Categorias
Artigo Coluna

Jurisprudencialmente evoluindo

Marcelo Alves Dias de Souza

Como o direito de um país evolui ou se desenvolve?

Não estou falando dos fatores sociais, políticos, ideológicos, econômicos etc., fontes materiais do direito, que, sem dúvida, condicionam a evolução do sistema jurídico/legal de qualquer país. Indago sobre a forma como esses sistemas jurídicos são alterados/aperfeiçoados. Correndo o risco de ser redundante ou de enfatizar o óbvio, anoto: os sistemas jurídicos/legais são normalmente aperfeiçoados por mudanças na sua legislação (em sentido lato). Desde a respectiva Constituição (seu mais relevante documento legal), passando pela lei em sentido estrito e indo até os atos normativos ditos secundários, como os decretos, resoluções, portarias etc.

Num mundo ideal, que não existe, teríamos a legislação sempre evoluindo na medida em que “evoluíssem” (às vezes para pior, admito) as condições/realidade de dado país. Mas a coisa não se dá sempre assim. Não vivemos num mundo ideal. O legislador tem suas limitações. As políticas, por óbvio. E as naturais: ele não consegue mesmo acompanhar as mudanças na Terra Redonda (o mundo, como se diz por aí, não gira, capota); nem também conseguiria, se tudo fosse estático, disciplinar a infinita casuística dos fatos. Está sempre um passo ou fato aquém.

Um sistema jurídico que condicionasse sua evolução a alterações na sua legislação seria próximo de estático ou teria um desenvolvimento lentíssimo, tomado o termo desenvolvimento como a alteração da regra jurídica para atualizá-la às mudanças de valores, ao progresso da ciência etc. Mostrar-se-ia a todo instante anacrônico, para usar de um termo da moda.

Não resta dúvida de que, sob condições sociais em alteração, com áreas do direito para as quais a legislação não tenha sido atualizada, atribuir valor sagrado à legislação seria um formalismo exagerado e uma ofensa à equidade (no sentido do mais justo). Precisamos, sim, de outros mecanismos para sincronizar o sistema jurídico com essas alterações. O principal “mecanismo” do qual podemos lançar mão, o mais eficaz certamente, assim nos ensina a ciência política (não vamos agora inventar a roda), é a jurisprudência, entendido este termo como o conjunto de decisões proferidas pelo Poder Judiciário na interpretação dos diversos temas jurídicos de ontem e de hoje. É fato: a evolução ou câmbios de jurisprudência são bem mais comuns – pelo menos, normalmente, sem exageros, devem ser – que as alterações na lei.

E é fato também: tem sido a jurisprudência – mesmo tão atacada, justa ou injustamente –, na interpretação da Constituição e da legislação como um todo, que nos tem dado, em muitos casos, a necessária sincronia entre o nosso sistema jurídico e a realidade que nos cerca. Na verdade, como explica Andrés Ollero Tassara (em “Igualdad en la aplicación de la ley y precedente judicial”, Centro de Estudios Constitucionales, 1989), “a sucessão de paradigmas interpretativos na aplicação de idêntico texto legal vem exigida pela história da realidade social e jurídica, constituindo uma exigência da justiça”. Muito embora, evitando exageros, “para garantir a justiça e – subsidiariamente – preservar a segurança jurídica, o juiz tem de apresentar uma fundamentação objetiva e razoável. Deverá fazê-lo em todos os casos em que mude de critério interpretativo diacronicamente, diferentemente do legislador, cujo relacionamento direto com a soberania popular faz presumir legítima qualquer mudança normativa, devendo justificar tão-somente as mudanças que impliquem um tratamento sincrônico desigual entre os cidadãos”.

Assim o dizem Roberto Rosas e Paulo Cezar Aragão (“Comentários ao Código de Processo Civil”. v. 5, RT, 1998): “Indubitavelmente a jurisprudência tem se antecipado às legislações na solução dos conflitos de interesses. Não poderia ser de outra forma porque a legislação é mais estática do que o juiz. A letra da lei perpetua-se, esperando a interpretação judicial quando suscitada nas controvérsias. No entanto, a evolução da sociedade é surpreendente. As relações humanas cada vez mais intensas impõem o chamamento judicial aos debates nos litígios, substituindo o código que, às vezes, tem contra si a revolta dos fatos na expressão de Gastão Morin. Mas o juiz não pretenderá ser o legislador, apagar os escritos legais, substituindo-os, mas sim adaptá-los à realidade, ao tempo e ao caso porque é impossível imaginar-se a lei solvendo todas as questões, as pendências, as dúvidas, no vasto emaranhado das interações sociais. Não foi sem razão a perspicaz nota de Seabra Fagundes sobre a posição do juiz brasileiro na aplicação do Direito, concorrendo para o aprimoramento do Direito como condição de paz e de justiça entre os homens. Aplicando a lei, adequando-a à utilidade social e ao bem-estar do indivíduo”.

Aí citei, mesmo que indiretamente, Seabra Fagundes. E o conterrâneo sabia das coisas.

*É Procurador Regional da República e Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

Categorias
Artigo Coluna

Um ato terrorista

Rogério Tadeu Romano*

Em preocupante informação, o site do jornal O Globo, em 12/12/2022, assim noticiou:

“Um grupo de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro tentou invadir a sede da Polícia Federal, em Brasília, e incendiou dezenas de carros e pelo menos cinco ônibus na noite desta segunda-feira em protesto contra a prisão de um indígena que participava de manifestações antidemocráticas. A polícia precisou usar balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo, para tentar dispersar os manifestantes. O grupo revidava atirando paus e pedras em direção aos policiais. Ao menos uma pessoa ficou ferida no confronto.”

O Blog do Noblat noticia grave situação de atos de terrorismo no Brasil após a derrota do atual presidente da República nas eleições presidenciais de 2022.

Em artigo intitulado do golpismo ao terrorismo, publicado no site de notícias Metrópoles, em 13/12/2022, assim afirmou:

““A ordem é prender os vândalos”, anunciou no meio da noite de ontem o governador Ibaneis Rocha (MDB), do Distrito Federal. Mas até o início da madrugada nenhuma prisão ocorreu, e cerca de 200 bolsonaristas radicais permaneciam aglomerados defronte a um prédio da Polícia Federal na área central de Brasília”.

A gravidade dessa conduta deve ser objeto de análise.

A Enciclopédia Britânica assim falou sobre o terrorismo:

Uso sistemático de violência para criar um clima de medo generalizado numa população e dessa forma atingir um determinado objetivo político. O terrorismo tem sido praticado por organizações políticas tanto de direita quanto de esquerda, por nacionalistas e grupos religiosos, e por instituições do Estado como Forças Armadas e policiais.

A Lei 13.260, de 16 de março de 2016, define o que é crime de terrorismo:

Art. 2o O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.

§ 1o São atos de terrorismo:

usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa;

Os atos preparatórios são considerados criminosos para efeito da lei de Terrorismo.

Art. 5o Realizar atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de consumar tal delito:

Pena – a correspondente ao delito consumado, diminuída de um quarto até a metade.

§ lo Incorre nas mesmas penas o agente que, com o propósito de praticar atos de terrorismo:

I – recrutar, organizar, transportar ou municiar indivíduos que viajem para país distinto daquele de sua residência ou nacionalidade; ou

II – fornecer ou receber treinamento em país distinto daquele de sua residência ou nacionalidade.

§ 2o Nas hipóteses do § 1o, quando a conduta não envolver treinamento ou viagem para país distinto daquele de sua residência ou nacionalidade, a pena será a correspondente ao delito consumado, diminuída de metade a dois terços.

Os atos preparatórios, que o direito penal geralmente não tipifica como crime estão como tal inseridos na lei.

O terrorismo é um fenômeno internacional e o Brasil não está livre dele.

Na perda de cidades, na Síria e no Iraque, numa área que chamariam de califado, o Estado Islâmico está partindo para outras condutas mais graves, como o atentado recente em aeroporto na Turquia e uma área de recreação na França.

Necessário um amplo trabalho de inteligência para detectar essa atividades francamente nocivas a todo o corpo social.

Trata-se de um crime formal, de perigo.

O elemento subjetivo é o dolo.

É o dolo direto ou indireto (eventual ou alternativo) (quando assumido o risco de expor a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública) de praticar atos de terrorismo. Podem ser de dano (destruição, sabotagem, atentado contra a vida) ou de perigo abstrato (porte de explosivos, agentes químicos). Conjuga-se o caput com o parágrafo 1º do artigo 2º.

A tentativa é possível em algumas hipóteses, desde que o agente inicie a execução do ato terrorista, mas não consiga concluir a conduta típica. Em tal hipótese, deve ser aplicada a regra do art. 14, parágrafo único, do CP, que prevê redução da pena de um terço até dois terços.

O delito será imprescritível quando for praticado por grupo armado, civil ou militar, e visar abalar a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, XLIV, CF).

Durante as investigações poderemos ter a decretação de prisão preventiva(artigo 312 do CP) ou prisão temporária(Lei 7960/89).

Penso que, para o caso narrado, houve um crime de terrorismo.

Disse bem Wálter Maierovitch, em depoimento ao UOL:

“”Essas manifestações seguem a matriz terrorista. Manifestações black blocks terminam na ação e no dano causado. Mas esses casos que estamos assistindo seguem a matriz terrorista porque existe uma meta direta – que é criar intranquilidade, incendiar e causar dano – e uma segunda meta indireta, que é impedir a posse do presidente eleito. É atuar antidemocraticamente. Isso se caracteriza em terrorismo, que foi o que a gente assistiu”, afirmou Maierovitch”.

O chamado movimento antidemocrático de apoio ao atual presidente passa dos atos de protesto, dentro de golpismo, ao terrorismo, um grave crime cometido contra a sociedade.

Quem financia esses atos? A mando de quem agem? Há conduta criminosa do atual presidente atuando como coautor ou partícipe desses atos criminosos? Quais agentes do atual governo agem por omissão para permitir a prática de tais atos? É urgente que se respondam a tais perguntas e se tomem providência voltadas para a responsabilização criminal e civil.

O Anteprojeto do Código Penal prevê, em seu artigo 239, o crime de terrorismo, como crime contra a paz pública, com a seguinte redação: Causar terror na população mediante condutas descritas nos parágrafos deste artigo quando: tiverem por fim forçar autoridades públicas nacionais ou estrangeiras, ou pessoas que ajam em nome delas, a fazer o que a lei não exige ou deixar de fazer o que a lei não proíbe; tiverem por fim obter recursos para a manutenção de organizações políticas ou grupos armados, civis ou militares, que atuem contra a ordem constitucional e o estado democrático de direito; forem motivadas por preconceito de raça, cor, etnia, religião, nacionalidade, sexo, identidade ou orientação sexual, por razões políticas, ideológicas, filosóficas ou religiosas. Ainda seria crime de terrorismo: sequestrar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa; incendiar, depredar, saquear, explodir ou invadir qualquer prédio público ou privado; interferir, sabotar ou danificar sistemas de informática e bancos de dados ou sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com grave ameaça ou violência a pessoas, do controle, total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meios ou comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia e instalações militares, com pena prevista de oito a quinze anos de prisão, além das sanções correspondentes á ameaça, violência, dano, lesão corporal ou morte, tentadas ou consumadas, que viriam em concurso material.Há uma forma qualificada prevista no Anteprojeto, no parágrafo sexto, que retrata conduta praticada pela utilização de arma de destruição em massa ou outro meio capaz de causar grandes danos, com pena de prisão de doze a vinte anos, além das penas correspondentes a ameaça, violência, dano, lesão corporal ou morte, tentadas ou consumadas.

São ainda crimes ali previstos: financiamento do terrorismo (oferecer ou receber, obter, guardar, manter em depósito, investir ou de qualquer modo contribuir para a obtenção de ativos, bens e recursos financeiros com a finalidade de financiar, custear ou promover a prática do terrorismo, atos relativos a este não venham a ocorrer, que se trata de crime formal e de perigo abstrato); favorecimento pessoal no terrorismo (dar abrigo ou guarida a pessoa de quem se saiba ou se tenha fortes motivos para saber, que tenha praticado ou esteja por praticar crime de terrorismo, crime de fusão, formal). No entanto, o Anteprojeto estabelece, para este último tipo penal, como forma de escusa absolutória, forma de exclusão da punibilidade, se o agente for ascendente ou descendente em primeiro grau, cônjuge, companheiro estável ou irmão da pessoa abrigada ou recebida. Tal escusa não alcançaria os partícipes, que não ostentem idêntica condição.

No Projeto do Senador Jucá as penas são mais pesadas, podendo variar de quinze a trinta anos de reclusão.

O terrorismo é o uso de violência, física ou psicológica, através de ataques localizados a elementos ou instalações de um governo ou da população, destinado a incutir medo, terror, com o objetivo de obter efeitos psicológicos que ultrapassem o círculo das vítimas.

Listam-se cerca de 16 (dezesseis) tratados internacionais que acabaram por constituir o regime global de repressão ao terrorismo. A isso se somaram diversas resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas a respeito da Al Quaeda e do Talibã. Penso que tal regime se aplica ao Brasil, pois é Estado parte dos tratados e membro da ONU, aplicando-se, sempre, o princípio da boa-fé, essencial na interpretação dos tratados, do que se lê da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, adotada em 22 de maio de 1969, que codificou o direto internacional consuetudinário referente aos tratados, entrando em vigor em 27 de janeiro de 1980. Aliás, o Brasil é parte da Convenção de Viena desde 25 de outubro de 2009, aceitando os princípios do livre consentimento, da boa-fé e da norma pacta sunt servanda.

Mo entanto, o próprio Anteprojeto, de forma salutar, no parágrafo sétimo do artigo 239, exclui o crime, apresenta forma atípica, quando há conduta individual ou coletiva de pessoas movidas por propósitos sociais ou reivindicatórios, dentro do âmbito da normalidade social, desde que os objetivos e meios sejam compatíveis e adequados à sua finalidade. Assim, quem desvirtuar esse sentido de manifestação deve ser enquadrado nos crimes previstos no Código Penal, como incêndio, dano, inclusive o qualificado, outros crimes contra a incolumidade pública, homicídios, sejam dolosos ou culposos, lesões corporais, dolosas ou culposas, e, ainda, se for o caso, a lesão corporal grave ou gravíssima seguida de morte, em sua forma preterdolosa. Sabe-se que, nas teorias sobre a conduta, a teoria social considera que o direito penal somente deverá cominar pena às condutas socialmente dolosas e como socialmente relevante tem-se toda conduta que afeta a relação do indivíduo para com o seu meio.

*É procurador da República aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o barreto269@hotmail.com e bruno.269@gmail.com.

Categorias
Coluna Opinião

A “codificação” do common law

Marcelo Alves Dias de Souza*

Os códigos são instrumentos legais relevantíssimos para os sistemas jurídicos filiados à tradição do civil law (caso do Brasil). Argumentos em prol da codificação abundam: segurança, estabilidade, certeza e sistematização são alguns que aparecem como proeminentes. Como disse certa vez, “a codificação apresenta essa série de vantagens que não se dão em outros casos em que o direito não haja sido condensado em normas legais harmonizadas e organizadas. Ela é uma ferramenta para o jurista, mas o é também para o prático ou leigo, que conseguem, com relativa facilidade, visualizar as leis aplicáveis a determinada situação. Um código, como documento único e sistematizado, é, sobretudo, um documento de fácil acesso ao grande público”.

Como sabemos, os códigos não são instrumentos típicos do common law. Todavia, países filiados às tradições do civil law e do common law tiveram uns com os outros inúmeros contatos. Instituições foram absorvidas reciprocamente. Os contatos vêm se estreitando. E uma das recentes consequências disso é a progressiva “legalização” ou mesmo “codificação” do common law.

Não que o direito inglês, por exemplo, esteja desnaturado em relação à tradição do common law. O material fundamental do direito inglês continua sendo os precedentes judiciais ou common law, e a produção legislativa visa, sobretudo, completar ou aclarar a aplicação desse common law. Já se disse, registra José Luis Vasquez Sotelo (em “A jurisprudência vinculante na common law e na civil law”, que consta do livro “Temas atuais de direito processual ibero-americano”, Forense, 1998), que, “se todas as leis do Reino fossem revogadas, na Inglaterra teríamos o mesmo ordenamento jurídico, embora mais lento e menos funcional. Ao contrário, se imaginarmos a conservação das leis e a revogação do common law, o que resultaria não seria um ‘sistema’ jurídico nem um ordenamento, mas sim um conjunto de regras desorganizadas, sem harmonia e concerto”.

Entretanto, não se pode negar, por lá, a enorme produção legislativa dos últimos tempos. Os Parlamentos, cada dia com mais frequência, regulam setores da vida através de leis. De fato, hoje, o sistema jurídico inglês e os sistemas dos demais países filiados ao common law vêm se tornando legalmente normatizados e, hoje, é difícil encontrar-se uma decisão judicial que não faça referência a alguma lei. Esse fenômeno é observado por Eduard D. Re (em “Stare Decisis”, Revista Jurídica, n. 198, p. 25-35, abr. 1994), quando diz, até com certa ousadia, que, “atualmente, a legislação cobre tão extensamente quase todos os ramos do direito, tanto público como privado, que não se pode mais pressupor que o ponto de partida [de uma decisão] seja um precedente judicial. Comumente, o ponto de partida deve ser a política legislativa expressa num texto legal significativo. Os tribunais, naturalmente, devem interpretar e aplicar a legislação”.

Aliás, no já distante ano de 1982, a partir de anotações de aulas proferidas em 1977, Guido Calabresi publicava a obra “A common law for the age of statutes” (Harvard University Press, 1982), premiada pela American Bar Association, que enfocava essa questão. Há quem diga mesmo que o direito inglês está prestes a entrar, se já não entrou, na era dos statutes, tendo a lei, nesse sistema, quase o mesmo papel que possui nos países filiados à tradição romano-germânica.

A questão tem chegado a tal ponto que – em parte em razão do número crescente de precedentes, que torna excessivamente laboriosa a tarefa de consultá-los, em parte porque o número de statutes tem crescido bastante – os ingleses e os norte-americanos, particularmente, nos últimos tempos, vêm produzindo séries de “restatements”, isto é, espécies de “codificações” no estilo europeu, porém desprovidas de autoridade oficial. Essas consolidações particulares são vistas como as antecessoras de codificações oficiais que surgirão no futuro.

E até mais: antes mesmo de partir para investigar a temática em doutorado na Inglaterra, li, de Barbosa Moreira, “Uma novidade: o Código de Processo Civil inglês” (em Revista de Processo, n. 99, p. 74, jul./set. 2000): “Desde 26 de abril do ano de 1999, tem a Inglaterra um código de processo civil, sob a denominação oficial Rules of Civil Procedure. Substituindo a fragmentária disciplina anterior, e afastando-se de longa usança nacional, o novel diploma regula a matéria em termos sistemáticos e compreensivos (com ressalva do procedimento recursal e da execução). Uma autêntica novidade, cujo surgimento vem sendo apregoado como a maior transformação legislativa, nesse terreno, há mais de século”.

Bom, para terminar, apenas anoto: aqui a recíproca é especificamente verdadeira, uma vez que, dentre os diversos institutos do common law que vêm sendo absorvidos por nós do civil law, está a contraparte in casu, que é o precedente judicial vinculante.

* É Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o barreto269@hotmail.com e bruno.269@gmail.com.

Categorias
Coluna Opinião

O crime de perseguição contumaz ou obsessiva

Rogério Tadeu Romano *

Revelou o site de notícias do jornal O Globo, em 29/11/22, que “episódios de perseguição se tornaram recorrentes após o término das eleições, com bolsonaristas hostilizando e insultando pessoas em lugares públicos. Segundo publicou a colunista do GLOBO Bela Megale, Rodrigo Maia pediu à Polícia Civil da Bahia que investigue o casal que o hostilizou em um hotel na Praia do Forte, naquele estado, por stalking.”

A esse respeito bem disse Merval Pereira em sua coluna para o jornal O Globo:

“O que aconteceu no Catar com um dos maiores ícones da cultura brasileira, Gilberto Gil, é repugnante. Mais perigoso ainda é justificar a perseguição política como se ela nada significasse. O empresário de Volta Redonda Ranier Felipe dos Santos Lemache admitiu que fazia parte do grupo que assediou moralmente Gil e sua mulher, Flora, mas negou tê-lo xingado.

Ele não entende (ou finge não entender) que perseguir uma pessoa para criticá-la ou xingá-la em locais públicos ou privados é crime, pois todos têm o direito de pensar e agir como quiserem sem ser perseguidos ou moralmente atacados. É preciso desnaturalizar essas atitudes, pois a vida em sociedade pressupõe a convivência entre contrários. A liberdade de expressão não permite ataques e acusações levianas, que devem ser reparadas na Justiça.”

O que é o crime de staking?

Sancionada em 31 de março de 2021, a Lei 14.132/2021 tipificou o crime de perseguição contumaz ou obsessiva no art. 147-A do Código Penal e revogou a contravenção penal de perturbação da tranquilidade, antes prevista no art. 65 do Decreto-lei 3.688/1941.

stalking caracteriza-se pela ocorrência de contatos forçados ou indesejados entre o agressor e a vítima, de forma repetitiva, numa frequência e configuração que interferem em sua vida privada, em suas atividades cotidianas ou em seu trabalho. É uma forma abusiva de assédio pessoal.

Volto-me a tipificação penal dada pela lei brasileira.

Aqui se tem:

Perseguição:

Art. 147-A. Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.

Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Trata-se de crime de menor potencial ofensivo em face da pequena pena que é aplicada. Aqui a primeira e grande censura ao legislador. O delito comporta sursis processual, na forma do artigo 89 da Lei nº 9.099/95 e ainda transação penal e transação penal, na forma do artigo 76 daquele diploma legal.

Trata-se de crime pluriofensivo.

A perseguição obsessiva de uma pessoa a outra atinge profundamente a tranquilidade e a paz de espírito da vítima, podendo causar ataques de pânico, depressão e outras doenças psicológicas.

Além disto, pode invadir e ferir a intimidade e a privacidade do ofendido, uma vez que é comum até mesmo a violação da casa, da correspondência (eletrônica ou escrita) e das comunicações telefônicas. Nestes casos, poderá, se o caso, haver concurso de delitos.

O crime é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa.

O crime exige a forma dolosa como elemento do tipo.

O crime de perseguição contumaz é formal, habitual e de forma livre, podendo ser praticado por escrito, por gestos, símbolos ou oralmente, o que o aproxima do crime de ameaça (art. 147 do CP), sobretudo na primeira parte do art. 147-A do CP. Por ser habitual o crime, não se admite a tentativa.

No Brasil, o crime de perseguição do art. 147-A do CP apresenta-se de três maneiras distintas. Ocorrerá: a) quando o agente ameaçar a integridade física ou psicológica da vítima; b) quando restringir sua capacidade de locomoção; ou; c) quando o perseguidor invadir ou perturbar a esfera de liberdade ou privacidade da vítima.

stalking pode ser afetivo, quando relativo a relacionamentos familiares ou amorosos, atuais ou pretéritos, entre o agente e a vítima; ou funcional, quando concernente a relações de trabalho, de comércio ou de ensino e estudo entre o autor e a vítima. Poderá também assumir a forma de perseguição idólatra, vinculada à admiração obsessiva de fãs, endereçada a artistas, a líderes políticos e religiosos ou a outras personalidades públicas. Pode ainda ser classificado como perseguição presencial ou remota.

motivação econômica pode estar presente, mas não é essencial à configuração do crime nem usual. Em geral, o agente agirá por ódio, raiva, vingança, inveja, idolatria, misoginia, fixação doentia ou paixão.

O § 1º diz que a pena será aumentada de metade se o crime for cometido contra criança, adolescente ou idoso (I) ou contra mulher por razões de sexo feminino, nos termos do § 2º-A, do art. 121 do Código Penal (II).

Criança, para efeito da norma, é a pessoa menor de 12 anos de idade. Adolescente é a maior de 12 e menor de 18 anos de idade.

Idoso é a pessoa maior de 60 anos de idade.

Com relação a mulher há evidente enquadramento na Lei Maria da Penha, arts.  e  da Lei 11.340/2006.. Será caso de violência familiar. Ali se diz:

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

(…)

II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação. 

Há ainda causa de aumento de pena em duas outras hipóteses: d) crime cometido em concurso de duas ou mais pessoas; e e) crime cometido com emprego de arma, que pode ser arma de fogo, mesmo com porte, ou arma branca.

O perseguidor contumaz intimida, incomoda, perturba a vítima, cerceia sua liberdade, invade sua privacidade, de forma reiterada, isto é, repetidamente, por meio de telefonemas, mensagens, recados, envio de presentes indesejados, assim como por meio de comentários públicos repetitivos, aproximação indesejada ou inconveniente, comunicação forçada ou não solicitada, observação rotineira, vigilância de comportamentos ou de atividades da vítima, espionagem, acompanhamento frequente nas ruas ou em locais públicos, cerco presencial, xingamentos costumeiros, divulgação de boatos etc.

O crime é geralmente objeto de competência dos Juizados Especiais Criminais, na Justiça Comum Estadual. Mas, poderá ser objeto de apreciação pela Justiça Comum Federal caso, por exemplo, um agente público federal o comete em razão do exercício do cargo. Ainda acrescento que a Lei 10.446/2002, conhecida como Lei da Repressão Uniforme, foi alterada para permitir que os crimes de motivação misógina quando praticados pela Internet possam ser apurados pela Polícia Federal. Segundo o inciso VII do art. 1º da LRU, ali introduzido pela Lei 13.642/2018, a Lei Lola, cabe à Polícia Federal investigar:

VII – quaisquer crimes praticados por meio da rede mundial de computadores que difundam conteúdo misógino, definidos como aqueles que propagam o ódio ou a aversão às mulheres

Observo que o simples fato de um delito ter sido cometido pela internet, ainda que em páginas eletrônicas internacionais, não desloca a competência do caso para a Justiça Federal. A decisão é da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao analisar agravo em que se buscava rediscutir a competência da Justiça estadual para julgar um suposto crime de racismo pela internet. Conforme o relator no STJ, ministro Jorge Mussi, a jurisprudência tem-se consolidado no sentido de que, para a fixação da competência da Justiça Federal, deve estar caracterizada lesão a bens, serviços ou interesse da União, ou então que a conduta criminosa esteja prevista em tratado ou convenção internacional de que o Brasil seja signatário.

A ação penal é pública condicionada à representação da vítima, que pode, ou não, autorizar a persecução penal. Mais uma falha da lei. Entregar ao perseguido essa iniciativa de representação poderá trazer sérios óbices com riscos para a vítima.

Considerando que a pena máxima do crime não ultrapassa o patamar de quatro anos exigido pelo art. 313, inciso I, do CPPem regra não será possível a prisão preventiva, salvo se o agente tiver sido definitivamente condenado por outro crime doloso; ou se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência (o que abrange algumas hipóteses do § 1º); ou ainda se houver dúvida sobre a identidade civil do agente ou quando este não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la. Acrescento ainda uma situação, que pode ser enquadrada no artigo 312 do CPP, diante da materialidade do crime, dos indícios veementes de autoria, da garantia da ordem pública e da instrução criminal, que o agente coaja de forma a impedir que ela deponha, represente em juízo contra o agressor. É caso nítido de prisão preventiva.

No entanto, as demais medidas cautelares previstas no artigo 319 do CPP, além das outras protetivas de urgência da Lei Maria da Penha, artigo 22, se for o caso. Além disso somo que tais medidas cautelares podem ser aplicadas sem prejuízo de outras formuladas com base no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990, arts. 101 e 129), no Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003, art. 45).

Entendo, salvo melhor juízo, passíveis de utilização como meio de prova, a gravação ambiental e a utilização de interceptação telefônica ou telemática, à luz do art. , III, da Lei 9.296/1996.

*É procurador da república com atuação no RN aposentado.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o barreto269@hotmail.com e bruno.269@gmail.com.

Categorias
Coluna Opinião

Teto de gastos: ganho para ricos e penúria para pobres

Maria Regina Paiva Duarte*

Instituído em 2016, o teto de gastos ganhou contornos dramáticos nos últimos 30 dias. O drama é por conta da reação do mercado, dos grandes conglomerados e especuladores financeiros que não admitem perder privilégios. Para isso, dizem que o teto de gastos não pode acabar, que o governo não pode gastar mais do que arrecada e que, gastando, haverá um desequilíbrio tão grande que o Estado não poderá honrar pagamentos. E a ladainha ecoa nas manchetes e na vocalização de políticos e quadros que representam esse segmento.

O Brasil é o único país a constitucionalizar esse limite de gastos. É uma regra fiscal que não está funcionando e que deveria ser extinta no parlamento. Na época da tramitação e aprovação no Congresso Nacional, foi chamada adequadamente de PEC da morte. Ela é dramática, sim: paralisa investimentos sociais por 20 anos! Funciona para diminuir a atuação do Estado em áreas da saúde e educação, entre outras.

O teto de gastos foi criado logo após o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff para – ao que tudo indica – atender a elite financeira que sempre quer mais recursos do Estado, retirando justo dos mais vulneráveis que precisam de políticas sociais. Uma regra fiscal que limita despesas públicas à inflação do ano anterior, exceto pagamento de juros e amortização da dívida pública, para, em tese ajustar o chamado déficit fiscal.

Convém lembrar que, efetivamente, o chamado descontrole de gastos, especialmente o que é referido ao governo Dilma, nunca ocorreu, e que a piora na situação fiscal a partir de 2014 foi causada principalmente pela perda de receitas e não pelos gastos. Também não se pode afirmar que os gastos foram os principais responsáveis pelo crescimento da dívida pública, mas sim o pagamento de juros, que permaneciam elevados.

Até 2013, o crescimento das receitas era maior que o dos gastos, o que possibilitava uma combinação de aumento do gasto público, geração de superavit primário e diminuição da dívida pública líquida.

Mesmo que a celeuma do teto tenha se agravado no último mês pela PEC da Transição, é importante lembrar que o atual governo – entre 2019 e 2022 -, ultrapassou o limite constitucional em quase R$ 800 bilhões!

O teto já havia sido furado em 2019 e continuou sendo ultrapassado após a fase crítica da pandemia. Para burlar a regra valeu, inclusive, o calote nos precatórios aprovado no final de 2021, conseguindo mais R$ 49 bilhões para gastar. Em 2022, o governo alterou a forma de cálculo do teto e teve mais recursos para usar na véspera da eleição. A estimativa de gastos acima do teto, somados o calote nos precatórios, a mudança no cálculo do teto e os auxílios eleitoreiros para este ano, é de R$ 116,2 bilhões.

Não se discute a eventual necessidade de extrapolar o limite do teto de gastos. Afinal, o pagamento do auxílio emergencial foi extremamente importante do ponto de vista social, humanitário e econômico. Não fosse ele, o PIB teria uma queda bem mais expressiva em 2020.

O drama a ser destacado é a consequência  devastadora do teto impactando nos serviços públicos que atingem a população que mais precisa do Estado como saúde, educação, moradia, assistência. É uma regra fiscal que não leva em conta excepcionalidades, como a pandemia, sequer considera o crescimento populacional, aumento de receita, variação do PIB ou mesmo crescimento econômico.

O Estado fica praticamente proibido de atuar como deveria. Justamente em momento de necessidade, de crise econômica ou sanitária é que o Estado precisa investir. É impedido por uma regra anacrônica, draconiana e perversa. Precisa ser extinta, trocada por outro mecanismo fiscal que dê condições de planejamento. Como programar políticas públicas, ações concretas se durante o ano os recursos simplesmente são bloqueados?

O teto gera competição entre as despesas e investimentos e serve de sofisma para atingir áreas essenciais, como aconteceu esta semana quando o governo retirou, por causa do limite de gastos impostos pelo teto, mais de R$ 1 bilhão da educação, praticamente paralisando instituições de ensino.

Há outra revelação importante nesse caso. Seguindo essa lógica de limitação do Estado via gastos públicos, para o tal equilíbrio de contas demandado pelo mercado, a possibilidade de o Estado arrecadar mais, cobrar mais tributos, especialmente dos mais ricos, também fica afastada. A solução apresentada é cortar gastos, como se o problema fosse exclusivamente de gastos, não de receitas.

É preciso incrementar as receitas públicas via tributação. Como disse o presidente eleito, precisamos colocar o rico no Imposto de Renda e o pobre no orçamento. Tributar lucros e dividendos, corrigir as faixas e alíquotas da tabela do Imposto de Renda, implementar o Imposto sobre Grandes Fortunas, criar uma contribuição sobre altas rendas. Enfim, há várias medidas que podem ser implementadas para aumentar as receitas de forma justa, como mostra a campanha Tributar os Super-Ricos.

*Maria Regina Paiva Duarte é Auditora-fiscal aposentada, vice-presidente do Instituto Justiça Fiscal e da coordenação da campanha Tributar os Super-Ricos

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o barreto269@hotmail.com e bruno.269@gmail.com

Categorias
Artigo Coluna

Rosalba apresenta informações contraditórias ao defender ações como governadora

Primeiro quero deixar claro que não tenho nada contra a ex-governadora Rosalba Ciarlini (PP). Até a considero uma pessoa simpática e agradável. Mas não posso ficar omisso diante do “horário eleitoral extra” que ela colocou ontem nas redes sociais.

Entendo como legítimo o direito de defender a gestão dela no Governo do Estado. Acho até que ela demorou a abordar o assunto.

Também quero deixar claro que é só pesquisar minhas colunas em O Mossoroense ou vídeos do Observador Político para ver que me posicionei contra os pedidos de impeachment contra Rosalba protocolados (um em 2013 e o outro em 2014). O primeiro pelo Sindsaúde e o segundo pelo MARCCO, órgão de combate à corrupção ligado ao Ministério Público. Também achei cruel a forma como ela foi impedida de disputar a reeleição em 2014. Embora em condições adversas, ela tinha o direito de se defender e até chances de surpreender.

O programa eleitoral exposto nas redes sociais para defender a gestão dela é cirúrgico. Omite o Hospital da Mulher entre as realizações, por exemplo. Traz algumas ações meritórias da gestão dela como o RN Sustentável e a duplicação da RN que liga Mossoró à Tibau. Curiosamente não cita a reforma da Rodoviária Diran Ramos do Amaral, que resultou na transferência da Central do Cidadão para lá.

Mas o vídeo tem um cabedal de contradições. A primeira é a mesma transferência de culpa

Bancada federal e líderes do RN acompanham Rosalba em audiência com a então presidente da Petrobras, Graça Foster
Bancada federal e líderes do RN acompanham Rosalba em audiência com a então presidente da Petrobras, Graça Foster

exercida atualmente por Francisco José Junior (PSD), cuja retórica Rosalba atualmente não tolera. Ela culpa a classe política pelo mau desempenho dela no Governo do Estado do mesmo jeito que o prefeito se diz perseguido pelas oligarquias.

Justo ela que ao avaliar o primeiro ano de governo agradeceu o apoio da Assembleia Legislativa, da Bancada Federal do RN e à Presidente Dilma Rousseff (hoje, ex-presidente). O trecho do discurso foi destacado em sites. Você pode checar AQUI. A foto ao lado mostra uma reunião em que adversários e aliados estiveram juntos num encontro (que não deu em nada além da foto, para ser honesto) para discutir a crise da Petrobras no Rio Grande do Norte em 2013. Essa é apenas uma imagem ilustrativa de várias e várias reuniões em que a então governadora não só foi recebida por integrantes do Governo Federal como teve a companhia até de adversários.

Em outra parte do programa, Rosalba afirma que foi prejudicada por ser de um partido de oposição. De fato, ela foi a primeira governadora do RN a fazer parte de um partido adversário do presidente da República em mais de 50 anos, mas nos primeiros meses da gestão, vários ministros de Dilma vieram ao Rio Grande do Norte conversar com Rosalba e saber as necessidades do governo. Tanto que grande parte das conquistas citadas no vídeo são frutos de parcerias com a então presidente. Mas ela tenta passar a imagem de que ela fez tudo sozinha, sem apoio. Ela diz ter tirado do papel da obra da barragem de oiticica, uma obra importante. Mas basta acessar essa matéria (clique AQUI) e essa outra (clique AQUI) para ver o tamanho da ajuda do Governo Federal para que a obra saísse do papel.

Rosalba não pode reclamar de Dilma. Chegou a ser defendida pela outrora presidente no momento em que era vaiada. O vídeo abaixo mostra isso:

Antes de Dilma defender a governadora, a então deputada federal Sandra Rosado (PSB), hoje candidrosalba-vaia-sandraata a vereadora e aliada de Rosalba, filmava a sonora vaia que a “Rosa” levava em Natal. A socialista ria atrás de uma presidente constrangida. A imagem correu o país e se tornou alvo de vários comentários da mídia nacional.

Mais a frente no vídeo das redes sociais, Rosalba diz ter dobrado os salários dos professores da Rede Estadual de Ensino. Fato, nunca alguém deu tantos aumentos para os professores, mas nunca uma gestão estadual precisou encarar tantas greves (veja AQUI) e sem contar que ela foi a primeira governadora a administrar o Estado os quatro (mandato inteiro) anos já com a lei do piso nacional dos professores valendo. No entanto, ela precisou recorrer aos recursos do O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação(FUNDEB), cujos repasses são feitos pelo Governo Federal. Ela chegou a pedir ajuda em Brasília para conseguir atender essas demandas (confira AQUI).

onibusEm outro momento, ela destaca que o governo Rosalba investiu na aquisição de ônibus escolares. Faltou lembrar da ajuda do Governo Federal, que ela diz não ter lhe apoiado por questões políticas. Um investimento importante (confira AQUI), mas só viabilizado graças ao programa Caminhos da Escola (conheça AQUI) financiado pelo Fundo Nacional da Educação (FNDE). Quer mais ironia? Os recursos que começaram a viabilizar os veículos escolares para a gestão de Rosalba foram viabilizados ainda em 2010 pela então deputada federal (hoje senadora) Fátima Bezerra (PT). Isso não tira o mérito de Rosalba, mas ela não poderia dizer que não teve apoio do Governo Federal nessa ação (veja AQUI). Ela regojiza-se por ter tirado o Rio Grande do Norte da “lanterninha” na educação, mas responde a processo movido pelo Ministério Público (veja AQUI) acusada de “maquiar” os gastos com educação.

O Sanear RN foi uma das ações mais importantes da passagem de Rosalba pelo Governo do Estado. Ela orgulha-se de ter deixado Natal 100% saneada, mas nada aconteceria mais uma vez sem a participação da União (confira AQUI).

Em outro trecho do vídeo, Rosalba diz ser a responsável por interiorizar o SAMU. Faltou lembrar que os investimentos contaram com apoio do Governo Federal e das prefeituras. Tudo bem que 60% foi do Governo do Estado, mas os recursos foram deixados pelos governo Wilma e Iberê (veja AQUI e AQUI), dupla que ela passou quatro anos acusando de ter deixado uma “terra arrasada”.

Há contradições diversas no discurso adotado por Rosalba. Como ela foi prejudicada por ser de um partido adversário se boa parte das ações realizadas por ela foram em parceria com a hoje ex-presidente Dilma Rousseff?

POLÍTICA

paulo-de-tarso-apontandoNo vídeo, Rosalba assume o papel de vítima. Coloca como prejudicada pelo “jogo duro da política”. Qualquer semelhança não é mera coincidência com o discurso de Francisco José Junior que diz nunca ter visto um prefeito sofrer uma oposição tão dura em Mossoró. O mesmo complexo de transferência de culpa, como já relatado no começo deste artigo.  Qualquer pessoa minimamente bem informada sabe que ela teve um grande apoio político e foi perdendo pouco a pouco por inabilidade. A começar por Paulo de Tarso Fernandes (FOTO), um amigo pessoal da família que deixou o governo (era o chefe do gabinete civil) em solidariedade ao então vice-governador Robinson Faria (PSD) que não fora renomeado secretário de meio ambiente e recursos hídricos (entenda AQUI) em outubro de 2011. A medida foi uma retaliação ao fato de Robinson ter sido mais rápido e conseguido o comando no Rio Grande do Norte do recém fundado PSD.  No desabafo, Paulo de Tarso denunciou que Carlos Augusto era o “governador de fato”.

O próprio Robinson passou a gestão inteira na condição de governador dissidente, mas foi para as eleições de 2014 como aliado da governadora, ainda que com apoio “por debaixo dos panos” por causa da impopularidade recorde de Rosalba que chegou a ser rejeitada até mesmo em Mossoró (veja AQUI).

Mas cada aliado que deixava o governo enumerava as queixas que eram quase sempre giravam em torno do termo “governo centralizador” (vejam algumas reclamações AQUI e AQUI). Para perder os apoios, ela cometeu, sim, vários equívocos. Em política ninguém é sempre vítima ou sempre algoz.

IMPOPULARIDADE

Em outro momento do vídeo, eu fiquei sem acreditar quando Rosalba atribuiu a impopularidade dela também aos protestos de junho de 2013. A ex-governadora chega a dizer que ela e vários outros gestores estaduais foram atingidos por esse efeito. De positivo, pelo menos ela nos poupou de usar o argumento da perseguição dos natalenses que “não suportavam” ter uma governadora de Mossoró. Afinal de contas, nas únicas vezes em que foi testada nas urnas pelo eleitor natalense ela saiu como a mais votada na capital (Senado em 2006 e Governo em 2010). Mas esse assunto (que beira uma lenda) dá um outro artigo.

A impopularidade de Rosalba começou logo no primeiro ano de governo (veja AQUI)  e foi subindo mês a mês até que ela se tornou, ainda em 2013, a governadora mais impopular do país (veja AQUI). Ironicamente, a notícia foi divulgada no dia 13 de dezembro, dia santa Luzia, padroeira de Mossoró. Ela até diminuiu um pouco o desgaste ao longo de 2014 (veja AQUI), mas o estrago era irreversível.

VETO

veto_rosaA ex-governadora pode até dizer-se injustiçada pelo veto do DEM à sua tentativa de reeleição. Ela tinha o direito de se defender mesmo que as chances de vitória fossem mínimas (veja AQUI). Enquanto analista político, diria que diante da fragilidade dos principais adversários (Henrique Alves e Robinson Faria) ela poderia com a força do carisma pessoal contrariar a lógica e ir ao segundo turno (há na literatura política casos semelhantes e até em situações ainda mais adversas) e vencer. Ela contava com poucos apoios partidários. Somente PTB, PSC e PP estavam com ela. Mas era o suficiente para um tempo de TV razoável. Até concordo com o argumento de que o senador José Agripino (DEM) pensou apenas em garantir uma reeleição tranquila para o filho/deputado federal Felipe Maia.

Mas por outro lado, Agripino tinha argumentos sólidos. Afinal de contas, em junho de 2014 Rosalba estava inelegível, chegou a ter o afastamento do poder decretado em duas oportunidades e governava graças a liminares (veja as condenações AQUI e AQUI). O mérito das duas questões só foi julgado ano passado quando a elegibilidade dela foi devolvida. Se ela fosse para a campanha era por conta e risco e com a possibilidade real de ganhar e não levar. Era uma fragilidade jurídica semelhante a de Larissa Rosado (PSB) nas eleições suplementares de maio de 2014.

ALIADA DOS VILÕES

Curioso no discurso de Rosalba no vídeo, é que ela se diz vítima do “jogo duro da política”. Pois bem… um dos principais articuladores para a exclusão dela da disputa foi o ex-deputado federal Henrique Alves. O PMDB, comandado por ele no Estado, está na campanha dela. Políticos que confabularam pelo “acordão” de 2014 como o senador Garibaldi Filho e Wilma de Faria (aquela que “deixou a terra arrasada”) são hoje aliados da “Rosa”. José Agripino e ex-deputado federal João Maia (PR) só não estão no palanque dela porque tiveram que ceder as pressões dos aliados no plano local.

A defesa de Rosalba em relação período como governadora está recheada de contradições no próprio discurso e comportamento dela.

Categorias
Coluna

Saúde e atraso são palavras que se misturam em Mossoró

Atraso e saúde são duas palavras que se misturam em Mossoró. A primeira ainda tem duplo significado na junção com a segunda.

A nossa saúde pública é atrasada. Temos muito o que avançar.

Parte dos problemas são materializados por conta dos constantes atrasos de pagamentos de Governo do Estado e Prefeitura de Mossoró.

Por isso, o Centro de Oncologia e Hematologia de Mossoró (COHM) suspendeu os atendimentos pelo SUS em Mossoró. O Governo deve R$ 800 mil. A Prefeitura de Mossoró mais R$ 400 mil.

Os anestesiologistas suspenderam os atendimentos no Hospital da Mulher porque aguardam o pagamento do Governo do Estado que não vem desde março, perderam a paciência. Resultado: a Maternidade Almeida Castro anuncia que está com superlotação.

O Hospital Wilson Rosado que no passado era bem atendido pela Prefeitura de Mossoró, agora tenta na Justiça receber os recursos.

Isso sem contar os problemas denunciados no Hospital Regional Tarcísio Maia pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e as constantes reclamações dos usuários das Unidades Básicas de Saúde (UBS).

Isso sem contar os constantes fechamentos de hospitais cujo mais recente foi o Hospital da Polícia.

O problema de Mossoró vai além de ser apenas de gestão. Passa também pelo cumprimento das obrigações constitucionais por parte de acada uma das esferas de Governo.

Categorias
Coluna

Empresário relata sofrimento para receber por obras no HRTM

Em comentário a respeito de postagem do Blog do Barreto sobre o relatório que o Ministério Público, o empresário Marcos Limeira da Tecnicenter relatou a luta para receber por uma obra realizada no Hospital Regional Tarcísio Maia.

“E sobre as obras paralisadas desde janeiro de 2014? Somos a empresa responsável por aquelas obras, e ainda temos fatura de outubro de 2013 para ser quitada. Temos medições para serem realizadas de serviços executados, e nada. Apelar prá quem? Para o Judiciário? Contra a coisa pública? Dificil se resolver. Temos uma ação monitória desde novembro de 2008, e até agora absolutamente nada. como confiar na eficácia do Judiciário?”.

Marcos Limeira

Veja o texto que provocou o comentário AQUI

Categorias
Coluna

PT realiza encontro na próxima segunda-feira

Na próxima segunda-feira, 18, será realizado em Mossoró (RN), o Encontro Municipal do Partido dos Trabalhadores que visa definir a política de alianças e a tática eleitoral a ser adotada pelo PT nas eleições de outubro de 2016.
Participarão do evento além dos pré-candidatos (as) a vereador (a) e o pré-candidato a prefeito Gutemberg Dias do Partido Comunista do Brasil (PC do B) que é apoiado pelo PT em nível municipal. Também a senadora da República Fátima Bezerra (PT/RN), além dos filiados (as) do PT e da militância dos demais partidos de esquerda estarão presentes no evento. Filiados (as) do Partido dos Trabalhadores que estão em dia com as suas obrigações partidárias, terão direito à voz e voto no Encontro.
Segundo o vice-prefeito de Mossoró, Luiz Carlos Martins (PT), a aliança com segmentos e partidos que se uniram recentemente em torno do combate ao Golpe contra a democracia com o impeachment da presidenta Dilma Roussef (PT), representa uma vitória do campo de esquerda na cidade.
“A aliança do PT com o PC do B é um passo muito importante que reafirma localmente a unidade e o enfrentamento de dois importantes partidos da esquerda brasileira contra o golpe parlamentar em curso através do impeachment de uma presidenta eleita. Desde que começamos a dialogar durante as atividades da Frente Brasil Popular, nós acreditávamos que seria possível e viável termos a transformação daquela parceria nas atividades em uma parceria para às urnas unindo a esquerda em torno de um nome que procedesse da esquerda, então é uma vitória da linha que já defendíamos que preza cima de tudo pela coerência”, disse Luiz Carlos.  
Segundo Valmir Alves, membro do Diretório Municipal do PT, o encontro aprovará uma aliança com o PC do B, que de fato vinha se desenhando e que passará a ser algo consolidado para o pleito eleitoral deste ano. “É positivo ter essa demarcação da esquerda através de uma aliança sólida em Mossoró seguindo uma linha nacional, pois de fato, o encontro vem para consolidar a posição do nosso partido quanto à pré-candidatura a prefeito de Gutemberg Dias do PC do B. Logo, estamos diante de pré-candidaturas como alternativa de poder na cidade em contraposição às forças conservadoras e aos partidos golpistas. Neste encontro, os pré-candidatos (as) a vereador (a) do PT também estarão sendo apresentados (as) e irão participar de um momento voltado à construção da tática eleitoral em nível partidário”, disse Valmir.
No Brasil pós Golpe, PT e PC do B já estão unidos contra o impeachment da presidenta Dilma e contra o desmonte das conquistas dos direitos dos trabalhadores e a favor da privatização do patrimônio nacional. “A eleição municipal é também uma oportunidade de resistência e de denúncia das iniciativas regressivas de um governo golpista que repercutirá em todos os estados e municípios do Brasil. Então, estaremos buscando discutir o modelo de gestão da cidade com base naquilo que defendemos em âmbito nacional, ou seja, querendo implantar um modelo que inverta prioridades e garanta uma gestão com participação popular e controle social na execução das políticas públicas locais”, finaliza Valmir Alves.
Amanhã, às 9h, na sede do diretório municipal do Partido dos Trabalhadores, haverá ainda uma reunião com todos (as) os (as) pré-candidatos (as) a vereador (a) à legenda.

 

Categorias
Coluna

Vice de Francisco José Junior poderá ser do segmento evangélico

Está encaminhado um entendimento entre o prefeito Francisco José Junior (PSD) e o deputado federal Antonio Jácome (PTN) para que o parlamentar indique um nome do segmento evangélico para vice da chapa governista.

Não necessariamente o nome viria do PTN. Poderá ser Daniel Gomes (PSD) que é ligado ao deputado ou Lamarque (PTN) que nas eleições de 2014 coordenou as campanhas de Jácome e do deputado estadual Jacó Jácome (PSD).