Não é do ano em curso, nem dos problemas que enfrentamos decorrentes da pandemia que penaliza o mundo que escreverei essa resenha literária, mas da obra que marca a estréia de David Leite como romancista. E que estreia!
Confesso, e faço autocrítica, que fui surpreendido quando recebi o livro como um presente do amigo Almicarde Lopes. Quando falou que o novo livro escrito por David, tratava-se de um romance, falei, um pouco desconfiado – por saber da amizade entre os dois -, que já lera diversas crônicas e contos do autor, e que o considerava um dos melhores escritores do RN; principalmente no campo da política, história e genealogia, mas argumentei que não era o suficiente para sua nova obra ser um grande romance. Almicarde, eufórico com a leitura feita pouco tempo atrás, rebateu sorrindo:”2020 é ótimo. Vai gostar. O livro é muito bom”.
Saí do encontro com a oferenda em mãos, e a promessa de que quando encerrasse a análise da obra, deixaria, por escrito, minha impressão sobre o livro. Ainda assim questionando-me, no mais íntimo de mim mesmo, se valeria a pena interromper leituras que estavam em curso, para ler 2020!
No mesmo dia iniciei a leitura e, em pouco espaço de tempo, percebi o quão estava equivocado sobre o trabalho que ganhara de presente. Uma deslumbrante história estava à minha frente, contada somente por quem tem a magia dos grandes escritores.
O romance regionalista, narrado em primeira pessoa, é um dos melhores trabalhos literários escrito por um mossoroense; a trama já havia me conquistado sem ter chegado sequer a metade do livro.
A narrativa se passa em Estados do Nordeste. Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte. O cerne central da história acontece nos municípios de Pedras de Fogo – PB, onde nasce o personagem principal, que de lá segue para Recife – PE, levado por um tio, para trabalhar, e estudar no Convento de Nossa Senhora do Carmo, e na cidade de Mossoró – RN, onde o narrador vem em busca de “realizar um grande sonho”.
Além da abordagem política, quando fala na histórica campanha de 68, a religiosidade, pois grande parte da obra gira em torno do Convento em Recife e sobre a presença dos Carmelitas em Mossoró, o Escritor traz à baila um enigma que até hoje aguça a curiosidade de alguns mossoroenses, principalmente os mais antigos: O crime ocorrido naquele ano no Grande Hotel, nunca esclarecido.
Um fantástico livro que amálgama história e ficção. Leitura leve, que conduz a atenção do leitor desde a primeira página. A técnica literária utilizada pelo autor para dar vida a seus personagens faz o leitor sentir-se, em alguns momentos, dentro do próprio livro, espectador e personagem da própria obra, querendo saber o que acontecerá no capítulo seguinte.
Ao longo da obra inúmeros personagens vão aparecendo, alguns reais; outros frutos da ficção. Alguns fizeram parte da história de Mossoró, do Rio Grande do Norte e do País, cito Dom Hélder Câmara.
Dos principais personagens, resolvi destacar cinco que fazem parte da história e do folclore popular da cidade.
Chiquinha Duarte, primeira mulher da cidade a dirigir um automóvel, era casada com o comerciante Francisco Duarte e Madrasta do Senador Duarte Filho. Residia na comunidade rural Barrinha dos Duartes. Além de cuidar da família, exercia também a importante tarefa de educadora. Chiquinha, alfabetizava familiares e moradores da comunidade em sua casa, tempos depois, o próprio Duarte Filho conseguiu instalar no local a “Escola Isolada”, era assim mesmo que se chamava. A partir de então, a educação passou a contar com professores do Estado.
Vingt-un Rosado, mecenas das artes, é outra figura de destaque. Aparece na obra em plena campanha política de 1968, onde participava como candidato a Prefeito de uma das mais intensas campanhas da história local. Ele e América, sua esposa, residiam à Rua Mário Negócio. Foi também fundador da Coleção Mossoroense.
Marieta Lima, artista plástica mossoroense, residente no Centro da Cidade, próximo ao Clube Ipiranga, também esteve na Casa dos Carmelitas, procurando desvendar o mesmo enigma que Frei José, narrador da história, mas não logrou êxito na busca pela botija deixada pelos Carmelitas.
Cônego Sales, influente na igreja e respeitado entre os intelectuais de Mossoró, foi diretor do Colégio Diocesano Santa Luzia, até ser sucedido por Padre Sátiro Cavalcanti.
Por último, aproveito para falar em uma figura folclórica que morava na Barrinha dos Duartes. Chamava-se Antônio Duarte. Naim, como era chamado por familiares e amigos, não tinha o discernimento mental completo; mas tinha dois grandes sonhos! O maior deles era casar, toda moça que conseguia se aproximar, pedia em casamento. Contam os mais antigos, que indagado se haveria festa em seu casamento, respondia: “SIM. NEM QUE EU MATE UM BICHO ALHEIO”. O outro grande sonho de Antônio ou Naim, era morrer. Isso mesmo! Queria morrer “Pra ir pra Rua na Camionete de Zé Pereira”, dizia ele. A mãe dele, quando morta, foi transportada nessa Camionete. Ele viu, achou bonito e queria o mesmo.
Naim, assim como alguns políticos do nosso País, que vivem no Planalto, e desprezam a planície, é a figura mais folclórica de 2020!
No campo da religiosidade, já que parte da história flutua em torno do Convento do Carmo e da vida católica do narrador, seja na abadia no Recife ou na Catedral de Mossoró, onde esteve algumas vezes durante o enredo, um fato histórico chama a atenção. É a presença da Ordem Carmelita em Mossoro no início do Século XVIII (18), em 1701, para ser mais preciso. Residiam em uma casa na Comunidade do Carmo ou Monte do Carmo. Os Frades Carmelitas deslocavam-se até a Igreja de Mossoró para a realização de missas e outros atos da liturgia católica, pois na comunidade onde moravam não havia Igreja.
Parabenizo a David Leite por esse maravilhoso romance histórico.