Por Homero Costa*
Em 2017 Richard Wike, Katie Simmons, Bruce Stokes e Janell Fetterolf publicaram o artigo “Many Unhappy with Current Political Systems” (Pew Reseach Center), resultado de uma pesquisa na qual afirmam que o público, em todo mundo, está, em geral, insatisfeito com o funcionamento dos sistemas políticos das suas nações e que mais de 50% dos norte-americanos estavam insatisfeitos com a sua democracia, “tal como a maioria dos cidadãos no sul da Europa, do Médio Oriente e na América Latina”.
Esses dados são também constatados com outras pesquisas, como as do Instituto V-Dem (Instituto de pesquisa independente, criado em 2014 e com sede no Departamento de Ciência Política da Universidade de Gotemburgo, na Suécia) que na pesquisa V-Dem: Padrões Globais, Conhecimento Local, analisa o que chamam de Variedades da democracia (V-Dem), uma nova abordagem para conceituar e medir a democracia. Fornecendo um conjunto de dados multidimensional e desagregado afirma que a democracia vai além da realização de eleições periódicas. Na pesquisa, foram definidos cinco tipos de democracia: eleitoral, liberal, participativa, deliberativa e igualitária e constatou-se o que os autores chamaram de decadência democrática. Ao medir empiricamente a qualidade de democracias no mundo, constata que houve em alguns países, o Brasil incluído, “preocupantes refluxos democráticos”.
Segundo a pesquisa, o mundo está enfrentando um processo de autocratização. Os atributos do regime democrático liberal foram se corroendo gradualmente em 24 países nos últimos dez anos. Na maioria desses países os populistas de direita levaram seus países à “direção mais autocrática”. E os atores fazem uma pergunta relevante: as forças pró-democracia serão bem-sucedidas em recuperar forças ou estamos em uma onda de autocratização em longo prazo?
Uma expressiva bibliografia tem sido produzida no momento para tentar compreender a decadência democrática, ou seja, a degradação das estruturas e da substância da democracia constitucional liberal.
Entre outros podemos citar o livro Como as democracias morrem de Steve Levitsky e Daniel Ziblat (Editora Zahar, 2018) o qual, em que pese reduções simplificadoras como colocar na mesma categoria Hugo Chávez e Adolf Hitler (p.15 e 16) fazem uma análise sobre a estrutura das democracias constitucionais atuais e suas “normas implícitas”. Para eles, o desprezo pela tolerância mútua e pelo que chamam de “parcimônia institucional”, provocam sérios danos as democracias, sem que seja necessário apelar para afrontas mais explícitas ao sistema constitucional.
São complexos e amplos os perigos para a democracia no atual cenário mundial. Vão desde manipulações eleitorais, retrocessos autoritários, com o enfraquecimento ou eliminação de instituições que são base de sustentação das democracias.
Larry Diamond no livro O espírito da democracia (Editora Atuação, 2015) se refere à existência de uma recessão democrática, um aprofundamento do autoritarismo no mundo, inclusive em democracias mais consolidadas.
No livro O povo contra a democracia; por que nossa liberdade corre risco e como salvá-la de Yascha Mounk (Editora Companhia das Letras, 2019), afirma que a democracia liberal “mistura única de direitos individuais e soberania popular que há muito tempo caracteriza a maioria dos governos da América do norte e da Europa Ocidental” está se desmanchando.
O entendimento do autor é que a democracia liberal como um sistema político ao mesmo tempo liberal e democrático, protege os direitos individuais e traduz a opinião popular em políticas públicas. Mas que pode se desvirtuar de duas formas: podem ser iliberais, onde há uma subordinação das instituições aos caprichos do executivo ou por restringir os direitos das minorias que a desagradam e que a regimes liberais podem ser antidemocráticos, a despeito de contarem com eleições regulares e competitivas e que Isso tende a acontecer sobretudo em lugares onde o sistema político favorece de tal forma a elite que as eleições raramente servem para traduzira opinião popular em políticas púbicas.
Para ele, esta cola está perdendo aderência, e que duas formas de regime estão ganhando projeção: a democracia iliberal – que ele entende como democracia sem direitos (o que é uma contradição) e o liberalismo antidemocrático, ou direito sem democracia.
Michael Löwy no artigo Neofascismo: um fenômeno planetário. O caso Bolsonaro inicia afirmando que se constata nos últimos anos “uma espetacular ascensão da extrema direita reacionária, autoritária e/ou “neofascista”, que já governa metade dos países em escala planetária: um fenômeno sem precedente desde os anos 1930. Alguns dos exemplos mais conhecidos: Trump (USA), Modi (Índia), Urban (Hungria), Erdogan (Turquia), ISIS (o Estado Islâmico), Duterte (Filipinas), e agora Bolsonaro (Brasil). Mas em vários outros países temos governos próximos desta tendência, mesmo que sem uma definição tão explicita: Rússia (Putin), Israel (Netanyahu), Japão, (Shinzo Abe), Áustria, Polônia, Birmânia, Colômbia, etc.”.
Mas também destaca algumas diferenças importantes. Como o fato de que “Enquanto boa parte da extrema direita, em particular na Europa, denuncia a globalização neoliberal, em nome do protecionismo, do nacionalismo econômico e do combate à “finança internacional”, no caso do Brasil, se “propõe um programa econômico ultraliberal, com mais globalização, mais mercado, mais privatizações, além de um completo alinhamento com o Império norte-americano”.
No Brasil, não faltam sinais e atos que indicam o caminho em direção à decadência democrática. Um governo que não cessa de levar adiante uma “guerra ideológica” contra seus adversários, considerados como inimigos, com o uso desmedido de decretos, medidas provisórias, ataques aos direitos sociais etc., que não tem sido respondido com eficiência pelos demais poderes. Foi assim em relação aos decretos sobre posse e porte de armas, reformulados ao sabor de reações legislativas. O que parece é não haver disposição para se enfrentar o projeto neoliberal e suas consequências.
Em relação à justiça, o que se espera do Poder Judiciário é que impeça qualquer arroubo autoritário em defesa do constitucionalismo de perfil social estruturado pela Constituição de 1988 e na sociedade civil como defende Michel Lowy há a necessidade imperiosa de construir amplas Frentes Únicas Democráticas e/ou Antifascistas para combater o que ele chama de “onda da Peste Marrom”. Mas, salienta “não podemos deixar de levar em conta que o sistema capitalista, sobretudo nos períodos de crise, produz e reproduz constantemente fenômenos como o fascismo, o racismo, os golpes de estado e as ditaduras militares. A raiz desses fenômenos é sistêmica e seu combate só pode ser também sistêmico (radical e antissistêmica). Um grande e inadiável desafio.
*Artigo extraído da Revista Nossa Ciência.