Crime e castigo no mundo da corrupção

CORRUPÇÃO E IMPUNIDADE IMAGEM LEGAL

Por Cláudio Ferraz*

No seu trabalho clássico sobre a “Economia do Crime e Castigo”, publicado há 50 anos, o economista e prêmio Nobel Gary Becker mostrou pela primeira vez como podemos pensar nas decisões criminais como decisões econômicas. Na sua teoria, indivíduos escolhem cometer um crime, não por aspectos psicológicos e comportamentais, mas por decisões racionais comparando custos e benefícios.

O alto grau de corrupção política observado no Brasil pode ser explicado, em grande parte, por esse modelo simples. Até pouco tempo atrás, a percepção de muitos políticos brasileiros era de que a probabilidade de serem pegos roubando era baixa. E, quando pegos, a punição seria mínima. A operação Lava Jato pode ter mudado essa percepção. Pela primeira vez diversos políticos foram flagrados em atividades ilícitas e presos por desvio de recursos e lavagem de dinheiro. Mas será que essas prisões servirão para modificar a percepção de risco para políticos corruptos? Meu trabalho, em coautoria com Eric Avis e Frederico Finan da Universidade da Califórnia em Berkeley, ajuda a pensar nesses efeitos. Em 2003, o governo federal introduziu um programa inovador de luta contra a corrupção, implementado por meio da CGU (Controladoria Geral da União).

O Programa de Fiscalização por Sorteios Públicos selecionava aleatoriamente municípios para fiscalização via loterias públicas. Todos os municípios com uma população de até 500 mil habitantes eram elegíveis. Uma vez escolhidos, equipes de auditores investigam municípios selecionados, inspecionam contas e verificam a entrega de serviços públicos. Depois de concluídas as inspeções, a CGU gera relatórios detalhados descrevendo as irregularidades encontradas. Até 2015, a CGU realizou 2.241 auditorias, abrangendo 1.949 municípios e R$ 22 bilhões em recursos federais. Nós aproveitamos as loterias públicas do programa para estimarmos o impacto das auditorias na corrupção política local.

Usando uma combinação de dados da CGU, dados eleitorais, judiciais e municipais, nós comparamos os níveis de corrupção em municípios que nunca tinham sido auditados antes com aqueles que já tinham sido auditados no passado. Nós encontramos que as auditorias servem como um instrumento efetivo para reduzir a corrupção. Municípios que passaram por uma auditoria anterior tiveram menos atos de corrupção do que aqueles que não foram investigados.

Nos municípios em que os prefeitos passaram por várias auditorias no mesmo prazo, o efeito na redução de corrupção é ainda maior. O BRASIL AINDA TEM UM LONGO CAMINHO PELA FRENTE SE QUISER SAIR DA LAMA EM QUE SE METEU. MAS NESSE CAMINHO NÃO HÁ ATALHOS Para examinar se os resultados estão relacionados com maior punição, nós coletamos informações de operações especiais da Polícia Federal, de prisões de prefeitos, e do Cadastro Nacional de Condenações Cíveis por Ato de Improbidade Administrativa e Inelegibilidade. Nossos resultados mostram que as reduções na corrupção vieram, principalmente, de auditorias que aumentaram os custos legais da corrupção. Os municípios que foram auditados no passado tiveram uma maior probabilidade de enfrentar ações legais – como investigações policiais ou condenações de prefeitos. Essas ações legais modificaram o comportamento de prefeitos que governaram esses municípios no futuro. Se esses resultados puderem ser extrapolados para os níveis estadual e federal, as punições da Lava Jato podem levar a uma modificação do comportamento dos políticos em relação ao desvio de recursos. No entanto, monitoramento e castigo sozinhos não resolverão o problema de corrupção do Brasil.

O efeito das auditorias da CGU nos municípios são positivos, porém não suficientes para acabar ou mesmo reduzir significativamente a corrupção. Diversos exemplos de desvios de merenda escolar, material de saúde e superfaturamento de obras continuam acontecendo pelos municípios brasileiros, mesmo depois de 15 anos do programa de fiscalizações da CGU.

O que mais pode ser feito? Para reduzir a corrupção é importante que a punição também aumente do lado do corruptor. Nesse sentido, a punição de grandes empresários, encarcerados por desvio de recursos e pagamentos de propinas na operação Lava Jato deverá modificar a percepção de risco do lado do setor privado.

Além disso, a nova lei anticorrupção que responsabiliza objetivamente empresas que praticam atos lesivos contra a administração pública tornou empresários responsáveis pelo comportamento de suas empresas, e gerou um aumento significativo de unidades de compliance pelo Brasil. A participação da sociedade civil também é fundamental. Por um lado, o aumento da transparência dos governos e disponibilidade de grandes bases de dados têm permitido um maior monitoramento por parte da população em relação a gastos, contratos e pagamentos do governo.

Com isso a chance de irregularidades serem detectadas aumentou drasticamente nos últimos anos. Por outro lado, corrupção passou a ser um dos principais problemas citados pelo eleitorado, e isso pode fazer com que as pessoas votem em candidatos menos corruptos nas próximas eleições.

Finalmente, novas caras e movimentos estão aparecendo na política,o que pode gerar concorrência e accountability para os partidos políticos. O Brasil ainda tem um longo caminho pela frente se quiser sair da lama em que se meteu. Mas nesse caminho não há atalhos. Políticos oportunistas prometendo soluções milagrosas devem ser mantidos à distância. Precisamos é reduzir a impunidade, aumentar a transparência e a participação da sociedade civil — e atrair pessoas de bem para a política.

*Claudio Ferraz é professor da Cátedra Itaú-Unibanco do Departamento de Economia da PUC-Rio e diretor científico do JPAL (Poverty Action Lab) para a América Latina.

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