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Reportagem especial

Preterido pelo partido, contrário ao regime cubano e “desconsiderado” como médico. Conheça a história do Dr. Cubano, primeiro estrangeiro a vencer uma eleição em solo potiguar

Cláudio Palheta*, especial para o Blog do Barreto.

 A Boa Vista é, sem dúvidas, um dos bairros mais tradicionais e antigos de Mossoró. Conhecida pelas ruazinhas estreitas (e um tanto confusas), mas também pela efervescência cultural dos barzinhos e praças, a localidade tem tudo a ver com nosso personagem.

Foi pelas ruas da Boa Vista que caminhamos em busca de Yonaes Infante Rodrigues, o Doutor Cubano, médico de 43 anos, vereador eleito da Câmara Municipal de Mossoró e sensação neste período eleitoral. Com 1.515 votos ele surpreendeu até os analistas políticos mais competentes, superou alguns “figurões” da política local e se tornou o primeiro estrangeiro a vencer um pleito na história do Rio Grande do Norte.

A tarefa de encontrar Infante não foi difícil: todos que nos deram informações sempre o fizeram com um largo sorriso no rosto e a sensação de que falávamos de um amigo em comum. Dr. Cubano é quase uma unanimidade nas ruas do bairro.

Nosso bate-papo começou com um importante aviso: “Por favor, vamos chamá-lo de Dr. Cubano, esse é o nome que está na boca do povo”, disse uma das assessoras presentes, pedindo para esquecermos o “cubanesco” nome Yonaes Infante. A conversa foi filmada (e talvez transmitida) na íntegra pela equipe do vereador eleito.

Dr. Cubano nos recebeu com largo sorriso no rosto e mostrou os portões de sua casa sempre abertos, lembrando que mesmo antes de pensar em se tornar vereador, já recebia os vizinhos e amigos para um café na varanda e uma consulta informal.

É surpreendente a aconchegante e arborizada casa do médico, que em nada se assemelha com as mansões da grande maioria de seus colegas de profissão em Mossoró. Também chama a atenção o paredão (que descobrimos ser emprestado) estacionado na garagem. O veículo foi peça chave nas passeatas realizadas pelo Cubano em todos os bairros da cidade e que lhe garantiram a vitória no pleito municipal.

O sorridente Dr. Cubano (Foto: Bruno Alexandre)

Chegada a Mossoró foi por meio do Programa Mais Médicos

Dr. Cubano fala com carinho do Brasil e do povo brasileiro. Hoje ele se considera um “brasileiro de sangue” (e legalmente já é um compatriota, uma vez que possui cidadania brasileira). Segundo ele, a paixão pelo país foi instigada pela boa impressão levada pelas novelas que chegavam a Cuba.

“O Rio de Janeiro era a imagem que eu tinha cristalizada na mente de como seria o Brasil. Depois que cheguei a Recife, fui informado que ia morar em Mossoró, fui pesquisar e fiquei sabendo que era uma terra quente, rica em petróleo. Descobri que quem toma a água de Mossoró não quer mais sair daqui e tenho a impressão que me joguei no poço dessa cidade. Sou mossoroense!”, narra divertidamente o cubano que hoje mora com sua mãe e seu filho na cidade.

Ele chegou em solo brasileiro em 2014, trazido pelo Programa Mais Médicos, dos Governos de Lula e Dilma (PT), que viabilizou a vinda de médicos cubanos e teve como objetivo diminuir a carência de profissionais, fortalecer os serviços de atenção básica, aprimorar a formação médica no país e ampliar a inserção dos médicos em formação nas unidades do SUS.

O médico e agora vereador em 2017 (Foto: redes sociais)

“Vim para o Brasil em 2014, pelo Programa Mais Médico. Cheguei e logo fui trabalhar na UBS da Boa Vista. Foi meu trabalho lá que me deu projeção e me aproximou das pessoas de Mossoró”, conta Dr. Cubano

O médico destaca que o jeito irreverente e humanizado foi seu diferencial e trouxe à Boa Vista um público de diversos bairros buscando por atendimento. “Eu sempre dizia – quem precisar de mim pode vir que eu atendo. Não existe área, existe Mossoró, existe o povo brasileiro. Se você precisar de um médico, pode chegar”, relembra.

“Se era dia de atendimento do Dr. Cubano a UBS lotava”. Essa é a máxima reconhecida pelos populares da Boa Vista, que viram no médico uma possibilidade para consultas em casos mais complexos, mas também em demandas mais simples (muitas vezes emperradas pela burocracia e precarização do serviço), como a liberação de uma simples receita ou uma avaliação pós-procedimento.

Governo Bolsonaro “desqualificou” Dr. Cubano, que foi trabalhar como balconista em farmácia

Entre 2018 e 2019 o inescrupuloso Governo de Jair Bolsonaro (à época no PSL, hoje no PL) iniciou sua cruzada ideológica e um dos principais alvos foi o Programa Mais Médicos, desmontado e substituído pelo pífio Programa Médicos pelo Brasil. O objetivo de Bolsonaro era romper qualquer laço diplomático com o Governo de Cuba e a decisão atingiu diretamente o Dr. Cubano, que precisou decidir se ficaria no Brasil ou se voltaria para sua terra natal, em especial porque seu diploma não era mais considerado válido aqui e ele não poderia clinicar.

Em uma inesperada decisão, Infante optou por ficar em Mossoró e para pagar as contas teve de trabalhar como balconista em uma farmácia.  Ele conta que o período foi de muito aprendizado e confessa que o balcão da farmácia começou a ficar lotado de clientes ávidos por sugestões e conselhos do profissional.

“Aprendi muito na farmácia e tive a oportunidade de ajudar as pessoas levando meu conhecimento como médico. As pessoas diziam – Vá lá, tem um Dr. Cubano, ele pode lhe ajudar – e a farmácia vivia lotada. Todo trabalho na vida tem seu valor e sou muito grato pela experiência que tive”, comenta.

Nos tempos em que trabalhou como balconista (Foto: redes sociais)

Durante o papo, Dr. Cubano fez questão de reforçar a importância que dá a valores como o amor, a fé e a alegria. Perguntado se guardava alguma mágoa do Governo de Bolsonaro e do período em quem trabalhou no balcão da farmácia ele garante que não.

“Isso de que nós não erámos médicos foi cultivado na cabeça das pessoas para que elas espalhassem com mentiras. Mas nosso trabalho provou às pessoas todo nosso valor e competência. Garanto que não tenho nenhuma mágoa do que foi feito conosco, não sou eu quem dá perdão a ninguém, quem faz isso é deus. O que eu posso oferecer às pessoas é amor, mesmo quando me oferecem ódio”, comenta, finalizando o assunto.

“Não recebi parabéns de ninguém do meu partido”

Podemos aferir, pelo tempo dedicado à produção desse material, que uma das principais características de Dr. Cubano é a sinceridade e irreverência em temas que normalmente seriam tratados com total melindre por políticos mais experimentados. Talvez os próximos anos na Câmara mudem a personalidade do médico. Esperamos que não.

Ele é sincero e comprovou clareza política ao admitir que escolheu o PSDB para ser seu partido a partir de um cálculo bem feito de quantos votos precisaria pra entrar e do suporte que receberia dentro de uma legenda. Para Infante, o partido é menos relevante do que as ações individuais do candidato e elas é que deveriam ser levadas em consideração pelos eleitores.

“O PSDB me acolheu, mas praticamente não tivemos nenhum apoio na campanha. Nosso trabalho foi feito de porta em porta. Acreditei que teríamos bem mais recurso, mas não chegou praticamente nenhum”, conta.

O cubano confessa que se sentiu subestimado, em especial pela cúpula do PSDB local.

“Quando começamos essa campanha eu comecei a aparecer nas pesquisas e vi que tinha chance de ganhar. Mas fui subestimado sim, especialmente pelo partido. Sem recurso, sem ajuda de ninguém, só dos meus apoiadores cotidianos, conseguimos vencer”, afirma.

A equipe que ajudou Dr. Cubano na campanha (Foto: Bruno Alexandre)

Ele relembra com certa chateação que até o momento de nossa entrevista (realizada na última quarta-feira, dia 9) ainda não havia recebido nenhum telefonema de parabenização ou agradecimento pelas principais figuras do partido (incluindo o candidato à Prefeito, Lawrence Amorim e o presidente estadual da legenda, que também é Presidente da AL/RN, Ezequiel Ferreira).

“Eu não era o preferido do partido para entrar. Elas não queriam que fosse eu”, desabafa o cubano.

 Allyson foi um bom prefeito para Mossoró, mas a saúde precisa melhorar

Questionado sobre a gestão do Prefeito Allyson Bezerra (UB), que nestas eleições foi adversário de Lawrence Amorim, candidato de seu partido, Doutor Cubano ri mas não foge da pergunta: “Até agora ele tem melhorado muito Mossoró. Sobre a saúde eu reclamo, ainda está precária, tem que melhorar muito. Mas ele faz um bom trabalho sim” crava.

Sobre seu futuro na Câmara, Dr. Cubano destaca que a saúde será a prioridade e que o Governo do Estado e Federal serão procurados para parcerias e apoio.

“Quero levar as lutas saúde para Câmara de Mossoró. Olhar diretamente para as UPAS, as UBS, o Hospital Tarcísio Maia. Quero bater à porta do Governo Estadual, do Governo Federal, para mostrar os problemas da saúde da cidade. Mossoró é o segundo maior município do estado, está entre duas capitais,  e deveria ter uma maior visibilidade e cuidado”, destaca.

Cubano sim, comunista não!

Uma das principais dúvidas levantadas desde a eleição de Dr. Cubano seria sobre uma possível relação do médico com o partido e o movimento comunista vigente na ilha da América Central desde 1959.

Dr. Cubano é um homem de fé e garante não ser comunista ( Foto: Bruno Alexandre)

Perguntado sobre o comunismo, Dr. Cubano demonstra um imediato desconforto, mas não tergiversa: nasceu em Cuba, mas não se considera comunista. Mesmo com a negativa ao modelo revolucionário, o médico também não disfarça a tendência a posições mais progressistas.

“Eu sempre digo para as pessoas que não existem partidos. Existem pessoas! O que importa é o que você faz da sua vida em prol da sociedade e quem define isso não é o partido. Para fazer o bem para as pessoas, não importa se você é de direita ou esquerda”, conclui.

Projeto coletivo e construído por várias mãos

Dr. Cubano garante que sua eleição foi fruto de um trabalho realizado por muitas mãos e pensando cabeças. Dentre elas, é impossível não destacar a do empresário Aldo Arrais, que já havia sido candidato a vereador (sem sucesso, mas com votações consideráveis) duas vezes e optou por não tentar uma terceira vez e apoiar e coordenar a campanha do cubano.

O coordenador, que acompanhou de perto o papo que tivemos com o vereador eleito, explicou que o cálculo para a eleição do cubano levou em consideração seus votos em pleitos anteriores, o destaque conseguido pela atuação do médico e um trabalho coletivo e árduo durante a campanha.

“Em outras campanhas eu atingi a casa dos 650 votos, mas por falta de apoio de mais gente dentro da campanha acabei não entrando. Dessa vez decidimos apostar no nome do Dr., em um primeiro momento até pensamos na possibilidade de um mandato coletivo entre eu e ele, mas avaliamos que ele era mais conhecido junto à população e precisava de alguém para pensar e coordenar suas atividades. Quando as primeiras pesquisas começaram a aparecer eu tive certeza que ele ia ser eleito, mesmo contra a análise de alguns que achavam que os políticos mais tradicionais o venceriam na reta final”, narrou Aldo.

Aldo Arrais coordenou a campanha de Dr. Cubano (Foto: Bruno Alexandre)

*Agradecimentos especiais à equipe de comunicação da ADUERN, que deu suporte na construção do material e à diretoria da entidade que garantiu materialmente a produção da reportagem. 

 

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Reportagem especial

Allyson tomou Nogueirão da LDM sem lastro na lei, com processo desaparecido e assinaturas inconsistentes

No dia 11 de março de 2021, com pouco mais de dois meses de gestão, o prefeito Allyson Bezerra (ainda no Solidariedade, hoje no União Brasil) posou para uma foto ao lado do então secretário de esportes Junior Xavier, para anunciar a municipalização do Estádio Leonardo Nogueira, o Nogueirão.

Nas mãos um documento que não comprova nada nem tinha lastro legal que o sustentasse. A partir daí iniciou-se uma disputa silenciosa entre o prefeito a comunidade desportista de Mossoró que muito explica porque o Nogueirão chegou ao ponto de ter as portas fechadas por decisão judicial após vários incidentes constrangedores ao longo dos últimos anos.

A lei de 1961 é clara: seria necessário a extinção da LDM para reverter o Nogueirão

A história não começa com Allyson, mas ele escolheu se tornar protagonista dela na atualidade.

Mas voltado àquele 11 de março, ficou registrado na história o discurso com a promessa de dias melhores para a ruína que um dia foi uma praça esportiva. “Um momento histórico. Nós assumimos a Prefeitura e de cara abraçamos essa responsabilidade de devolver ao povo de Mossoró, de fato e de direito, o estádio Nogueirão. Era uma demanda histórica, de décadas, que a população queria que o Município pudesse cuidar do estádio”, disse Allyson em declaração oficial.

Certidão usada na foto não sustenta reversão do Nogueirão

Mas o tempo mostrou que a gestão entregaria dias piores para o futebol de Mossoró e, três anos depois, o estádio está interditado por decisão judicial que o prefeito escondeu na última entrevista à Intertv com o argumento mentiroso de que a interdição foi por causa da queda do teto das cadeiras.

A verdade é que a decisão judicial foi antes do incidente do último sábado de carnaval.

Mas a história da municipalização do Nogueirão não acaba nem começa com a desastrosa gestão de Allyson sobre o estádio. Há uma série de irregularidades que o Blog do Barreto passará a detalhar na sequência desta reportagem especial.

Para isso é necessário voltar ao ano de 1961 quando outro jovem prefeito administrava Mossoró após ser eleito deputado estadual, numa trajetória parecida com a de Allyson.

Ao assinar em 7 de dezembro daquele ano a Lei 33/1961, Antônio Rodrigues de Carvalho determinou a doação do terreno na então desabitada área do atual Nova Betânia para construir o estádio. A Liga Desportiva Mossoroense (LDM) ganhou um prazo de cinco anos para construir a praça esportiva a contar de 2 de janeiro de 1962. Caso a promessa não fosse cumprida, o terreno seria devolvido ao Munícipio.

O Estádio foi inaugurado oficialmente em 4 de junho de 1967 num amistoso entre a Seleção Mossoroense e o Ceará Sporting Club. O time alencarino venceu por 2×0.

Apesar do atraso de 6 meses, nunca houve contestação e a LDM ficou por quase 54 anos a frente do Nogueirão, salvo um curto período que você vai conhecer ao longo desta reportagem.

Na medida em que o estádio começou a definhar, se iniciou o debate sobre a municipalização. Afinal de contas, a praça esportiva pertencia a LDM, mas eram os recursos públicos que faziam a manutenção.

O primeiro prefeito a tentar assumir o controle do Nogueirão foi Francisco José Junior, em 2014, no auge da sua efêmera popularidade. No segundo semestre daquele ano ele enviou para a Câmara Municipal um projeto de lei aprovado pelo legislativo que se tornaria lei em 30 de dezembro daquele ano.

A Lei Municipal 3.265 de 30 de dezembro de 2014 estabelecia que para a reversão do patrimônio para o município seria necessária escritura pública lavrada em cartório. Mas é preciso entender que essa lei dependia da anterior para se efetivada e o dispositivo fundamental nunca se concretizou.

Ironicamente, coube a Rosalba Ciarlini (PP) logo no início do seu quarto mandato de prefeita entender que a lei não tinha sustentação porque o estádio foi construído e devolveu a praça para a LDM.

O ironicamente fica por conta pelo fato dela, em 2011, ter melado o processo de permuta em que o terreno do que restou do Nogueirão seria trocado por uma nova praça esportiva. Rosalba lançou uma maquete e prometeu uma reforma que nunca aconteceu.

O caso até hoje é piada entre os desportistas de Mossoró.

Já a devolução à LDM se deu pelo entendimento de que a Lei de 2014 não revoga a de 1961 que exigia a construção do Estádio, que ficou pronto pelas mãos da LDM, ou a extinção da entidade para a reversão do imóvel.

Uma é continuidade da outra como deixa claro o parágrafo único entre o primeiro e o segundo artigo da segunda lei. Como o estádio foi construído pela LDM o acerto se deu pelo caminho da extinção da LDM, o que nunca aconteceu. O atraso de seis meses na entrega do estádio nunca esteve em questão.

Lei de 2014 não revoga a de 1961 e fica dependente da extinção da LDM

Por isso, Rosalba devolveu o estádio a LDM.

Nas negociações em 19 de agosto de 2014, o então presidente Francisco José Junior acertou com José Carlos Rodrigues, na função de representante da LDM, que a entidade seria extinta. A ata da reunião deixa bem claro que a lei dependeria da extinção LDM conforme previa a legislação de 1961. A lei de 2014 menciona a de 1961 sem entrar neste detalhe, fundamental para garantir o lastro legal para a reversão do imóvel.

Acerto da reversão não foi com representante da LDM

O problema é que naquela data o presidente da entidade era Francisco de Assis Freire cujo mandato terminou em 19 de novembro daquele ano sendo sucedido por Francisco Braz em 20 de novembro.

Os problemas não param aí. No dia 20 de agosto, um dia após a reunião que selou um acordo por meio de uma pessoa que não era a representante legal da LDM, foi realizada uma reunião extraordinária da LDM para tratar da carta de admissão de reversão do terreno.

LDM não atendeu requisito para permitir reversão do imóvel

Aí surgiu uma série de esquisitices.

Primeiro é que Francisco Braz, assina como presidente da entidade antes mesmo de ter tomado posse, o que só aconteceu em 20 de novembro. Rocelito Miranda assinou como representante do Baraúnas sem estar habilitado para isso. Em 20 de agosto de 2014, o Mossoró Esporte Clube não poderia estar filiado a LDM por estar inscrito no CNAE tendo como atividade principal “Atividades de Associações de Defesa de Direitos Sociais”, o que não tem a ver com a prática esportiva. Além disso, há indícios de que assinatura do presidente do clube, João Dehon, teria sido falsificada.

Assinatura de João Dehon
Assinatura atribuída a João Dehon

Outra assinatura duvidosa é a de Antônio Correa Junior, que não era o representante legal da Associação Desportiva do Bairro IPE. Quem tinha essa função era Mário César Mendes dos Anjos.

Já o Cantareira Esporte Clube tinha dado baixa na Receita Federal em 31 de dezembro de 2008 e, por tanto, Francisco Leandro Medeiros Segundo, não poderia ter assinado a carta em nome do clube. O CNPJ usado é o da Seleção Baraunense.

Até mesmo uma entidade inexistente, a Associação Cultural Baraúna Esporte Clube assinou o documento.

Em amarelo as assinaturas suspeitas

A extinção de uma entidade só ocorre de duas formas: decisão judicial ou decisão voluntária dos associados como prevê o Capítulo XIX do artigo 5º da Constituição Federal. Só com a extinção da LDM seria possível reversão do imóvel.

A própria gestão de Francisco José Junior se comprometeu a só enviar o projeto à Câmara Municipal com a dissolução da LDM, o que nunca aconteceu. Ainda assim a lei foi aprovada, sancionada e o decreto assinado. Rosalba percebeu a ilegalidade e devolveu o estádio, Allyson preferiu passar por cima dos acordos.

Obrigações assumidas pela PMM. Projeto foi enviado sem que a LDM fosse extinta

Mas como, após o interregno de quatro anos, o Nogueirão voltou para o controle da Prefeitura de Mossoró? É aí que Allyson assume o protagonismo da história.

O prefeito utilizou do Decreto Municipal 4.434/2014 que realizou a reversão do imóvel com base na lei 3.265/2014 além da ata da assinatura do termo de compromisso (como a reportagem mostra assinada por uma pessoa que não era representante da LDM) e a carta de admissão da reversão cheia de assinaturas suspeitas. Tudo isso sem o principal: a extinção da LDM que nunca se concretizou.

A alegação na certidão que Allyson aparece segurando na foto é que a LDM descumpriu condicionantes da carta de admissão. As condicionantes descumpridas não são detalhadas, além da carta ter assinaturas no mínimo duvidosas.

Cartório admite inexistência de escritura que comprove a reversão do terreno

O documento da foto foi lavrado no 6º Ofício de Notas. Ele foi usado para consumar a reversão do Nogueirão para o Município através do processo administrativo 0122/21.

O Blog apurou que a LDM solicitou ao 6º Ofício de Notas informações sobre o processo e o cartório avisou que não possui a escritura pública da reversão do Estádio para o município nem o próprio processo.

A LDM chegou a pedir informações à Prefeitura de Mossoró que não respondeu a respeito do processo administrativo.

Em síntese: oficialmente ninguém sabe onde está o processo.

Allyson desfez a correção de rumo de Rosalba sem lastro na legal porque a LDM não foi extinta como previa a lei da doação do terreno (que não foi revogada com a de 2014), há um processo cujo paradeiro é desconhecido e uma carta cheia de suspeitas sobre as assinaturas.

CNPJ da LDM segue ativo
Certidão confirma existência da LDM
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Reportagem especial

Há 60 anos militares invadiam o Palácio Felipe Camarão e tiravam o prefeito de Natal Djalma Maranhão do poder

Há 60 anos enquanto o golpe militar transcorria a política potiguar se dividia entre os que apoiavam a derrubada da democracia, como o governador Aluízio Alves, que abraçou a queda de João Goulart após um curto período de indecisão, e o prefeito de Natal Djalma Maranhão, que desde o primeiro momento foi contra a ruptura institucional.

Num 2 de abril, como hoje, Djalma, primeiro prefeito eleito na capital pelo voto direto em 1962, e até hoje o único alcaide progressista de Natal, sofreu as consequências de ter escolhido o lado da democracia. Ele foi tirado do poder de forma violenta.

Essa é uma história pouco contada nos livros de história do Rio Grande do Norte e apagada da memória coletiva potiguar.

Djalma chegou ao trabalho pela manhã, logo cedo para aquele que seria seu último dia no Palácio Felipe Camarão. O prefeito acompanhava os acontecimentos pelo rádio e não escondia a tensão. Naquela época a sede do Governo do Rio Grande do Norte era o Palácio Potengi, que ficava em frente a sede do governo municipal.

De lá Djalma também observava o movimento no local de trabalho de Aluízio Alves.

Ao longo do dia, o prefeito já tinha percebido que algo aconteceria com ele porque um dia antes o governador de Pernambuco Miguel Arraes, de perfil semelhante ao de Djalma, havia sido deposto pelos militares.

Temendo o pior, liberou os funcionários do gabinete por 15h enquanto apenas dois assessores permaneciam ao lado de Djalma: Flávio Cláudio Simineia e Carlos Lima. Por exigência do prefeito, eles se retiraram do gabinete, mas escolheram permanecer no salão nobre do palácio.

Djalma recebeu os militares sozinho para ouvir o sepultamento de sua carreira política de forma violenta.

No final da tarde, Djalma escutou o batido dos coturnos subindo as escadas. O oficial grita no caminho: “acabou a baderna! Pra fora seus comunistas”.

A porta do gabinete foi aberta aos chutes de um oficial do Exército acompanhado por soldados fortemente armados.

Djalma ensaia uma tentativa de diálogo, mas às 17h deixa o Palácio Felipe Camarão preso em direção ao Quartel General do Exército na Praça André de Albuquerque, poucos metros de distância onde o voto popular do eleitor natalense acabara de ser solapado pela truculência golpista.

Em conversa com o coronel Mendonça Lima, Djalma ouviu a sugestão para renunciar, mas se recusou em nome da honra e do povo. Ele foi levado ao 16 RI para ficar preso enquanto a força das armas impunha a Câmara Municipal do Natal o papel de conduzir a farsa aprovando por unanimidade os impeachments de Maranhão e do vice Luís Gonzaga dos Santos no dia 3 de abril.

No dia 6 de abril a Câmara Municipal de Natal elege indiretamente o almirante Tértius César Pires de Lima Rabelo. Natal sentiu o gosto amargo do golpe com o prefeito deposto à força.

Djalma foi encaminhado para a Ilha de Fernando de Noronha e depois exilado no Uruguai onde morreu sem voltar ao Brasil em 30 de julho de 1971.

A deposição de Djalma foi simbolicamente anulada pela Câmara de Natal em 20 de fevereiro de 2014. Os seus restos mortais foram trazidos e sepultados no Cemitério do Alecrim.

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Reportagem especial

Há 60 anos os militares derrubavam a democracia no Brasil. Entenda o que aconteceu no RN naquela data

Por Bruno Barreto

A madrugada que separou os dias 31 de março e 1º de abril de 1964 foi marcada pela ruptura do Estado Democrático de Direito no Brasil levando o país a 21 anos de ditadura militar.

Tudo isso há exatamente 60 anos*.

Entre historiadores renomados é unanime que foi um Golpe de Estado com direito a tanques nas ruas, inclusive.

No Rio Grande do Norte os efeitos da ruptura com a democracia foram sentidos de forma imediata. O Estado vinha de uma eleição acirrada e marcada pelo radicalismo em 1960 quando Aluízio Alves, após romper com Dinarte Mariz, derrotou Djalma Marinho e se tornou governador do Estado.

Aluízio deu apoio ao golpe e foi um aliado de primeira hora dos militares.

O prefeito de Natal era Djalma Maranhão, político abertamente de esquerda que atuava como terceira via entre as oligarquias comandadas por Aluízio e Dinarte. Djalma possui fortes divergências públicas com Aluízio.

Maranhão entraria para história também por ter feito a campanha de alfabetização “Pé no Chão Também se Aprende a Ler”, baseada nos métodos do pedagogo Paulo Freire.

Com deflagração do golpe, ele faria da Prefeitura de Natal o principal foco de resistência no Rio Grande do Norte. O Palácio Felipe Camarão se tornaria o “QG da Legalidade e da Resistência”. No entanto, o entorno de Maranhã era frágil por se limitar a lideranças sindicais, estudantes e assessores.

Enquanto isso, Aluízio publicava na Tribuna do Norte uma nota em que pedia ao povo potiguar para se conservar calmo evitando manifestações que aprofundem divisões.

Apesar do discurso apaziguador caberia ao governador encaminhar as primeiras ações de repressão política no Rio Grande do Norte perseguindo lideranças sindicais e políticos adversários.

Djalma foi deposto do cargo em 2 de abril de 1964 quando tropa militares invadiram o Palácio Felipe Camarão e o prenderam enviando para o 16º Regimento de Infantaria, o conhecido 16 RI.  Os militares ainda propuseram que ele renunciasse ao mandato conquistado nas urnas em 1962, mas o prefeito preferiu resistir.

Mas não seria Maranhão o primeiro preso político do novo regime. Durante as negociações para tirar o prefeito do poder o líder sindical Evlim Medeiros (Sindicato da Construção Civil de Natal) seria preso após ser reconhecido por um oficial do exército sendo levado para o 16 RI antes do desfecho que culminou com a prisão do líder da resistência ao golpe no RN.

Após ser posto em liberdade, Djalma Maranhão se exilou em Montevidéu onde morreu em 30 de julho de 1971, segundo seu companheiro de exílio Darcy Ribeiro, a causa teria sido saudade.

Aluízio que comandava as perseguições logo seria convertido de vilão a vítima.

Os dias seguintes ao Golpe seriam marcados no Rio Grande do Norte pelo fechamento de sindicatos e prisões de lideranças políticas.

Enquanto isso, o golpe reunia formalmente ferrenhos adversários. Aluízio e Dinarte estaria alinhados dentro do sistema governista e fundariam juntos a Arena no Rio Grande do Norte em 1965 embora a convivência não fosse boa.

Mossoró no contexto do Golpe

Na época do Golpe Militar Mossoró era administrada por Raimundo Soares, aliado da família Rosado, que comandava a política local.

Os principais líderes políticos da cidade, Vingt e Dix-huit Rosado, logo aderiram ao regime e fariam parte das articulações alinhados à liderança de Dinarte Mariz.

Em Mossoró não há muitos estudos sobre o que aconteceu na cidade na madrugada entre 31 de março e 1° de abril.

O único político mossoroense a organizar alguma forma de resistência foi o deputado estadual eleito em 1958 Cesário Clementino que fora líder sindical dos ferroviários. Em 1964 ele era suplente, mas teve esta condição política cassada pelo regime.

O período militar foi de hegemonia rosadista e de disputas pelo comando do Palácio da Resistência. A única quebra dessa sequência aconteceu em 1968 quando o ex-aliado dos Rosados Antônio Rodrigues de Carvalho derrotou Vingt-un por 98 votos.

 

O relatório Veras

Nos primeiros dias pós-Golpe, Aluízio Alves mandou buscar em Recife os delegados da Polícia Federal José Domingos da Silva e Carlos Moura de Moraes Veras que produziriam o “Relatório Veras” identificando os “subversivos” do Estado.

Eles produziram um trabalho de 67 páginas em que apontaram cujos alvos preferidos eram servidores da rede ferroviária, da Prefeitura de Natal, estudantes, artistas e sindicalistas.

Na lista constam o professor Moacyr de Góes, o médico Vulpiano Cavalcanti, o jornalista Ubirajara de Macedo e o pastor José Fernandes Machado. Além de, claro, Dajalma Maranhão.

No mesmo período, Aluízio Alves efetuou a demissão de 82 servidores públicos estaduais acusados de “subversão”.

A política no RN durante a Ditadura Militar

Aluízio Alves acabou punido pela ditadura que ajudou a instalar (Foto: reprodução/Youtube)

Nos primeiros dias pós-Golpe o processo de união das oligarquias Alves e Mariz se deu no campo formal com os dois grupos organizando a Aliança Renovadora Nacional (ARENA).

No campo político o confronto entre os dois continuava ainda que estivessem alinhados com o regime. Apoiado por Aluízio, Walfredo Gurgel foi eleito governador derrotando Dinarte. O troco foi dado no ano seguinte quando Dinarte conseguiu vetar a candidatura de Aluízio ao Senado. Foi feito um acordo entre a Arena Verde e a Arena Vermelha que fez do mossoroense Duarte Filho senador. Isso não garantiu a pacificação do partido.

Estava claro que a força eleitoral de Alves não seria forte o suficiente diante de Mariz no plano nacional. Isso se materializou em 1969 quando uma articulação de Dinarte Mariz junto ao presidente Costa e Silva resultou na cassação do mandato dos direitos políticos de Aluízio Alves que ficaria dez anos impedido de candidatar-se.

Isso definiria os rumos da política potiguar nos anos seguintes com Aluízio se alinhando ao MDB e lançado o filho Henrique Alves e o sobrinho Garibaldi Alves Filho na política.

A partir de 1970, os governadores de todo o Brasil passariam a ser escolhidos de forma indireta e com influência dos ditadores de plantão. Nas escolhas de 1970, 74 e 78, mesmo no ostracismo Aluízio mantinha a popularidade e consultado em todas as definições dos governadores.

Assim, foram escolhidos governadores pela ordem: Cortez Pereira, Tarcísio Maia e Lavoisier Maia. Nas três disputas o mossoroense Dix-huit Rosado tentou sem sucesso se tornar governador do Estado, mas sempre fora preterido.

A escolha mais dramática aconteceu em 1974 quando estava tudo acertado para que o empresário Osmundo Faria (pai do ex-governador Robinson Faria) seria anunciado e na madrugada do dia que seria feito o anúncio, o padrinho político da escolha, o general Dale Coutinho sofreu um infarto e morreu. A fatalidade zerou as articulações levando Tarcísio Maia a ser escolhido.

PAZ PÚBLICA

Na eleição de 1978 foi forjada a primeira aliança entre as oligarquias Alves e Maia por meio da paz pública quando Aluízio Alves e Tarcísio Maia se juntaram em torno da candidatura ao Senado de Jessé Freire, da Arena. Aluízio chegou a indicar nomes no Governo de Lavoisier Maia.

A tal paz se desfez com o processo eleitoral de 1982 quando os estados voltaram a eleger seus governadores. Aluízio seria derrotado por 106 mil votos de diferença para o jovem ex-prefeito de Natal José Agripino.

Os perseguidos políticos e desaparecidos no RN

Anatália de Melo Alves morreu torturada (Foto: reprodução)

Após os primeiros dias do regime como já citado nesta reportagem a repressão voltou a se intensificar no Estado a partir do Ato Institucional número 5.

Em 1968, foram presos os estudantes Ivaldo Cartano, José Bezerra Marinho e Jaime de Araújo Sobrinho. O padre marista Emanuel Bezerra.

Gileno Guanabara também foi preso.

Um dos primeiros potiguares assassinados pela repressão foi Emmanuel Bezerra dos Santos, líder estudantil e liderança do Partido Comunista Revolucionário (PCR).

No Governo Médice, a repressão ainda foi mais intensa.

Um dos casos mais marcantes envolveu o casal mossoronse Luiz Alves e Anatália de Melo Alves. Ele foi preso e torturado, inclusive ouvindo gemidos de dor enquanto sua esposa também era seviciada.

Ela não resistiu e morreu em 22 de janeiro de 1972 após sessão de tortura em Recife se tornando uma mártir da resistência ao regime no Rio Grande do Norte. Os militares tentaram abafar o caso por meio de censura, mas os testemunhos de outros presos ajudaram a provar que ela foi executada por torturadores.

Em 17 de janeiro de 1973, outro potiguar  atingindo pelo regime foi José Silton Pinheiro dos Santos foi outro potiguar assassinado pelo regime. Ele era estudante de pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e membro do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR).

SEQUESTRO

Um dos momentos mais tensos da ditadura militar foi quando os grupos de esquerda que aderiram a lutar MR8 e ALN sequestraram o embaixador americano Burker Ellbrick em 4 de setembro de 1969.

A ação contou com a participação do potiguar Virgílio Gomes da ALN que seria morto após espancamento por parte de membros da Operação Bandeirantes em 29 de setembro daquele mesmo ano.

Vítima do “Cabo Anselmo”

Uma das figuras mais controversas da ditadura militar foi José Anselmo dos Santos, conhecido como “Cabo Anselmo” que se infiltrou dentro das organizações paramilitares de esquerda como a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).

Neste agrupamento ele encontrou o potiguar Edson Neves Quaresma que foi assassinado após delação do “Cabo Anselmo”.

Bibliografia consultada

O golpe militar no Rio Grande do Norte e os norte-riograndenses mortos e desaparecidos: 1969-1973.

Autor: Luciano Fábio Dantas Capistrano

1964: Aconteceu em abril.

Autora: Mailde Pinto Galvão

Como se Fazia Governador Durante o Regime Militar: o ciclo biônico no Rio Grande do Norte.

Autor: João Batista Machado.

História do Rio Grande do Norte

Autor: Sérgio Luiz Bezerra Trindad

Subversão no Rio Grande do Norte: relatórios dos inquéritos realizados por José Domingos da Silva e Carlos Moura de Moraes Veras a mando do governo Aluízio Alves.

Autor: Comitê Estadual pela Verdade/RN.

Bastidores do Poder: memórias de um repórter.

Autor: João Batista Machado.

*Reportagem especial publicada há cinco anos e postada hoje com alterações de data.

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Reportagem especial

Abolição da escravidão em Mossoró completa 140 anos mantendo o protagonismo negro apagado da história

Por Bruno Barreto

Editor do Blog

No dia 30 de setembro de 1883 membros da Loja Maçônica 24 de Junho unidos aos integrantes da Sociedade Libertadora Mossoroense se reuniram na Câmara Municipal de Mossoró para libertar os últimos escravos da cidade.

É assim que a história vem sendo contada há exatos 140 anos e festejada com o feriado instituído em 1913.

A história é simples, de fácil assimilação e tão distorcida que muita gente acredita até hoje que Mossoró foi a primeira cidade do Brasil a libertar os escravos. Na verdade, foi a 10ª, o pioneirismo cabe a Redenção (CE) em 1º de janeiro de 1883. Há até quem acredite que foi por força de lei, também não foi. Na verdade, a elite local, influenciada pelos movimentos abolicionistas do Ceará, juntou fundos para comprar a liberdade dos escravos, sem causar ônus aos senhores. O movimento foi rápido e durou entre 6 de janeiro e 30 de setembro do longínquo ano de 1883.

Foi, como afirma o professor Dr. Marcílio Falcão, um movimento de brancos para brancos. Os negros foram libertados e abandonados como viria acontecer no restante do país após 13 de maio de 1888.

O professor Emanoel Pereira Braz é um dos pioneiros na contestação ao idealismo em torno do 30 de setembro. No livro “Abolição da Escravidão em Mossoró: pioneirismo ou manipulação do fato” ele mostra como vários aspectos dessa história foram omitidos pelos memorialistas oficiais de Mossoró, que ignoraram os interesses econômicos e como as celebrações da “Mossoró Libertária” foi fabricada, o que não desmerece o papel dos abolicionistas da cidade.

Por outro lado, é preciso compreender o papel econômico de Mossoró nos anos 1880, em que a escravidão tinha um peso muito menor do que em outras partes do Brasil. Na hoje “Capital do Oeste Potiguar”, a economia girava em torno do comércio, cultura algodoeira e criação de gado. Essas três atividades careciam de pouca mão-de-obra escrava. A escravidão em Mossoró tinha um perfil mais urbano devido as características da economia local.

O escravo era tratado mais como um “investimento”, sobretudo, para recuperar o caixa em períodos de seca prolongada quando estes eram levados para serem vendidos no Porto de Fortaleza de onde seriam enviados para as lavouras do Café em São Paulo. “As condições que propiciaram o abolicionismo em Mossoró foram bem específicas e diferenciadas daquelas que ocorreram em outras regiões do Brasil”, afirma Emanuel na página 47 do livro.

Após a seca de 1877, a população escrava de Mossoró que tinha chegado, segundo Câmara Cascudo (Notas e Documentos para a História de Mossoró) a 267 escravos em maio de 1873 tinha caído para 162 (72 homens e 90 mulheres) em 1881 conforme números do professor Marcílio Falcão na tese “No labirinto da memória: fabricação e uso político do passado de Mossoró pelas famílias Escóssia e Rosado (1902-2002)”.

Anuncio de escravo fugitivo no Jornal O Mossoroense em 1875, a fuga era uma forma de resistência (Imagem: reprodução)

O trabalho ainda mostra que dois meses antes da abolição, havia 145 escravos registrados na cidade. Vale lembrar que em 10 de junho daquele ano 40 escravos já tinham sido libertados em Mossoró. Os dois últimos escravos inventariados em Mossoró foram em 17 de 1882, conforme registro de Maria Patrícia de Souza no artigo “Inventários como Forma de Pesquisa: a questão escrava em Mossoró. 1833-1882” publicado no livro “História Social e Cultural de Mossoró: métodos e possibilidades”.

A partir de 6 de janeiro, vários bailes foram realizados para arrecadar fundos e libertar escravos em Mossoró, o que foi diminuindo paulatinamente a quantidade de cativos na cidade até o 30 de setembro de 1883.

O cenário era amplamente favorável porque, como em outras partes do país, o trabalho escravo estava em declínio e havia uma preocupação dos proprietários em recuperar o dinheiro investido por meio de indenizações em caso de abolição via lei. O quadro se tornava ainda mais preocupante com o fechamento da rota do tráfico interprovincial para o Sul do Império através do Porto de Fortaleza, o que tornava a inviável o investimento na escravidão como alternativa para suprir eventuais prejuízos em períodos de seca.

O bloqueio é resultado da luta liderada pelo ex-escravo e jangadeiro Francisco José do Nascimento, que entraria para história como o “Dragão do Mar”, pela luta contra o tráfico negreiro no Ceará. Essa resistência teve influência direta no processo abolicionista em Mossoró.

Grupos abolicionistas se formavam para comprar alforrias como a Sociedade Libertadora Mossoroense que viria a protagonizar o 30 de setembro.

Em conversa com o Blog do Barreto o professor Marcílio Falcão explica que a pressão vinha do Ceará, onde Mossoró mantinha fortes laços comerciais. “A abolição foi pensada a partir da lógica da sociedade abolicionista cearense. Antes de acontecer o evento aqui os jornais de Fortaleza já divulgavam, então era algo que não foi algo que não foi imprevisível. Era previsto. Na verdade, ia ser dias antes, ia ser dia 28 de setembro. Aí foi 30 porque houve ali um arrozinho ali. Mas na verdade é uma abolição de brancos para brancos”, avalia.

A pergunta que fica em aberto é: diante desse contexto econômico onde está o papel dos negros de Mossoró na resistência à escravidão?

O estudo mais recente é a monografia “Dia Branco: comemoracionismo e apagamento racial no 30 de setembro em Mossoró (1902 – 1983)” de Kycya Oliveira Silva, recentemente defendida no curso de história da UERN. O trabalho mostra que a memória do 30 de setembro foi construída a partir do apagamento da contemporaneidade da atuação de libertos no Clube Spartacus (que atuava para proteger escravos fugitivos) e da Sociedade Libertadora Mossoroense.

Os memorialistas adotaram a versão de que o Clube só passou a atuar após o 30 de setembro, mas Kycya resgata um discurso de Nestor Lima de 1932 publicado como livro em 1938, que indica que as entidades coexistiram e trabalharam em conjunto. “Ademais, vale salientar que, para Lima, embora os grupos agissem juntamente, suas funções eram distintas: a Libertadora Mossoroense era responsável por negociar as alforrias por meios legais e os Spartacus entravam em ação onde o dinheiro não bastava. Lima narra vários momentos em que os espartanos estavam resgatando escravizados e em outro momento tratando de transportá-los para o Ceará – onde os movimentos abolicionistas eram mais fortalecidos e organizados. Portanto, este capítulo deve tratar dos excluídos, mas não tem por pretensão – e não poderia – preencher a enorme lacuna deixada na história de Mossoró”, afirma.

Ainda assim a autora lembra na monografia que pouco ficou registrado da resistência negra ao regime escravocrata em Mossoró.

Outro aspecto discutido no trabalho é a hamornização social a partir da obra de Câmara Cascudo em que os brancos eram tratados como heróis da liberdade negra. “Na narrativa a respeito do 30 de setembro de 1883, por exemplo, Luís da Câmara Cascudo mantém sua escrita voltada à elite branca que compunha os abolicionistas em Mossoró. Em ocasião do capítulo X da obra, ‘Notas e Documentos para a História de Mossoró’, Cascudo discorre a respeito da criação do Clube dos Spartacus, como discutido em outro momento deste capítulo, tal clube era constituído por ex-escravizados (esse ponto parece ser um consenso entre a maioria dos pesquisadores), mas as suas ressalvas se direcionam ao fato de Rafael Mossoroense da Glória, ex-escravizado, estava na liderança desse clube e destaca em narrativa inclinada ao comemoracionismo a ação altruísta desprendido “capitão Alexandre Soares do Couto”, que aceitou o cargo de secretário de Rafael”, avalia.

Ela também analisa o papel do memorialista Raimundo Nonato da Silva em a História Social da Abolição em Mossoró em que ele constrói um cenário de harmonização social minimizando o papel do escravizado colocando-o a partir do perfil econômico da cidade mais como um capataz do senhor do que como um cativo. Outro aspecto é o fato de que Mossoró teria poucos escravos e que isso colaboraria para diminuir o peso da luta dos negros. Mesmo assim, para ela a obra se diferencia do trabalho de Cascudo por apontar a participação dos Negros no processo. “A pouca quantidade de escravizados no município de maneira alguma representa uma retirada da condição de cativo dessa população marginalizada, tanto que se for analisada de maneira cirúrgica a escrita de Raimundo Nonato a respeito, por exemplo, do Clube dos Espartacos se torna inteligível que existia uma consciência negros sobre a escravidão e mesmo a emancipação dos escravizados em Mossoró representasse uma quantidade pequena (86 escravizados) se comparada ao cenário nacional de uma nação que por cerca de 300 anos fez a manutenção do sistema escravista, as movimentações abolicionistas do município repercutiu em outras localidades, de modo que existe uma concordância entre a narrativa de Nestor Lima Câmara Cascudo e Raimundo Nonato da passagem de escravizados por Mossoró com destino ao Ceará que, por ser de fato pioneiro nos movimentos abolicionistas, era destino de muitos escravizados conseguiam fugir de seu cativeiro (NONATO, 1983)”, avalia.

A abolição da escravidão em Mossoró não foi um gesto altruísta, mas fruto de uma conjuntura econômica em que não compensava mais para os senhores manter seus cativos e estes por sua vez precisavam recuperar o dinheiro investido. Nada disso, tira o brilho da luta dos abolicionistas, mas não a ponto de ignorar que o 30 de setembro de 1883 de Mossoró antecipou o 13 de maio de 1888 no Brasil com os negros libertos abandonados à marginalidade e a fome. O próprio caráter festivo que se seguiu nos 140 anos seguintes manteve as manifestações dos brancos e deixou no esquecimento o Baile dos Negros, que era realizado na Câmara Municipal.

Há muito o que ser pesquisado sobre o assunto para o aprofundamento em fontes documentais para encontrar mais dados sobre a participação negra no processo do 30 de setembro e a maior qualificação do curso de história da UERN, que agora conta com mais mestres e doutores, pode mais a frente trazer novos elementos sobre a resistência negra na Mossoró pré-30 de setembro de 1883.

Rafael Mossoroense da Glória é único personagem do 30 de setembro sem registro fotográfico (imagem: reprodução)

A figura de Rafael Mossoroense da Glória, o único negro associado ao 30 de setembro, é permeada de dúvidas sobre o verdadeira atuação pela libertação dos escravos

Em todo processo de narrativa memorialística em torno do 30 de setembro só um negro ficou com o nome registrado nos anais: Rafael Mossoroense da Glória, aquele que Raimundo Nonato em História Social da Abolição classifica como “Negro Liberto. Arrancado das senzalas para a cidadania”.

Repare que no próprio relato, existe uma descrição de passividade em torno da imagem de Rafael. Não há sinal de que ele tenha lutado pela liberdade, mas de que alguma figura oculta (provavelmente algum abolicionista branco) o libertou de forma altruísta.

Consta nos registros, que Rafael teria sido eleito presidente do Clube Spartacus (numa referência ao líder da rebelião de escravos brancos na Roma Antiga) logo após o 30 de setembro.

Segundo Kycya Oliveira, o Clube Spartacus, se inspira no Clube do Cupim do Ceará, cujas características seriam de amparo social aos escravos fugitivos e não de enfrentamento físico.

Rafael é o único, a não ter fotografia nos registros do livro História Social da Abolição. “A representação de Rafael Mossoroense da Glória, presente na sessão intitulada ‘Próceres76 da Abolição’ na obra de Nonato (1983), também denuncia a disparidade socio-racial. Nessa sessão, são homenageadas 39 pessoas que estavam envolvidos nos movimentos abolicionistas mossoroenses que resultaram no 30 de setembro de 1883, entretanto, com exceção de Rafael Mossoroense da Glória que foi representado de modo rudimentar que não se pode perceber os traços de sua face, todos os outros abolicionistas entre homens e mulheres não foram representados, mas, sim, apresentados através de suas fotografias”, frisa.

Nos capítulos 28 ao 30 são feitos registros biográficos dos abolicionistas ficando reservado a Rafael Mossoroense da Glória apenas um curto espaço.

O professor Marcílio Falcão admite ter dúvidas se a figura de Rafael Mossoroense sobre o verdadeiro papel do personagem. “No caso do Rafael Mossoró da Glória, eu não encontro, pelo menos nos arquivos que eu fui, registros de sua existência. A minha leitura está mais voltada para a ideia de uma figura não mitológica, no sentido, mas de uma figura memorável, provavelmente construída, porque veja, é o único que aparece. Me aponte, os libertos que aparecem nomes? Você não encontra, você encontra nos inventários, você encontra em algumas cartas de alforria, mas nas festas, assim, só ele exatamente aparece”, avalia.

No livro “A Abolição da Escravidão em Mossoró: pioneirismo ou manipulação do fato”, Emanuel Pereira Braz avalia que a figura de Rafael Mossoroense da Glória foi construída para representar uma participação mais efetiva dos mossoroenses e forjar um equivalente potiguar ao ícone cearense Francisco José do Nascimento, o “Dragão do Mar”. “A diferença entre esses dois personagens está no contexto de suas participações. Atribui-se a Francisco José do Nascimento coragem e bravura pela iniciativa de acabar com o transporte de escravos, o que causou a interrupção do tráfico interno de escravos no Norte para a região dos cafezais. Este ato projetou este jangadeiro nacionalmente e o destacou como representante principal da luta pela abolição da escravidão no Ceará. Quanto a participação de Rafael Mossoroense no Clube Spartacus, não identificamos nenhuma ação que tenha produzido efeitos sociais capazes de destacá-lo diante do coletivo que atuou”, argumenta.

O verdadeiro papel de Rafael Mossoroense da Glória no 30 de setembro é uma pergunta em aberto na historiografia potiguar.

Celebrações do 30 de setembro são construções das elites locais (Foto: Manuelito/Reprodução/Relembrando Mossoró)

Memória do 30 de setembro é uma construção das elites locais

O professor Emanuel Pereira Braz em “Abolição da Escravidão em Mossoró: pioneirismo ou manipulação do fato” trouxe luz a questão de como a imagem do 30 de setembro foi construída no imaginário local.

No final dos anos1990, Braz resgata todo o papel da família Escóssia através do Jornal O Mossoroense na construção do imaginário de heroísmo da elite local na libertação dos escravos em um processo que teve altos e baixos ao longo do Século XX, mas que ganhou muita força década de 1950 quando os Rosados ascenderam ao poder e passaram a se apropriar do ideal de liberdade de do 30 de setembro.

Ele afirma que administração de Vingt Rosado (1952/56) intensificou o reforço da identidade de Mossoró com o 30 de setembro, chegando a colocar na frente das casas onde viveram os abolicionistas placas com os seguintes dizeres: “esta casa foi vivenda de um abolicionsta”. “Somente durante o decorrer da década de cinquenta foi que esta realidade começou a mudar. Consideramos como causa principal das mudanças as novas formas de valorização dos personagens relacionados com a abolição da escravidão em Mossoró, o que paulatinamente atraiu a comunidade local a participar das comemorações”, afirma

Braz reforça em toda sua obra que o Jornal O Mossoroense foi fundamental como aparato ideológico na formação do imaginário do 30 de setembro.

Em sua monografia, Kycya Oliveira também resgata o papel do jornal na construção de memória idealizada do 30 de setembro a partir da segunda fase do jornal, iniciada no início do Século XX sob liderança de João da Escóssia com o objetivo de incluir a própria família no processo abolicionista. “Ao sacralizar e cristalizar na memória coletiva os abolicionistas pertencentes a elite mossoroense da época, a narrativa do O Mossoroense alcançou o seu objetivo de pôr a família Escóssia na história abolicionista por seu passado liberal e maçom. Tanto que no phanteom dos abolicionistas, presente no museu Lauro da Escóssia, consta o nome de Jeremias da Rocha Nogueira, mesmo não tendo fontes históricas que sustentem a versão de que o patriarca da família Escóssia teria participado ativamente do processo de emancipação dos escravizados, como também contribuiu de modo esmagador para o apagamento do sujeito negro escravizado (ou liberto) da sua própria história de emancipação”, afirma a pesquisadora.

O papel do jornal continuou mesmo sob o domínio dos Rosados a partir de 1975.

As elites também se apoderaram do 30 de setembro por meio de construção de monumentos como Estátua da Liberdade na Praça da Redenção, instituição do feriado em 1913, nomeação de bairros (Abolição, Redenção, Liberdade, 30 de setembro), condução do papel do Museu Lauro da Escóssia (inclusive o panteão dos abolicionistas) e outros espaços até mesmo privados, como Shopping Liberdade.

O objetivo era projetar Mossoró no cenário nacional a partir do pioneirismo abolicionista, mas a estratégia não vingou. “O 30 de setembro no Rio de Janeiro só teve uma notinha. Uma notinha. Para cá é importante, óbvio. Mas dentro daquela dimensão que estava ocorrendo no Brasil, também é importante, mas é apenas uma parte. Essa ideia do pioneirismo é muito mais uma construção”, avalia Marcílio Falcão.

Obras consultadas

“Dia Branco: comemoracionismo e apagamento racial no 30 de setembro em Mossoró (1902 – 1983)” de Kycya Oliveira Silva

“História Social da Abolição em Mossoró”: Raimundo Nonato da Silva;

““Abolição da Escravidão em Mossoró: pioneirismo ou manipulação do fato”: Emanuel Pereira Braz;

“No labirinto da memória: fabricação e uso político do passado de Mossoró pelas famílias Escóssia e Rosado (1902-2002)”: Marcílio Falcão;

Notas e Documentos para a História de Mossoró: Câmara Cascudo;

História Social e História Cultural de Mossoró: métodos e possibilidades: Francisco Linhares Fonteles Neto, Francisco Fabiano de Freitas Mendes e Lindercy Francisco Tomé de Souza Lins (organizadores);

Evolução Econômica do Rio Grande do Norte (do século XVI ao século XX): Paulo Pereira dos Santos;

Breve Notícia sobre a Província do Rio Grande do Norte: Manoel Ferreira Nobre.

 

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Reportagem especial

Há 80 anos Vargas recebia Rooselvelt em Natal para fazer a Conferência do Potengi. O RN ganhava destaque na II Guerra Mundial

Há 80 anos Natal se tornava protagonista internacional com a Conferência do Potengi que decidiu uma série de estratégias envolvendo o Brasil na II Guerra Mundial. Naquele dia a pronvinciana capital do Rio Grande do Norte recebia o Franklin Delano Rooselvelt, o presidente estadunidense.

O ditador Getúlio Vargas, que flertou com os nazistas, acabou se alinhado as potências democráticas e o encontro em Natal, cidade considerada estratégica, formalizou a aliança.

O Brasil rompera relações com os países do eixo (Alemanha. Itália e Japão) em janeiro de 1942 e nos sete meses seguintes 20 navios foram alvos de bombardeios dos alemães, levando mais de 700 brasileiros a morte. A pressão para o país entrar na guerra era grande na opinião pública.

Mas faltava um entendimento com os aliados (EUA, URSS, Franças, Reino Unido e China), o que viria ter como marco a Conferência do Potengi há oito décadas.

Na provinciana Natal, que estava longe do protagonismo nacional desde 1935 quando aconteceu o fracassado levante comunista (saiba mais AQUI), ninguém imaginava que naquele 28 de janeiro dois dos maiores líderes da história estariam na capital potiguar.

Nem o então governador do Rafael Fernandes imaginava.

Ele foi convocado para ir sozinho a base naval e quando chegou lá teve um susto ao se deparar com os dois chefes de estado. “No encontro foi confirmada a utilização de Natal como base para a conexão de tropas americanas e discutido o plano de prevenção de prevenção quanto a um possível ataque nazista no Hemisfério Sul a partir de Dakar, no Senegal. Também foi acertado o envio de tropas brasileiras ao front”, diz trecho do livro Natal do Século XX de Carlos Pinheiro e Fred Rossiter.

Assim foi montado na capital do Rio Grande do Norte o principal quartel general do Hemisfério Sul durante a Segunda Guerra Mundial.

Natal foi escolhida por conta de sua localização geográfica, sendo uma das cidades brasileiras mais próximas da África. Na época eram “apenas” oito (atualmente são três) horas de voo até Dakar levando soldados e armas para lutar no Norte do continente.

O movimento era tão grande que Natal que no dia 28 de janeiro tinha 36 mil habitantes dobrou de tamanho ao longo da participação na Segunda Guerra.

O papel de Parnamirim

A principal base área do Brasil na Segunda Guerra Mundial estava na cidade hoje conhecida como Parnamirim. Não é por acaso que a cidade da Região Metropolitana de Natal é conhecida como “Trampolim da Vitória”.

Em 1943 a cidade tinha um dos aeroportos mais movimentados do mundo com pico de 800 pousos e decolagens por dia.

Em um curtíssimo período foi construída uma estrada ligando Natal e Parnamirim e a base aérea, conhecida como “Parnamirim Field”. Mais de 6 mil trabalhadores fizeram o serviço.

Natal e Parnamirim foram palcos de atos de espionagem alemã entre 1943 e 1944. Foi necessário instalar um escritório do FBI em Natal que formulou mais de 400 relatórios para Washington identificando mais de uma centena de potiguares e estrangeiros que mantinham simpatia com os nazistas e colaboravam como espiãs.

PS: Esta reportagem é apenas um recorte do fato histórico, mas uma vasta bibliografia sobre a presença estadunidense na capital para quem quiser conhecer mais sobre o período. Parte dela foi consultada para este material.

Bibliografia consultada:

Contribuição Norte-Americana à Vida Natalense. Autor: Protásio Pinheiro de Melo.

Natal do Século XX: memória, fatos e fotos marcantes. Autores: Carlos e Frede Sizenando Rossiter Pinheiro

Natal, USA: II Guerra Mundial: a participação do Brasil no teatro de operações no Atlântico Sul. Autor: Lenine Pinto.

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Reportagem especial

Bordadeiras que fizeram traje de Janja na posse se preparam para entrar no mercado internacional

O sonho das bordadeiras que fazem parte da Cooperativa das Mãos Artesanais de Timbaúba dos Batistas (Comart), localizada na região do Seridó, no município Timbaúba dos Batistas (RN), é levar o seu bordado para o mundo.

Uma importante oportunidade para ganhar visibilidade global foi bordar as roupas que a primeira-dama Janja usou na posse do presidente Lula, e também em seu casamento. O trabalho foi fruto da parceria que a Comart tem com a estilista gaúcha Helô Rocha, que assinou os trajes de Janja.

O bordado das mulheres do Seridó levou beleza ao conjunto de blazer, colete e calça na cor champanhe usado pela primeira-dama Janja no dia da posse do presidente Lula. Os bordados eram de plantas e flores douradas. Além da palha de junco, foram usadas peças em capim dourado, feitas pela Associação de Artesãos de Dianópolis, do Tocantins, e em capim colonião confeccionadas por artesãos de Novo Gama, em Goiás. Segundo a análise de especialistas da moda, a escolha demonstrou preocupação em valorizar a moda nacional, a brasilidade e a sustentabilidade.

No PEIEX

Em 2021, as mulheres da Comart já tinham dado um passo fundamental em direção ao mercado externo ao participar do Programa de Qualificação para Exportação (PEIEX) da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), com o qual começaram a se preparar para internacionalizar seus produtos.

O PEIEX é o principal programa brasileiro gratuito voltado para a capacitação e qualificação de empresas brasileiras, de todos os portes e setores, para exportação. É realizado pela ApexBrasil em parceria com entidades executoras de todas as regiões do país. No Rio Grande do Norte, de 2020 a 2022, o programa foi executado pela Universidade Potiguar (UnP), que atendeu 191 empresas de 48 municípios, entre eles Timbaúba dos Batistas. Das empresas participantes, 15 já começaram a exportar. As demais, como o caso da Comart, participaram de rodadas de negócio com possíveis compradores e seguem em negociação.

Para a presidente da cooperativa, Valdineide Dantas, o PEIEX trouxe muito conhecimento, organização e a tranquilidade de estar pronta quando a oportunidade de vender para fora do país chegar. “Foi muito enriquecedor e estimulante participar do PEIEX. Nosso bordado no traje da primeira-dama foi como uma vitrine para nós, pois o mundo todo viu. Ficamos emocionadas, orgulhosas e ainda mais animadas de buscar outros mercados”, afirma.

Além da parceria com a estilista Helô Rocha, a Cooperativa também trabalha com outros estilistas de São Paulo e Brasília. Além disso, vendem pela internet os produtos de cama, mesa e banho, que são o carro-chefe da Comart. Segundo ela, bordar roupas foi uma inovação. Ela conta que aprendeu no PEIEX que inovar gera competitividade e que isso faz a diferença no mercado internacional.

A Cooperativa hoje é responsável pelas criações de muitas peças encomendas pela Janja e outras personalidades brasileiras. Segundo Valdineide, os pedidos internacionais também são cada vez mais frequentes. No plano de exportação desenvolvido durante o processo de qualificação para exportação, o mercado-alvo selecionado pela empresa foi a Espanha.

“Este caso é um exemplo do trabalho da ApexBrasil de ampliação da cultura exportadora no país e de capacitação de empresas de todos os portes para que elas ganhem competitividade e exportem de forma segura e planejada e, como consequência, alavanquem seus negócios e contribuam com o desenvolvimento das suas regiões”, afirma a gerente de competitividade da ApexBrasil, Clarissa Furtado.

Ela explica que a Agência apoia empresas e cooperativas de vários setores e um dos que se destaca é exatamente o da moda. Segundo ela, o segmento conta com uma enorme quantidade de produtores de pequeno porte que trazem o design, o artesanato, as culturas e a história do país para dar vida às suas criações e, com isso, se diferenciam e podem conquistar cada vez mais novos espaços no comércio internacional.

O bordado é tradição na região do Seridó. Valdineide Dantas borda desde os 11 anos e conta que aprendeu o ofício com a mãe, também bordadeira. Um terço do sustento da população de Timbaúba dos Batistas vem do bordado. O pequeno município tem 2,4 mil habitantes, segundo o IBGE, e 800 bordadeiras, segundo a Comart. A cooperativa existe desde 2003 e tem 23 mulheres associadas, com idades que variam entre 30 e 70 anos. Com a oportunidade de conquistar o mercado internacional, elas querem ser exemplo para as demais bordadeiras da região, valorizando e estimulando ainda mais a tradição local.

Sobre o Peiex

O PEIEX é oferecido pela ApexBrasil com o intuito de preparar as empresas brasileiras para iniciar o processo de exportação de forma planejada e segura. Ao longo do primeiro semestre de 2022, o Programa atendeu e qualificou 2.417 empresas, por meio da execução de 24 convênios, nas 5 regiões do país.

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Reportagem especial

Eleição começa no RN pela primeira vez sem o protagonismo das oligarquias desde o pós-redemocratização

Desde a redemocratização, em 1985, as oligarquias familiares que se estabeleceram na política potiguar antes de depois do regime militar estiveram no protagonismo eleitoral indicando candidatos ou tendo seus membros disputando a eleição.

Entre 1986 e 2010, as oligarquias Alves, Maia e Rosado estiveram no topo da cadeia alimentar da política do Rio Grande do Norte ganhando ou perdendo.

Alves e Maia estiveram em embates pelo Governo do Rio Grande seja com membros das famílias seja com indicados. Assim se elegeram Geraldo Melo (apoiado pelos Alves) em 1986 e Garibaldi Alves Filho em 1994 e 1998. Os Maias, oligarquia que se fortaleceu nos anos 1970 sob as bençãos da ditadura militar, elegeu José Agripino Maia em 1990 e disputou contra os Alves com João Faustino (1986), Lavoisier Maia (1994) e o próprio Agripino em 1998.

Curiosamente em 1990 houve um embate Maia x Maia com Agripino derrotando no segundo turno Lavoisier, que tinha a chancela dos Alves.

A quebra do confronto Alves x Maia ocorreu pela primeira vez em 2002 quando Wilma de Faria (na época no PSB) deixou a Prefeitura do Natal para se tornar a primeira mulher governadora do Rio Grande do Norte.

Ela ajudou a tirar o candidato dos Maia (Fernando Bezerra) do segundo turno e depois abateu o nome indicado pelos Alves (Fernando Freire) no segundo turno.

Wilma transitou pelas duas oligarquias sendo integrante por casamento com Lavoisier, da família Maia, e ocasionalmente aliada dos Alves nos pleitos de 1990 (quando seu então marido foi apoiado pelos antigos adversários) e 2000 (quando foi reeleita prefeita do Natal no primeiro turno).

Wilma contou com o apoio dos Maias no segundo turno em 2002, mas logo rompeu com os antigos familiares.

Enfraquecidos com a ascensão de Wilma, os Alves e os Maias deixaram as disputas dos anos 1980 e 1990 no passado se juntando (com uma parte dos Rosados) para derrotar Wilma em 2006.

Wilma acabou impondo a primeira derrota da carreira de Garibaldi Filho, apelidado de “Governador de Férias”, naquele ano, no episódio que ficou conhecido como “surra de saia”.

Detalhe curioso: Wilma não costumava usar saia em suas aparições públicas. Valeu mais pelo simbolismo.

Seria também a última reeleição para o Governo do RN.

Em 2010, a oligarquias deram sua última demonstração de força e passaram como um trator elegendo Rosalba Ciarlini governadora e renovando os mandatos no Senado e Garibaldi e Agripino. De quebra, o “Garibaldi Pai”, como ficou conhecido no fim da vida, herdou o mandato de Rosalba na Alta Câmara.

Alves, Rosado e Maia juntos em 2010: o último suspiro das famílias (Foto: reprodução)

Em 2014, a oligarquias ficaram ainda mais juntas, mas sofreram uma derrota duríssima mesmo montando o maior palanque já visto no RN em torno de Henrique Alves que terminaria derrotado por Robinson Faria para o Governo.

De volta ao ninho das famílias tradicionais, Wilma perderia o Senado para Fátima Bezerra (PT).

Em 2018, a oligarquias sofreriam o seu maior baque: perderam todas as cadeiras para o Senado. O eleitor potiguar escolheu Styvenson Valentim (Rede) e Zenaide Maia (PHS). O sobrenome da hoje parlamentar do PROS, é mera coincidência. De quebra, Fátima Bezerra bateria Carlos Eduardo Alves para o Governo impondo uma vitória com 269.875 de maioria.

Hoje as oligarquias pela primeira vez não ocupam os cinco cargos mais importantes: governador, vice-governador e as três vagas do Senado.

A consequência disso em 2022 é a apresentação de um quadro diferente. As oligarquias perderam protagonismo. Os oligarcas não tiveram o peso do passado na montagem das chapas, ocupando posição secundária nas articulações.

Sem a Prefeitura de Mossoró em mãos e coadjuvantes na oposição ao prefeito Allyson Bezerra (SD), Rosados só possuem uma candidatura competitiva: a tentativa de reeleição de Beto Rosado. Os Maias só não estão fora do pleito porque Márcia Maia, filha de Wilma e Lavoisier, tenta uma vaga na Câmara dos Deputados, com chances remotas.

Quem ainda respira por aparelhos são os Alves que precisaram aderir ao grupo de Fátima Bezerra. Carlos Eduardo disputa o Senado numa situação de completa dependência da petista, principalmente na busca do voto no interior enquanto Walter Alves foi colocado como vice dentro de uma conjuntura nacional de aproximação entre PT e MDB. O pai dele, outrora maior eleitor do Estado, Garibaldi Filho terá uma eleição duríssima para deputado federal e poder sair das urnas derrotados para a Baixa Câmara como Agripino em 2018.

Henrique Alves, senhor absoluto das articulações políticas no passado, está cuidando da candidatura a deputado federal no PSB, com chances reduzidas de eleição.

Os Alves se tornaram coadjuvantes dependentes de uma chapa liderada pela esquerda.

Agripino vinha esquecido das articulações na oposição e só passou a ser lembrado por um acaso do destino: a fusão entre DEM e PSL que gerou o União Brasil, maior partido do país. Com muito tempo de TV e recursos do fundo eleitoral ele passou a ser mais ouvido.

Ainda assim não reuniu condições de apresentar uma candidatura. Em 2018 acabou ficando na segunda suplência de deputado federal.

Tudo é muito pouco se comparado com o passado. Alves, Maias e Rosados não escolheram os candidatos ao Governo e Senado, foram tangidos por outras lideranças como Fátima, Rogério Marinho, Fábio Faria e dentre outros.

A perda de influência também passa pela ascensão do bolsonarismo que mudou a paisagem da direita no Rio Grande do Norte, com outras lideranças emergindo e pela escolha de Jair Bolsonaro de colocar dos políticos, Fábio Faria e Rogério Marinho, potiguares na condição de ministros.

Eles acabaram assumindo o protagonismo da oposição ao governo petista de Fátima. O eleitor que rejeitou os sobrenomes tradicionais não sentiu falta dos antigos líderes.

O ano de 2022, consolida um processo de mudança em que o ar de “nobreza” está desaparecendo da elite política.

 

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Reportagem especial

Irmã bolsonarista e irmão petista disputam vaga de deputado federal no RN

Nos últimos anos o Brasil vive uma triste realidade da divisão entre as famílias por causa da política após a ascensão do bolsonarismo que radicalizou o debate no país.

As crises familiares se tornaram comuns. Alguns sabem lidar, outros não. Há os que deixam as disputas para as urnas e mantém o respeito interno ainda que saiam candidatos.

É o caso do médico Alexandre Motta (PT) e da bioquímica e capitã da Polícia Militar Carla Câmara (PL). Eles são irmãos que serão candidatos a deputado federal.

Em conversa com o Blog do Barreto os dois demonstraram um profundo amor um pelo outro e o cuidado em colocar a família acima das diferenças políticas.

Alexandre já foi candidato ao Senado em 2018 obtendo 242.465 votos, ficando na sexta colocação. Em 2020 ele perdeu as prévias do PT para ser candidato a prefeito do Natal para o senador Jean Paul Prates. Carla Câmara, ou Capitã Carla, como se apresenta, é estreante em disputas eleitorais.

Alexandre disse ao Blog que as integridade familiar está preservada mesmo com as candidaturas e diferenças políticas. “A integridade da família pra mim precisa ser mantida. Ela continua, e continuará, sendo minha irmã, apesar das visões de mundo diferentes”, disse. “E continuará merecendo meu respeito e meu carinho, mesmo defendendo o que defende”, frisou.

Carla não escondeu a admiração que tem pelo irmão. “Tenho o maior carinho pelo meu irmão, grande homem e profissional, uma das melhores pessoas que conheço. Entretanto, os posicionamentos pertencem a cada um”, disse.

Ela disse ser candidata para defender a maior participação feminina na política e a valorização dos policiais. Também destacou a defesa da democracia e liberdade de expressão. “Como cidadã, tenho minhas convicções, assim como meu irmão tem as dele. Como defensora da democracia plena entendo como salutar o contraditório, ou melhor, o direito ao contraditório. Acredito, acima de tudo, no estado democrático de direito e defendo a pluralidade das ideias, a maior participação das mulheres e a valorização contínua dos policiais em busca de mais segurança para todos”, disse.

Alexandre teve a candidatura a deputado federal pelo PT confirmada no sábado. Carlos terá o nome aprovado em convenção no próximo domingo.

 

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Reportagem especial

De Província à Estado: o RN no contexto do golpe republicano de 1889

Há 132 anos o Brasil deixava de ser a única monarquia do continente americano e passava a ser uma República como seus vizinhos.

Nesta data o Rio Grande do Norte deixava de ser uma Província pobre para se tornar um Estado na mesma condição econômica.

O que mudou foi o poder que passou para uma nova elite que se misturou com uma parte da que dominava o RN nos últimos anos do Império.

As primeiras notícias sobre o golpe republicano chegaram através de telegramas assinados José Leão e Aristides Lobo, potiguares que residiam no Rio de Janeiro onde a história era descrita.

Todos pegos de surpresa ficaram meio sem saber o que fazer nas primeiras horas até que o último presidente provincial Antônio Basílio Ribeiro Dantas formou uma junta composta por chefes republicanos que indicou Pedro Velho de Albuquerque Maranhão chefe do governo provisório no RN no dia 17 de novembro. Nesta etapa de transição ele ficaria pouco tempo no cargo.

A mudança de regime ocorreu de forma pacífica no Rio Grande do Norte, sem a necessidade de envolvimento de militares, inclusive. “A República na província potiguar nascia tranquilamente, como se fosse a transmissão formal de cargo de um partido para outro, de acordo com a praxe imperial, e não uma mudança radical de um regime por outro, por definição, totalmente diferente”, afirma o professor Almir Bueno no livro Visões de República: ideias e práticas políticas no Rio Grande do Norte (1980-1895).

Diferente do que ocorreu em nível nacional, a chegada da República no Rio Grande do Norte teve protagonismo dos civis.

A costura política foi feita através de acordos entre elementos dos antigos partidos Liberal, Conservador e Republicano, inclusive com o acolhimento de ex-monarquistas.

A principal autoridade militar no RN era Felipe Bezerra Cavalcanti, que segundo Câmara Cascudo, em citação de Almir Bueno, teria recebido ordens de Benjamim Constant para empossar elemento local de confiança na chefia do governo.

Ele teve a oportunidade de assumir o governo provisório no Estado como aconteceu em outras unidades, mas não nutria ambições políticas e se julgava incapaz para o cargo.

“O fato é que no Rio Grande do Norte desde o início, os civis, republicanos e adesistas, controlaram a transição política para a República, confirmando a tradição civilista predominante na elite política imperial”, frisa Almir Bueno.

A seguir alguns tópicos da construção do Estado do Rio Grande do Norte Republicano.

Movimento republicano do RN nasce em Caicó

Nas vésperas do golpe republicano, o Rio Grande do Norte era uma província frágil, economicamente dependente e uma sociedade agrária e conservadora. Nada muito diferente dos seus vizinhos do que na época era chamado de “Norte”.

Somente 3.941 potiguares tinham direito ao voto, o que correspondia a apenas 1,4% da população na época.

As eleições nos tempos do imperador no RN eram marcadas pela corrupção e clientelismo.

Foi nesse contexto que surgiu o movimento republicano por estas bandas. Forjado no país a partir do manifesto republicano de 1870 e depois em 18 de abril de 1973 durante a Convenção de Itu, o Partido Republicano nunca foi dominante nas eleições. A agremiação estava concentrada nos atuais estados dos Sul e Sudeste enquanto que no “Norte” (que congregava os atuais Norte e Nordeste) só havia Partido Republicano formalizado no Rio Grande do Norte e em Pernambuco no dia do golpe republicano.

Ainda assim o movimento no RN era fraquíssimo se comparado com Pernambuco, que tinha uma tradição republicana que remonta as primeiras décadas do Século XIX.

Mossoró, protagonista no movimento abolicionista, teve participação apagada na defesa da mudança de regime. No interior do Estado esse protagonismo ficou com a então cidade de Vila do Príncipe, atual Caicó.

A cidade estava em decadência econômica nos anos 1880, mas detinha muita força política através dos grupos rivais lideradas pelas famílias Batista (Conservadores) e Medeiros (Liberais).

O protagonismo caicoense no movimento republicano pode ser representado na figura do jornalista Janúncio da Nóbrega Filho, redator da primeira coluna republicana em jornal monarquista no RN. Ele escrevia nas páginas de “O Povo”.

O peso do movimento republicano na então Vila do Príncipe se deu através da influência de fazendeiros seridoenses que estavam insatisfeitos com a decadência econômica da região.

A antecipação do republicanismo de Caicó em relação à capital também se deu pelo investimento que a elite agrária fez na educação dos filhos que eram enviados para estudar em grandes centros urbanos onde conheciam as ideias republicanas como explica Almir Bueno:

“Aparentemente surpreendente, dentro dos marcos dessa sociedade tradicional, foi a decisão de alguns fazendeiros da região, que teria uma importante consequência no desenvolvimento republicano seridoense, a ponto de fazê-lo antecipar-se ao próprio republicanismo da capital. Com efeito, apesar de serem constantemente criticados pela falta de iniciativa e pelo espírito rotineiro e infenso ao progresso e à modernização, esses sertanejos tomaram uma atitude à primeira vista  contraditória com a imagem de conservadorismo que tinham: em meados da década de 1880, enviaram seus filhos para estudar fora, não apenas nos seminários de formação religiosa, como era comum, mas principalmente nas faculdades de direito do Recife e medicina na Bahia”.

Entre esses jovens estava Janúncio da Nóbrega que fundou o primeiro núcleo republicano no Rio Grande do Norte em 1886 quando tinha apenas 17 anos. Mais tarde esse grupo seria chamado de Centro Republicano Seridoense.

Para Almir Bueno o pioneirismo do Seridó em relação a Natal se deu também pela falta de tradição de independência da capital, bem diferente dos coronéis sertanejos.

A influência dos potiguares emigrados no movimento republicano

Como demonstramos no caso de Janúncio Nóbrega foi através do envio de jovens da elite para estudar nos grandes centros do país que as ideias republicanas chegaram ao Rio Grande do Norte.

Em Recife, o Janúncio conheceu o natalense Braz Mello e os dois integraram o movimento republicano na capital pernambucana, inclusive assinando um manifesto.

Eles conheceram e se tornaram discípulos do líder republicano incendiário Silva Jardim, que pregava a execução da família imperial.

No Rio de Janeiro, João Avelino e José Leão eram os contatos com os republicanos do RN. Eles faziam parte de uma pequena colônia de 2.104 potiguares que habitavam a corte.

A eles se juntavam Daniel Ferro Cardoso e Tobias do Rego Monteiro, que se tornaria braço direito de Rui Barbosa e opositor da oligarquia Maranhão nos primeiros anos da República.

Mas o mais famoso republicano potiguar seria Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, que se formou em medicina no Rio de Janeiro de 1881. Primeiramente ele se dedicou à causa abolicionista e só depois se entregou ao republicanismo. Somente no final de 1888 e após hesitar bastante ele decidiu se colocar a frente do movimento republicano no RN.

Ele fundaria o Partido Republicano do Rio Grande do Norte em janeiro de 1889, seria o primeiro governador do Estado e líder da oligarquia Albuquerque Maranhão que ficaria a frente dos destinos dos potiguares por quase 30 anos.

Os primeiros anos da República no RN e a primeira oligarquia

A chegada da República alterou a forma como os representantes políticos se elegiam. O novo regime acabou com o voto censitário que se baseava em critérios de renda.

Passavam a votar todos os homens alfabetizados com idade acima de 21 anos. O voto de cabresto foi a fórmula encontrada pela elite agrária para se manter no poder.

O comando do RN ficou nas mãos de políticos do Seridó e da capital. Seria Pedro Velho de Albuquerque Maranhão o maior beneficiário da troca de regime, mas para se consolidar e fundar a primeira oligarquia familiar no RN republicano foi necessário enfrentar alguns percalços.

O primeiro governador do Rio Grande do Norte assumiu a função de forma provisória de curta duração. Foi acusado de perseguir adversários pelo jornalista Hermógenes Tinôco na Gazeta do Natal.

Pedro ficaria na chefia de governo por apenas 20 dias sendo substituído pelo paulista Adolfo Gordo, mudança que foi considerada um ato de desprestígio do Governo Provisório com a elite política potiguar. Essa passagem pelo cargo foi tumultuada e ele seria substituído em 8 de fevereiro de 1890 pelo também paulista Joaquim Xavier da Silveira Junior que embora viesse de fora era afinando com Pedro Velho.

Silveira Junior soube fazer acomodações políticas nomeando Pedro Velho 1º vice-governador ficando no cargo até o mês de setembro. Foi nesse período que ele conseguiu formar a chapa vencedora para compor a Constituinte. Passada a eleição, Silveira Junior deixou o Governo para o vice, Pedro Velho, até que um novo governador fosse nomeado. O escolhido foi João Gomes Ribeiro, um sergipano com atuação política abolicionista e republicana em Alagoas. Ele tomou posse em novembro de 1890 para concluir o processo de transição. A relação política dele com a elite política potiguar não foi das melhores e ele montou uma equipe com adversários de Pedro Velho.

O líder político potiguar conseguiu virar o jogo menos de um mês depois obtendo a troca de João Gomes pelo juiz Manuel do Nascimento Castro e Silva.

Em menos de um ano, Pedro Velho derrubara dois governadores, mas ele passaria os meses seguintes em situação de desprestígio com o poder central por ter votado em Prudente de Morais na eleição que manteve Deodoro da Fonseca pela via indireta no poder.

Somente em 12 de julho de 1891 o primeiro governador constitucional do RN seria eleito. Miguel Castro, um deputado federal, foi escolhido pelos deputados estaduais em um pleito indireto.

A queda de Deodoro da Fonseca permitiu a ascensão de Pedro Velho que liderou um golpe para derrubar Miguel Castro em 28 de novembro de 1891 com a ajuda de tropas militares e correligionários armados.

Foi montada uma junta governativa liderada pelo Coronel Lima e Silva que permaneceu no poder até a eleição indireta de Pedro Velho pela Assembleia Legislativa em 31 de janeiro de 1892. A posse ocorreu em 28 de fevereiro daquele ano.

“O período em que Pedro Velho esteve a frente do governo estadual, porém não foi fácil, como poderia parecer à primeira vista. A oposição, normalmente dividida em correntes irreconciliáveis por motivos que vinham do Império, constatando não ter chances eleitorais reais, passou a apostar que só uma solução golpista, ao sabor das alterações da conjuntura nacional, poderia proporcionar-lhe a volta ao poder”, afirma o pesquisador Almir Bueno.

Ainda assim Pedro Velho elegeria o sucessor Joaquim Ferreira Chaves 1895. Este seria o primeiro governador do RN eleito pelo voto direto. Pedro Velho permaneceria no Senado até morrer em 9 de dezembro de 1907. Ele fundou a primeira oligarquia familiar do Estado elegendo o irmão Alberto Maranhão e o genro Tavares de Lyra governadores.

Por 16 anos Fabrício Gomes de Albuquerque Maranhão, um de seus irmãos, foi presidente da Assembleia Legislativa, então conhecida como Congresso Estadual.

A oligarquia Albuquerque Maranhão dominaria o RN por quase 30 anos quando foi sucedida pela liderança política de José Augusto Bezerra de Medeiros, do Seridó, região pioneira no movimento republicano. Ele ascendeu ao poder turbinado pela força da economia algodoeira.

Para saber mais sobre o nascimento da República no Rio Grande do Norte sugerimos a leitura das fontes pesquisadas para esta reportagem:

BUENO, Almir de Carvalho. Visões de República: ideias e práticas no Rio Grande do Norte (1880/1895). Natal: Edfurn – editora da UFRN, 2002.

MONTEIRO, Denise Mattos. Introdução à História do Rio Grande do Norte – 4 Ed. – Natal, RN: Flor do Sal, 2015.