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Entrevista

Fátima declara que não há apoio garantido a Lula no Nordeste

Por Por Renata Agostini

O Globo

À frente de um dos quatro Estados que o PT comanda no país, a governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra, antecipa uma disputa dura no Nordeste em 2026 diante do crescimento da direita no país e diz que o partido não pode baixar a guarda na região. Segundo ela, o apoio dos nordestinos ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva não está garantido e dependerá de um grande esforço do governo nos próximos dois anos para que o desempenho de 2022 possa se repetir.

“O governo tem que se fazer mais presente exatamente aqui no Nordeste. Não só Lula, mas também os ministros”, diz Bezerra ao GLOBO.

Pesquisa Quaest divulgada nesta segunda mostrou que a taxa de desaprovação do governo chegou a 49%, superando a aprovação pela primeira vez. O resultado foi influenciado especialmente pelo Nordeste, onde a aprovação da gestão Lula caiu 8 pontos percentuais.

A governadora potiguar afirma que a sondagem traz “uma fotografia em um dia nublado”, porque foi feita num momento de desgaste do governo diante da inflação de alimentos e a crise do Pix. Ainda assim, diz que será necessário atenção dedicada à região para que ela siga ao lado de candidatos do campo progressista. Bezerra presidiu o Consórcio Nordeste em 2024 e diz contar com a retomada das viagens do presidente para inaugurar obras, como a de um reservatório hídrico que espera já realizar com a presença do presidente em março e da transposição do São Francisco no ano que vem.

Bezerra reconhece que o PT precisa de renovação em seus quadros, mas afirma que isso é uma conversa para 2030 e não para agora. No ano que vem, ela diz confiar que Lula será candidato à reeleição. A governadora não vê espaço, porém, para uma chapa “puro sangue”, com o PT ocupando o espaço da vice, e diz que Lula terá de ampliar ainda mais as alianças para ser bem-sucedido na tentativa de reeleição.

“O campo da direita no Brasil está dividido até em função da inelegibilidade do presidente anterior, que deve se manter. No campo progressista, o presidente Lula é unanimidade. Mas é evidente que o presidente Lula tem consciência de que, mais do que nunca, é necessária uma frente ampla. Tem que continuar fazendo aliança”, diz.

Confira a entrevista:

O que pode explicar a queda da aprovação do governo Lula no NE apontada pela pesquisa Quaest?

A pesquisa foi realizada em um momento de desgaste do governo federal, seja pela inflação dos alimentos, seja por causa da má-fé da oposição ao se aproveitar de uma medida corriqueira da Receita Federal. E não foi algo específico do Nordeste. É uma fotografia em um dia nublado. Tenho certeza que o sol voltará a brilhar em pouquíssimo tempo. E vale lembrar que aqui no Nordeste, o imenso capital político do presidente Lula ainda lhe garante quase 60% de aprovação, por tudo o que já foi feito e por tudo o que está sendo feito.

O Nordeste ainda é a região que Lula tem melhor avaliação, mas a situação já foi mais confortável. O apoio do Nordeste a Lula em 2026 está garantido?

De jeito nenhum, muito pelo contrário. Tem que intensificar a presença do Nordeste este ano e cada vez mais. A coisa boa é que agora o presidente Lula vai poder voltar a viajar pelo Brasil. Ele está ansioso para isso. É o tempo da colheita, de entregar essas obras. Não podemos baixar a guarda. O governo tem que se fazer mais presente exatamente aqui no Nordeste. Não só Lula, mas também os ministros. A gente tem que ter muita atenção para os investimentos previstos para corresponder às expectativas da população.

Intensificar a presença de que forma?

Temos aqui uma pauta fundamental que é de infraestrutura e segurança hídrica. Por exemplo, até o início do primeiro semestre do ano que vem, o presidente Lula concluirá 100% do projeto de transposição das águas do São Francisco, não só do Rio Grande do Norte, como em Pernambuco, Ceará, Paraíba. Estou sugerindo que ele venha dia 19 de março entregar a barragem de Oiticica, uma obra do PAC que é o segundo maior reservatório hídrico do Estado, beneficiando a região do Seridó. Começou com Dilma e Lula agora volta e vai concluir. Mandei um vídeo da obra para ele no dia 31 de dezembro. Ele me ligou em seguida. Disse que já estava bem de saúde, doido para viajar e me perguntando quando poderíamos inaugurar a barragem. E essa não é a única obra importante da transposição do São Francisco. O presidente tem mais é que viajar mesmo. Vir muito ao Nordeste, prestar contas do que fez, faz e ainda fará. Eu disse ao presidente que ele deve estar mais presente no Nordeste. E agora é a hora para isso. Os ministros também. É um momento de virada de chave, de iniciar a colheita. E, em breve, a popularidade do presidente e do governo do PT estarão novamente nos níveis esperados.

A estratégia de comunicar as entregas será suficiente?

Ano que vem teremos uma eleição muito emblemática e, no centro desse debate, vai estar o compromisso com a defesa da democracia. Mais do que nunca ele se coloca muito vivo e muito necessário. Não dá para tapar o sol com a peneira, não. Chegamos muito perto de uma ruptura democrática. O mandatário anterior nunca disfarçou isso. Ele tem vocação para o autoritarismo, não adianta querer passar pano para o 8 de janeiro. A gente foi descobrir coisas muito mais graves ainda com as investigações. O nosso projeto tem como pressuposto a defesa da democracia para que, com ela, a gente possa avançar no desenvolvimento nacional, com crescimento da economia, distribuição de renda e avanço nas políticas sociais.

Mas esse episódio do Pix mostrou que a oposição vai investir em coisas do dia a dia, especialmente o que pega no bolso das pessoas. O discurso de defesa da democracia vai funcionar?

Claro que o mundo está bem complexo, o avanço da extrema-direita é fato, infelizmente. O que a gente viu agora no episódio do Pix foi uma coisa inaceitável, porque o governo nunca teve intenção (de taxar o Pix). O uso que tem sido feito hoje das redes sociais com foco sobretudo em desinformar é um negócio assustador porque é feito numa velocidade tão grande que, quando a verdade aparece, ela se dilui. Agora, não basta só a gente constatar isso. A gente tem que ter horizonte. O governo e os partidos do centro democrático não podem abrir mão do debate e de trazer à sociedade a necessidade de moderação desse conteúdo, de se fazer a regulação. Temos que vencer a resistência no âmbito do Congresso e ter uma correlação de forças que nos permita avançar, porque a eleição não será fácil. A extrema-direita ganhou terreno, inclusive na América Latina. Sabemos perfeitamente disso. Agora, sabemos também que a figura do Lula é muito forte. O campo da direita no Brasil está dividido até em função da inelegibilidade do presidente anterior, que deve se manter. No campo progressista, o presidente Lula é unanimidade. É evidente que o presidente Lula tem consciência que, mais do que nunca, é necessária uma frente ampla.

E se o Lula não for candidato?

 

Primeiro, acho que ele vai ser candidato. Presidente Lula tem um amor tão grande pelo país, ele dedicou sua vida ao Brasil. Graças a deus, ele está bem, está se recuperando bem de saúde, então é evidente que o candidato é ele. A gente tem que começar a construir outras alternativas porque tem 2030. Não antes. Na direita há divisão, na esquerda o nome do Lula unifica. Agora, é preciso ter sentido de frente ampla. Por isso, ele está muito correto ao cobrar na reunião ministerial a contribuição dos partidos do governo. Lula não vai desistir dessa eleição, não.

O PT e a esquerda como um todo tiveram problemas na eleição municipal. A senhora vê risco de que o crescimento da direita comprometa o desempenho de Lula no Nordeste?

Eles têm crescido, têm um fundo partidário bilionário. Tem ainda o fato de que partidos da base do governo se aliam a adversários do PT nos Estados. Eles acabam sendo muito beneficiados também com as emendas parlamentares. Não é mais uma coalizão presidencialista, mas uma coalizão congressual. Então, isso fortalece esses setores (da direita). Mas Lula continua e continuará muito forte aqui no Nordeste. Te dou o exemplo do Rio Grande do Norte. Aqui, a gente ganhava no Estado, mas fazia 28 anos que o PT não ia para o segundo turno em Natal. Diziam que a candidatura de Natália Bonavides era só para marcar presença. Tivemos uma derrota eleitoral, mas uma vitória política. E Natália saiu fortalecida inclusive dentro desse movimento de renovação que o PT está precisando.

A senhora acha viável pensar em ‘chapa pura’, com um vice do PT?

Não, não dá, de forma alguma. Tem que fazer aliança, continuar fazendo e ampliando. O compromisso com a defesa da democracia não é tarefa apenas para um partido. Tenho aqui a missão no Rio Grande do Norte de reunir esse conjunto de partidos para que a gente tenha frente ampla conectada com a frente a nível nacional e não permitir retrocesso.

O Consórcio Nordeste saiu de oposição à gestão Jair Bolsonaro para ser parceiro do governo Lula. Ainda assim, nem tudo andou. O pleito de formar o Fundo da Caatinga, por exemplo, foi feito logo no início do governo Lula e até agora não houve avanço.

A ministra Marina Silva evidentemente tem toda a sensibilidade, mas veio a ideia de se criar um fundo para todos os outros biomas. A questão é que não dá mais para a gente esperar. O processo de desertificação aqui no Nordeste é violento. Precisamos do financiamento para trazer academia, avançar nos estudos com base científica. Então, demos um passo importante ao firmar com o BNDES, que irá estruturar o fundo e coordená-lo. É uma boa notícia. Agora, avançamos com o governo federal em outras frentes. Houve ação muito efetiva do Consórcio Nordeste e tivemos o leilão para a expansão das linhas de transmissão, fundamental diante do potencial do Nordeste. Temos o desafio de consolidar a região como polo de inovação em energias renováveis. Não podemos nos resumir apenas a vender commodities, a vender energia para fora, queremos fábricas aqui. Esse vai ser um debate importante junto ao governo federal. O Nordeste não é problema, mas a solução para que o Brasil tenha papel de protagonista no debate sobre mudanças climáticas e descarbonização.

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Entrevista

“Na verdade, é uma abolição de brancos para brancos”, avalia historiador sobre a construção da memória do 30 de setembro em Mossoró

O historiador Marcílio Falcão, atualmente diretor da Faculdade de Filosofia e Ciência Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (FAFIC/UERN), tem dedicado boa parte de sua vida acadêmica para compreender a construção da memória coletiva em Mossoró onde se insere a abolição da escravidão na segunda cidade do Rio Grande do Norte cinco anos antes da Lei Área, em 1883. Nesta entrevista exclusiva ao Blog do Barreto ele destrincha como se deu o processo e despe as fantasias em torno dos fatos ocorridos há exatos 140 anos sem desmerecer a importância dos abolicionistas.

Confira.

 

 

Blog do Barreto: Na sua avaliação por que há ausência de protagonismo negro no processo de abolição da escravidão em Mossoró?

Marcílio Falcão: Bom, Bruno, é o seguinte o protagonismo negro seria muito difícil na narrativa que foi produzida sobre o 30 de setembro, você encontrar os escravizados ou ex-escravizados presentes nessa narrativa porque na verdade o 30 de setembro foi uma grande festa, foi uma grande festa pensada dentro de uma logística do Ceará e de parte do Pernambuco. Aqui no caso, a abolição foi pensada a partir da lógica da sociedade abolicionista cearense. Antes de acontecer o evento aqui os jornais de Fortaleza já divulgavam, então era algo que não foi algo que não foi imprevisível. Era previsto. Na verdade, ia ser dias antes, ia ser dia 28 de setembro. Aí foi 30 porque houve ali um arrozinho ali. Mas na verdade é uma abolição de brancos para brancos. Dentro de uma lógica da civilização e do progresso. Então a presença daqueles que eram os mais interessados na libertação nas narrativas não vão aparecer.

Qual o papel de Rafael Mossoroense da Glória?

MF: No caso do Rafael Mossoró da Glória, eu não encontro, pelo menos nos arquivos que eu fui, registros de sua existência. A minha leitura está mais voltada para a ideia de uma figura não mitológica no sentido mas de uma figura memorável, provavelmente construída, porque veja, é o único que aparece. Me aponte, os libertos que aparecem nomes? Você não encontra, você encontra nos inventários, você encontra em algumas cartas de alforria, mas nas festas, assim, só ele exatamente aparece. É numa festa de branco para branco com dia marcado, com hora marcada e, principalmente, voltada pra essa coisa de dizer que Mossoró libertou os seus escravizados que hoje cai-se na tese de dizer que a libertação dos escravos de Mossoró não é a abolição porque não tem lei, né? Não poderia fazer essa abolição, a libertação dos escravos em Mossoró ela é muito mais uma logística voltada para destravar, como eu disse na tese, um problema do Ceará sim porque o Ceará era província que estava fazendo liberdade e estava pressionado os estados abolicionistas. Estados totalmente escravocratas. Quando eu peguei os relatórios de presidente de província do Ceará foi que eu percebi? Aracati tinha muito mais escravo do que Mossoró e não estava fazendo o que estava acontecendo em Fortaleza, Redenção… quando você pega a lista de escravizados no Vale do Jaguaribe você diz nossa não está acontecendo o que está acontecendo em Fortaleza. Então aquela tese do caso que Mossoró libertou os escravizados porque tinham poucos também é válida, mas existem outras explicações.

BB: Essa tese é tão exagerada que tem gente que diz ‘ah tinha dez escravizados não era eram mais de cem.

MF: Mais de cem Mossoró nunca chegou a ter 500, 600 escravizados pelos relatórios. Pode até ter chegado. Porque nós não tivemos acesso ao livro de matrícula. Mas isso daí é o 30 de setembro. Não existe documento oficial sobre 30 de setembro. A ata foi perdida. O que existe sobre 30 de setembro são os relatos do jornal O Libertador que está lá na Biblioteca Menezes Pimentel em Fortaleza, digitalizados. E aquilo que a partir 1948 o Vingt-un com o grupo dele fez e aquilo que existe a partir de 1902 quando o João da Escócia, ele retoma o jornal O Mossoroense e começa a reproduzir ou, a comemorar, a narrativa sobre o 30 de setembro. Então, de fato, o Jornal Mossoroense, se torna um guardião da história dessa desse 30 de setembro, mas em cima, em certa medida, das narrativas do jornal O Libertador.

BB: Que mensagem fica para a sociedade essa sensação de que a abolição dos escravos foi uma mera concessão dos brancos, como se não houvesse resistência?

MF: Bom entender também não é aquela coisa de dizer que o 30 de setembro em Mossoró é uma coisa isolada, não, é como conectado. A década de 1870 e setenta, de 1880 são décadas muito agitadas. No Rio de Janeiro, São Paulo, os abolicionistas faziam festas nos teatros, se cotizavam para libertar, aqui também aconteceu numa menor proporção. Na verdade, elite mossoroense estava ligada em determinados momentos a esses grupos, a esses pensamentos. E o que que ocorre? Ocorre que há um trânsito de ideias, esses homens acreditavam que estavam fazendo um processo importante e na verdade estavam. Eu não tiro o brilho da loja Maçônica, não tira o brilho do Romualdo, do Alcebíades, Graco… não se pode tirar o brilho desses homens porque eles estavam imbuídos de um espírito pautado na civilização e no progresso, mas o que estava em jogo aí era a ideia do trabalho livre. O que estava em jogo era a transição entre um modelo de trabalho compulsório e o trabalho livre, muito mais associado e assentado ao que viria a ser a república. Então, eu acho que esses homens independente do que eles estavam, o lugar que eles ocupavam, eles fizeram um exercício por cima, uma vez que nós sabemos que os grandes interessados eram os que estavam embaixo e essas pessoas tem agência. O grande problema do 30 de setembro e das comemorações do 30 de setembro é manter a reprodução de uma memória dos abolicionistas e na maioria das vezes esquecer que os mais interessados eram aqueles que estavam lá. Um exemplo em 1948, Vingt e Ving-un Rosado e Laura da Escócia, procuraram os descendentes desses escravizados, aqueles que estavam no livro de tom de batismo da Paróquia de Santa Luzia, as condições em que essas pessoas estavam eram miseráveis. Então não venha com essa história de dizer que a Mossoró não foi a primeira a libertar, mas ajudou os escravizados. Foi o mesmo processo. Terminado o processo de liberdade, terminado o processo de abolição os escravizados não foram inseridos dentro de uma sociedade que se dizia democrática e libertária, não foram. Eles ficaram a margem, né? E as condições, é só você ver as fotos que existem no museu, para perceber as condições sociais em que essas pessoas se encontravam, mas antes de uma agência, né? Sim. O importante, Bruno, é a agência dessas pessoas. Quando você encontra, estão caçando, o termo terrível, estão escravos fugitivos, a fuga é uma forma de resistência, né? E isso nós da história temos muito interesse, mais importante do que certa medida o exercício do Romualdo e do grupo dele de dizer ‘nós vamos te libertar comprando’ porque não foi uma libertação daquela dizer uma libertação de rompimento ‘oh acabou!’ não porque para o dono do escravo ele era fortuna, que tinha sido comprado e era vendido. Houve uma negociação, houve um uma certa negociação da realidade ou por cota ou por munimição, não foi aquela ruptura total que a narrativa diz.

BB: Não houve uma lei.

MF: Não. não tem lei. E existe ainda uma outra dúvida. Um exemplo, que não está claro nem nos jornais, né? E nem naquela ata: como foi que eles juntaram determinados recursos praquele momento. Como foi juntado? Porque veja: os documentos não deixam claro se eles disseram “olha todos aqui estão livres” e o proprietário abre aspas que tinha sido coisificado: “você perdeu”. Porque o que estava por trás da abolição da escravidão no Brasil era que a fortuna de muitas pessoas estava nos escravos. O próprio governo imperial criou um fundo que era o fundo de munimição, que também chegavam em Mossoró, para dizer “olha vamos ressarcir ali o proprietário daquela mão de obra porque se ele perder, vai perder a fortuna dele”. Então isso também estava em jogo. E aqui a documentação não deixa claro. Se foi aquela coisa totalmente abrupta. O que aparece e raramente na documentação dos caras se juntavam, se cotizavam e faziam a liberdade. Então cai em certa medida aquela coisa da tensão. Houve tensão, claro. Mas em certa medida cai.

BB: Qual era o perfil dos escravos e escravas de Mossoró? Era mais urbano ou rural?

MF: Olha, pela própria estrutura da economia mossoroense, você tira pelo Casario. É uma sociedade de comércio, então es esses escravizados, de fato eram mais urbanos. E havia um trânsito muito grande. Mossoró, como ponto de comércio, ou não havia interesse de um proprietário ficar com o com aquela mão de obra ali. Aquela mão de obra estava sendo rentável porque ela entrou dentro do circuito do comércio interprovincial, então chegar aqui e repassar era mais importante. Agora tem uma coisa, nós fizemos um levantamento sobre as famílias que existiam aqui com o número de escravos, então de famílias conhecidas que, é complicado você dizer o nome delas, mas pelos relatórios você percebe que eram famílias que tinham um número de escravos, um exemplo, no máximo cheguei a encontrar aqui 20, 25, 30 escravos dentro de um núcleo familiar. Isso quer dizer que não tinha muitos escravos, mas também não quer dizer que foi por isso que a abolição foi feita.

Celebrações do 30 de setembro visavam fazer a libertação dos escravos em Mossoró virar um tema nacional (Foto: Manuelito/acervo Relembrando Mossoró)

BB: Na sua tese é registrada uma tensão entre abolicionistas e autoridades jurídicas. Isso chegou a atrapalhar o processo?

MF: Bom, é o seguinte, eu achei muito interessante quando eu pesquisei no jornal O Libertador que existiam pessoas de Fortaleza aqui, pelo menos o jornal deixa claro, observando a ação desses homens que estavam organizando esse processo. E tem uma matéria chamada “O Último dos Gracos”. E nessa matéria ele diz que o juiz de Mossoró não era de fato um homem imbuído de espírito libertário ,que era o Alcebíades Dracon, só que o jornal volta pra lá e diz também que o presidente de renda de lá, que eu esqueço o nome dele, que ele também não era. Uma semana depois o jornal publica em Fortaleza e diz que não, que errou, que o juiz Alcebíades Dracon é, de fato, um homem imbuído, mas que o presidente das rendas não era. Então veja você tem essa tensão, quando o grupo de Vingt-um Rosado reorganiza a memória, ele, Nonato e outros mais, eles começam a colocar abolicionistas que não estavam nem vivos ou que haviam passado por um processo de tensão dentro do próprio processo. Exemplo, Jeremias da Rocha Nogueira, quando você pega a visão de liberdade de Jeremias da Roça de Louveira, é uma coisa tão ilustrada, mas tão ilustrada que quando você vai olhar você vê, o republicanismo dele rompe com Rosas, com Uruguai e rompe com a Argentina, é muito mais um republicanismo ilustrado francês. Obviamente que era, dentro daquelas palavras, um homem que defendia uma determinada liberdade, mas não participou do processo. Não participou. A década de 1870, principalmente no período que ele viveu, esse processo de discussão sobre abolição ainda estava muito ligado ao eixo Rio São Paulo e ao Ceará. Mas aí eles vão construindo o próprio castelo, os próprios memoriais. O livro “História Social da Abolição de Mossoró” é um livro de memória. Ele juntou documentos e inseriu os novos, que eram eles. Então pra mim a abolição de Mossoró, ela é extremamente importante pra história da libertação dos escravizados no Rio Grande do Norte, é só você olhar quando o Natal fez. É muito importante! Mossoró era uma das regiões aqui do Oeste da Província que tinha o menor número de escravos, mas era a principal cidade. Então isso chama atenção de Fortaleza, isso chama a atenção de Pernambuco e é um ponto estratégico para destravar uma área extremamente importante, que é a Ribeira do Jaguaribe porque os abolicionistas estavam tendo uma certa dificuldade lá.

BB: Por causa de comércio?

MF: Por causa de comércio e por causa da própria pressão dos senhores de escravos, dos aristocratas em não libertar. Um processo grande em Fortaleza, ali naquela região, e um processo muito fraco, muito pequeno aqui. Isso não quer dizer que Mossoró não tem o seu brilho, tem! Qual foi o grande sonho da família, do grupo de memorialistas e historiógrafos Rosados? Era colocar a história do 30 de setembro da abolição dos escravos de Mossoró no cenário nacional e em certa medida eles não conseguiram. Vingt-un escreve, já nos seus últimos escritos, dizendo que por que que não chegou a tanto grandes historiadores não olharam? Para ter certeza o 30 de setembro no Rio de Janeiro só teve uma notinha. Uma notinha. Para cá é importante, óbvio. Mas dentro daquela dimensão que estava ocorrendo no Brasil, também é importante, mas é apenas uma parte. Essa ideia do pioneirismo é muito mais uma construção… É como o próprio professor Emanuel comentou o pioneirismo ele existe, mas ele não chega em outras esferas, ele é muito mais voltado pra cá pra essa província e pra relação com o Ceará, o Ceará não, o Ceará, eles conseguiram, de fato, pelo número de escravizados, pelas estratégias, mas que também é um processo que não sai dentro da linha dos brancos para os brancos e voltado para a transição do trabalho escravo ao trabalho livre.

BB: Qual o papel da imprensa local neste processo?

MF: Ah foi fundamental. A imprensa libertadora, a imprensa abolicionista, ela tem uma peculiaridade muito grande porque ela possuía um tipo de escrita muito específica. Ela era antenada com outros lugares. Um abolicionista como o Joaquim Nabuco, achava que a abolição não deveria sair da senzala. É até um absurdo você dizer isso, mas pra ele a abolição tinha que ser no parlamento, porque independente de qualquer coisa a agência do escravizado atemorizava a elite.

BB: Medo do que aconteceu no Haiti.

MF: Sim, medo do Haiti. O Haiti é uma revolução fantástica, interessantíssima, que foi extremamente destruída por forças inglesas e tudo mais. Mas, e tem um livro muito bonito sobre isso, que é “Coroas de Glória, Lágrimas de Sangue”. Então a imprensa abolicionista ela tem um papel de fazer circular. De fazer circular, de fazer com que essas elites, que liam esses jornais, que investiam nesses jornais, abraçassem cada vez mais a causa do abolicionismo. Ao mesmo tempo a imprensa abolicionista ela travava lutas diárias. Por quê? Porque não era fácil ser jornalista, homens de imprensa, dentro de um contexto onde a fortuna de muita gente estava nos escravos. Então se você pega as narrativas de Jornal Libertador você vai ver a delicadeza, assim que eu quero dizer, a forma de escrita daqueles homens, era para um mundo diferente. Mas que mundo é esse? É o mundo do trabalho livre. É o mundo onde as pessoas tivessem agência ao mesmo tempo as grandes propostas dos abolicionistas no pós-abolição, que sai de muita gente de dentro da imprensa, não se efetivou porque a imprensa tinha força em fazer circular, mas quem decidia os mecanismos de efetivação da cidadania, e de introdução do negro nessa sociedade de classes não era imprensa.

BB: Sua tese também mostra uma grande influência cearense no processo abolicionista em Mossoró. O que pesou para isso?

 

MF: A logística, O papel de Almino Afonso lá. Almio Afonso foi um cara que foi perseguido. Ele perdeu o a função dele, foi pro Ceará e lá ele consegue montar toda a estrutura. Uma prova disso, é que quando o Romualdo vem pra cá, ele está vindo do Ceará. E outra coisa interessante na abolição, na libertação aqui é que só aparece uma mulher, a Amélia, que é a esposa do cara, que é o intendente. Então, a o Ceará, ele tem um papel fundamental de logística, de organização da narrativa jornalística, de mostrar para a população cearense e pra outros lugares que o jornal circulava, que Mossoró estava abraçando-as dentro do Rio Grande do Norte, Mossoró estava abraçando essa causa e que o Ceará fez simplesmente uma coisa: “ó, vamos lá, vamos jogar o fogo ali no palheiro”. E se você olhar todo o processo é isso: Mossoró, Caicó, Assu, até chegar em Natal, onde estava a maior quantidade,e e áreas circunvizinhas, onde estava a maior quantidade de escravizados. Pra mim a libertação dos escravos em Mossoró é fundamental para se constituir um calendário cívico nessa cidade. Se você parar pra pensar, Bruno, se comemora a emancipação, se comemora isso, mas o grupo de Vingt-un Rosado criou um calendário cívico como uma festa cívica e pública só se comemora 30 de setembro, 13 de junho, aí vem o voto feminino, vem as listas, né? É como se o passado da cidade só fosse isso, então veja: no momento em que esses homens estão tentando colocar o 30 de setembro no cenário nacional eles também estão construindo uma cultura cívica local e isso é muito interessante. Quando você escuta que a prefeitura, a Câmara Municipal, a própria família Rosado, a família de Escócia, fazendo um esforço gigantesco pra manter essa ideia de pioneirismo é de fato uma tentativa de manter uma memória que foi construída a partir de 1902 pelo jornal, depois abraçada como projeto pelos Rosados quando assumem 1948 e essa tentativa se configura como um uma comemoração cívica, cristalizada no museu, cristalizada no memorial cristalizada no cemitério, cristalizada em praças, em ruas e tudo mais. Eis o trabalho da memória.

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Assista a participação o Blog do Barreto no PodFalar

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Confira entrevista do Blog do Barreto ao Espaço Cidadão

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Delegado vai tentar vaga de deputado pelo PT

O delegado da Polícia Civil Fernando Alves pré-candidato a deputado federal pelo PT, contrariando os clichês de que todo profissional de segurança pública é de direita ele explicou as razões da postulação.

Confira

Blog do Barreto: O que levou um delegado a integrar o PT num contexto em que os profissionais da segurança se alinham com a direita? 

Fernando Alves: Sou filiado ao PT desde 1990, quando ingressei na militância estudantil na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Antes de entrar na Polícia Civil, há 22 anos, fui advogado de mandatos, sindicatos e movimentos populares.  Também fui professor da Universidade, concluindo mestrado e doutorado,  como professor substituto da UERN, em Mossoró,  sempre aliando teoria e prática,  no campo do Direito e das Ciências Sociais. Conheço, portanto, de perto, a luta da classe trabalhadora há mais de 30 anos. Em 2000, quando assumi o cargo de Delegado de Polícia, após passar num concurso público, fui questionado por algumas pessoas, dentro e fora da corporação, de como um militante social e intelectual  com perfil progressista como eu, conseguiria sobreviver profissionalmente numa corporação tão associada historicamente com o autoritarismo e a repressão. Para você ter uma ideia, no tempo do meu concurso ainda trabalhavam na Polícia servidores antigos, que exerceram a função policial na época da ditadura. Imagine, portanto, a mentalidade desses senhores e senhoras diante de um Delegado Socialista, assumidamente de esquerda, filiado a um partido político cujos fundadores foram presos ou perseguidos pela mesma polícia que eu acabava de ingressar. Durante anos, a tendência era eu me sentir um peixe fora d’água. Porém, no momento em que o regime democrático no Brasil foi se consolidando, a liberdade de expressão sendo garantida e a cultura nefasta do pau de arara e da tortura foram abolidos definitivamente do âmbito policial como práticas ilegais e criminosas, pude perceber que o meu problema nunca foi a Polícia, mas sim o modelo de gestão, que durante décadas foi extremamente burocrático,  atrasado,  meramente reativo e autoritário. A Polícia, enquanto instituição, é algo que respeito muito, reconheço tudo o que fez por mim na minha formação pessoal e profissional,  além de me dar orgulho de me identificar como Policial. Afinal de contas, é por meio do serviço policial que direitos fundamentais são assegurados,  a começar pela proteção da vida, da integridade física, da liberdade e do patrimônio das pessoas.  Em síntese,  a segurança pública é uma autêntica garantia constitucional.  O que acontece é que, durante anos, o populismo penal autoritario (principalmente aquele presente nos meios de comunicação e no discurso policialesco) tentou se apropriar da definição de polícia e tornar muitos integrantes da corporação policial reféns de um projeto autoritário de direita, que agora o bolsonarismo aparelhou. Porém, conforme relatório de pesquisa realizada no ano passado,  pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública,  sobre a preferência ideológica do policial brasileiro,  constata-se que um percentual em torno de 55% é moderado, rejeita o extremismo e tem um perfil mais próximo da centro-direita. Isso significa que é falacioso o argumento de que todo o policial é um extremista de direita. Pelo contrário, quando tive a grata oportunidade de conhecer e integrar em 2017 o Movimento Policiais Antifascismo, percebi o quanto havia policiais civis (e também militares) com um perfil político muito parecido com o meu. Um exemplo disso será a realização em Natal do III Congresso Nacional do Policiais Antifascismo, nos dias 23 a 25 de março,  onde virão para a nossa capital potiguar centenas de homens e mulheres Policiais,  de diversas corporações do Brasil,  para discutir com representantes da sociedade civil temas como cultura e estrutura policial,  direitos humanos, desigualdade social, combate ao fascismo, antirracismo nas polícias,  violência de gênero, além de conscientização sobre a homofobia e transfobia no ambiente policial. Concluindo a resposta a sua pergunta, não entendo a Polícia brasileira como uma Polícia de Direita, mas sim uma Polícia de cidadãos e cidadãs com diversas concepções de mundo, mas que concordam num ponto nevrálgico no debate democrático: é preciso mudar o modelo policial vigente neste país.

Blog do Barreto: Qual a sua plataforma para a área de segurança e como fazer o campo progressista ter uma proposta concreta nesta área?

Fernando Alves: Entendo que a segurança pública, como uma função social do Estado, é feita para os mais pobres e não para os mais ricos. Sem estabelecer aqui nenhum preconceito de classe, apenas uma constatação, o mito do “cidadão de bem”, sempre foi muito mais associado à representação do homem branco, pai de família,  preferencialmente heterossexual, cristão, empregado e com certo poder aquisitivo, a ponto de reclamar (e muito) quando seu patrimônio é subtraído, como o roubo de um carro, um assalto a banco ou um furto em uma residência. Quando se associa na estatística criminal o pobre, especialmente o afrodescendente ou mestiço, muito comum nas comunidades de periferia, nos centros urbanos onde mais atua a Polícia, a visão que temos (e que testemunhei no dia a dia de autoridade policial) é que uma Delegacia de Polícia é um lugar caótico sujo e indesejável, onde muitos vão como última saída, seja quando perdem seus documentos ou são assaltados no meio da rua. Diariamente, aqui no RN, são milhares de trabalhadores ou trabalhadoras, subalternos, subempregados, desempregados ou não, que quando não são autuados como suspeitos, enchem as delegacias de bairro para registro de boletins de ocorrência. A maioria dessas pessoas são empregadas que dependem de transporte público, não tiveram a oportunidade de se isolar em casa numa pandemia, e quando saem a pé ou de ônibus para trabalhar ou estudar, seja na ida, ou na volta para suas casas, são roubadas, furtadas ou violentadas sexualmente por bandidos de rua. O problema é que, como as Delegacias distritais e os Plantões geralmente são  “clínicas gerais”, atendendo  todo tipo de ocorrências,  não há estrutura, nem quantidade de pessoal suficiente  para atender esses setores majoritários e mais fragilizados da população. Diferente é a realidade das classes sociais mais abastadas,  que, quando dispensam o trabalho da Polícia, recorrendo à proteção da segurança privada, geralmente recebem o auxílio preferencial das unidades policiais especializadas. Por conta disso, no Brasil inteiro, durante décadas, foram criadas as Delegacias Especializadas, com melhor estrutura e um pessoal técnico bem treinado, que seriam as “joias da Coroa” da Polícia investigava, em termos de padrões de excelência do trabalho policial. Nada contra essas importantíssimas unidades policiais, que são fundamentais na realidade de qualquer nação civilizada, que queira um policiamento moderno e bem qualificado.  Porém, o que eu critico é o emprego desses efetivos para atender, muitas vezes seletivamente, reclames de uma parcela mais rica da sociedade (bancos e grandes lojas, por exemplo), enquanto o restante da comunidade permanece com um atendimento deficitário. Diante disso, uma reestruturação da organização policial é fundamental, uma assunção inédita de recursos com pressão e mobilização da sociedade civil, bem como a participação democrática nos mecanismos de gestão.  Precisamos tirar do papel um Programa Estadual de Segurança Pública Democrático e Popular. Como diria o professor e antropólogo Luiz Eduardo Soares, ex-subsecretário estadual de Segurança no Rio de Janeiro e Secretário Nacional de Segurança Pública, os órgãos policiais como as Delegacias, na Polícia Civil, têm de deixar de ser “baronatos feudais”, onde, como em feudos enclausurados em castelos medievais, delegados funcionam como burocratas insensíveis aos reclames populares das circunscrições onde atuam, presos atrás de uma mesa e a um vetusto e anacrônico procedimento chamado de inquérito policial.  A Polícia do século XXI  tem de ser célere, tecnológica,  profissionalizada, bem paga e bem equipada, de ciclo completo com órgãos periciais funcionando não de forma separada, mas integrados às Delegacias, formando verdadeiros Departamentos de Polícia. Seguindo o exemplo do policiamento de proximidade herdado de modelos como o canadense, bem como levando-se em conta experiências do direito comparado, acredito que é possível reproduzir o exemplo escandinavo, em que o confronto armado desproporcional cede espaço ao diálogo, a participação  popular e à ciência,  com poucos recursos orçamentários e muita vontade política. Assim, espero, como parlamentar, poder contribuir efetivamente como um sujeito histórico, num projeto necessário desde a redemocratização, de efetiva reforma ou transformação policial neste país, e, principalmente, na Polícia do Rio Grande do Norte.

Polícia pra mim é pra proteger os pobres dos criminosos e não tratar pobres como criminosos. Ver o policial como um trabalhador que atende trabalhadores deve ser o mantra de qualquer partido ou movimento progressista que queira, verdadeiramente, romper com o anacrônico paradigma existente e contribuir para um projeto de transformação, ou mesmo recriação, do modelo policial que vivenciamos  no nosso cotidiano.

Blog do Barreto: Como o senhor avalia esse embate do governo com os policiais civis sobre a ADTS?

Fernando Alves: Sinto-me muito à vontade para falar sobre isso sem corporativismo ou partidarismo algum, seja como cidadão, militante progressista ou servidor policial. Afinal de contas, como uma grande quantidade de Delegados, agentes ou escrivães que, assim  como eu, têm tempo de serviço, eu, como pai de família, seria diretamente atingido, caso a discussão entre governo do Estado e entidades de classe policiais, face à decisão judicial sobre a inconstitucionalidade do referido adicional,  resultasse em desastre.

Em primeiro lugar, vai aqui minha opinião pessoal e jurídica sobre uma questão preliminar que antecede toda essa pseudo celeuma que constatei nas últimas semanas nas (às vezes conturbadas) negociações entre o governo do estado e os sindicatos e associações da Polícia Civil, que resulta na seguinte pergunta: por que demorou tanto um acordo?

A questão das ADTS começou com uma filigrana jurídica, que  culminou com uma decisão que tornou a exigência de sua suspensão quase um desastre humanitário. Afinal de contas, quem é que não iria morrer do coração ao saber que, de um dia para a noite, 30% ou mais de sua remuneração,  há anos recebida,  fosse eliminada do seu contracheque, e, consequentemente,  da sua conta bancária?

Para o leigo, seja ele servidor público ou não, tanto faz dizer que, no Direito Administrativo, adicionais de tempo de serviço integram ou não a remuneração final do servidor público (os chamados vencimentos), para efeito de incorporação ou não ou quantidade do benefício até a aposentadoria. Para o trabalhador assaltado atendido em uma delegacia,  para fins de formação de uma opinião pública favorável às lutas de uma categoria profissional, interessa somente saber se aquele policial que o atende, e que, em protesto, chegou a colocar cruzes na entrada da Governadoria, foi realmente sacaneado ou não, ou se, efetivamente, houve uma injustiça.

O que foi levantado pelas entidades de classe da Polícia Civil do RN, a começar pela maior delas, o SINPOL,  foi definir algo que, para o cidadão ou cidadã comum, é muito mais fácil entender,  do ponto de vista da luta política-salarial: está se tolhendo o direito de alguém?

Por falar em direito, as entidades de classe são juridicamente habitadas e politicamente legitimadas para defender os direitos dos trabalhadores de sua categoria profissional. Assim como um governo democrático e sensato não se fecha e abre uma mesa de negociação. Assim, o que aconteceu no RN só não virou um conto de fadas na relação democrática entre servidores e Estado  porque demorou muito para que um acordo fosse estabelecido. Foi necessária uma paralisação, compreendida como greve ilegal pela TJ-RN, de quase uma semana, envolvendo delegados, escrivães e agentes (incluindo-se os Plantões), para que governo e Estado começassem a entrar em rota de sintonia. Como segurança pública (assim como a saúde) é serviço essencial,  qualquer paralisação é prejudicial para ambas as partes em conflito; mas principalmente para o destinatário final da função policial: a própria população,  vítima de crimes.

Desta forma,  entendo que o SINPOL, ADEPOL e ASSESP fizeram a sua parte, cumpriram sua missão enquanto entidades de classe, com direções que foram fiéis às suas bases sindicais e de associados. Quanto ao governo, foi coerente com seu histórico de abertura e negociação, estabelecendo rodadas de diálogos,  exaustivamente estabelecidos, que acabaram resultando num acordo, muito esperado pela sociedade norte-rio-grandense.  Não se poderia esperar diferente de um governo que, em ano eleitoral, concorre à reeleição e conseguiu  também, pacificar a Educação,  evitando que os servidores da área permanecessem numa nova greve.

Num Brasil da crise, gerada pela pandemia, por um presidente negacionista e genocida, na questão da ADTS, com todas as dificuldades  de uma economia em frangalhos, não dá pra se falar de um final feliz, com uma Polícia Civil bem remunerada e satisfeita, mas há de se falar que nenhum direito foi retirado e que o respeito ao servidor público por qualquer governo, independente da conotação ideológica, dá-se pelo diálogo. É isso que espero de um mandato parlamentar de um Delegado de Polícia progressista, afrodescendente, democrata e de origem popular: diálogo, crítica e proposições formuladas na experiência e na racionalidade,  mas, principalmente,  audácia em querer transformar o que se recusa a mudar, como nosso modelo policial atual.

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Entrevista

Entrevista: “vamos construir saídas para apoiar as demandas do povo”, diz Jean sobre propostas para estabilizar preços dos combustíveis

Abaixo perguntas e respostas em que o senador Jean Paul Prates (PT) aborda o pacote de propostas para a estabilização dos combustíveis que ele deve apresentar na próxima semana. Entenda o que está na proposta nesta entrevista.

O que muda no ICMS?

Estamos em processo de diálogo com todos os atores, então é difícil antecipar detalhes. De saldo das conversas até agora recolho a esperança que a tributação dos combustíveis seja racionalizada, simplificando o sistema e mitigando perdas. Vamos trabalhar com sinergia com a proposta de Reforma Tributária capitaneada pelo Sen. Roberto Rocha, atualmente discutida no Senado Federal.

Já dá para prever o que isso pode significar de perdas para os estados?

Entendemos que o foco deve ser na manutenção das receitas, que naturalmente são essenciais para sustento das despesas públicas, com responsabilidade. O foco será em racionalizar o sistema, descomplicando nossa estrutura tributária.

Quanto a essa mexida no ICMS pode reduzir os preços do gás e dos combustíveis?

No longo prazo entendemos que a reforma tributária nesse setor, assim como em todos os outros setores econômicos, há grande potencial de ganho por meio da racionalização das normas tributárias, descartando burocracias injustificáveis e desmontando competições fraticidas entre os Estados. Como Casa da Federação, o Senado atua para fortalecer nosso Pacto Federativo. No curto prazo estamos estudando mecanismos para incidir de forma cirúrgica para ajudar a população mais humilde onde for mais necessário, sem invencionice e sem irresponsabilidade. Faremos reforma olhando para frente. Garantiremos apoio aos mais carentes pensando no hoje.

No que diz respeito ao Fundo de Estabilização de preços de combustíveis. De onde vêm os recursos?

O PL 1472/2021 indica uma compilação de fontes sugeridas. Caberá ao Poder Executivo lançar mão de recursos disponíveis, na configuração que entender mais pertinente, de modo a mitigar o impacto destrutivo da Política de Paridade de Internacional (PPI) sobre os combustíveis. Não é papel do Legislativo executar orçamento. Estamos oferecendo mecanismos para o Presidente eleito fazer seu papel. Se ele não quiser ou não souber resolver, deveria deixar a cadeira para quem saiba.

Como ele vai funcionar?

O programa inaugurado pelo PL 1472/2021 atua de dois modos, um comum e outro extraordinário. Na dinâmica comum, ele vai recolher recursos quando o combustível estiver com preços extraordinariamente baixos para formar uma poupança. Essa poupança será usada para mitigar aumentos, amortecendo a variação dos preços. Assim teremos maior previsibilidade, com menor impacto à inflação. Extraordinariamente será necessário, como agora, fazer um aporte adicional de recursos. Idealmente o programa vai se financiar, inclusive será delimitado por seus próprios recursos. A resistência ideológica do governo em fazer o que era preciso quando o combustível estava na baixa nos impõe uma obrigação de consertar o estrago no pior momento, numa tempestade perfeita. Mesmo assim, não deixaremos o povo desguarnecido.

O senhor diz que o impacto deste fundo depende da gestão pelo governo federal. Pode explicar melhor isso?

Cabe ao Poder Executivo gerir a administração pública federal, assim como cabe ao Poder Legislativo legislar e fiscalizar essa gestão. Tenho falado muito que o Governo Bolsonaro inaugurou o Parlamentarismo por Omissão, em que o Executivo se omite e terceiriza atividades básicas para o Parlamento, inclusive alocação de orçamento, vitimando políticas públicas e toda sorte de planejamento estruturante. Nossa proposta requer decisão e atividade do Poder Executivo, e seria inconstitucional invadir sua competência. Estamos apenas exigindo que o Presidente e sua equipe trabalhem, a despeito de grande resistência. As pesquisas eleitorais demonstram que a cobrança popular é forte.

Caso aprovado, quando o consumidor pode sentir os impactos dessa proposta?

Entendemos que municiaremos o Governo de ferramentas hábeis a, de partida, amortecer eventuais crescimentos dos preços dos combustíveis. E em alguns meses, com a alocação de recursos extraordinários necessários, vamos observar a redução gradual dos preços.

E quanto a PEC que está aqui no Senado… qual a avaliação o senhor faz dela?

Ainda estamos estudando seu teor, mas de partida observamos com cautela a opção do Governo Federal por mecanismos extraordinários para evitar o arcabouço fiscal que eles mesmos defendem. Nossa bancada tem sustentado reiteradamente que a PEC do Teto enrijeceu a disciplina orçamentária de forma desastrada, contratando um sem fim de problemas futuros. Vamos construir saídas para apoiar as demandas do povo, mas sem atropelos e sem embarcar numa lógica paradoxal, que prega a rigidez e vive de buscar exceções. Vamos avaliar as PECs e entender quais ideias boas podemos incorporar ao nosso debate.

Não é necessário mexer na Constituição já que será necessário algum tipo de renúncia fiscal?

Cabe aos propositores da PEC defendê-la, em seu mérito e na sua estratégia legislativa. Das matérias sob minha responsabilidade, posso dizer que estão ancoradas em um debate sério e diligente, com responsabilidade.

 

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Entrevista

Carlos Eduardo confirma negociações com Fátima e manda recado para a oposição: “está desarrumada”

Everton Dantas

Diretor de redação/Tribuna do Norte

“É possível sim uma aliança que tenha Fátima Bezerra candidata à reeleição e eu ao Senado”. Quem confirma é o ex-prefeito Carlos Eduardo (PDT), que concedeu entrevista na manhã de sábado para falar sobre a tendência de que ele seja escolhido como candidato na chapa majoritária para este ano. Ele explica porque negou um convite para disputar o governo pela oposição, que classifica como “desarrumada”; fala sobre o fato de ter votado em Bolsonaro em 2018; e diz em que pé se encontram as negociações visando a aliança PT/PDT no RN.

Como está sua relação com a governadora Fátima Bezerra?

O secretário do gabinete civil, Raimundo Alves, designado por ela para conversar com os partidos, já esteve conosco algumas vezes. A governadora Fátima Bezerra está construindo pontes junto à Social democracia, ao centro político, no sentido de ampliar suas chances eleitorais e a governabilidade. Eu quero dizer o seguinte: o Rio Grande do Norte é um Estado diferente daquele de 2018, quando disputamos a eleição. O Rio Grande do Norte rodava no negativo. Estava já há algum tempo numa grave crise fiscal, afundado em dívidas. Os servidores tinham quatro folhas salariais em atraso. A minha avaliação é que ela (Fátima) nesses quatro anos – que completa este ano – conseguiu resolver esses problemas. E contou com a ajuda de Virgínia Ferreira, que foi secretária de planejamento da Prefeitura na minha gestão. O Estado hoje resolveu a crise fiscal e o Estado já passa a ter capacidade de investimento para levar a efeito políticas públicas.

Em que nível está o entendimento para o senhor ser candidato a senador na chapa de Fátima Bezerra?

O que eu posso lhe dizer é que a governadora está conversando internamente com o partido dela. As conversas realmente avançaram e afirmo que é realmente uma aliança política tendo ela como candidata à reeleição e eu como candidato ao Senado.

Da sua parte já está tudo certo?

É. Nós estamos num processo de consulta interna. Mas as coisas evoluíram muito. E eu digo a você que hoje é possível sim – repito – fazer a aliança política na qual ela seja candidata à reeleição e eu ao Senado.

O senhor foi convidado para ser candidato a governador numa chapa de oposição a Fátima?

Eu sempre pratiquei o diálogo. Mas sempre encontrei muitas dificuldades na oposição porque eles sempre ignoraram a minha candidatura, apesar de todas as pesquisas demonstrarem que a minha candidatura era a mais competitiva para enfrentar Fátima Bezerra. Nunca é demais rememorar os fatos: eles lançaram primeiro a candidatura do deputado estadual Tomba Farias e me parece que houve a desistência dele. Depois lançaram com toda pompa e circunstância a candidatura do deputado federal Benes Leocádio. Numa terceira fase lançaram também a de Ezequiel (Ferreira de Souza, presidente da Assembleia Legislativa). Como isso não prosperou, vieram à minha procura. Mas fizeram exigências que eu não me submeto.

Quais?

Primeiro que eu deveria deixar o PDT e ir para um partido de direita, identificado com o governo federal. E segundo, que eu dividiria palanque com o bolsonarismo. Então, como eu disse que não mudava de partido nem ia para palanque com o bolsonarismo, a conversa não prosperou. E a conversa que prosperou foi com a governadora Fátima Bezerra.

Na eleição passada, na reta final, o senhor defendeu o bolsonarismo. E hoje o senhor é contrário ao bolsonarismo. O que mudou?

Eu, na realidade, apoiei Bolsonaro e votei no segundo turno. No primeiro turno votei em Ciro Gomes. No segundo turno votei em Bolsonaro. Mas me arrependi. Cometi um erro. Até porque a linha do meu partido sempre foi de oposição ao Bolsonaro. Quem não cometeu erros? Eu cometi. Há uma frustração grande e eu já fiz essa autocrítica, há muito tempo.

Como o senhor avalia a resistência dos petistas a seu nome?

O que eu tenho visto de resistência, pública, é do senador Jean-Paul Prates. Fora daí eu não vi nenhuma declaração nos últimos 20 dias, contrária a essa aliança.

O senhor acredita que haverá algum problema para essa aliança no RN o fato do PT e o PDT terem candidatos à presidência?   

Não. Não haverá nenhum problema. Porque no Ceará, a terra de Ciro Gomes, o PDT já firmou aliança com o PT. Lá o candidato a governador será do PDT (Roberto Cláudio) e o candidato ao Senado será do PT (Camilo Santana). E em outros estados me parece que também estão em curso essas negociações sem problemas com relação às candidaturas de Lula e Ciro. Então, se na própria terra de Ciro Gomes, essa aliança já foi feita e convalidada por Ciro e Cid Gomes… Isso foi firmado inclusive com Lula, quando ele foi a Fortaleza. Estamos todos no mesmo campo de oposição ao governo Bolsonaro.

Qual a expectativa de definição dessa chapa com o senhor e a governadora?

Está em curso… As consultas internas dos partidos e só este processo terminando é que vamos ter esse desfecho.

Que avaliação o senhor faz da oposição?

A oposição está desarrumada. Está desunida. O bolsonarismo tem dois candidatos ao Senado. Nenhum deles quer disputar o governo, não sei porque. Eles é que podem falar sobre isso. Os tucanos estão divididos. Metade apoia o governo, a partir da presença forte do presidente da Assembleia, Ezequiel Ferreira de Souza. E a outra metade na oposição. Como a candidatura de Tomba não vingou. E me parece que a candidatura de Benes não vingou. E a tentativa de que eu fosse o candidato não vingou, eles estão querendo fazer um esforço sobre Ezequiel, que se aceitar isso terá enorme dificuldade. Até agora ele não falou se aceita ou não; depois de estar no governo e ter indicações a cargos comissionados, ser candidato da oposição. Até este momento a oposição, me parece, está sem prumo.

Qual sua avaliação acerca do governo Bolsonaro?

Hoje, o brasileiro vive pior do que há três anos. A inflação de dois dígitos engole salários e o trabalhador tem sua pior renda desde 2012. Na educação, os jovens já nem sonham mais com a universidade. O ENEM teve, no ano passado, o menor número de inscritos desde 2005. E o principal responsável por termos mais de 620 mil mortes por covid, a maior taxa de mortos entre os 40 países mais populosos do mundo, fala por si. O presidente Bolsonaro ataca incessantemente os pilares da democracia brasileira. Bolsonaro é inimigo da democracia. É um projeto de ditador. Vivemos hoje um presidencialismo de orçamento, com o orçamento secreto, sem controle e sem transparência, onde estamos vendo emendas paroquiais da ordem de R$ 35 bilhões, uma verdadeira orquestra de horrores regida pela batuta de um dos maiores líderes do Centrão, Ciro Nogueira. A população que lide com os cortes em saúde, educação e infraestrutura, em meio a uma crise na qual não há crescimento nem emprego. Mas não falta recursos para comprar parlamentares para a defesa desse governo que está aí. O governo Bolsonaro não tem planos nem projetos, só uma ação eleitoreira em detrimento de um projeto para a coletividade. O Brasil precisa eleger um governo que dialogue com a maioria da sociedade e promova as reformas, inclusive, rediscuta a reforma trabalhista, que foi proclamada como uma reforma que ia reduzir o desemprego e o que a gente registra, pelas estatísticas, aumentou o desemprego e diminuiu a renda do trabalhador

Qual sua avaliação com relação ao ministro Rogério Marinho, que deve ser seu adversário na eleição?

Eu não sei nem se ele é candidato porque faz um ano que ele e o outro ministro, Fábio Faria, estão disputando essa condição. Então, eu agora estou tentando viabilizar essa candidatura ao Senado e depois sem preocupação com o adversário.

Prefere Fábio Faria ou Rogério Marinho como adversário?

Não, eu não tenho esse privilégio não. Eu acho que eu tenho que cuidar das minhas propostas que eu vou apresentar. O adversário, acho que vou conhecer mais adiante.

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Entrevista

Entrevista: pesquisador analisa influência do quadro partidário na formação de governos no RN

Ontem o Blog do Barreto publicou reportagem sobre um estudo que analisou perfil do secretariado do Governo do Rio Grande do Norte no período entre 1995 e 2015 (ver AQUI). O trabalho foi realizado pelos pesquisadores Alan Lacerda e Sandra Gomes são do Departamento de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) enquanto que André Luís é da Escola de Administração de Empresas de São Paulo e Fundação Getúlio Vargas. Conversamos com um dos autores do trabalho, Alan Lecarda, que nesta entrevista analisa o papel da Assembleia Legislativa dentro dos governos e o que pesa no êxito de um governo em termos de secretariado.

Blog do Barreto: O artigo aponta que no recorte temporal analisado que as indicações de secretários sofrem menos influência da representação partidária na Assembleia Legislativa do que ocorre em nível federal. Seriam as relações políticas no RN menos institucionalizadas? 

Alan Lacerda: O conceito de institucionalização nesse caso é um tanto complexo, pois supõe que se deva definir primeiro o que é uma relação política institucionalizada. Se por institucionalizado se entender um ambiente político regido pelo recrutamento de políticos por critérios partidários, sim, as relações políticas no estado apresentam menor grau de “institucionalização”. É importante notar que na literatura acadêmica por vezes a institucionalização também pode ser informal, ou seja, regida por normas mais ou menos estáveis que não residem nas instituições representativas. Nesse sentido mais societal, talvez seja possível dizer que há uma institucionalização das relações políticas no estado, baseada em redes pessoais nas quais o partido é apenas um elemento. É um ponto para futuras pesquisas.

BB: O artigo faz comparação com democracias parlamentaristas que formam governos a partir de quadros dos próprios partidos. No RN os governos buscam nomes de fora das agremiações. Isso indica uma carência de quadros dentro dos partidos? 

AL: isso indica que os partidos de modo geral não são os lugares principais do recrutamento político e de formação de quadros para a política. Se as agremiações não retêm esses quadros, o governador ou governadora trabalhará com o que pode divisar no panorama técnico-político e no seu círculo de relações pessoais.

BB: Outro ponto que chama atenção é que os governadores geralmente formam maiorias na Assembleia Legislativa sem ser pela via partidária, mas pelo varejo diretamente com os deputados. Por que o parlamento influencia tão pouco no secretariado? 

AL: isso varia um pouco entre os governos, e dentro de cada um deles. O governo Garibaldi, por exemplo, foi o mais “partidário” no período 1995-2015. A rigor, argumentamos que o elemento partidário se mescla com redes familiares e pessoais de confiança do governador. É importante também chamar a atenção para o segundo escalão e a administração indireta estadual, que não foram objeto de nossa pesquisa. Talvez neles resida outro padrão, que qualifique o que dissemos no trabalho, ou seja, um padrão no qual o perfil partidário das bases governistas na Assembleia é atendido de um modo mais claro.

BB:Observando as tabelas percebe-se que não exatamente um padrão de formação do secretariado. Cada governo tem uma característica própria. Qual o modelo ideal? 

 AL: A pergunta demanda uma avaliação de valor, que pode ser diferente inclusive entre os autores do artigo. Na minha opinião, o secretariado estadual poderia ter maior competência técnica, ou seja, preparo especializado e boa formação, como também maior competência política, ou seja, alguma capacidade de alterar a realidade com criatividade e articulação política. Eu acho os quadros relativamente frágeis em ambas as dimensões, mesmo considerando, como fazemos no texto, que vários secretários são indicados por uma mescla de critérios técnicos e políticos.

BB: O clichê da cobertura política valoriza o secretariado técnico. A tabela indica que Rosalba montou a equipe mais técnica, mas ela teve a pior avaliação no período e isso passou por sérios problemas de ordem política, inclusive. Foi só isso que deu errado? 

AL: Sim, minha compreensão é que o problema fundamental do governo Rosalba foi de ordem política. A maneira como o então vice-governador Robinson Faria foi alijado da gestão demonstra imenso amadorismo político, que prosseguiu no trato com a Assembleia Legislativa. Possivelmente a passagem da escala municipal para a estadual mostrou que o círculo da então governadora possuía limitações muito sérias de articulação política, que eram mascarados até então pela dimensão municipal na qual haviam vicejado em Mossoró.

BB: Robinson que teve apenas o início do Governo analisado gabava-se de ter uma equipe que aliava o técnico e o político e o estudo comprovou isso, mas o resultado na avaliação dele não foi o esperado. Seria efeito da conjuntura daquela quadra histórica? 

AL: o secretariado de Robinson, em termos de gestão, tinha o mesmo nível que seu chefe. Quadros frágeis, inclusive na sensível área da segurança pública, sem capacidade de definir prioridades. A rigor, o governador vendeu um governo técnico que nunca existiu. Não basta encher o governo de técnicos para que uma gestão tenha excelência técnica; os técnicos precisam ser bons e ter uma orientação política clara do principal gestor. O governador não percebeu que sua capacidade de articulador político, certamente eficaz nas miudezas diárias da movimentação política, não correspondia com sua dificuldade pessoal de gerir, de definir prioridades e realizar escolhas difíceis. O secretariado deveria ter sido composto de nomes muito melhores do que os efetivamente nomeados para que o governo tivesse uma chance de dar certo.

BB: Em relação ao Governo atual, quais diferenças e semelhanças é possível apontar em relação ao período estudado?

AL: não cheguei a estudar a composição do secretariado do atual governo. De um ponto de vista político, a novidade gerada pelo pleito de 2018 foi a criação de uma gestão com claro perfil de centro-esquerda. Talvez um ponto controverso: não julgo que Wilma de Faria como governadora foi isso entre 2003 e 2010, como se poderia avaliar. Esta avaliação de certa forma emerge do fato da gestora ter se alinhado de um modo mais estreito às políticas do governo Lula no plano da União. Não considero isso suficiente para a mencionada classificação. No caso de Fátima é possível esperar, e na verdade já é possível ver, dentro das limitações fiscais, políticas de fato estaduais que giram à esquerda, como as compras de agricultura familiar. Do ponto de vista da base partidária na Assembleia, no entanto, o governo também é confuso. Há bancadas divididas entre o situacionismo e a oposição, a exemplo do PSD e PSDB; a maioria absoluta foi obtida caso a caso e a composição partidária não parece se refletir no secretariado. Isso provavelmente impacta no perfil de nomeações do primeiro escalão, gerando fenômenos similares ao de gestões anteriores, analisados no artigo. A governadora tem que trabalhar com o que tem, assim como seus antecessores.

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