“E agora eu vou escrever!”

crônica

Por Mário Gerson

Meu filho tem cinco anos. Ele tinha um quando, de uma hora para outra, parei de escrever literatura. Calculava o tempo parado na literatura de acordo com a idade do meu filho. Hoje, 18 de fevereiro de 2017, voltei a escrever.

Muitos amigos dizem que nunca parei. Só havia mudado os hábitos de publicação (considerando a plataforma de internet e a página social que mantenho, com poucos colegas da antiga função – na vida passada, bem recente, eu era jornalista). Esses mesmos amigos me pediam que voltasse a escrever. Sem motivo aparente para fazê-lo, os dias se sucederam numa espécie de parada para um café e passei quatro anos sem produzir literatura (antes de pedir demissão da GAZETA DO OESTE, ainda escrevia, mas só reportagens).

Hoje, meu filho me pediu algo que eu nunca esperava que pedisse: uma máquina de escrever! Parei na sala da casa, Chopin tocava na biblioteca, e sorri com um olhar de incredulidade. Pedi que repetisse: “Quero uma máquina de escrever, pai. Das suas!” (No momento em que escrevo estas palavras, duas lágrimas caem sobre a minha perna esquerda…) Saí, devo dizer, com alegria a caminho da biblioteca. Abri a porta e o chamei para dentro. Ele entrou e tirei duas máquinas da estante. Uma Remington – a que eu uso e que, espero, ser enterrado com ela – e outra, uma pequena, Olivetti Lettera, a máquina com a qual o fotografei com um ano de idade. Foto esta que está em seu quarto, em um grande banner e é um de seus orgulhos…

Retirada a máquina, procedemos com as instruções. Os olhinhos curiosos saltitavam de alegria. “Ah, pai, legal!”, ele dizia, depois de cada observação. “E para escrever maiúsculo, filho, você segura esta tecla aqui!” “Pai, e se parar?” “Se parar, puxa essa alavanca aqui!” Sentados no chão frio da casa – Chopin continuava no som da biblioteca – Davi e eu conversamos por um momento sobre a máquina e ele me olhou, sereno, e disse: “Gostei muito, pai, do presente! E agora eu vou escrever!” A voz entrou na minha alma, rondou todos os meus lugares mais recônditos e me vi de novo, muito jovem, adquirindo minha primeira máquina de escrever, com o dinheiro que ganhei como garçom, em uma lanchonete da cidade… também me vi lendo vorazmente nas madrugadas, enquanto meus colegas desfrutavam de outras realidades.

Meu filho, eu poderia ter passado mais quatro anos sem nada produzir: somente sua imagem à máquina de escrever bastaria para suprir tudo. Foi a cena mais poética que vi em toda minha vida. Eu me lembro de você, ainda bem pequeno, mexendo na minha Remington. Tenho uma foto que mostra isso… Sua frase, seus olhos brilhando, renovaram, em mim, essa vontade de voltar a escrever, não uma escritura de revanchismo e de revolta, tão comum naqueles que, como seu pai, enfrentaram percalços, pedras no caminho, um pouco de solidão e fúria, afastamento social e contentamento interior…

 Não, meu filho… não voltei a escrever para compor uma obra de tédio e ódio, mas apenas para me exercitar junto com você, aprender com você, refletir com você…

Agora eu o vejo, mesmo daqui, em sua máquina, a escrever meu nome – obrigado por tê-lo feito tão bem –, meu nome não como a sociedade me viu ou me vê, não o nome de ofício ou identidade, mas o nome que carrego e sei importante para você… obrigado por ter escrito, naquela folhinha branca, a honrosa palavra: PAPAI.

 

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Reportagem especial

Canal Bruno Barreto