meio de nossa redação, onde já falamos muito sobre televisão, jornalismo… onde você cantava direto, tomava café e contava causos do sertão. Lembra da queda amigo? Talvez não, porque a dor deve ter sido grande. A nossa estagiária, Clara, estava de costas. Imagina Zé. Ela teve aquele susto. E quem não teria? Ver aquela pessoa que tanto amamos e admiramos em uma situação completamente diferente e em perigo. Ela chamou pessoas que passavam e foram tentar te levantar e deixar no sofá.  Não deu certo. A sua passagem para o plano espiritual estava confirmada. O médico do SAMU veio em seguida, além de vários alunos e profissionais da Faculdade de Enfermagem, que você tanto tinha filmado, vieram em socorro. Morte terrena confirmada e desespero de amigos e parentes e colegas de UERN. Sabe como é ne Zé? Quem está preparado para esses momentos? Ninguém, claro. O desespero era normal.

Logo, as rádios e sites começam a divulgar a notícia do repórter cinematográfico, Zenóbio Oliveira. Que ironia hein amigo? Em vez de dar a notícia, você foi a notícia. Não gostamos disso, mas era o jeito. E te digo mais. Foi uma comoção geral na cidade e na região, onde muitos de seus amigos e conhecidos moram. Dali em diante, amigo, comecei a orar e pedir a Deus que o conduzisse para um bom lugar. As orações eram intercaladas, com avisos para nossos amigos e, com choro. Como não chorar numa hora dessa? Eu que nunca vi você chorar, até acho que você choraria. Não é fácil amigo. A reitora Cicília, que você tanto a cumprimentava por chegar cedo, estava desolada, assim como quase todos que ali se encontravam. Bianca, a psicóloga, tentava erguer o emocional de todos, ou pelos controlar. Fiquei lá até serem realizados aqueles procedimentos. Ver seu corpo dentro de um caixão saindo pela porta da redação que tanto gostamos foi uma das imagens mais tristes que meus olhos poderiam registrar. Não há cartão de memória que caiba essa filmagem mental.

Mas, como bom escritor que sempre foi, te digo uma coisa amigo. Mesmo num momento como esse me arrisco a dizer que foi um roteiro que você mesmo escreveria, um final dessa forma, para uma de suas histórias. De um homem que gostava de fumar e amava TV e redação. Antes da partida, fumou e teve seus últimos respiros dentro de uma redação de TV. Simbólico demais, hein Zé? Você faria muitas crônicas sobre. Só teria dificuldades para cobrir com imagens, afinal ter imagens tua era meio raro. Você preferia filmar as pessoas. E como fazia isso com dignidade e técnica. Além disso, ensinou a muitos alunos e profissionais a sensibilidade para poder captar coisas e pessoas. A contar histórias pelas lentes de uma câmera. Era um talento reconhecido por todos que o conheciam ou que apenas liam seu nome nos créditos das produções.

Sobre nossos trabalhos que estavam em andamento vou te informar para ficares tranquilo. Danilo, seu eterno aluno e admirador, vai concluir a Série Sou Chorinho. Adriano vai filmar a Série do ENEM e editar o Carimbó. Estela, sua admiradora e discípula dos ensinamentos de edição e filmagem, vai editar o documentário das mulheres avicultoras de Boa Viagem, no Ceará. Tudo será cuidadosamente trabalhado para não te decepcionar. Sei que onde estiver, suas vibrações servirão para inspirar eles a fazerem como você fazia, com técnica, zelo e muito amor.

Quero te dizer, ainda, que no final da tarde fomos para aquela parte chata e difícil, mas que é necessária pela nossa cultura: o tal do velório Zé. Eita negócio doloroso, meu amigo. Até li um poema do seu livro Verbo Sertanejo. Ah. Claro que você viu. O que estava inerte era corpo físico que temos e que se acaba rapidamente. Mas sua alma estava e está muito viva. Amigos e conhecidos passaram por lá pra se despedir fisicamente do velho Zenóbio. Velho no nosso linguajar de guerra, porque 59 anos, convenhamos amigo, não é ser velho, é ser rodado e experiente.

Depois, o destino era Governador Dix-Sept Rosado, que você tanto exaltou durante toda sua vida terrena. O Sítio Aguilhadas, tão relatado em suas histórias escritas e orais, o aguardava. Mais um momento de intensa dor para sua mãe, uma sertaneja forte e guerreira, de 88 anos. No outro dia, as homenagens seguiram na Igreja Matriz de sua querida cidade. Até que chega aquela hora que a gente nunca gostou de ver: o tal do enterro. Sempre comentávamos. Mas tinha que seguir. Estagiários e sua amiga de rotina, Rosalba, estavam lá. Nem precisa dizer como todos da TV estavam, amigo. Com sua gigantesca inteligência, já sabe.

E aqui seguimos. Eu, por exemplo, tenho lembrado muito de nossas viagens e das comidas rsrsrs. Como tu gostava de uma boa comida sertaneja, Zé. Que aí em cima, Zé, tu possa continuar inspirando essa turma que tanto te admirava. Fazer as próximas produções não serão fáceis sem tua presença. Mas, nesse momento em que choro ao escrever essas simples palavras, quero te dizer, grande amigo: vou continuar fazendo o que sempre idealizamos: o bom jornalismo e as boas histórias para contar, através das lentes de uma câmera e de um microfone. Até breve amigo. Um dia todos estaremos no mesmo lugar.

Mossoró, 19 de Julho de 2023.

*É jornalista e professor de jornalismo da UERN.

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